CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2021; 56(04): 478-484
DOI: 10.1055/s-0040-1721839
Artigo Original
Mão

Epidemiologia da doença de Dupuytren e de pacientes submetidos a fasciectomia seletiva[*]

Artikel in mehreren Sprachen: português | English
1   Centro de Cirurgia da Mão, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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2   Divisão de Pesquisa, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3   Unidade de Farmácia, Centro Universitário Estadual da Zona Oeste, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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1   Centro de Cirurgia da Mão, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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2   Divisão de Pesquisa, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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2   Divisão de Pesquisa, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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2   Divisão de Pesquisa, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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Resumo

Objetivo Descrever o perfil epidemiológico e clínico dos pacientes com doença de Dupuytren tratados por fasciectomia seletiva e os fatores associados com a gravidade da doença.

Metodologia Estudo observacional descritivo retrospectivo envolvendo 247 pacientes com doença de Dupuytren, no período de 2013 a 2019. Foi realizada regressão logística multivariada para análise dos dados.

Resultados A maioria dos pacientes era do sexo masculino (83,8%), autodeclarados brancos (65,2%), etilistas (59,6%), e 49% eram tabagistas. A média de idade foi de 66 ± 9 anos, sendo que 77,2% apresentaram os sintomas da doença após os 51 anos. Aproximadamente 51,9, 29,6, e 17,3%, respectivamente, apresentaram hipertensão arterial, diabetes mellitus e dislipidemia. O acometimento bilateral das mãos foi observado em 73,3% dos pacientes. A taxa de complicações intra- e pós-fasciectomia seletiva foi de 0,6 e 24,3%, respectivamente, sendo que 5,2% dos pacientes necessitaram de reintervenção após 1 ano de acompanhamento. Após análise multivariada, o sexo masculino foi associado com acometimento bilateral das mãos (odds ratio [OR] = 2,10; intervalo de confiança [IC] 95%: 1,03–4,31) e com maior número de raios acometidos (OR = 3,41; IC 95%: 1,66–7,03). A dislipidemia foi associada com a reintervenção (OR = 5,7; CI 95%: 1,03–31,4) e a bilateralidade com maior número de complicações (35,7% versus 19,7%).

Conclusão Foi observada uma baixa taxa de reintervenção e complicações operatórias nos pacientes com doença de Dupuytren tratados por fasciectomia seletiva. O sexo masculino foi associado com o quadro grave da doença (bilateralidade e mais de dois raios acometidos), e a dislipidemia com a reintervenção.


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Introdução

A doença ou contratura de Dupuytren é uma das desordens mais comuns do tecido conjuntivo humano.[1] Ela caracteriza-se por uma proliferação fibroblástica progressiva e irreversível afetando a fáscia palmar, com o espessamento dessa estrutura, que pode ser progressivo, levando a gradual contratura em flexão dos dedos das mãos.[2] Manifesta-se inicialmente com a formação de nódulos subcutâneos, seguida pelo aparecimento de cordas fibrosas, responsáveis pela contratura.[3]

A incidência da doença de Dupuytren varia entre 3 a 40%, acometendo normalmente indivíduos > 50 anos,[4] homens, com maior prevalência em indivíduos de etnia branca.[5] Além disso, apresenta elevada incidência entre os pacientes com histórico de tabagismo e etilismo, desordens metabólicas ou que utilizam antirretrovirais ou anticonvulsivantes.[5] Dessa forma, a etiologia da doença é multifatorial, estando associada a fatores intrínsecos e extrínsecos.[3]

Atualmente, diversas opções de tratamento estão disponíveis, incluindo: fasciotomia percutânea, fasciotomia com uso de colagenase (Clostridium histolyticum), fasciectomia parcial ou seletiva, fasciectomia total e dermofasciectomia.[6] No entanto, observa-se elevada taxa de recorrência da doença.[7] A intervenção cirúrgica está indicada após o comprometimento funcional,[8] sendo recomendada tipicamente para pacientes com contratura da articulação metacarpofalangeana de pelo menos 30° e/ou contratura da articulação interfalangeana proximal associada a comprometimento funcional.[9]

A fasciectomia seletiva é atualmente o procedimento cirúrgico realizado com maior frequência, sendo o padrão ouro para os casos de liberação primária da contratura em flexão.[10] Existe uma grande variabilidade na literatura quanto a definição do percentual da correção da contratura e taxa de recorrência, dificultando a avaliação da efetividade e segurança das intervenções cirúrgicas na doença de Dupuytren.[11] Além disso, um aspecto importante ao se avaliar o tratamento cirúrgico é o grau de satisfação do paciente após a intervenção, que nem sempre está relacionado com a maior correção da contratura em flexão, dificultando ainda mais a comparação entre as opções de tratamento.[12]

O objetivo do presente estudo foi descrever o perfil epidemiológico e clínico dos pacientes com doença de Dupuytren tratados cirurgicamente com fasciectomia seletiva, determinar a frequência de complicações operatórias e a necessidade de novos procedimentos cirúrgicos, além de identificar os possíveis fatores associados com as características clínicas da doença.


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Materiais e Métodos

Foi realizado um estudo observacional descritivo retrospectivo de uma amostra de pacientes com doença de Dupuytren atendidos e tratados cirurgicamente pelo Serviço de Cirurgia da Mão de um hospital terciário do Sistema Único de Saúde (SUS), no período de primeiro de janeiro de 2013 a 30 de junho de 2019. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional (3.100.284/2018).

No período do estudo, a fasciectomia seletiva foi a principal opção de tratamento para os pacientes com doença de Dupuytren, correspondendo a 96,6% dos procedimentos realizados. A fim de homogeneizar a amostra, foram incluídos os pacientes com diagnóstico de doença Dupuytren confirmado por um cirurgião de mão tratados por fasciectomia seletiva primária ([Figura 1]) isolada (n = 247), sendo considerada a primeira abordagem cirúrgica para o tratamento da doença, não estando associada a nenhum outro procedimento, como capsulotomia ou tenotomias. Foram excluídos os pacientes submetidos a tratamento cirúrgico prévio e aqueles com informações indisponíveis no prontuário.

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Fig. 1 Fluxograma para seleção dos pacientes com diagnóstico de doença de Dupuytren tratados cirurgicamente por fasciectomia seletiva primária.

As características demográficas dos pacientes foram obtidas por busca ativa nos prontuários e registradas em um instrumento de coleta de dados para obtenção das informações: (i) características sociodemográficas como gênero, idade, cor da pele autodeclarada, peso, altura, tabagismo e etilismo; (ii) histórico positivo para diabetes mellitus, dislipidemia, epilepsia, doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, soropositividade para HIV, doença de Ledderhose, doença de Peyronie, capsulite adesiva do ombro e histórico de trauma nas mãos; e (iii) apresentação clínica da doença de Dupuytren: acometimento unilateral ou bilateral, raios acometidos, presença de nódulos dorsais de Garrord, idade de início dos sintomas, histórico familiar positivo da doença, complicações intra- e pós-operatórias, tempo de seguimento após a fasciectomia seletiva primária e a necessidade de nova abordagem cirúrgica para tratamento de complicação associada à fasciectomia seletiva inicial ou por recidiva da contratura em flexão dos dedos, sendo denominada de reintervenção. Dentre as complicações pós-operatórias, foi considerado déficit de extensão quando não havia registro no prontuário de nenhuma causa aparente, como retração cicatricial, dor ou outra complicação.

O procedimento cirúrgico foi indicado para presença de comprometimento funcional[8] quando foi observada contratura em flexão da articulação metacarpofalangeana > 30° e/ou contratura da articulação interfalangeana proximal ([Figura 2A]). A fasciectomia seletiva foi realizada com exsanguinação do membro, mantida pela utilização de manguito pneumático. Na face volar da mão, foi planejada uma incisão popularizada por Bruner, com extensão para o raio acometido ([Figura 2B]). Após a mobilização dos retalhos de pele, é realizada a dissecção, identificação e proteção dos feixes neurovasculares e do espessamento da fáscia palmar. Em seguida, realizou-se a excisão da fáscia com características patológicas. ([Figura 2C]). O material excisado ([Figura 2D]) foi enviado para estudo histopatológico, confirmando as alterações características da doença de Dupuytren. O curativo foi aplicado associado a uma tala gessada, volar, para manutenção da extensão dos dedos. A imobilização gessada foi retirada no momento da troca do primeiro curativo, em torno do final da primeira semana, sendo iniciadas a mobilidade passiva e/ou ativa dos dedos pela equipe de terapeutas ocupacionais especializados em cirurgia da mão. Nenhum dos pacientes incluídos utilizou órtese no pós-operatório.

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Fig. 2 Fasciectomia seletiva em paciente com doença de Dupuytren. (A) Contratura em flexão do dedo mínimo. (B) Planejamento operatório. (C) Espessamento da fáscia palmar com formação de corda. (D) Segmento da fáscia palmar excisada.

As variáveis contínuas foram apresentadas como média ± desvio padrão (DP). Para avaliar os fatores associados com as características clínicas da doença de Dupuytren, as razões de chances (OR, na sigla em inglês) com seus respectivos intervalos de confiança (IC)de 95% foram estimados usando o método de regressão logística multivariada, considerando a importância biológica e o grau de significância estatística na análise univariada, com nível de significância de p ≤ 0,25 para entrada no modelo e de p ≤ 0,10 para permanecer no modelo de regressão. As análises foram realizadas no pacote estatístico IBM SPSS Statistics for Windows, versão 20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), e um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.


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Resultados

A maioria dos 247 pacientes com doença de Dupuytren tratados por fasciectomia seletiva era do sexo masculino, autodeclarados brancos ([Tabela 1]), com hábito etilista (59,6%) e/ou tabagista (49,0%), apresentando média de idade de 66,3 ± 9,2 anos (mínimo 31 e máximo 94 anos), e 84,4% apresentavam índice de massa corporal (IMC) na faixa de 18,5 a 29,9 kg/m2. Considerando as comorbidades associadas à doença de Dupuytren, 29,6% apresentaram diabetes mellitus, 17,3% dislipidemia, 6,6% epilepsia, 2,5% doenças cardiovasculares e menos que 1% eram HIV positivos. Além disso, 51,9% dos pacientes também apresentavam hipertensão arterial.

Tabela 1

Variáveis

Dupuytren (n = 247)

n (%)

Idade (anos)

 ≤ 40

2 (0,8)

 41–50

6 (2,4)

 51–60

53 (21,5)

 61–70

110 (44,5)

 71–80

62 (25,1)

 81–90

13 (5,3)

 ≥ 91

1 (0,4)

Gênero

 Feminino

40 (16,2)

 Masculino

207 (83,8)

Cor da pele [a]

 Branca

161 (65,2)

 Parda

58 (23,5)

 Preta

27 (10,9)

 Amarela

1 (0,4)

O acometimento bilateral das mãos foi observado em 73,3% dos pacientes. Os dedos mínimo (35,0%) e anular (34,7%) foram os raios mais afetados, seguidos do polegar, médio e indicador: 15,1, 12,1 e 3,1%, respectivamente. Além disso, 37,2 e 38,9% dos pacientes apresentaram, respectivamente, 1 e 2 raios acometidos. Os demais pacientes apresentaram 3 (18,4%) ou mais raios acometidos (5,5%). Cerca de 11,1% dos pacientes também apresentaram histórico prévio de trauma nas mãos, 19,7% doença de Ledderhose, 7,5% doença de Peyronie (considerando os 207 homens com a doença), 7,2% capsulite adesiva do ombro, e 27,8% nódulos dorsais de Garrord, sendo o dedo indicador o mais acometido (33,4%), seguido do médio e anular (25,9% cada), 11,1% o dedo mínimo e 3,7% o polegar. Em 18,5% dos casos houve relato de histórico familiar da doença de Dupuytren, sendo que 3,7% deles relataram ≥ 3 parentes afetados.

Foram realizadas 300 fasciectomias seletivas como primeira abordagem cirúrgica nos 247 pacientes com doença de Dupuytren. Os pacientes com acometimento bilateral (n = 181) que foram submetidos a fasciectomia seletiva primária em ambas as mãos (n = 53) foram operados em momentos distintos ([Figura 1]). Considerando os pacientes que tiveram um tempo mínimo de acompanhamento ambulatorial de 1 ano, foi observada uma frequência de reintervenção de 5,2%. Durante o estudo, foram realizadas as seguintes reintervenções: curativo cirúrgico por complicação de ferida operatória; fasciectomia seletiva associada a capsutolomia volar da articulação interfalangeana proximal (IFP) e a zetaplastia de retração cicatricial; fasciectomia seletiva associada exclusivamente a capsulotomia volar da articulação IFP; amputação do 5° raio; e fasciectomias seletivas isoladas.

No tocante às complicações intraoperatórias das fasciectomias seletivas, foram registrados 2 casos de lesão do nervo digital (0,6%). Além disso, também foi registrado um caso de lesão do nervo digital na reintervenção de um paciente que realizou uma nova fasciectomia seletiva. Para os três casos, foi realizado o reparo primário e todos evoluíram com grau de perda de sensibilidade do dedo acometido. Foram registradas 73 complicações após as 300 fasciectomias seletivas primárias (24,3%), sendo as mais comuns o déficit de extensão completa do dedo acometido (50,7%), a rigidez articular (24,7%) e a necrose de pele (8,2%). As demais complicações totalizaram 16,4% ([Figura 3]).

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Fig. 3 Número de complicações pós-operatórias dos pacientes com doença de Dupuytren tratados com fasciectomia seletiva.

Avaliando os fatores associados com a gravidade da doença de Dupuytren, após análise multivariada, foi observado o sexo masculino associado com acometimento bilateral das mãos e com o número de raios acometidos ([Tabela 2]). A dislipidemia foi associada com a reintervenção (p = 0,04; OR = 5,7; CI 95%: 1,03–31,4). Os pacientes com acometimento bilateral apresentaram maior número de complicações pós-operatórias (35,7 versus 19,7% nos pacientes com acometimento unilateral, OR = 2,27; CI 95%: 1,15–4,46). Os demais fatores avaliados (idade, cor da pele, etilismo, tabagismo, diabetes Mellitus, dislipidemia, epilepsia, HIV e complicações operatórias) não foram significativamente associados com a apresentação bilateral da doença, com o número de raios acometidos (1 raio versus ≥ 2 raios acometidos), com a idade de início da doença (≤ 50 anos versus ≥ 51 anos) ou com a necessidade de reintervenção.

Tabela 2

Variáveis

Unilateral (n = 66)

Bilateral (n = 181)

valor-p a

OR ajustada (IC 95%)

Gênero

n (%)

 Feminino

16 (24,2)

24 (13,3)

0,04

1[b]

 Masculino

50 (75,8)

157 (86,7)

2,10 (1,03–4,31)[c]

1 raio ( n  = 71)

≥ 2 raios (n = 176)

Gênero

 Feminino

20 (28,2)

20 (11,4)

0,001

1[b]

 Masculino

51 (71,8)

156 (88,6)

3,41 (1,66–7,03)[d]


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Discussão

A doença de Dupuytren é frequente diagnosticada no consultório do especialista em cirurgia da mão. No entanto, diversos aspectos ainda geram discordância, como a etiologia e a opção de tratamento mais adequada para a apresentação clínica do paciente.

Classicamente, a doença de Dupuytren acomete principalmente indivíduos brancos, do sexo masculino, com idade > 50 anos,[5] [13] [14] sendo que a prevalência da doença aumenta com a idade.[13] No presente estudo, foi observado um predomínio de indivíduos autodeclarados brancos e pardos, com idade > 50 anos e uma proporção entre homens e mulheres de 5:1, semelhante à descrita anteriormente (5,9:1).[13] Além disso, o sexo masculino foi associado com o risco aumentado de aproximadamente duas vezes para o quadro mais grave da doença (acometimento bilateral e mais de dois raios acometidos). Hindocha et al.[15] descreveram que a apresentação bilateral e o sexo masculino estão associados com a maior recorrência da doença de Dupuytren após o tratamento cirúrgico.

O acometimento bilateral e os dedos mínimo e anular foram os mais acometidos na amostra, corroborando com a literatura.[5] [6] [13] [16] Os nódulos dorsais de Garrord foram mais frequentes no indicador, assim como descrito anteriormente.[17] Esses nódulos já foram associados com um risco aumentado da diátese da doença de Dupuytren.[18]

O consumo de bebidas alcoólicas e o tabagismo já foram anteriormente associados com a doença de Dupuytren.[5] [13] [19] A causa e os mecanismos como tais condições estão associadas ainda não são bem esclarecidos. A maioria dos pacientes apresenta histórico de ingestão de álcool e de tabagismo; no entanto, em uma proporção maior do que o evidenciado por Mansur et al.,[5] que avaliaram um número menor de pacientes brasileiros (n = 58) com doença de Dupuytren (9 e 22%, respectivamente, comparado a 60 e 49% no presente estudo). Pacientes com doença de Dupuytren que fazem uso de tabaco e de bebidas alcoólicas estão associados com a necessidade de tratamento cirúrgico.[13] Como a amostra do presente estudo é composta apenas de pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico, sendo possivelmente mais graves, foi observada maior prevalência de etilistas e tabagistas quando comparado com os dados descritos por Mansur et al.[5]

Dentre as enfermidades associadas com a doença de Dupuytren, 29,6% dos pacientes também apresentaram diabetes melitus. Mansur et al.,[5] em uma série de apenas 58 casos de brasileiros com doença de Dupuytren, verificaram uma prevalência de 44,8% de diabetes, sendo 62% insulinodependentes. Recentemente, um estudo de metanálise observou uma associação de risco de aproximadamente três vezes entre a doença de Dupuytren e a diabetes melitus.[20] O mecanismo molecular envolvido entre as duas doenças ainda tem sido amplamente estudado;[20] contudo, sugere-se que os metabólitos gerados pela diabetes melitus estimulam o desenvolvimento de miofibroblastos, a principal célula da doença de Dupuytren.[21] Além disso, foi observado que a grande maioria dos pacientes apresentavam hipertensão arterial, de acordo com o descrito no estudo envolvendo 58 pacientes brasileiros com doença de Dupuytren, sendo que 55% também apresentavam hipertensão arterial.[5] Ambas as doenças acometem principalmente pacientes idosos; contudo, a causa da associação entre hipertensão arterial e a doença de Dupuytren ainda não foi descrita na literatura.

A taxa de reintervenção após o tratamento cirúrgico da doença de Dupuytren depende de diversos fatores, dentre eles a gravidade de contratura e o tipo de procedimento realizado. A taxa de reintervenção observada (5,2%) foi similar à descrita recentemente na população americana, que avaliou 132 fasciectomias seletivas com 4% de reintervenções.[22] Após análise multivariada, a dislipidemia foi associada com maior taxa de reintervenção. A dislipidemia já foi associada com a doença de Dupuytren,[23] sugerindo-se a necessidade de se considerar essa condição nos pacientes com fibromatose palmar para o adequado planejamento do tratamento.

Em um estudo amplo de revisão, Denkler[24] descreveu a taxa de complicações cirúrgicas após a fasciectomia seletiva primária, variando de 4 a 39%.[24] No presente estudo, foi observada uma baixa taxa de complicação intraoperatória, sendo observada apenas lesão do nervo digital (0,6%). Na literatura, observa-se uma taxa média de lesão do nervo digital de ∼ 3%.[24] [25] Dentre as complicações pós-operatórias mais comuns, destacam-se os problemas com cicatrização da ferida operatória, variando de 0 a 86%.[24] Contudo, na amostra estudada, a complicação pós-operatória mais comum foi o déficit de extensão completa, seguida pela rigidez articular. Além disso, pacientes com acometimento bilateral apresentaram um risco aumentado de aproximadamente duas vezes para apresentarem complicações pós-operatórias, pois a contratura pode ter se agravado pelo maior tempo de espera para a realização do tratamento cirúrgico da outra mão. Ribak et al.[6] descreveram como complicações após o procedimento de ressecção da fáscia alterada, comparando a fasciectomia seletiva e percutânea, um caso de parestesia transitória do nervo digital e de síndrome da dor complexa regional do tipo I. Além disso, observaram que não existem diferenças significativas entre os grupos submetidos às diferentes fasciectomias referente à classificação de Tubiana, o tempo de retorno às atividades profissionais e na recidiva da doença.[6]

Por ser um estudo retrospectivo, pela ausência de um prontuário eletrônico padronizado e o registro do grau de contratura em flexão dos dedos para auxiliar na identificação de recorrência da doença após a fasciectomia seletiva são as principais limitações do estudo. No entanto, o tamanho amostral, bem como a confirmação das informações, com verificação dupla do banco de dados, contribuem para a robustez dos resultados descritos, que podem ser usados para construir um banco de dados de diferentes populações para identificar os fatores associados com a doença de Dupuytren. Juntas, estas informações podem auxiliar no prognóstico e acompanhamento pós-operatório, sugerindo a necessidade de os pacientes consultarem precocemente um especialista, mesmo sem a limitação funcional da mão, que é o principal determinante do tratamento cirúrgico da doença de Dupuytren.


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Conclusão

A fasciectomia seletiva apresentou uma baixa taxa de reintervenção e complicações operatórias. O sexo masculino foi associado com o acometimento bilateral das mãos e com o maior número de raios acometidos, enquanto a dislipidemia foi associada com a reintervenção.


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Conflito de interesses:

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Suporte Financeiro

Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.


* O presente trabalho foi realizado no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


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Endereço para correspondência

Jamila Alessandra Perini, PhD
Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO)
Divisão de Pesquisa. Av. Brasil, 500, Caju, Rio de Janeiro, RJ, 20940-070
Brasil   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 22. April 2020

Angenommen: 17. September 2020

Artikel online veröffentlicht:
22. März 2021

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Fig. 1 Fluxograma para seleção dos pacientes com diagnóstico de doença de Dupuytren tratados cirurgicamente por fasciectomia seletiva primária.
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Fig. 2 Fasciectomia seletiva em paciente com doença de Dupuytren. (A) Contratura em flexão do dedo mínimo. (B) Planejamento operatório. (C) Espessamento da fáscia palmar com formação de corda. (D) Segmento da fáscia palmar excisada.
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Fig. 1 Flowchart to select patients with Dupuytren disease surgically treated by primary selective fasciectomy.
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Fig. 2 Selective fasciectomy in a patient with Dupuytren disease. (A) Flexion contracture of the little finger. (B) Surgical planning. (C) Palmar fascia thickening with chord formation. (D) Excised palmar fascia segment.
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Fig. 3 Número de complicações pós-operatórias dos pacientes com doença de Dupuytren tratados com fasciectomia seletiva.
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Fig. 3 Number of postoperative complications in patients with Dupuytren disease treated with selective fasciectomy.