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DOI: 10.1055/s-0035-1564822
Síndrome do trefinado: relato de caso
Syndrome of Trephined: A Case ReportAddress for correspondence
Publication History
10 November 2013
07 August 2015
Publication Date:
07 October 2015 (online)
Resumo
Síndrome do trefinado é atualmente uma complicação comum na neurotraumatologia, sendo descrita como uma síndrome na qual ocorre deterioração neurológica acompanhada de sinais e sintomas após a remoção de uma parte considerável de osso do crânio, assim como ocorre na hemicraniectomia. Neste artigo, juntamente com a revisão de literatura, será relatado o caso de um paciente adulto, vítima de acidente automobilístico, com história de traumatismo cranioencefálico (TCE) grave que foi submetido à craniectomia terapêutica, cursando com a síndrome do trefinado.
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Abstract
“Syndrome of the Trephined” or “Sinking Skin Flap Syndrome” is an usual syndrome in which neurological deterioration occurs following removal of a large skull bone flap (for example, in descompressive craniectomy). In this article, we will report the case of a 24 years old male, victim of an automobile accident with severe traumatic brain injury (TBI), which developed the Syndrome of the Trephined.
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Introdução
Síndrome do trefinado (ST) é uma síndrome em que ocorre deterioração neurológica após a remoção de uma parte considerável do crânio.[1] [2] A ST é frequentemente não diagnosticada, e seus sintomas são melhorados após a cranioplastia. Conceitualmente, essa síndrome pode ser definida como a conversão de uma caixa fechada (closed box) para uma caixa aberta (open box).[2]
Assim, reportaremos o caso de um adulto jovem, vítima de trauma automobilístico, submetido à craniectomia, seguido de complicações da ST.
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Relato de Caso
Paciente homem de 24 anos de idade, vítima de acidente automobilístico em novembro de 2013, com história de craniectomia bifrontotemporal devido a TCE grave. Evoluiu bem, apresentando-se apenas confuso na alta hospitalar, sendo programada cranioplastia eletiva posterior. Dois meses depois cursou com rebaixamento do sensório e abaulamento da área de craniectomia. Foi internado, e a tomografia de crânio evidenciou hidrocefalia tetraventricular com transudação ependimária importante ([Fig. 1]). Após exame de líquor sem evidências de infecção, foi realizado implante de derivação ventriculoperitoneal (DVP) ([Fig. 2]). No pós-operatório, o paciente apresentava boa evolução, com escala de coma de Glasgow (ECG) igual a 11. Porém, uma semana após a DVP, ele cursou com piora neurológica importante, com rebaixamento do sensório, ECG igual a 3, e depressão da craniolacuna.
No entanto, apresentava razoável padrão respiratório em ar ambiente, sugerindo-se a hipótese de síndrome do trefinado ([Fig. 3]).
Dessa maneira, realizou-se cranioplastia externa (com capacete de gesso), melhorando o quadro neurológico no dia seguinte. Subsequentemente, o paciente foi submetido à ligadura da DVP, com proposta de reabertura após cranioplastia, realizando-se apenas observação do quadro. Assim, o paciente foi submetido à cranioplastia heteróloga bifrontal com metilmetacrilato, em ato sem intercorrências, com melhora do quadro.
Após 10 dias, o paciente evoluiu com rebaixamento de sensório e formação de coleção sob a pele, levantando-se a hipótese de disfunção de válvula. A tomografia de crânio mostrou higroma subdural à direita e coleção hemorrágica à esquerda, e optou-se por tratamento conservador. ([Fig. 4]). Poucos dias depois, o paciente apresentou drenagem de secreção purulenta pela ferida operatória.
No exame físico, o paciente mostrava-se sonolento, despertando a estímulo doloroso e localizando a dor bilateralmente, com pupilas 3 + /3 + . Houve ainda deiscência da ferida operatória com secreção purulenta de odor fétido, sendo sugerida infecção em sítio de cranioplastia. A conduta foi a retirada da cranioplastia, desbridamento do sítio da cranioplastia, acompanhada de tratamento com antibiótico (vancomicina e amicacina) e drenagem do empiema extradural. Além disso, houve a retirada da DVP e colocação de derivação ventricular externa (DVE), a qual foi monitorada no pós-operatório, necessitando de abertura constante durante a evolução.
Após controle da infecção, o paciente foi submetido à DVP de alta pressão à direita, com posterior retirada da DVE parietal esquerda.
A evolução neurológica do paciente foi estável, com janela da craniectomia abaulada, mas deprimível ou não tensa. Referente ao quadro neurológico, o paciente apresentava-se alerta, localizava dor e emitia sons incompreensíveis.
Atualmente, convive com quadro sequelar funcional moderado.
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Discussão
Yamaura e Makina[3] definiram a síndrome do trefinado como alterações neurológicas que poderiam ser explicadas unicamente devido à concavidade do retalho de pele e à pressão da atmosfera sobre o tecido cerebral subjacente.
Outros investigadores têm procurado explicar a fisiopatologia desse fenômeno. Uma teoria seria de que a pressão atmosférica a ser transmitida diretamente para a cavidade intracraniana deslocaria o couro cabeludo ao longo do sítio de craniectomia para o interior.[4]
Recentemente, vários autores[5] [6] propuseram que um gradiente negativo entre a pressão atmosférica e intracraniana, que é agravada por alterações no compartimento do líquido cefalorraquidiano (LCR), seria o mecanismo de deterioração neurológica após craniectomia.
A drenagem do LCR em um paciente que sofre de hidrocefalia e meningite exacerba este efeito por meio da criação de um gradiente de pressão através do sítio de craniectomia. Além disso, desidratação prolongada e posição ortostática podem precipitar esse fenômeno.[7]
A fisiopatologia alterada encontrada em um crânio convertido a partir de uma “caixa fechada” para uma “caixa aberta” traz benefícios e riscos, como no caso relatado. Em alguns pacientes que realizaram craniectomia, as forças da pressão atmosférica e da gravidade sobrecarregam a pressão intracraniana, consequentemente o cérebro parece afundado. Isto pode levar à hérnia de paradoxal e à síndrome do trefinado, que é uma emergência neurológica.[2] [7] [8] [9]
A craniectomia descompressiva é frequentemente realizada em caráter de urgência no cenário de pressões intracranianas incontroláveis a partir de uma variedade de causas. Os relatos iniciais focam seu benefício na definição das massas ou edema cerebral localizado. No entanto, as indicações estão se expandindo e agora incluem: lesão cerebral traumática com pressões refratárias intracranianas, hematomas subdurais, inchaço cerebral por vasoespasmo após hemorragia subaracnóidea, encefalite, sangramentos ou hematomas hipertensos intracerebrais, trombose venosa cerebral e acidentes vasculares encefálicos.[2] No entanto, este procedimento pode levar à síndrome do trefinado que deve ser suspeita quando houver deterioração neurológica após craniectomia, especialmente quando a pele do sítio de craniectomia é afundada.[10]
De acordo com Shirley et al,[11] outras complicações são:
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→Complicações perioperatórias
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Expansão hemorrágica de contusões é inerente ao processo de lesão e tem sido demonstrada em tomografias computadorizadas em pacientes com TCE.
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Craniectomia descompressiva para TCE pode levar a uma nova lesão em massa, contralateral ou remota, para o hemisfério descomprimido.
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Expansão do cérebro com hérnia cerebral externa através do defeito da craniectomia é frequentemente observada no início do período após a descompressão ([Fig. 5]).
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→Complicações pós-operatórias (dentro de 30 dias)
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Higromas subdurais: craniectomia altera a dinâmica da circulação do LCR ([Fig. 5]).
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Hérnia paradoxal, com compressão do tronco cerebral e deterioração neurológica, pode apresentar-se de forma atrasada após uma punção lombar em pacientes com a craniectomia descompressiva.
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→Complicações tardias, após 1 mês
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Hidrocefalia e síndrome do trefinado são as complicações mais frequentes da craniectomia descompressiva após 1 mês. Além disso, foi identificada como fator de risco para alterações no LCR e desenvolvimento de hidrocefalia pós-traumática.
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Infecções.
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Na craniectomia descompressiva, a reabsorção de retalhos ósseos livres é comum e pode aproximar-se de uma incidência tão alta quanto 50% no acompanhamento a longo prazo.
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Estado vegetativo persistente.
O objetivo do tratamento do paciente com a síndrome do trefinado é a restauração da pressão exercida pela depressão do sítio de craniectomia.[7]
Segal et al[12] sugeriram que a cranioplastia melhora os déficits neurológicos por uma diminuição da pressão intracraniana local e correção da dinâmica anormal do LCR. No entanto, a cranioplastia para grave defeito no crânio pode resultar em disfunção do cérebro subjacente, risco de formação de coleção líquida e de formação de hematoma no espaço subdural, devido ao grande espaço morto.[7] Os métodos cirúrgicos seguros e eficazes para expandir a depressão no couro e para eliminar o espaço morto no contexto do shunt ventrículo-ponte são: oclusão temporária ou remoção do dispositivo de derivação antes da cranioplastia.[13]
Fodstad et al[14] propuseram que apenas sintomas aliviados por cranioplastia devem ser incluídos na definição de síndrome do trefinado. Outros sintomas associados a esta síndrome são: queixas subjetivas, hemiparesia, defeitos no sensório, disfasia, convulsões, síndrome do mesencéfalo, disfunção mesodiencefálica e mutismo acinético.
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Conclusão
A compreensão aprofundada da síndrome do trefinado se constitui relevante, uma vez que é uma das temíveis complicações da craniectomia descompressiva.
O tratamento da ST com a cranioplastia temporária (calota de gesso externa) tem mostrado grandes resultados, e seu efeito imediato ajuda na diminuição dos efeitos pressóricos externos e na programação da cranioplastia definitiva.
Portanto, a cranioplastia deve ser realizada o mais precocemente possível, diminuindo as chances de complicações da craniectomia descompressiva, tal como a síndrome do trefinado, melhorando a sobrevida do paciente e auxiliando na recuperação dos danos neurológicos.
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Conflitos de Interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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Referências
- 1 Joseph V, Reilly P. Syndrome of the trephined. J Neurosurg 2009; 111 (4) 650-652
- 2 Akins PT, Guppy KH. Sinking skin flaps, paradoxical herniation, and external brain tamponade: a review of decompressive craniectomy management. Neurocrit Care 2008; 9 (2) 269-276
- 3 Yamaura A, Makino H. Neurological deficits in the presence of the sinking skin flap following decompressive craniectomy. Neurol Med Chir (Tokyo) 1977; 17 (1 Pt 1) 43-53
- 4 Langfitt TW. Increased intracranial pressure. Clin Neurosurg 1969; 16: 436-471
- 5 Oyelese AA, Steinberg GK, Huhn SL, Wijman CA. Paradoxical cerebral herniation secondary to lumbar puncture after decompressive craniectomy for a large space-occupying hemispheric stroke: case report. Neurosurgery 2005; 57 (3) E594 , discussion E594
- 6 Schwab S, Erbguth F, Aschoff A, Orberk E, Spranger M, Hacke W. [“Paradoxical” herniation after decompressive trephining]. Nervenarzt 1998; 69 (10) 896-900
- 7 Han PY, Kim JH, Kang HI, Kim JS. “Syndrome of the sinking skin-flap” secondary to the ventriculoperitoneal shunt after craniectomy. J Korean Neurosurg Soc 2008; 43 (1) 51-53
- 8 Romero FR, Zanini MA, Ducati LG, Gabarra RC. Sinking skin flap syndrome with delayed dysautonomic syndrome-An atypical presentation. Int J Surg Case Rep 2013; 4 (11) 1007-1009
- 9 Gadde J, Dross P, Spina M. Syndrome of the trephined (sinking skin flap syndrome) with and without paradoxical herniation: a series of case reports and review. Del Med J 2012; 84 (7) 213-218
- 10 Chalouhi N, Teufack S, Fernando Gonzalez L, Rosenwasser RH, Jabbour PM. An extreme case of the syndrome of the trephined requiring the use of a novel titanium plate. Neurologist 2012; 18 (6) 423-425
- 11 Stiver SI. Complications of decompressive craniectomy for traumatic brain injury. Neurosurg Focus 2009; 26 (6) E7
- 12 Segal DH, Oppenheim JS, Murovic JA. Neurological recovery after cranioplasty. Neurosurgery 1994; 34 (4) 729-731 , discussion 731
- 13 Liao CC, Kao MC. Cranioplasty for patients with severe depressed skull bone defect after cerebrospinal fluid shunting. J Clin Neurosci 2002; 9 (5) 553-555
- 14 Fodstad H, Love JA, Ekstedt J, Fridén H, Liliequist B. Effect of cranioplasty on cerebrospinal fluid hydrodynamics in patients with the syndrome of the trephined. Acta Neurochir (Wien) 1984; 70 (1–2) 21-30
Address for correspondence
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Referências
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