Palavras-Chave
diabetes mellitus - gravidez em diabéticas - diabetes gestacional - sistemas computadorizados de registros médicos - doenças do sistema endócrino
Keywords
diabetes mellitus - pregnancy in diabetics - gestational diabetes - medical records systems - computerized - endocrine system diseases
Introdução
A presença de diabetes mellitus na gestação está associada a elevado risco de complicações.[1] É uma condição que consome recursos de saúde[2] e atenção especializada. A prevalência do diabetes pré-gestacional e do gestacional tem aumentando nos últimos anos e pode ser justificada pela epidemia de obesidade[3]
[4], aumento da idade materna[4] e pelo recente e sensível critério para diagnóstico do diabetes gestacional.[5] A fim de reduzir a chance de maus desfechos, gestantes portadoras de diabetes devem ter assegurada a sua assistência pré-natal em centros de referência especializados e, preferencialmente, terem acompanhamento multidisciplinar. Intervenções dietéticas, mudanças no estilo de vida, monitoração das glicemias, manutenção dos alvos glicêmicos rigorosos, pré-natal com vigilância específica e controle do peso são indispensáveis para otimizar as metas de tratamento e os desfechos materno-fetais[6], entretanto exigem, do médico e da equipe de saúde, sistematização do atendimento, seguimento das diretrizes e rigor na avaliação e conduta.
Tecnologias de informação e comunicação em saúde (TICS) tem o potencial de otimizar a eficiência e efetividade dos profissionais de saúde.[7] Dentre as TICS, o prontuário eletrônico do paciente (PEP) é a principal ferramenta. Outro recurso utilíssimo, embora com menos funcionalidades, é o registro eletrônico de saúde (RES), que é um repositório de informação a respeito da saúde de indivíduos, processável eletronicamente e que permite armazenamento e compartilhamento de informações. No RES a informação é mais disponível e atualizada, os dados têm maior legibilidade, acurácia e exatidão e, por meio de sistemas de alerta e apoio à decisão terapêutica associados ao RES, a possibilidade de erro é potencialmente reduzida, aumentando a segurança para o paciente.[7]
O uso do RES em portadores de diabetes está associado a melhores taxas de intensificação de tratamento, monitoração, seguimento e otimiza o controle glicêmico e lipídico.[8] O PEP e o RES, tornam-se então, hipoteticamente, ferramentas atraentes para o atendimento da gestante portadora de diabetes onde a otimização clínica, com objetivo de normoglicemia, assegura melhor desfecho materno-fetal. Entretanto não há, ao nosso conhecimento, RES brasileiro validado para atendimento desta população específica.
O objetivo do presente estudo é apresentar um registro eletrônico de saúde desenvolvido para atendimento de portadoras de endocrinopatias na gestação, com ênfase em diabetes, e os resultados do acompanhamento de gestantes no período de três anos, comparando a taxa de preenchimento das informações do prontuário eletrônico ao convencional.
Métodos
O presente trabalho reporta o desenvolvimento e a validação de um aplicativo de banco de dados para atendimento de gestantes portadoras de diabetes no pré-natal e um estudo do tipo caso-controle para comparar o atendimento médico por meio do prontuário eletrônico ao convencional.
Foi desenvolvido um aplicativo do banco de dados do Microsoft Access®, denominado Ambulatório de Endocrinopatias na Gestação eletrônico (AMBEG), para o registro eletrônico sistematizado de informações de saúde para o atendimento médico obstétrico e endocrinológico. Após o desenvolvimento e teste, o AMBEG foi utilizado para o atendimento clínico de uma amostra populacional consecutiva de pacientes acompanhadas ao ambulatório de endocrinopatias na gestação da Maternidade Professor José Maria de Magalhães Netto (MPJMMN) durante o período de janeiro de 2010 a dezembro de 2013. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa local.
Para o desenvolvimento do AMBEG utilizou-se o aplicativo Microsoft Access®, que é um sistema de gerenciamento de banco de dados da Microsoft que permite o desenvolvimento rápido de aplicações que envolvem modelagem, estrutura de dados e interface a ser utilizada pelos usuários. É capaz de utilizar dados armazenados em access/Jet, Microsoft SQL Server, Oracle e quaisquer dados compatíveis com Open Database Connectivity. Os campos de dados, formato de distribuição, construção dos formulários foram criados a partir da organização habitual dos prontuários no atendimento convencional, sequenciando a ordem de entradas dos campos de acordo com a entrevista médica. Com o foco no acompanhamento do diabetes, foram acrescidos campos que garantissem a entrada de dados sobre todos os aspectos relevantes do acompanhamento clínico como: dieta, tratamento, automonitoração, uso de insulinas e hipoglicemias. Foram criadas telas para atendimento à primeira consulta, acompanhamento evolutivo da paciente (“retorno”), registro de dados laboratoriais, ultrassonografia obstétrica e dados de puerpério da portadora de patologias endocrinológicas na gestação. O AMBEG seguiu as orientações e inclui todos os itens obrigatórios do prontuário eletrônico definidos pela resolução do CFM n. 1.638/2002.[9]
Os usuários do AMBEG foram o médico endocrinologista e os médicos residentes de obstetrícia e endocrinologia que cumpriam estágio regular no ambulatório de endocrinopatias na gestação. Os médicos usuários eram ensinados a utilizar o AMBEG através de demonstração breve de cerca de dez minutos e treinados durante um atendimento. O aplicativo é autoexplicativo e tem campos com mensagens, caixas de listas e máscaras que controlam a entrada de dados. Ao final da consulta, o atendimento era impresso, assinado e arquivado.
A avaliação do desempenho do aplicativo foi feita por meio da comparação da taxa de preenchimento de dados do atendimento no prontuário preenchido a mão, denominado “atendimento convencional“ com a do preenchimento no prontuário eletrônico, denominado “atendimento eletrônico”. Consideramos a diferença da taxa de preenchimento do dado “queixas clínicas” como o desfecho principal para o cálculo do tamanho amostral. Estimando-se uma diferença média na taxa de preenchimento de 15%, com o poder de 80% e o nível de significância de 5%, o tamanho da amostra calculado para cada grupo foi de 99 indivíduos. Por meio de números aleatórios gerados em Microsoft Excel® foram selecionados 100 prontuários preenchidos por atendimento convencional e 100, por atendimento eletrônico.
As informações registradas no atendimento do primeiro retorno foram utilizadas para comparar a taxa de preenchimento de informações entre os dois tipos de atendimento. Foram escolhidas variáveis consideradas pelos autores como essenciais e representativas do atendimento à portadora de diabetes na gestação e categorizados em nove domínios de dados: 1. Dados sobre queixas: descrição de presença ou negação de queixas clínicas ou obstétricas; 2. Datação da gestação: descrição da idade gestacional; 3. Exame físico: descrição da pressão arterial, altura do fundo uterino, peso materno e ganho total de peso; 4. Aspectos nutricionais: descrição do uso de adoçante artificial e descrição de aderência ou não à dieta; 5. Uso de medicações: descrição de hipoglicemiantes orais e de suplementos maternos; 6. Dados sobre insulinoterapia: informação sobre o uso de insulina e esquema de insulinização; 7. Dados de automonitoração: registro de percentuais de glicemia acima, dentro e fora da meta; 8. Dados sobre hipoglicemias: descrição sobre história de hipoglicemia no período interconsulta e sobre reconhecimento e tratamento de hipoglicemias; descrição sobre o uso ou não do cartão do diabético; 9. Dados sobre conduta: informações sobre alteração ou não da conduta. Era considerada informação “presente” quando o campo estava preenchido e “ausente” quando não houvesse informações.
Todos os dados inseridos nos campos da entrevista médica eram, por comando simples, exportados para planilhas de Excel, que possibilitavam a análise estatística.
A análise estatística foi feita com programa SPSS v. 20.0 para WindowsTM. Os dados dos registros eletrônicos foram expressos como média e desvio-padrão ou mediana e variação e as variáveis categóricas, como valor absoluto e percentual. Variáveis com dados dicotômicos foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado ou pelo exato de Fisher.
Resultados
O AMBEG foi desenvolvido com uma tela primária, para direcionamento da navegação por meio de botões de cadastro de egressas, acesso à primeira consulta e retornos e o fechamento da ferramenta ([Figs. 1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
[8]).
Fig. 1 Tela inicial.
Fig. 2 Tela de primeira consulta (demonstração parcial).
Fig. 3 Tela de primeira consulta, parte específica para as diabéticas (demonstração parcial).
Fig. 4 (a) Tela de retorno à consulta (demonstração parcial). (b) Tela de retorno à consulta, avaliação específica da diabética gestante, incluindo a conduta (demonstração parcial).
Fig. 5 Tela de retorno à consulta – avaliação específica para diabetes.
Fig. 6 Tela para exames laboratoriais e de imagem (tireoide).
Fig. 7 Tela para exame de ultrassonografia obstétrica.
Fig. 8 Tela para atendimento no puerpério (demonstração parcial).
A anamnese completa e exame físico foram registrados nos campos da tela “primeira consulta” e as abas na borda superior davam acesso às telas de “retorno”, “puerpério”, “lab e imagem” e “USG”, onde eram inseridos, a cada consulta, respectivamente, dados sobre a evolução durante a gravidez, do puerpério, exames laboratoriais, de imagem e ultrassonografia obstétrica. Em todas as telas de atendimento existiram campos alfa numéricos, que permitem escrita livre; campos numéricos, para variáveis contínuas como peso, altura, pressão arterial, altura do fundo uterino, batimentos fetais, idade gestacional, etc.; campos apoiados por listas permitem entradas categóricas predeterminadas e campos numéricos com cálculos automáticos, para otimizar e agilizar o atendimento como o cálculo da idade gestacional (IG) e data prevista do parto pela data da última menstruação (DUM) e a primeira ultrassonografia; ganho de peso total e semanal, índice de massa corpórea (IMC), dose total diária (DTD) de insulina e dose por quilo de peso, intervalo de tempo entre consultas, etc.
Os usuários do AMBEG foram os médicos endocrinologistas e residentes de endocrinologia e obstetrícia, sendo que, estes últimos, faziam estágio regular no ambulatório de endocrinopatias na gestação por período de dois meses. A maioria dos médicos que utilizaram o AMBEG relataram estar muito satisfeitos com o uso e a impressão foi que o AMBEG era de fácil manejo, capaz de organizar a sequência de atendimento e minimizar falhas. Os cálculos automáticos no AMBEG auxiliaram e agilizaram o atendimento, segundo os usuários (dados não mostrados).
Durante o período de utilização, a necessidade de suporte técnico foi mínima e não ocasionou nenhum prejuízo ao atendimento.
Por meio do aplicativo eletrônico 319 pacientes foram atendidas. Considerando-se primeiras consultas e consultas de retorno e puerpério, um total de 1460 atendimentos foram realizados no período avaliado, sendo 252 primeiras consultas, 963 “retornos” e 245 avaliações em puerpério. Sessenta e sete pacientes foram registradas pela primeira vez na tela “Retorno”, mas eram primeira consulta. Haviam sido admitidas e feita a primeira consulta na internação, em prontuário preenchido a mão.
Dados sobre a primeira consulta estão sumarizados na [Tabela 1] (n = 246). A média de idade materna foi de 32 ± 10 anos e idade gestacional de 25 ± 7,8 semanas. O principal motivo de encaminhamento ao endocrinologista foi o diabetes (77,2%), seguido de patologias tireoidianas. O diabetes pré-gestacional foi o principal tipo de diabetes encaminhado correspondendo a 60,1% dos casos ([Tabela 1]).
Tabela 1
Dados clínicos das gestantes na primeira consulta (expressos em média e desvio-padrão, valor absoluto e percentual)
Variáveis
|
Todas (n = 252)[**]
n = 246
|
Somente DM (n = 193)[**]
n = 183
|
Idade (anos)
|
32 ± 10
|
32 ± 10
|
IG (semanas)
|
25 ± 7,8
|
25,5 ± 7,9
|
Diagnóstico ao encaminhamento[*]
|
DMP n = 107 (43,5%); DMG n = 83 (33,7%); Tir n = 45 (18,3%); Obes n = 3 (1,2%); Hip n = 1 (0,4%); Outros† n = 7 (2,9%)
|
DM1 n = 25 (13,7%)
DM2 n = 65 (46,4%%)
DMG n = 73 (39,9%)
|
Peso pré-gestacional (kg)
|
72,4 ± 16,8
|
73,6 ± 16,7
|
IMC pré-gestacional (kg/m2)
|
28,5 ± 6,1
|
28,9 ± 6,0
|
Peso na PC (kg)
|
79,8 ± 16,8
|
81 ± 16,3
|
Ganho de peso até PC (kg)
|
7,7 ± 7,9
|
7,5 ± 6,7
|
Glicemia capilar na PC (mg/dl)
|
138 ± 65,5
|
146 ± 68,5
|
Abreviações: DM, diabetes mellitus; DM1 diabetes mellitus tipo 1; DM2 diabetes mellitus tipo 2; DMG diabetes gestacional; DMP diabetes mellitus pré-gestacional; Hip doenças hipotálamo hipofisárias; IG, idade gestacional; IMC, índice de massa corpórea; Obes, obesidade; PC, primeira consulta; Tir, doenças tireoidianas; †outras patologias endocrinológicas
* patologia que motivou o encaminhamento ao ambulatório de endocrinopatias na gestação.
** no grupo Todas, n = 6 estavam sem a identificação da patologia à primeira consulta; no grupo Somente DM, em 10 não havia a definição do tipo de diabetes.
A comparação da frequência de registro de informações nos nove domínios de dados entre os dois tipos de atendimento está demonstrada na [Tabela 2]. A frequência do registro de dados foi significativamente maior no atendimento por prontuário eletrônico que pelo convencional nos campos de Queixas (100 versus 87%, p < 0,01), altura do fundo uterino (89 versus 75%, p = 0,01), ganho total de peso (91 versus 40%, p < 0,01) e questões especificas para as portadoras de diabetes: dieta (81,5 versus 8,4%, p < 0,01), esquema de insulina (70,4 versus 41%, p < 0,01), controle glicêmico (63 versus 15,7%, p < 0,01), história de hipoglicemias (72,8 versus 33,7%, p < 0,01), reconhecimento (72,8 versus 33,7%, p < 0,01) e tratamento de hipoglicemias (72,8 versus 33,7%, p < 0,01) e se porta consigo o cartão de diabetes (72,8 versus 30,1%, p < 0,01).
Tabela 2
Frequência de preenchimento dos dados clínicos conforme tipo de prontuário (n = 200)
Variável
|
P. eletrônico
(n = 100)
|
P. convencional
(n = 100)
|
|
|
%
|
%
|
p
|
Queixas
|
100
|
87
|
< 0,01
|
Datação da gestação
|
91
|
83
|
0,09
|
Pressão arterial
|
93
|
92
|
0,79
|
Altura do fundo uterino
|
89
|
75
|
0,01
|
Peso materno
|
96
|
92
|
0,23
|
Ganho total de peso
|
91
|
40
|
< 0,01
|
Glicemia capilar na consulta
|
80
|
77
|
0,61
|
Conduta
|
95
|
97
|
0,47
|
Portadoras de diabetes mellitus (n = 164)
|
% (n = 81)
|
% (n = 83)
|
p
|
Adoçante
|
81,5
|
63,9
|
0,01
|
Dieta para diabetes
|
81,5
|
8,4
|
< 0,01
|
Hipoglicemiantes orais
|
84
|
73,5
|
0,10
|
Uso de insulina
|
88,9
|
80,7
|
0,15
|
Esquema de insulina
|
70,4
|
41
|
< 0,01
|
Controle glicêmico (percentuais dentro do alvo)
|
63
|
15,7
|
< 0,01
|
História de hipoglicemias
|
72,8
|
33,7
|
< 0,01
|
Reconhece hipoglicemias
|
72,8
|
33,7
|
< 0,01
|
Sabe tratar hipoglicemias
|
72,8
|
33,7
|
< 0,01
|
Tem o cartão da diabética?
|
72,8
|
30,1
|
< 0,01
|
Discussão
O uso da informação clínica eletrônica tem o potencial de melhorar a qualidade e a eficiência do cuidado médico.[10]
[11] No presente trabalho apresentamos um RES, o AMBEG, que foi desenvolvido para o atendimento a portadoras de endocrinopatias na gestação, com ênfase em diabetes. Neste trabalho também relatamos a experiência com três anos de assistência clínica endocrinológica utilizando o AMBEG e o desempenho do novo aplicativo comparado ao prontuário convencional.
Nos últimos anos tem havido especial interesse e investimento em tecnologias de informação e comunicação em saúde em várias partes do mundo.[10] No Brasil, o PEP/RES vem sendo utilizado com crescente frequência e resolução do CFM regulamenta o seu uso.[7] Evidências se avolumam sobre a importância dos PEP nos cuidados clínicos[10]
[11] e melhoria da qualidade da assistência ambulatorial.[12] em diabetes, o uso de prontuários eletrônicos tem o potencial de contribuir nos cuidados e prevenção de morbidades,[13] auxiliando na solicitação de exames de rastreamento[14] e recomendações específicas sobre medicações como insulinas. Na assistência ao diabetes fora do período gestacional, o uso do PEP completo e certificado está associado a melhoria nas taxas de intensificação do tratamento, seguimento, monitoramento, controle lipídico e glicêmico,[8] a menos visitas às emergências e internações.[15] Entretanto poucas pesquisas tem sido conduzidas sobre registros eletrônicos de saúde no campo dos cuidados pré- e perinatais na portadora de diabetes[16] e desconhecemos publicações brasileiras sobre o assunto. No presente estudo um RES foi criado e testado para assistência específica à portadora de doença endócrina na gestação com ênfase em diabetes, minimizando esta lacuna de conhecimento. Os dados obtidos dos atendimentos por meio do prontuário eletrônico demonstraram que a principal doença motivadora do encaminhamento obstétrico ao endocrinologista foi o diabetes, refletindo a frequência, impacto da doença na gestação e a procura por serviço de atendimento especializado. A população avaliada demonstrou ser de elevado risco pois a maioria eram portadoras de diabetes prévio à gestação.
Os médicos que utilizaram o AMBEG aprenderam rapidamente como operar o RES. Relataram estar satisfeitos com as funcionalidades, referiram ser de fácil manejo e capaz de organizar a sequência de atendimento, minimizando falhas. Reportaram também que os cálculos automáticos foram úteis e agilizaram o atendimento. Ainda que ginecologistas e obstetras revelem elevada satisfação com os sistemas eletrônicos para atendimento ao paciente[17], idade mais avançada do médico, sexo masculino e atendimento clínico solitário foram barreiras para a implementação de prontuários eletrônicos. O RES do presente estudo teve elevada aceitação e fácil implementação possivelmente por serem os usuários médicos com pouco tempo de formação.
O presente trabalho também demonstrou a facilidade no acesso às informações coletadas, armazenamento e análise dos dados clínicos registrados eletronicamente. O registro clínico em prontuários preenchido a mão impõe dificuldades no acesso e levantamento de dados, limitando avaliações de qualidade de atendimento, consultas e pesquisas médicas. O registro eletrônico no AMBEG possibilitou a exportação rápida de informações com a criação de bancos de dados. Os campos estruturados permitiram consulta rápida e análise, fornecendo informações para pesquisas e levantamentos epidemiológicos. A utilização de dados de prontuários eletrônicos para dar suporte a pesquisas clínicas é uma tendência mundial e iniciativas, como o projeto Eletronic Health Records for Clinical Research
[18], procuram desenvolver inventário de dados necessários para dar suporte a pesquisas por meio de PEP. Nosso estudo demonstra a utilidade do RES para pesquisas e levantamentos epidemiológicos.
A frequência do registro de dados clínicos considerados relevantes na consulta foi significativamente maior no atendimento feito com o AMBEG em relação ao atendimento convencional, em papel. A estruturação dos campos de dados de consulta, a legibilidade, praticidade e os cálculos automáticos provavelmente auxiliaram na organização do atendimento e na lembrança do questionamento dos dados da consulta. Estas funcionalidades e os resultados do presente estudo segue a direção atual dos conhecimentos que demonstram a utilidade do registro eletrônico em melhorar a qualidade do registro clínico.[19] Em contrapartida a falta de documentação de informações do pré-natal resulta em impacto negativo nos escores de adequação dos cuidados pré-natais[20] e possivelmente o fato de haver melhor documentação de dados poderia resultar em melhoria na qualidade de assistência.
Apresentaram-se como limitações do trabalho, o tipo do PEP e a ausência de avaliação dos desfechos materno-fetais. O AMBEG é um PEP básico, que funciona como um registro eletrônico de saúde. Os PEP completos[21] oferecem outras funcionalidades consideradas importantes para o manejo clínico.[22] Entretanto, o AMBEG é um aplicativo transitório e em evolução. A ele poderão ser, posteriormente, integradas funcionalidades avançadas como a interoperacionalidade com outros sistemas (laboratório, imagem, prontuários de outras unidades), inserção de ordem de cuidados médicos eletrônica (prescrição, requisição de exames), incorporação de links com informações médicas para educação continuada e sistemas de alertas e avisos que funcionam como apoio a decisão diagnóstica e terapêutica. Adicionalmente, o registro de informações foi significativamente mais frequente na consulta realizado com o AMBEG, entretanto não avaliamos o impacto do uso na qualidade da assistência pré-natal e perinatal da gestante portadora de diabetes. Acreditamos que a sistematização do atendimento e o preenchimento mais completo dos dados relevantes da consulta possam se associar a redução de eventos maternos e fetais, o que poderá ser investigado em outros estudos. A informação sobre o tempo de atendimento não foi registrada para permitir a comparação, portanto não podemos assegurar se o prontuário eletrônico reduz o tempo de consulta, mas esta funcionalidade também pode ser agregada ao aplicativo possibilitando avaliações futuras.
Como pontos fortes do trabalho destacamos a originalidade do RES e ausência de publicações sobre o assunto na literatura brasileira. Diante das dificuldades de assistência em saúde no Brasil, da crescente prevalência do diabetes na gestação com suas complicações e da necessidade de padronização de atendimento e da conduta para otimizar as metas em saúde, demonstramos a utilização de uma ferramenta de baixo custo com suporte técnico mínimo capaz de aumentar a frequência do registro de dados clínicos no pré-natal de portadoras de diabetes na gestação. A maior frequência de registro de dados clínicos sobre hipoglicemias merece destaque pois estas informações representam atenção dedicada à segurança para a binômio materno-fetal o que poderia reduzir morbidades. O AMBEG tem o potencial de melhorar a assistência pré-natal de alto risco, incorporar tecnologias para otimizar os desfechos clínicos através da facilitação de aderência aos protocolos clínicos e assistenciais, oferecer mais segurança à paciente, além de proporcionar fonte de dados para levantamentos epidemiológicos e tratamento estatístico úteis para programas de atenção especializada ao diabetes na gestação e pesquisa clínica.
O registro eletrônico AMBEG é uma ferramenta de baixo custo, com necessidade de mínimo suporte técnico e fácil utilização que aumentou a frequência de registro de informações da consulta e padronizou o atendimento clínico a mulheres portadoras de endocrinopatias na gestação, com ênfase no diabetes. O potencial de expansão da ferramenta é amplo com perspectiva de melhora no atendimento por meio de tecnologia incorporada como alertas e interoperacionalidade com outros sistemas ambulatoriais e hospitalares. Recomenda-se mais estudos para avaliar o impacto a utilização da ferramenta nos desfechos clínicos.