Palavras-Chave
cerebelo - síndrome cognitivo-afetiva - neurofisiologia cerebelar - cognição cerebelar
Keywords
cerebellum - cognitive-affective syndrome - cerebellar neurofunctions - cognitive cerebellum
Introdução
O cerebelo é uma estrutura que ocupa a fossa posterior do crânio, situado abaixo da tenda do cerebelo, sendo, portanto, uma estrutura infratentorial. Componente do sistema nervoso central (SNC), o cerebelo possui cerca de 80% dos neurônios presentes no SNC, apesar de seu peso bruto corresponder a apenas 10% do peso total do SNC (19% dos neurônios estão situados no córtex cerebral, e 1%, no tronco encefálico).[1] Historicamente, Haerophilus (338-280 a.C.) parece ser o pioneiro em considerar o cerebelo uma estrutura distinta do cérebro. No entanto, somente em 1823, é apresentada, por Flourens, a primeira hipótese funcional atribuída ao cerebelo: a função de coordenação motora. Magendie, um ano depois, acrescenta o equilíbrio às funções cerebelares. Em 1906, Bolk et al. apresentam uma representação somatotópica ao cerebelo.[2]
[3] Anatomicamente, o cerebelo é dividido em hemisférios cerebelares (porções laterais) e verme (porção central do cerebelo, que interconecta seus hemisférios). Por razões didáticas, foi feita a partição do lobo cerebelar em: lobo anterior (relacionado a funções motoras e propriocepção, também denominado paleocerebelo), lobo posterior (o neocerebelo, responsável pela programação motora e atualmente relacionado à cognição) e lobo floculo-nodular (o arquicerebelo, relacionado ao sistema vestibular).
O córtex cerebelar possui substância cinzenta (periférica) e substância branca (central), a exemplo da organização do córtex cerebral. A substância cinzenta possui três camadas celulares identificadas pela histologia clássica: camada de células de Purkinje, camada molecular e camada de células granulares. Mais internamente, dentro da substância branca, encontram-se núcleos cerebelares no neocerebelo (núcleo denteado), paleocerebelo (núcleo emboliforme e globoso, denominados conjuntamente de núcleo interpósito) e arquicerebelo (núcleo fastígio).[2]
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Aspectos Funcionais Cerebelares
Aspectos Funcionais Cerebelares
O arquicerebelo (lobo floculonodular) está diretamente relacionado ao controle do sistema vestibular, recebendo aferências dos canais semicirculares e órgãos otolíticos, bem como dos núcleos vestibulares situados no tronco encefálico lateral (de Deiters), medial (de Schwalbe), superior (de Bechterew) e inferior (de Roller). O paleocerebelo (incluindo a área mediana do verme cerebelar e o hemisfério cerebelar medial) está relacionado ao controle da propriocepção, recebendo aferências da medula espinal (vias espinocerebelares anteriores e posteriores), além de aferências visuais e auditivas. O verme está relacionado à propriocepção do esqueleto axial (tronco e porções proximais dos membros), enquanto as porções mediais dos hemisférios correlacionam-se com a propriocepção das extremidades proximais dos membros inferiores e superiores. Ao verme também são atribuídas funções afetivas. Por fim, o neocerebelo (área do hemisfério cerebelar lateral) contém o maior núcleo presente no cerebelo, o núcleo denteado, e está relacionado com a programação motora e cognição. O neocerebelo recebe aferências de todo o córtex cerebral através de núcleos pontinos – constituindo a via córtico-pontocerebelar (que passa pela base do pedúnculo cerebral do mesencéfalo formando os feixes de Arnold e Turck) – e envia fibras eferentes para o núcleo rubro, tálamo e córtex cerebral: área motora, pré-motora e córtex pré-frontal.[4]
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Estudos com ressonância magnética funcional (RMf), inclusive com tratografia, demonstraram conexões entre o cerebelo e áreas corticais cerebrais relacionadas à cognição e ao afeto – o circuito cérebro-cerebelo-tálamo cortical (CCTC). O sistema córtico-pontocerebelar é formado por um conjunto de circuitos fechados, onde o córtex cerebral projeta-se para o cerebelo via pedúnculo cerebral e núcleos pontinos, fechando o circuito ao retornar do cerebelo para o córtex cerebral via núcleos talâmicos ([Fig. 1]).[6]
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Fig. 1 Circuito cerebelo-tálamo-cérebro cortical. Adaptado de D'Angelo et al.[9] Abreviações: NAcc, núcleo accumbens; NAT, núcleo anterior tálamo; NCP, núcleo cerebelar profundo; NPa, núcleo pontino anterior; NST, núcleo subtalâmico; NR, núcleo rubro.
Objetivo
Apresentar as novas atribuições funcionais relacionadas ao cerebelo, após estudos de neuroimagem funcional. Os autores abordam aspectos neuroanatômicos, mapeando as prováveis regiões relacionadas a afeto e cognição, com impacto sobre a fisiopatologia da dislexia, da esquizofrenia, do autismo, do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), das depressões e de outros distúrbios.
Desenvolvimento
Larsell propõe a subdivisão do cerebelo em dez lobos, atribuindo números romanos a essas regiões. O lobo anterior corresponde às regiões de Larsell I, II, III, IV e V; o lobo posterior, às de Larsell VI, VII, VIII e IX; e o lobo floculonodular, à de Larsell X. A exemplo do que ocorre no córtex cerebral, os hemisférios cerebelares também são assimétricos, sendo predominantemente maior o da esquerda. A divisão realizada por Larsell facilitou em muito a tarefa de identificar e compreender a apresentação clínica dos sintomas associados a lesões cerebelares. Manto et al. descrevem a correlação entre as alças de conexões cerebelares atribuindo-as às áreas de Larsell: a alça sensoriomotora correlaciona-se com o paleocerebelo e com as áreas I-VI e VIII de Larsell; a alça vestibular correlaciona-se com o arquicerebelo e com as áreas V-VII e IX-X; e a alça límbica correlaciona-se com o neocerebelo e com as áreas de Larsell VI-IX.
As três alças descritas formam sistemas de neurocircuitos em paralelos, que ocorrem concomitantemente. As áreas sensoriomotoras, predominantemente localizadas no lobo anterior, projetam-se para a porção posterior da ponte, atingindo a área motora cerebral via núcleos talâmicos. O lobo posterior (área de Larsell I, II, VI, VIIA e VIIB) corresponde a regiões relacionadas a funções cognitivas cerebelares. O córtex associativo cerebral projeta-se para os núcleos pontinos, projetando-se para o lobo posterior do cerebelo. O sistema límbico projeta-se para o verme cerebelar, correlacionando-se com os aspectos emocionais. O lobo floculonodular recebe aferências do sistema vestibular. Três grandes vias foram identificadas: flóculo-paraflóculo, nódulo ventral-úvula (Larsell IX e X) e verme oculomotor dorsal (Larsell V-VII). As vias vestibulocerebelar e vestibuloespinhal estão funcionalmente correlacionadas ([Fig. 2]).[7]
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Fig. 2 Áreas funcionais de Larsell em visão posterior da superfície cerebelar; lobos cerebelares e topografia das síndromes cerebelares. Adaptado de Manto et al.[7] e Manni et al.[25]
Arquitetura Funcional do Cerebelo
Arquitetura Funcional do Cerebelo
Toda a estrutura cerebelar apresenta-se de forma homogênea em suas seções. Tanto os hemisférios quanto o verme cerebelar apresentam estruturas histológicas semelhantes. O cerebelo, a exemplo do córtex cerebral, possui substância cinzenta superficial e substância branca profunda contendo núcleos profundos de controle funcional. Diferentemente do cérebro, cada porção do cerebelo mostra-se homogênea, apresentando microscopicamente geometria estereotipada composta pelo mesmo conjunto de neurônios, formando centenas ou milhares de microzonas ou microcircuitos. Estas microzonas formam, em última análise, módulos funcionais extremamente eficazes. Outros dois contrastes entre o cerebelo e o córtex cerebral são evidentes: no cerebelo os sistemas de microzonas parecem ser organizados em feedback apenas positivo, não possuindo alças de retroalimentação negativas; e no cerebelo as microzonas são muito pobremente interconectadas, mostrando com clareza que o sistema computacional cerebelar difere completamente do encontrado no córtex cerebral.[9] Primariamente, há dois tipos de inputs cerebelares: fibras musgosas que ascendem pela substância branca cerebelar para formar sinapses excitatórias aos dendritos das células granulares. As células granulares, por sua vez, emitem axônios para a camada molecular que se bifurcam formando fibras em paralelo. Estas fibras em paralelo correm perpendicularmente pela camada molecular até atingir os dendritos das células de Purkinje. Todos os outputs cerebelares são conduzidos pelos axônios das células de Purkinje pela substância branca cerebelar. As células de Purkinje formam sinapses inibitórias com as células nucleares profundas e os núcleos vestibulares. Outro tipo de input cerebelar inclui as fibras trepadeiras que surgem exclusivamente dos neurônios presentes no núcleo olivar inferior contralateral. Estas fibras trepadeiras envolvem o corpo celular e a árvore dendrítica das células de Purkinje, formando sinapses excitatórias com as mesmas. Uma fibra trepadeira pode emitir ramos que fazem sinapses com até dez células de Purkinje; enquanto cada célula de Purkinje é inervada por apenas uma fibra trepadeira. O córtex cerebelar possui diversas classes de interneurônios inibitórios: células estreladas e células em cesto estão localizadas na camada molecular do cerebelo. Estas células são estimuladas por células granulares, causando um processo de inibição lateral às células de Purkinje. As células de Golgi (presentes na camada granular) recebem estímulo excitatório das células granulares, promovendo feedback inibitório aos dendritos das células granulares. Essa interação complexa sináptica ocorre na camada de células granulares localizada em uma região denominada glomérulo cerebelar. Os glomérulos cerebelares são vistos como pequenas clareiras entre as células granulares. Todas as fibras ascendentes são excitatórias: fibras musgosas, fibras trepadeiras e células granulares. Já as fibras descendentes são inibitórias: células de Purkinje, células estreladas, células em cesto e células de Golgi.[9]
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Estudos em animais revelam que, na região do verme anterior, há três zonas de projeções das células de Purkinje denominadas de zona A, B e X. A zona A projeta-se para o núcleo fastígio, a zona X projeta-se para um grupo de células intersticiais ou interneurônios, e a zona B, para o núcleo vestibular lateral (de Deiters). No hemisfério anterior do cerebelo, outras cinco zonas são identificadas e denominadas de C1, C2, C3, D1 e D2. C1 e C3 projetam-se para o núcleo emboliforme, C2 projeta-se para o núcleo globoso, e D1 e D2 para a porção rostro-caudal do núcleo denteado. As projeções de D1 e D2 continuam ininterruptamente para o interior do flóculo e paraflóculo. No interior do flóculo as zonas receptoras das projeções de D1 e D2 dividem-se em quatro outras zonas que farão conexões com os núcleos vestibulares. Os estudos em primatas ainda estão em andamento, mas especula-se que essa subdivisão em zonas também possa ocorrer em cerebelos humanos ([Fig. 3]). As zonas D de projeção das células de Purkinje associadas ao núcleo denteado, bem como os hemisférios cerebelares possivelmente estão implicados nas funções cognitivas e sensório-motoras cerebelares.[13]
Fig. 3 Circuito cerebelo-tálamo-cortical representado por zonas identificadas como projeções das células cerebelares de Purkinje aos seus respectivos núcleos e então para o tálamo e córtex cerebral. Adaptado de Voogd.[13]
Apresentação Clínica das Síndromes Cerebelares
Apresentação Clínica das Síndromes Cerebelares
As manobras clínicas comumente utilizadas para o diagnóstico de uma lesão cerebelar que envolva a alça motora de funcionamento incluem: (1) ataxia cerebelar e disartria cerebelar: avaliação da qualidade fonética durante a fala e testes padronizados da qualidade fono-articulatória da conversação; (2) ataxia dos membros: testes que avaliam dismetria – índex-nariz e índex-índex, calcanhar-crista tibial, manobra de Stewart Holmes ou rechaço, e teste de diadococinesia; c) déficit postural e de marcha: capacidade em levantar-se, modo como o paciente caminha, equilíbrio e balanço do corpo, alterações posturais e velocidade da caminhada. As manobras clínicas que frequentemente diagnosticam lesões que acometem o controle cerebelar do sistema vestibular incluem: (1) verificação da posição dos globos oculares; (2) perseguição ocular; (3) sacadas; (4) reflexo vestíbulo-ocular. Ferramentas clínicas para o diagnóstico da síndrome cognitiva-afetiva cerebelar, descrita pela primeira vez por Schmahmann e Sherman, em 1998, incluem: (1) testes aplicados para avaliar déficits da função executiva (pensamento abstrato, fluência verbal, memória de trabalho e planejamento); (2) testes para detectar alterações da cognição visuoespacial (prejuízo da memória visuoespacial e desorganização visuoespacial); (3) testes para detecção das alterações da personalidade (embotamento afetivo ou extravagância, comportamento inapropriado ou desinibido); (4) testes que detectem prejuízo da linguagem, incluindo anomia, agramatismo e disprosódia. As alterações observadas na síndrome cerebelar cognitivo-afetiva assemelham-se em muito às lesões do lobo frontal ([Tabela 1]).[4]
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Tabela 1
Características clínicas das síndromes cerebelares
Síndromes motoras e somatossensitivas cerebelares
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Síndromes vestibulares
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Síndromes cognitivo-afetivas
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Disartria
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Nistagmo
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Déficit executivo
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Ataxia de membros
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Reflexo vestíbulo-ocular (VOR)
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Alteração da cognição visuo-espacial
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Déficit de manutenção de postura e alteração da marcha
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Tontura e vertigem
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Alterações de personalidade e da linguagem
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O Cerebelo Cognitivo-Afetivo
O Cerebelo Cognitivo-Afetivo
Ao cerebelo classicamente se atribui a função motora. Lesões cerebelares são descritas como ataxias cerebelares, podendo-se incluir alterações das vias proprioceptivas, verificadas através da clássica prova de Romberg, como também presentes nas disfunções do sistema vestibular. Outros sintomas clínicos atribuídos às funções de coordenação do cerebelo incluem: hipotonia, assinergia, dismetria, discronometria e disdiadococinesia.[4]
[15] Gordon Holmes no início do século XX descreve uma lesão cerebelar onde há comprometimento da fluência da fala. Seu trabalho clássico descreve 21 vítimas da Primeira Guerra Mundial apresentando decomposição do movimento, com acometimento das estruturas motoras da fala. Outra situação marcante é a dificuldade em proferir uma série de sílabas de uma sentença, muitas vezes com expressões faciais bizarras, lembrando muito uma paralisia pseudobulbar. Lechtenberg e Gilman descrevem em um estudo com 122 pacientes que a disartria atáxica cerebelar cursa com lesões na porção cerebelar superior esquerda e/ou direita.[14] Em 1998, a partir dos estudos realizados por Schmahmann e Sherman, cria-se um novo conceito relacionado ao cerebelo: “dismetria do pensamento” ou “dismetria cognitiva”. Nesse conceito, atribui-se ao cerebelo a ideia de que ele seria o responsável pela cronologia do raciocínio, das ideias, estando alterado em diversas doenças, como esquizofrenia, autismo, dislexia e depressão bipolar do humor. Nos esquizofrênicos, há atraso no padrão do desenvolvimento neuropsicomotor, com acometimento das vias frontocerebelares, analisados em estudos post mortem que revelam redução do verme anterior com prejuízo da densidade e do tamanho das células de Purkinje dessa região.[9] Nos autistas encontramos redução do tamanho do cerebelo e prejuízo das conexões entre o cerebelo e o tronco encefálico, incluindo as olivas inferiores, com impacto na redução das células de Purkinje. Esta redução é pronunciada na região dos hemisférios posteroinferiores do cerebelo. Quanto maior for a hipoplasia do verme cerebelar nas zonas de Larsell VI e VII, maior o comprometimento dos autistas na exploração do ambiente. Na síndrome de Williams, contudo, em que há aumento da exploração do ambiente e da desinibição social, encontramos hiperplasia do verme cerebelar.[16] Nos quadros depressivos, como depressão maior, depressão bipolar do humor e depressões com episódios maníacos e/ou depressivos, exames de ressonância magnética funcional (RMf) e tomografia por emissão de pósitrons (PET) notaram evidências da hipoatividade cerebelar, insular, frontal e temporal. O tratamento antidepressivo inclui a recuperação da atividade destas áreas. O cerebelo possui capacidade de regular o humor por sua atividade sobre os núcleos da base; o controle emocional é realizado pelo cerebelo através de suas influências sobre o córtex pré-frontal e hipotálamo. O quadro cognitivo afetivo cerebelar inclui: prejuízo das funções executivas, como planejamento, pensamento abstrato, memória de trabalho e fluência verbal; dificuldades com a cognição espacial, incluindo cognição visuoespacial e memória visuoespacial; alterações de personalidade com comportamento inapropriado e alteração do afeto; déficit de linguagem, como agramatismo, disprosódia e anomia moderada. Alguns desses sintomas estão relacionados com funções pré-frontais, não sendo exclusivos de lesões cerebelares. O envolvimento de funções relacionadas ao humor e ao afeto correlaciona-se diretamente com áreas associativas, paralímbicas e pré-frontais. Esta correlação de sintomas com áreas corticais diversas representa, em última instância, o envolvimento do circuito córtico-tálamo-cerebelo cortical ([Fig. 1]). Anatomicamente, a lesão do lobo posterior está associada a alterações cognitivas; enquanto lesões no verme cerebelar estão associadas a sintomas afetivos. O lobo anterior está diretamente envolvido com funções motoras, apresentando pouca correlação com sintomas cognitivos e afetivos ([Fig. 2]). Estudos de neuroimagem confirmam as hipóteses neurofuncionais correlacionadas acima.[17]
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Alguns autores sugerem que a própria dislexia poderia ser decorrente da presença de anormalidades na oculomotricidade controlada pelo cerebelo, presença de nistagmo, e/ou até uma anormalidade na integração dos estímulos que se projetam do cerebelo ao córtex cerebral.[20]
Marien et al relatam associações entre a síndrome cerebelar cognitivo-afetiva com dislexia visual e disgrafia associada Poucos são os estudos que abordam os mecanismos associados a essa disgrafia. Uma possível explicação através dos estudos por tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) é o fenômeno da diásquise, isto é, uma interrupção funcional das vias cerebelo-corticais resultando em déficits de linguagem. Após lesões cerebelares, há descrições de afasias motoras ou de expressão, e incapacidade de repetição, nomeação e escrita. Estudos de neuroimagem funcional revelam que os distúrbios de linguagem mencionados acima estão diretamente relacionados a lesões cerebelares com redução dos impulsos excitatórios da via cerebelo-tálamo cortical. Nos disléxicos, há evidente redução do lobo anterior do hemisfério direito cerebelar. As lesões observadas, que cursam com distúrbio de linguagem, acometem geralmente o hemisfério cerebelar contralateral ao hemisfério cerebral dominante para a linguagem.[18]
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Conclusões
Tradicionalmente, associava-se exclusivamente ao cerebelo as funções motoras, a coordenação do movimento e o aprendizado motor. Com as técnicas atuais de neuroimagem, doenças relacionadas ao comprometimento do raciocínio, como distúrbios de linguagem e da cronometria do pensamento, são atribuídas também ao cerebelo. No momento atual, a neuroimagem torna evidente a existência de um circuito central cerebelar envolvendo o córtex cerebral, cerebelo, tálamo e tronco encefálico. A área pré-frontal sofre influência direta da atividade cerebelar; o sistema límbico recebe fibras cerebelares, os córtices associativos também, justificando alguns dos sintomas presentes em doenças como esquizofrenias, dislexias, autismo, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e afasias. O ponto de vista topográfico revela com clareza que, além das funções motoras reconhecidamente atribuídas ao lobo anterior e verme (formando um verdadeiro homúnculo motor), também as funções relacionadas ao afeto são parte do verme inferior; as funções cognitivas são atribuídas aos hemisférios cerebelares (lobo posterior).[22]
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