Palavras-Chave
encefalite viral - craniectomia descompressiva - hipertensão intracraniana
Introdução
A craniectomia descompressiva é uma modalidade terapêutica amplamente reconhecida pela literatura para controle da hipertensão intracraniana no trauma e nas hemorragias cerebrais, porém ainda possui utilização controversa em casos de encefalite viral.
O tratamento clínico com suporte intensivo, antivirais, corticoides, terapia hiperosmolar e hiperventilação faz-se suficiente para a resolução do edema na maioria dos pacientes, sendo raros os casos em que a intervenção cirúrgica para a diminuição da pressão intracraniana torna-se necessária.[1]
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Até o momento a literatura mostra alguns relatos de casos isolados, com boa evolução dos pacientes após o procedimento de descompressão.
Neste artigo, reportamos a experiência de nosso serviço com o relato de dois casos, além de uma revisão de literatura.
Relato dos Casos
Caso 1
Paciente feminina, 18 anos, admitida com sonolência e cefaleia acompanhada de febre há uma semana. Ao exame físico a paciente apresentava-se lenta, porém consciente e orientada, sem sinais focais ou alterações pupilares. A bioquímica básica revelou discreta leucocitose.
Uma ressonância magnética (RM) encefálica evidenciou hipersinal em região de lobo temporal direito sugestivo de encefalite herpética.
O exame de líquor mostrou 543 leucócitos, 90% linfócitos, 79 proteínas, e 52 glicose.
Foi, então, iniciado aciclovir endovenoso. Porém, após 2 dias, houve diminuição do nível de consciência para Glasgow de 6, além de anisocoria discreta à direita. Uma tomografia computadorizada (TC) mostrou área de hipodensidade temporal com sinais de hipertensão intracraniana. Optou-se pela realização de craniectomia descompressiva à direita de emergência como tratamento.
A paciente evoluiu com melhora do quadro clínico, sendo utilizado aciclovir por 28 dias. Houve melhora completa no líquor de controle.
Após 2 meses de evolução, apresentava-se sem sequelas motoras, com Glasgow de 4, mantendo discreto déficit de memória. Foi submetida à cranioplastia ([Fig. 1]).
Fig. 1 (A, B) RM na sequência Flair após contraste mostrando hipersinal em região temporal direita e edema sugestivos de encefalite herpética. (C) TC apresentando hipodensidade com sinais de hipertensão intracraniana temporal à direita. (D) TC evidenciando status pós-operatório com cisternas da base abertas.
Caso 2
Paciente masculino, 30 anos, admitido com quadro de cefaleia intensa, vômitos e alterações de comportamento há 3 dias que evoluíram com diminuição do nível de consciência em Glasgow de 8. Ao exame físico, apresentava anisocoria à direita.
Ressonância evidenciou região de hipersinal em lobo temporal direito com extensão para a região parietal, além de compressão de tronco, sugestiva de encefalite viral por herpes.
Paciente foi submetido à craniectomia descompressiva à direita com uso de cateter de MPIC frontal do mesmo lado, sendo iniciado aciclovir durante o procedimento.
Evoluiu com manutenção da pressão intracraniana (PIC) média de 7, após a descompressão. O cateter foi retirado após 3 dias, e a TC de controle foi realizada no quarto dia ([Fig. 2]). Houve melhora clínica progressiva, e o paciente recebeu alta hospitalar com Glasgow de 4.
Fig. 2 (A, B) RM em Flair mostrando hipersinal em região de lobo temporal direito com extensão parietal e frontal; há sinais de compressão de tronco cerebral à direita. (C, D) Pós-operatório de craniectomia descompressiva à direita.
Discussão
A encefalite aguda é uma doença causada por diversos tipos de patógenos, entre eles, o vírus tipo 1 de herpes é o mais comum em nosso meio, apresentando incidência de 7,4 casos por 100 mil habitantes. Se não for tratada, sua taxa de mortalidade torna-se elevada, atingindo 70% dos casos. Após a instituição do tratamento, a mortalidade é de 30%.[6]
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A patogênese da encefalite herpética permanece incerta, tendo como hipótese mais provável a reativação do vírus HSV-1 latente no gânglio trigeminal. Através deste, ascenderia ao sistema nervoso central, onde provoca lesões mais comumente nos lobos frontal e temporal. Outra hipótese mais rara seria uma infecção primária onde o HSV-1 chegaria ao sistema nervoso central (SNC) via mucosa nasal e bulbo olfatório, instalando-se principalmente nos lobos temporal e límbico.[10]
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As lesões são de caráter necrotizante, com formação de edema perilesional, o que gera aumento de pressão intracraniana e pode provocar herniação do uncus com a compressão do tronco encefálico, causando diminuição do nível de consciência, assimetrias pupilares e déficits motores. Apesar disso, a disfunção cerebral difusa, diferente das lesões traumáticas, parece ocorrer sem alterações da autorregulação vascular. A hipertensão intracraniana tende a aparecer de forma lenta, progredindo com a inflamação cerebral, tendo seu pico de dias a semanas após o início dos sintomas.[6]
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Clinicamente, além dos sinais focais, a doença se manifesta por quadros de febre associada a cefaléia, por vezes associada a alterações de nível de consciência ou personalidade, náuseas, crises convulsivas, rigidez nucal, fotofobia, vômito, letargia e mialgia, podendo estar acompanhada de rash cutâneo, linfadenopatia e hepatoesplenomegalia.[14]
A avaliação radiológica deve ser feita preferencialmente por ressonância, cujos achados mostram hipersinal em T2 principalmente nas regiões temporal e frontobasal, e por vezes, no tálamo e nos núcleos da base.[15]
Whitley et al. evidenciaram que o Glasgow do paciente deve ser levado em consideração para a decisão da descompressão, porque é reconhecido como fator prognóstico. A idade não se apresentou como bom preditor de evolução.[16]
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Em relação ao manejo com monitoração de PIC, Matthew et al. encontraram relatos de 13 pacientes, sendo que 10 destes evoluíram para craniectomia descompressiva.[5]
A craniectomia deve ser adequada à área de edema da encefalite, podendo ser feita a hemicraniectomia, bicoronal, para comprometimento frontotemporal bilateral ou até mesmo suboccipital quando o edema envolve a fossa posterior.[18]
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Bovet et al. mostraram que os pacientes submetidos ao procedimento têm uma evolução satisfatória em 92,3% dos casos, permanecendo estes com status funcional independente. Houve apenas 3,8% de mortalidade em sua amostra, corroborando a evolução dos dois casos aqui relatados, que evoluíram com Glasgow de 4.[1]
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Conclusão
Apesar de ainda ser controversa na literatura, a indicação da craniectomia descompressiva deve ser considerada nos pacientes com encefalite viral que apresentem sinais de hipertensão intracraniana (HIC) associados com a piora no edema cerebral evidenciada em exame de imagem. A craniectomia descompressiva pode proporcionar o tratamento da HIC com boa evolução a longo prazo.