Palavras-chave
dissecação - artéria basilar - aneurisma dissecante
Introdução
Dissecção da artéria basilar (DAB) é uma condição clínica de rara incidência e difícil
diagnóstico, com altos índices de morbidade e mortalidade.[1]
[2] Nas últimas décadas, com importantes avanços nas técnicas de neuroimagem, sobretudo
não invasivas com a angiotomografia e angiorressonância, tem-se observado um aumento
no diagnóstico desta patologia. A dissecção de artérias cervicais (artérias carótidas
e artérias vertebrais extracranianas) ou cerebrais corresponde a apenas 2% de todos
os casos de acidente vascular cerebral do tipo isquêmico quando analisadas todas as
idades, contudo, quando consideramos apenas pacientes jovens (menores de 45 anos),
essa taxa pode alcançar valores mais altos, chegando a índices entre 10 e 25%. A incidência
de DAB é, aproximadamente, 1 a 1.5 casos para cada 100.000 pessoas.[3]
[4] Um estudo mostrou uma incidência ainda menor, correspondendo a 0.25 casos por 100.000
pessoas.[5] Mesmo com o avanço nos métodos diagnósticos, a etiologia da maioria das dissecções
permanece desconhecida.[1]
[3] Vários casos tem sido atribuídos a trauma cervicocraniano, manipulação cirúrgica,
defeito congênito na camada média da artéria, displasia fibromuscular, doenças do
tecido conjuntivo, sífilis, arterites ou migranea, porém, poucas vezes consegue-se
demonstrar uma relação causal.[6] Pouco é conhecido a cerca do curso clínico, prognóstico e melhor forma de tratamento.
Esta patologia deve ser considerada, particularmente, no diagnóstico diferencial de
pacientes adultos jovens que apresentaram hemorragia subaracnóide ou isquemia cerebral
no território da circulação posterior.[1]
[2]
[3]
[4] Apesar de alguns autores adotarem a conduta conservadora, o elevado risco de gravidade
da DAB pode tornar necessário o tratamento cirúrgico (convencional ou endovascular)
em casos selecionados.[7]
[8]
[9] Neste estudo, relatamos um caso raro de dissecção espontânea da artéria basilar
associada à formação de aneurisma dissecante, abordando uma revisão da literatura
sobre o tema.
Relato de Caso
Paciente do sexo feminino, 55 anos, compareceu ao serviço de Neurorradiologia Intervencionista
do Hospital São Marcos – Teresina, Piauí, com queixa de cefaleia de forte intensidade
na região occipital e nuca iniciada três dias antes da admissão hospitalar, incapacitante
e com caráter pulsátil, eventualmente associada à náusea, foto e fonofobia e sem melhora
com analgésicos comuns. Não havia relato de alteração da consciência, crise convulsiva
ou déficit neurológico focal. A paciente negou história de trauma cervical ou cranioencefálico
prévio, e também não havia relato de procedimento neurocirúrgico. No que diz respeito
a comorbidades clínicas, relatou somente hipertensão arterial sistêmica, para a qual
fazia uso regular de medicação anti-hipertensiva. Não havia história de tabagismo
ou etilismo. O exame físico geral e neurológico estavam normais, observando-se apenas
fácies de dor. Para a investigação diagnóstica, foi solicitada ressonância magnética
do encéfalo com contraste, que mostrou dilatação sacular de contornos regulares adjacente
à artéria basilar. Procedeu-se, em seguida, a realização de angiografia digital por
subtração que evidenciou dilatação sacular focal localizada no terço proximal da artéria
basilar, adjacente à redução no calibre arterial, indicativa de estenose segmentar
([Figura 1]), e imagem negativa intraluminal compatível com flap ([Figura 2]). Observou-se, ainda, pequena dilatação focal assimétrica na origem da artéria cerebelar
ântero-inferior direita e foi observada retenção de contraste na fase arterial tardia
do exame angiográfico ([Figura 3]). Esses achados descritos são compatíveis com dissecção na artéria basilar associada
à formação de aneurisma dissecante.
Fig. 1 Angiografia seletiva da artéria vertebral esquerda (posição obliqua) – dilatação
sacular na artéria basilar compatível com aneurisma dissecante (seta escura), adjacente
à estenose segmentar (setas brancas).
Fig. 2 Angiografia seletiva da artéria vertebral esquerda (posição em perfil) – imagem compatível
com flap intraluminal (seta).
Fig. 3 Angiografia seletiva da artéria vertebral esquerda (posição obliqua) – pequena dilatação
focal na origem da artéria cerebelar anteroinferior direita (seta escura), adjacente
à estenose segmentar (seta branca).
Discussão
A dissecção espontânea da artéria basilar é uma patologia de rara incidência, porém,
devido ao elevado potencial de morbidade e mortalidade, deve ser prontamente reconhecida
e deve constar no diagnóstico diferencial de pacientes jovens que se apresentem com
AVC, particularmente da circulação posterior (vertebrobasilar). A modalidade terapêutica
considerada padrão-ouro permanece incerta.[3]
Uma revisão da literatura feita por Masson e colaboladores[10] encontrou 38 casos de DAB e, desses pacientes, 30 (78.9%) evoluíram para o óbito.
Yoshimoto e colaboladores[8] relataram 10 casos de pacientes com DAB (4 dissecções rotas e 6 não rotas). Dos
4 pacientes com ruptura, 1 teve desfecho fatal e 2 estavam severamente incapacitados,
enquanto 4 dos 6 pacientes que não apresentaram ruptura estavam incapacitados devido
a progressão de eventos isquêmicos. Kim e colaboladores[3] realizaram um estudo com 21 casos de DAB. Em 10 pacientes (47.6%) havia ruptura,
e esta foi associada a um fator de pior prognóstico, com uma taxa de mortalidade ficando
em 30% quando comparada aos casos em que não houve ruptura, cuja taxa de mortalidade
foi zero. Estes mesmos pesquisadores mostraram que o grupo que foi tratado pela técnica
endovascular teve um desfecho favorável quando comparado ao grupo manejado de forma
conservadora (90.9% de desfecho favorável para o grupo tratado por via endovascular
versus 50% para o grupo tratado de forma conservadora).
Apesar de vários autores terem relatado cura espontânea nos casos de DAB com ruptura
e recomendado terapia conservadora, uma revisão da literatura mostrou que esta condição
traz um elevado risco de morte. Um estudo de Nakahara et al.[11] revisou 25 casos de DAB com ruptura e mostrou taxas de morbidade e mortalidade de
20 e 40%, respectivamente. Por esse motivo, dados os riscos de sangramento e fenômenos
isquêmicos com desfecho grave, um tratamento endovascular ou cirúrgico convencional
pode ser necessário e deve ser observado na análise individual dos casos.
Conclusão
Os resultados dos estudos sugerem que a DAB com ruptura tem um alto risco de desfecho
desfavorável, enquanto a DAB sem ruptura tem um desfecho relativamente favorável.
Os pacientes com esta patologia tratados por via endovascular com colocação de stent e molas de platina de destaque controlado, de forma isolada ou em associação, tendem
a apresentar um desfecho clínico mais favorável do que aqueles tratados de forma conservadora.
Mais estudos são necessários para uma melhor compreensão desta patologia e sua evolução
natural, além da necessidade de uma definição sobre a melhor conduta terapêutica.