Palavras-Chave
meningioma - quarto ventrículo - neoplasias infratentoriais
Introdução
Meningiomas são neoplasias meningoteliais que têm origem no fibroblasto aracnóideo,
célula pavimentosa que recobre as vilosidades aracnóideas e as granulações de Pacchioni.
Correspondem a, pelo menos, 15% de todas as neoplasias intracranianas,[1]
[2]
[3] podendo chegar a 40%,[4] e, classicamente, são aderidos a estruturas meníngeas.
Lesões puramente intraventriculares são raras e têm incidência calculada entre 0,5
e 3% dos meningiomas intracranianos.[4] Destes, 77,8% ocorrem no trígono do ventrículo lateral, com maior frequência no
esquerdo; 15,6%, no terceiro; e 6,6%, no quarto ventrículo.[1]
[5]
[6]
Acredita-se que os meningiomas do quarto ventrículo se originam do plexo coroide,
não apresentando adesões durais.[1]
[5]
[7] O primeiro caso foi descrito por Cushing e operado por Sachs, em 1938.[5]
[8]
[9]
Descrevemos o caso de um paciente de 31 anos, operado em nosso serviço para ressecção
de um tumor do quarto ventrículo, cujo diagnóstico anatomopatológico indicou meningioma,
e realizamos revisão da literatura.
Relato de Caso
Paciente do sexo masculino, 31 anos, procedente de Caçu, Goiás, encaminhado ao Hospital
de Câncer de Barretos com quadro vertiginoso progressivo há cerca de 8 meses, associado
a náuseas e mal-estar. Manifestava, ao exame neurológico, disfunção dos nervos cranianos
IX, X, XI e XII e síndrome cerebelar que se apresentava sob a forma de disbasia, ataxia
e dismetria, mais pronunciadas à esquerda.
A investigação subsequente, com ressonância magnética ([Figs. 1], [2] e [3]), revelou lesão sólida de contornos lobulados e intenso realce após injeção do meio
de contraste paramagnético, em topografia de forame de Luschka à esquerda e ventrículo
IV. A lesão apresentava fina rima liquórica entre o vérmis cerebelar e o plano tumoral,
com 4,7 × 4,0 cm em seus maiores eixos, comprimindo bulbo, sem contato com meninge
adjacente, não sendo identificada cauda dural. Havia ainda discreta dilatação de ventrículos
cerebrais supratentoriais.
Fig. 1 RM de encéfalo ponderada em T1 com contraste demonstrando massa tumoral em região
do quarto ventrículo, com realce homogêneo e importante efeito de massa sobre o tronco
encefálico, no corte axial.
Fig. 2 RM de encéfalo ponderada em T1 com contraste demonstrando massa tumoral em região
do quarto ventrículo, com realce homogêneo e importante efeito de massa sobre o tronco
encefálico, no corte coronal.
Fig. 3 RM de encéfalo ponderada em T1 com contraste demonstrando massa tumoral em região
do quarto ventrículo, com realce homogêneo e importante efeito de massa sobre o tronco
encefálico, no corte sagital.
Realizou-se, então, craniotomia subocciptal bilateral com instalação de derivação
ventricular externa e exérese macroscópica total da lesão ([Figs. 4], [5] e [6]), sem intercorrências. No período intraoperatório, confirmou-se a ausência de adesões
do tumor às estruturas meníngeas da fossa posterior. Foi realizada ressecção microcirúrgica
da lesão, optando-se por esvaziamento intralesional com auxílio de aspiração ultrassônica,
seguido de ressecção em fragmentos do remanescente tumoral, sem uso de monitoração
eletrofisiológica, não disponível na ocasião, e evitando-se manobras de tração. A
ressecção macroscópica total da neoplasia foi alcançada.
Fig. 4 RM de encéfalo pós-operatória ponderada em T1 com contraste, no corte axial, evidenciando
ressecção completa da lesão tumoral, com centralização do tronco encefálico e quarto
ventrículo livre.
Fig. 5 RM de encéfalo pós-operatória ponderada em T1 com contraste, no corte coronal, evidenciando
ressecção completa da lesão tumoral, com centralização do tronco encefálico e quarto
ventrículo livre.
Fig. 6 RM de encéfalo pós-operatória ponderada em T1 com contraste, no corte sagital, evidenciando
ressecção completa da lesão tumoral, com centralização do tronco encefálico e quarto
ventrículo livre.
No período pós-operatório, o quadro evoluiu com agravamento das disfunções dos nervos
cranianos IX, X e XI e hemiparesia à esquerda de grau III, apresentando lenta e progressiva
melhora das disfunções. O paciente foi submetido a traqueostomia e gastrostomia precocemente.
Diagnosticou-se quadro de broncopneumonia, com provável etiologia aspirativa, e de
infecção do trato urinário, tratados satisfatoriamente, além de fístula liquórica
associada a hidrocefalia, prontamente tratadas com derivação ventrículo-peritoneal
(DVP) durante a mesma internação. O paciente evoluiu com internação prolongada, sendo
inserido em programa de reabilitação física intensiva.
O paciente seguiu com melhora progressiva dos déficits após a alta hospitalar, sendo
que, em torno de 9 meses após o procedimento, apresentava recuperação completa do
comprometimento dos nervos cranianos, reversão significativa do déficit motor e melhora
relevante do quadro atáxico, mantendo discreta incoordenação à esquerda.
Estudo histopatológico revelou tratar-se de meningioma fibroblástico, grau I da OMS.
Após 2 anos de seguimento, foi encaminhado ao serviço hospitalar da cidade de origem
devido ao quadro de disfunção da DVP e antecedente de meningite viral tratada naquela
cidade meses antes. O paciente, então, foi diagnosticado, novamente, com meningite
e apresentou piora rápida no quadro clínico devido à sepse, o que provocou seu óbito
apesar do tratamento.
Discussão
Meningiomas do quarto ventrículo são definidos como aqueles que têm sua origem no
plexo coroide local e ocupam esta cavidade ventricular, sem implante meníngeo.[1]
[5]
[7] Em 1963, Abraham e Chandy sugeriram uma classificação para meningiomas da fossa
posterior, sem implante dural, que consiste em três tipos: (1) meningiomas do plexo
coroide, que se desenvolvem apenas no quarto ventrículo; (2) meningiomas da tela coroide,
que se desenvolvem parcialmente no interior do ventrículo e parcialmente no hemisfério
cerebelar e vérmis; (3) meningiomas da cisterna magna, sem implantação dural e com
extensão intraventricular, que nascem da porção mais lateral do plexo coroide, fora
do forame de Luschka.[1]
[10]
[11] Configuram-se como verdadeiros aqueles classificados como tipo 1 ou 2. O caso relatado
é um exemplo dos meningiomas de ventrículo IV classificados como tipo I de Abraham,
pois há evidência de rima liquórica entre o vérmis e a porção medial do hemisfério
cerebelar direito com a interface tumoral, bem como a disposição mais lateralizada
da neoplasia à esquerda.
Relata-se, em algumas séries publicadas, predominância entre pacientes do sexo feminino
com relação de 2:1.[1]
[6]
[12] Nesta revisão, verificamos distribuição equivalente entre os gêneros, constatando
discreto predomínio do sexo feminino com 28 casos (48,28%). Havia 25 casos do sexo
masculino (43,10%) e 5 casos (8,62%) não identificavam o gênero em seus relatos.
A média global das idades dos casos relatados é de 41,64 anos. Quando analisados separadamente
por gênero, a média de idade é discretamente diferente, sendo a do sexo feminino pouco
menor (41,25) que a do sexo masculino (42,08). Algumas publicações sugerem maior incidência
em pacientes mais jovens do sexo feminino.[1]
Pacientes portadores de meningiomas de quarto ventrículo geralmente manifestam sinais
de hipertensão intracraniana (HIC) insidiosa, como cefaleia matinal, náusea, vômitos
e vertigem, bem como sinais focais caracterizados mais comumente por síndrome atáxica
(cerebelar), acometimento dos tratos longos[4]
[5]
[12] e envolvimento de nervos cranianos, notadamente aqueles cujos núcleos estão localizados
no seguimento ponto-bulbar do tronco encefálico, a exemplo do caso relatado.
Entre os diagnósticos diferenciais dos tumores do quarto ventrículo estão metástase,
papiloma de plexo coroide, hemangioblastoma, meduloblastoma e ependimoma.[5]
[7]
[13] A diferenciação radiológica entre tais lesões é importante para o planejamento cirúrgico,
pois implica distintos níveis de dificuldade para exérese total e, portanto, diferentes
formas iniciais de manejo intraoperatório das lesões. As características dos meningiomas,
tanto na ressonância magnética (RM) quanto na tomografia computadorizada (TC), indicam
lesões bem circunscritas com bordas regulares e suaves, provavelmente de crescimento
lento, com realce homogêneo e muito intenso pelo contraste.[5]
[8]
O tratamento de escolha é a excisão microcirúrgica da lesão, valendo-se de esvaziamento
intralesional, com auxílio, se possível, dadas as características da neoplasia, de
aspiração ultrassônica ou exérese em peacemeal quando necessário, evitando-se manobras de tração inicialmente e dando especial atenção
à dissecção junto ao assoalho do ventrículo IV, geralmente com plano de clivagem nítido,
o que, juntamente com o fato de não apresentar fixações meníngeas, leva a bons resultados
publicados na literatura, com excisão completa da lesão.[14] Dos casos com os volumes de ressecção relatados até o momento, apenas quatro não
indicaram ressecção completa.
Dados da literatura internacional sugerem a predominância dos subtipos fibroblástico
e meningotelial, correspondendo, respectivamente, a 40 e 24% dos casos.[1] Em nossa revisão, os subtipos classificados como grau I pela OMS correspondem a
79,31% dos casos, com predomínio dos meningiomas fibroblástico (29,31%) e meningotelial
(15,52%).
Os meningiomas classificados como grau II da OMS correspondem a 17,24% dos casos,
com predomínio de meningiomas de células claras (6,89%) e atípicos (6,89%). Meningiomas
cordoides corresponderam a 3,44% (dois) dos casos relatados.[15]
[16] Apenas um meningioma anaplásico (grau III da OMS) foi relatado, cujo diagnóstico
foi estabelecido na recorrência da doença após longo período de remissão.[17] Cinco casos relatados (8,62%) não apresentavam classificação histopatológica da
lesão disponível.
Através de pesquisa em base de dados de periódicos indexados, como demonstrado na
[Tabela 1], levantamos a existência de 57 casos de meningiomas do quarto ventrículo, sendo
que quarenta publicações ou referências a elas estão em artigos na língua inglesa
ou espanhola.
Tabela 1
|
Caso
|
Publicação
|
Autor
|
Ano
|
Idade
|
Sexo
|
Ressecção
|
Histologia
|
|
1
|
1
|
Sachs et al[1]
[3]
[8]
[11]
[18]
[19]
[20]
|
1938
|
38
|
F
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
2
|
2
|
Voguel et al[9]
|
1950
|
65
|
M
|
Necrópsia
|
Meningotelial
|
|
3
|
3
|
Haas et al[21]
|
1954
|
41
|
M
|
Necrópsia
|
ND
|
|
4
|
4
|
Zuleta et al[22]
|
1955
|
12
|
M
|
Subtotal
|
Tendência laminar
|
|
5
|
4
|
|
|
8
|
M
|
Biópsia
|
Difuso
|
|
6
|
5
|
Schaerer et al[20]
|
1960
|
42
|
F
|
Total
|
ND
|
|
7
|
6
|
Chafee et al[23]
|
1963
|
38
|
F
|
Total
|
Meningotelial
|
|
8
|
7
|
Hoffman et al[24]
|
1972
|
61
|
M
|
Total
|
Transicional
|
|
9
|
7
|
|
|
44
|
F
|
Total
|
Transicional
|
|
10
|
8
|
Rodrigues-Carbajal et al[25]
|
1974
|
49
|
F
|
Parcial
|
Meningotelial
|
|
11
|
8
|
|
|
32
|
F
|
Total
|
Meningotelial
|
|
12
|
9
|
Gökalp[26]
|
1981
|
30
|
F
|
Total
|
Psamomatoso
|
|
13
|
10
|
Tsuboi et al[19]
|
1983
|
30
|
F
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
14
|
11
|
Nagata et al[18]
|
1988
|
52
|
F
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
15
|
12
|
Matsumara et al[3]
|
1988
|
62
|
M
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
16
|
13
|
Nakano et al[27]
|
1989
|
58
|
F
|
Total
|
Transicional
|
|
17
|
14
|
Jhonson et al[28]
|
1989
|
53
|
M
|
Total
|
Osteoblástico
|
|
18
|
15
|
Diaz et al[29]
|
1990
|
5
|
F
|
Total
|
Meningotelial
|
|
19
|
16
|
Ceylan et al[11]
|
1992
|
48
|
M
|
Total
|
Angiomatoso
|
|
20
|
17
|
Delfini et al[30]
|
1992
|
22
|
M
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
21
|
18
|
Lima de Freitas et al[31]
|
1994
|
32
|
F
|
Total
|
Meningotelial
|
|
22
|
19
|
Iseda et al[32]
|
1997
|
67
|
F
|
Total
|
Atípico
|
|
23
|
19
|
|
|
47
|
F
|
Total
|
Transicional
|
|
24
|
20
|
Cummings et al[33]
|
1999
|
72
|
M
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
25
|
21
|
Chaskis et al[8]
|
2001
|
76
|
M
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
26
|
22
|
Akimoto et al[14]
|
2001
|
72
|
F
|
Total
|
Transicional
|
|
27
|
23
|
Ooigawa et al[13]
|
2004
|
51
|
F
|
Total
|
Transicional
|
|
28
|
24
|
Carlotti et al[34]
|
2003
|
23
|
F
|
Total
|
Células claras
|
|
29
|
24
|
|
|
28
|
F
|
Total
|
Células claras
|
|
30
|
25
|
Barthoe et al[35]
|
2006
|
ND
|
ND
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
31
|
25
|
|
|
ND
|
ND
|
ND
|
Meningotelial
|
|
32
|
26
|
Liu M et al[6]
|
2006
|
ND
|
ND
|
ND
|
Misto
|
|
33
|
27
|
Epari et al[16]
|
2006
|
20
|
F
|
Total
|
Cordoide
|
|
34
|
28
|
Bertalanffy et al[36]
|
2006
|
ND
|
ND
|
Total
|
ND
|
|
35
|
29
|
Costa Jr. et al[2]
|
2007
|
45
|
M
|
Total
|
ND
|
|
36
|
30
|
Shintaku et al[17]
|
2007
|
61
|
F
|
Total
|
Anaplásico
|
|
37
|
31
|
Wind et al[15]
|
2010
|
23
|
M
|
Total
|
Cordoide
|
|
38
|
32
|
Burgan et al[37]
|
2010
|
14
|
M
|
Total
|
Células claras
|
|
39
|
33
|
Alver et al[1]
|
2011
|
61
|
M
|
Total
|
Fibroblástico
|
|
40
|
34
|
Pichierri et al[10]
|
2011
|
30
|
F
|
ND
|
Meningotelial
|
|
41
|
34
|
|
|
22
|
M
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
42
|
34
|
|
|
22
|
M
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
43
|
35
|
Zhang et al[38]
|
2012
|
23
|
M
|
Total
|
Angiomatoso
|
|
44
|
36
|
Qin et al[7]
|
2012
|
25
|
M
|
ND
|
Fibroso
|
|
45
|
37
|
Takeuchi et al[5]
|
2012
|
60
|
M
|
Subtotal
|
Meningotelial
|
|
46
|
38
|
Zhang et al[12]
|
2012
|
40
|
F
|
ND
|
Psamomatoso
|
|
47
|
38
|
|
|
43
|
F
|
ND
|
Células claras
|
|
48
|
38
|
|
|
65
|
F
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
49
|
38
|
|
|
60
|
F
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
50
|
38
|
|
|
20
|
F
|
ND
|
Transicional
|
|
51
|
38
|
|
|
39
|
M
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
52
|
38
|
|
|
50
|
M
|
ND
|
Atípico
|
|
53
|
38
|
|
|
9
|
F
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
54
|
38
|
|
|
69
|
F
|
ND
|
Fibroblástico
|
|
55
|
38
|
|
|
57
|
M
|
ND
|
Atípico
|
|
56
|
39
|
Ødegaard et al[4]
|
2013
|
ND
|
ND
|
ND
|
ND
|
|
57
|
40
|
Liu et al[39]
|
2014
|
60
|
M
|
Total
|
Atípico
|
|
58
|
41
|
Polverini et al.
|
2015
|
31
|
M
|
Total
|
Fibroblástico
|
Conclusão
Os meningiomas do quarto ventrículo são pouco incidentes, possivelmente com discreta
predominância em mulheres jovens, comumente se apresentando com sintomas progressivos
de HIC e síndrome cerebelar. O tratamento cirúrgico costuma ser efetivo e de bons
resultados, devendo-se considerar, para tanto, o planejamento pré-operatório adequado
obtido através das características radiológicas dos tumores. As lesões de baixo grau
são a maioria, embora haja amplo espectro de subtipos diagnosticados.