Palavras-chave
neurectomia - neuralgia occipital - cefaleia
Introdução
De acordo com a International Headache Society, a neuralgia occipital (NO) é definida como uma dor paroxística, em pontada, que se irradia para a região occipital.[1] Esta patologia foi descrita em 1821 por Beruto et al, sendo considerada causa incomum de cefaleia.[2] A maioria dos casos de NO são de origem idiopática. Contudo, causas externas, como infecções, cirurgias de base de crânio, compressões vertebrais, traumas e anomalias congênitas podem ser consideradas como etiologia.[2] Devido à variedade de sinais e sintomas que podem se manifestar nos pacientes com NO, esta patologia pode ser confundida com outros tipos de cefaleias primárias.[3] Apesar disso, o diagnóstico é considerado essencialmente clínico.[3] Como opções ao tratamento, podem ser utilizadas técnicas de tratamento cirúrgico não ablativo, entre as quais se destacam a neuroestimulação do nervo occipital maior e a estimulação medular. Por fim, no grupo de tratamento cirúrgico ablativo encontram-se a rizotomia por radiofrequência, a cirurgia de lesão do trato de Lissauer, a neurectomia do nervo occipital maior, e a neurectomia do nervo espinhal C2.[3] O objetivo deste trabalho é relatar o caso clínico de uma paciente portadora de neuralgia occipital cujo tratamento de escolha foi a neurectomia do segundo nervo espinhal.
Relato de Caso
Recebemos uma paciente, de 46 anos, do sexo feminino, casada, portadora de fibromialgia com histórico de cefaleia occipital, de forte intensidade, associada a dor em processo mastoide bilateral e com sensação de queimação na região occipital havia cerca de 8 anos. Ela relatava, ainda, presença de paroxismos, em que a dor se exacerbava, com presença de ponto de gatilho bilateralmente na região occipital. Ao exame neurológico apresentava-se com Tinel positivo em nervo occipital bilateralmente, mas sem alterações focais. Ela foi inicialmente tratada com: 150 mg de pregabalina a cada 12 horas; 25 mg de amitriptilina, a cada 24 horas; 40 mg de fluoxetina a cada 24 horas; 500 mg de dipirona + 5 mg de prometazina + 10 mg de adifenina a cada 8 horas; e 60 mg de codeína a cada 8 horas, sem melhora substancial da dor. A paciente foi submetida a uma ressonância magnética, na qual foram descartadas causas secundárias de cefaleia. Uma revisão laboratorial revelou velocidade de hemossedimentação de 36 mm após 1 hora. A paciente foi orientada sobre as possibilidades de tratamento para a neuralgia do nervo occipital. Após a suspeita do diagnóstico de neuralgia occipital, a paciente foi submetida a bloqueio anestésico na região do nervo occipital maior, com alívio imediato dos sintomas, o que corroborou o diagnóstico. Optou-se pela rizotomia a céu aberto. A paciente foi submetida a procedimento cirúrgico de rizotomia do nervo occipital maior com remissão dos sintomas por cerca de 3 anos, mas com nova sintomatologia atual, o que a levou a ser submetida a nova intervenção cirúrgica. Sob anestesia geral, foi realizada uma incisão na pele na linha média posterior, na região entre a protuberância externa e o processo espinhoso de C7.[4] Por meio da dissecção cuidadosa dos planos, foi identificado o segundo nervo espinhal, a cerca de 3 cm da linha média ([Fig. 1]). Não foram encontradas alterações teciduais no trajeto proximal desse nervo espinhal, assim como neuromas. Foi feita, então, uma neurectomia de C2 bilateralmente, proximal ao gânglio sensitivo (extirpação do nervo, incluindo o gânglio sensitivo). A paciente foi reavaliada quatro semanas após a cirurgia, e demonstrou melhora do quadro álgico, sem os sintomas mencionados anteriormente, apenas com desconforto na região cervical e hipoestesia na região occipital bilateralmente. A paciente não apresentou complicações decorrentes do procedimento cirúrgico durante o primeiro mês de pós-operatório. Nos retornos ambulatoriais ocorridos no terceiro e sexto meses, a paciente apresentou melhora do quadro álgico, retornando às suas atividades laborais sem qualquer comprometimento.
Fig. 1 Fotografia intraoperatória da região occipital. (1) protuberância occipital externa; (2) tubérculo posterior de C1; (3) processo espinhoso de C2; (4) segundo nervo espinhal.
Discussão
O nervo occipital maior origina-se de ramos posteriores dos segmentos do nervo espinhal C2, após sua emergência do gânglio sensitivo.[4]
[5] Ele percorre um trajeto recorrente em direção à borda inferior do músculo oblíquo inferior da cabeça, contornando-o, e trafega em direção superior, relacionando-se, neste momento, intimamente com o músculo semiespinal da cabeça.[5] A partir deste ponto, cruza o referido músculo, mantendo o seu trajeto ascendente e estabelecendo nova relação ao passar sob o músculo trapézio. Em sua última porção, o nervo atravessa as fibras do trapézio, exteriorizando-se no tecido celular subcutâneo.[5]
A NO é definida como dor em território occipital ou cervical causada pela estimulação e/ou compressão do nervo occipital maior.[6] A dor tem como característica ser unilateral e acometer a região occipital que apresenta inervação pelo nervo occipital maior.[7] Pode ser relatada pelo paciente como dor em padrão de queimação ou em pontadas, associada à sensação de “choque,” parestesia, fotofobia, náuseas e vômitos.[8]
[9] Fatores etiológicos traumáticos, degenerativos, oncológicos ou idiopáticos estão envolvidos na maioria dos casos.[10]
O diagnóstico da neuralgia occipital é obtido essencialmente pelo exame clínico, sendo que nenhum exame de imagem apresenta boa eficácia para o diagnóstico.[11]
Foram estabelecidas diferentes abordagens terapêuticas para a NO, as quais podem se dividir em tratamento conservador e cirúrgico. Entre as opções de tratamento conservador, encontram-se o uso do colar cervical, analgésicos, bloqueio percutâneo do nervo, e uso de toxina botulínica. Como tratamento cirúrgico não ablativo, destaca-se a neuroestimulação do nervo occipital maior. Por fim, no grupo de tratamento cirúrgico ablativo, encontram-se a rizotomia por radiofrequência, a cirurgia de lesão do trato de Lissauer, a neurectomia do nervo occipital maior, e a neurectomia do nervo espinhal C2.[2]
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Tratamento conservador da NO
A utilização da toxina botulínica tem se mostrado eficaz como terapia para a NO, principalmente quando associada ao traumatismo raquimedular.[8] Vale ressaltar que seu uso já é consagrado no tratamento de outros tipos de cefaleia, como a enxaqueca.[8] A infiltração do nervo occipital maior pode ser utilizada como diagnóstico e tratamento dessa neuropatia. A infiltração pode ser realizada com bupivacaína 0,5%, que pode ou não ser associada à metilprednisolona, em um ponto anatômico localizado a 3 cm lateralmente e 2 cm inferiormente à protuberância occipital externa.[2]
[9] Esse bloqueio do nervo revelou resultados positivos no tratamento de outros tipos de cefaleia. Uma hipótese que justificaria um bom controle álgico é a proximidade dos neurônios sensoriais da região cervical superior com neurônios presentes no núcleo espinhal trigeminal.[11] Entre as complicações decorrentes do bloqueio percutâneo do nervo pela sua localização superficial está a injeção intravascular.[1] Em um estudo envolvendo 92 pacientes tratados com infiltração percutânea de lidocaína e corticoide, foi observado bom controle da dor em 87% dos pacientes, com recorrência em 31,5% deles.[2]
Tratamento cirúrgico não ablativo da NO
A neuroestimulação no nervo occipital maior tem uma eficácia no controle da dor da NO que varia entre 60% e 90%.[10] Entre as complicações dessa técnica cirúrgica observa-se o mal posicionamento dos eletrodos e a sua migração, que pode ocorrer em 10% a 70% dos casos, com subsequente perda da estimulação e frequente indicação de revisão cirúrgica.[10] Um estudo utilizando uma técnica aberta para a neuroestimulação, apesar da pequena amostra, demonstrou que essa técnica uma modalidade segura, simples e efetiva para manter contato direto entre o eletrodo e o tronco do nervo em um paciente previamente anestesiado.[10] A estimulação medular C1-C4 também tem sido uma opção para o controle da dor neuropática da NO.[15]
Tratamento cirúrgico ablativo da NO
Nessa modalidade de tratamento, é descrita a rizotomia a céu aberto do nervo occipital maior para o tratamento da NO.[5] Apesar da pequena amostra, um estudo avaliou retrospectivamente 17 pacientes submetidos a rizotomia a céu aberto. Não foram observadas maiores complicações, mas incluem-se como potenciais riscos: infecção, paralisia, fístula liquórica, e paresia do músculo trapézio pela lesão do nervo acessório espinhal.[2]
A cirurgia de lesão do trato de Lissauer para as raízes dorsais C1-C3 também tem sido descrita como tratamento da NO. Trata-se de uma modalidade de tratamento cirúrgico invasiva, por conta da necessidade de laminectomia cervical. Essa cirurgia apresenta uma taxa de complicação mais elevada quando comparada às outras modalidades de tratamento para essa doença. Como complicações são descritas infecção em ferida operatória, perda sanguínea e lesão medular.[16]
A neurectomia do nervo espinhal C2 é descrita como uma opção de tratamento ablativa da NO.[14] Essa técnica também tem sido descrita na artrodese de C1-C2, com o intuito de minimizar a dor ou evitar a dor neuropática no pós-operatório.[14] Entre as complicações relatadas estão a hipoestesia e hiperestesia da região occipital.[14]É importante ressaltar que essas complicações descritas poderiam ser em parte decorrentes do traumatismo raquimedular presente nesse grupo de pacientes.[14]
Conclusão
A neuralgia occipital requer uma cuidadosa investigação para o estabelecimento de seu diagnóstico. Embora existam vários métodos de tratamento, a neurectomia do nervo espinhal C2 pode ser uma opção para esta patologia, tendo a vantagem de ser pouco dispendiosa. Sua técnica exige conhecimento anatômico para o devido reconhecimento das estruturas anatômicas envolvidas. Estudos para que se tenha uma melhor definição dos resultados funcionais em longo prazo ainda são necessários.