Palavras-Chave
lipoma - neuropatia - nervo ulnar - tumor de partes moles
Introdução
Lipomas geralmente se apresentam em adultos como tumores isolados, sem presença de dor e com crescimento lento, sendo os locais mais frequentes o tronco e as extremidades.[1] Os lipomas são tipicamente lobulares e bem circunscritos, compostos por células de tecido adiposo. São separados do tecido adiposo circundante por uma fina cápsula fibrosa.[1]
[2]
[3] Exames complementares são importantes por auxiliarem na determinação do tipo e da localização do lipoma.[4] Os lipomas podem ser classificados como intramusculares, mais frequentes, e intermusculares, menos frequentes. Além disso, os intramusculares se dividem em infiltrativos e bem circunscritos.[2] Os lipomas são comumente isolados e raramente múltiplos, apresentando-se em formas e tamanhos variados, sendo considerados gigantes quando de diâmetro superior a 5 cm.[2]
[3]
O presente trabalho objetiva descrever o caso raro de lipoma intermuscular em região hipotenar do membro superior esquerdo com manifestação de compressão do nervo ulnar, além de apresentar breve revisão bibliográfica sobre os assuntos envolvidos no caso estudado. Para isso, foi utilizado material recente disponibilizado em bibliotecas virtuais, além de realizada análise do prontuário da paciente com apresentação do caso incomum.
Realizou-se, em primeiro momento, uma revisão do prontuário da paciente para a elaboração do relato de caso. Em seguida, realizou-se uma pesquisa bibliográfica na literatura, buscando trabalhos publicados nos últimos 47 anos, em português, inglês e espanhol. Os critérios de inclusão dos trabalhos pesquisados foram: a metodologia adequada aplicada, a atualidade, e a similaridade em algum aspecto com o presente caso. Os critérios de exclusão foram: baixa relevância de alguns artigos, a não abordagem da área de interesse, e a falta de informações importantes.
Os seguintes descritores foram utilizados: lipoma, deep-seated lipoma, lipomatous tumor, liposarcoma, lipoma de extremidades e lipoma intramuscular. As bibliotecas digitais e fontes de dados eletrônicos de acesso aberto acessadas foram a Scientific Electronic Library Online (SciELO) e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Também foi utilizado o Portal minha UFMG para acessar artigos pagos e de tema pertinente à presente pesquisa.
Relato do Caso
A paciente M. A. O., de 68 anos, do sexo feminino, dona de casa, procurou atendimento médico ambulatorial devido a quadro de cefaleia persistente. Em seu exame físico, foi detectado abaulamento na região hipotenar da extremidade do membro superior esquerdo. Não foram observados cianose ou sinais flogísticos na região do abaulamento. A paciente relatou quadro de dor de moderada intensidade na região tenar da mão esquerda, com irradiação para o IV e o V dígitos. Não foi encontrado sinal de Tinel sobre a lesão tumoral, e não foram identificados déficits de sensibilidade ou motricidade.
Foi solicitada a realização de uma ultrassonografia da mão, que evidenciou imagem nodular ecogênica bem definida, sem fluxo ao Doppler, encapsulada, medindo 24 mm, na região hipotenar ([Fig. 1]).
Fig. 1 Ultrassonografia da mão esquerda evidenciando imagem nodular ecogênica bem definida, sem fluxo ao Doppler, encapsulada, medindo 2,39 mm, na região hipotenar. Observe as linhas tracejadas contornando do lipoma.
Mediante apresentação do exame, optou-se pela internação, que foi precedida pela solicitação dos exames do risco cirúrgico. Utilizou-se anestesia local com lidocaína sem vasoconstritor. Como acesso cirúrgico, optou-se pela incisão linear no eixo do V dígito, na região hipotenar. Neuroestimulação foi realizada durante o procedimento, com o intuito de preservar os ramos motores distais do nervo ulnar. A lesão apresentava uma estrutura capsular relativamente bem delimitada, com forma levemente ovalada e coloração amarelada ([Figs. 2A] e [2B]). Após a retirada completa da lesão, foram identificados os nervos digitais palmares comuns do nervo ulnar, e o músculo abdutor do V dedo. No pós-operatório, a paciente apresentou melhora da dor da região hipotenar, e verificou-se a preservação da função motora.
Fig. 2 (A) Foto perioperatória evidenciando volumosa lesão com uma estrutura capsular relativamente bem delimitada, com forma levemente ovalada, e coloração amarelada. (B) Fotografia da lesão após a sua ressecção, confirmando a sua forma ovalada e capsulada.
A avaliação dos cortes histopatológicos do tecido mostrou neoplasia benigna constituída de 12 g de tecido adiposo maduro unilocular ([Fig. 3A]), com presença de algum tecido muscular ([Fig. 3B]) e vasos sanguíneos ([Fig. 3C]), entremeado por tecido conjuntivo com fibras colágenas ([Fig. 3D]) e fibroblastos, por vezes constituindo aspecto mixoide. Além disso, constatou-se ausência de atipia e de sinais de malignidade.
Fig. 3 Fotos de lâminas de cortes histológicos utilizadas para estudo patológico (hematoxilina-eosina, ampliação ×250). (A) Adipócitos com hipercromatismo nuclear (setas) em meio a fundo lipomatoso maduro. (B) Presença de tecido muscular (seta). (C) Vasos sanguíneos (setas). (D) Cápsula fibrosa (seta).
Discussão
O lipoma é descrito como um tumor adiposo benigno, separado do tecido adiposo adjacente por uma fina película, bem circunscrito, bem definido, e que pode ocorrer em qualquer região do corpo. Quando mal circunscrito e muito infiltrado, pode ser confundido com lipossarcoma bem diferenciado. Os lipossarcomas bem diferenciados, por sua vez, não acarretam metástases, e são considerados de baixo grau de malignidade, mas apresentam elevadas taxas de recorrência.[5]
[6]
Entre os principais sintomas e sinais dos lipomas localizados na mão estão: dor local, paresia, hipoestesia e abaulamento local pelo crescimento do tumor nos tecidos subjacentes ([Tabela 1]).[5]
[6]
Tabela 1
Autores
|
Ano
|
N
|
Localização do tumor
|
Sintomas
|
Resultado do tratamento cirúrgico
|
Rodriguez e Phalen[18]
|
1970
|
15
|
12 na mão e 3 no pulso.
|
14 tumores assintomáticos; 1 com dor; limitação do movimento.
|
Ausência de recorrências e complicações.
|
Ceballos e Wylock[19]
|
2005
|
4
|
2 na mão (1 no espaço palmar e 1 na eminência tenar) e 2 em dedos.
|
Inchaço e desconforto estético.
|
Período pós-operatório sem intercorrências. Ausência de complicações.
|
Kamath et al[20]
|
2006
|
1
|
Região palmar.
|
Inchaço e incômodo para movimentação.
|
Recuperação da função e sem recorrências.
|
Mohan e Semoes[21]
|
2008
|
1
|
Entre os músculos tenares.
|
Alguma dificuldade na apreensão de objetos (pelo abaulamento importante).
|
Recuperação da função da mão.
|
Nadar et al[22]
|
2010
|
13
|
13 na mão (5 no dorso, 6 palmares, 1 no pulso) e 1 no antebraço.
|
Abaulamento, dor, paresia e prurido.
|
Remissão dos sintomas. Não foram encontradas recorrências.
|
Pagonis et al[23]
|
2011
|
1
|
Região palmar.
|
Sintomas característicos de compressão dos nervos mediano e ulnar; redução da amplitude de movimento do pulso; limitação na flexão da falange distal (I dedo).
|
Remissão da dor e recuperação da motricidade.
|
Chatterton et al[24]
|
2013
|
1
|
Eminência tenar.
|
Dor no polegar esquerdo e inchaço na mão.
|
Após excisão do lipoma, a paciente realizou trapezectomia para tratar a artrite das articulações carpometacarpianas.
|
Ramirez et al[25]
|
2013
|
1
|
Terceiro dedo da mão esquerda.
|
Limitação do movimento interfalangiano e parestesia digital.
|
Recuperação completa da motricidade e desaparecimento da parestesia.
|
Radivojcevic et al[26]
|
2016
|
1
|
Região ulnar da palma da mão.
|
Dor e formigamento nos dedos (IV e V).
|
Controle da dor.
|
Schmidt[27]
|
2017
|
1
|
Região tenar com extensão aos dedos.
|
Limitação da extensão dos dedos (I-III), parestesia e dor.
|
Seis meses após a cirurgia, a função e a sensibilidade dos dedos afetados
foram restauradas.
|
Ribeiro et al[28]
|
2017
|
1
|
Região palmar.
|
Parestesia e dor nos dedos (I-III).
|
Reversão das queixas de parestesias e dor.
|
A melhor forma de tratamento dos tumores lipomatosos é a completa ressecção cirúrgica. A cirurgia deve ser feita após exames complementares que permitam ao cirurgião localizar o tumor e planejar seu trabalho, uma vez que medidas precipitadas podem contribuir para a recorrência do tumor, caso ele não seja devidamente removido durante a cirurgia.[5] Apesar de a cirurgia ser comumente indicada, há pouco consenso sobre qual o melhor tratamento cirúrgico para o tumor lipomatoso profundo.[5]
[7] Na literatura apresenta-se, para o caso de suspeita de malignidade, a ressecção ampla, com margens de aproximadamente 1 cm, associada a acompanhamento anual com exame complementar de imagem.[7]
Os lipomas podem ser comumente visualizados no ultrassom como massas ecogênicas distintas, tendo sua leitura variada; eles podem ser: hiperecoicos (20–52%), isoecoicos (28–60%) ou hipoecoicos (20%).[8]
[9]
[10] Quando encapsulado, a cápsula pode ser de difícil identificação nessa modalidade de exame de imagem.[11] Na tomografia computadorizada (TC), os lipomas são hipodensos (com aproximadamente -65 e -120 unidades Hounsfield).[10]
[11] A ressonância magnética é frequentemente a modalidade de escolha em caso de lipomas, não só para confirmar o diagnóstico, o que geralmente é sugerido pelo ultrassom e pela TC, como também por avaliar melhor as características atípicas que sugerem o diagnóstico de lipossarcoma. Os lipomas, na ressonância magnética, se mostram hiperintensos nas sequências T1 e T2. Além disso, a ressonância magnética permite uma melhor definição da anatomia adjacente ao tumor.[11]
O aspecto histológico dos lipomas é característico, com quantidade predominante de tecido adiposo, com adipócitos e imagem negativa de gordura. Há também a presença frequente de uma cápsula fibrosa envolvendo a região superficial do tumor.[1] Menos frequentemente, são observados vasos sanguíneos, muitas vezes mais abundantes no tecido muscular circunvizinho do que na região do tumor, sendo capilares musculares.[1]
[8] Além disso, há presença de feixe de fibras musculares em meio ao tecido tumoral.[8]
Apesar da gama de possibilidades para os tipos de tecidos histológicos, que podem variar de lipomas benignos a lipossarcomas, estima-se que as neoplasias lipomatosas compreendam metade de todos os tumores de tecido mole.[1]
[5] Devido a eventuais similaridades entre os acometimentos benignos e malignos, análises histológicas têm sido conduzidas, e trabalhos relatam algumas características que permitem auxiliar o médico no diagnóstico correto e no encaminhamento eficiente ao tratamento adequado. Idade avançada, tumor de elevadas dimensões, e localização em extremidade em detrimento do tronco, por exemplo, são características que sugerem um tumor lipomatoso atípico, em vez de um lipoma gigante.[5]
Existem outros tipos de lesões de caráter benigno que podem ser consideradas como diagnóstico diferencial no presente caso. A importância de se mencionar esses tumores encontrados na mão se dá em função da complexidade das estruturas acometidas e, consequentemente, das implicações, como perda de sensibilidade, dor ou mesmo comprometimento motor do membro.[12] No grupo das lesões que poderiam ser diagnóstico diferencial do lipoma estão: cisto sinovial, tumor de células gigantes de bainha de tendão, cistos de inclusão epidérmica, fibromas, schwannomas e neurofibromas.[12]
[13]
[14]
[15]
[16]
[17]
Foi elaborada uma tabela relacionando casos raros e representativos de lipomas ([Tabela 1]). A maior parte dos casos apresenta sintomatologia branda e/ou presença de abaulamento local sem sintomas. Raros casos desenvolveram-se com manifestações neurológicas, e todos revelaram resolução dos sintomas álgicos e motores quando presentes.[18]
[19]
[20]
[21]
[22]
[23]
[24]
[25]
[26]
[27]
[28]
Conclusões
A presença de lipoma na mão, além de pouco comum, pode não gerar precocemente manifestações clínicas até que o tumor alcance um volume maior e comprima as estruturas adjacentes. O procedimento cirúrgico corrobora a efetividade relatada na literatura, sendo a conduta preconizada. Devido à existência de lesões de diferentes naturezas que podem comprometer a mão, a cirurgia também permite a obtenção de material para confirmação histopatológica.