Subscribe to RSS

DOI: 10.1055/s-0038-1676989
Transferência tendínea do grande dorsal com enxerto tendíneo homólogo para as lesões irreparáveis do manguito rotador: técnica cirúrgica[*]
Article in several languages: português | EnglishAddress for correspondence
Publication History
07 July 2017
28 September 2017
Publication Date:
01 March 2019 (online)
Resumo
No contexto do tratamento cirúrgico dos pacientes jovens com lesões irreparáveis da porção posterossuperior do manguito rotador, a técnica mais usada é a transferência do tendão do grande dorsal para a porção superolateral do tubérculo maior, conforme descrita e preconizada por Gerber et al. Entretanto, duas características dessa técnica podem levar a resultados ruins e complicações: (i) a deiscência da origem do deltoide, que ocorre devido à sua violação durante a criação da via em golpe de sabre e (ii) a ruptura pós-operatória da inserção da transferência. Na tentativa de solucionar esses dois problemas, as seguintes modificações foram feitas à técnica cirúrgica original. Por meio de uma única via deltopeitoral, o tendão do grande dorsal é isolado e desinserido do úmero. Ele é então alongado e reforçado com um enxerto tendíneo homólogo, transferido ao redor do úmero e fixado à porção superolateral do tubérculo maior. Não foi usada imobilização pós-operatória com órtese toracobraquial rígida.
#
Palavra-chave
lesões do manguito rotador - transferência tendinosa - lesões do ombro - ombro - ortopediaIntrodução
As lesões tendíneas crônicas do manguito rotador podem levar a atrofia, degeneração gordurosa e alterações funcionais de seus respectivos músculos.[1] Quando acometem a região posterossuperior do manguito, na maioria das vezes resultam em dor, diminuição da força de rotação lateral e de elevação do ombro, além da dificuldade de posicionamento da mão no espaço.[1] [2] [3]
Diversas técnicas cirúrgicas foram descritas com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos pacientes com lesões irreparáveis desses tendões. Especialmente na população mais jovem (com menos de 60 anos) e com maior demanda funcional, a transferência do tendão do músculo grande dorsal (TGD) para o tubérculo maior (inicialmente descrita por Gerber,[1] em 1992) é a opção terapêutica mais comumente usada.[4] Diversos trabalhos demonstram que com ela é possível a obtenção de bons resultados no combate à dor e à disfunção.[3] [4] Entretanto, até 36% de insucessos foram encontrados. Somado a isso, ainda são escassas e controversas as investigações sobre os fatores preditivos de maus resultados.[2] [3]
Há evidências, porém, de que a maioria dos insucessos ocorra por um dos dois seguintes motivos: (i) deiscência da reinserção da transferência ou (ii) deiscência da origem do músculo deltoide.[5] Dessa maneira, alguns autores recentemente propuseram mudanças na técnica original de Gerber. O uso da artroscopia[6] ou de somente uma via de acesso,[7] por exemplo, foi preconizado para evitar a violação da inserção proximal do deltoide. Já a desinserção do grande dorsal com a manutenção de alguns fragmentos ósseos da cortical umeral junto ao tendão foi preconizada para reforçar a cicatrização da transferência junto ao tubérculo maior.[5]
Não encontramos na literatura, porém, técnica alguma que se preocupasse em evitar simultaneamente essas duas complicações. É justamente com esse intuito, então, que propomos as seguintes modificações à técnica cirúrgica: o tendão do grande dorsal é alongado e reforçado com um enxerto tendíneo, permitindo assim o uso de uma única via de acesso deltopeitoral.
O objetivo do presente trabalho é descrever as modificações propostas à técnica cirúrgica.
#
Descrição da Técnica
O paciente é colocado em posição de cadeira de praia. Através de uma via deltopeitoral, identifica-se a lesão irreparável do manguito rotador. Para a identificação do nervo axilar, do nervo radial e da inserção dos tendões dos músculos grande dorsal e redondo maior ([Fig. 1]), o tendão conjunto deve ser afastado medialmente e o tendão do peitoral maior, distalmente (às vezes, faz-se necessária a tenotomia do terço proximal da sua inserção, que então deve ser reinserida no fim da cirurgia). O tendão do grande dorsal é reparado, totalmente desinserido do úmero e seu ventre muscular é parcialmente dissecado. Ele é então alongado e reforçado com um enxerto tendíneo homólogo que é recortado para ficar com a mesma largura do tendão do paciente e com comprimento suficiente para alcançar o tubérculo maior ([Fig. 2A] e [B]).




Com uma pinça longa e curva passada subperiostealmente entre o úmero e as cabeças longa e lateral do tríceps ([Fig. 2A]), cria-se um túnel através do qual se passa o tendão (já alongado) para a porção posterior do úmero. Por fim, com o ombro colocado em 15 graus de abdução e 60 graus de rotação lateral e com o tendão tracionado de forma a não ficar frouxo, a transferência é suturada (com fio resistente e não absorvível) à porção súperolateral do tubérculo maior ([Fig. 3A] e [B]). Preferencialmente, como preconiza Gerber, as suturas mais anteriores devem englobar também o tendão do subescapular (elas podem até ser usadas para reparo de lesões proximais do subescapular, caso estejam presentes). Já as suturas mais mediais podem ser usadas para suturar o restante do coto do manguito à transferência ([Fig. 3A]).


Ao término da cirurgia, o paciente é imobilizado em uma tipoia de abdução em rotação neutra por seis semanas. Após esse período, são iniciados exercícios de ganho e manutenção da ADM de todos os movimentos do ombro, porém ainda sem fortalecimento. Esses são iniciados após quatro meses da cirurgia.
#
Comentários Finais
Na eventual falha da transferência tendínea no tratamento dessas lesões, a artroplastia reversa provavelmente é a única forma terapêutica suficientemente embasada na literatura capaz de proporcionar melhoria da dor e da função do ombro. Para isso, porém, ela requer um deltoide funcionante, já que nessa situação ele é a única unidade motora capaz de gerar vetores que resultem na elevação articular.[2] Dessa maneira, pode-se argumentar que seja extremamente prudente evitar sua violação cirúrgica, conforme a feita na via de sabre aplicada na técnica descrita por Gerber[1], por exemplo.
Só existem três opções para a via de acesso, portanto: uma única via de acesso posterior, uma via axilar e uma única via de acesso anterior. A via posterior permite boa dissecção do ventre muscular do grande dorsal, porém sua desinserção isolada (sem a desinserção do redondo maior) é difícil (já que seu tendão é anterior ao do redondo maior). Além disso, essa via não permite a identificação e o tratamento de eventuais lesões dos tendões do subescapular e da cabeça longa do bíceps.
A via de acesso axilar não permite a tentativa de um eventual reparo primário do manguito rotador, que sempre deve ser tentado antes de se fazer a transferência tendínea. Além disso, representa risco de graves lesões neurovasculares devido à proximidade com as estruturas do plexo braquial e vasos axilares.
Por fim, há a via de acesso escolhida: uma única via de acesso deltopeitoral. Além de ser uma via de costume para os cirurgiões de ombro, ela permite a tentativa de reparo primário do manguito rotador ([Fig. 1]), possibilita a desinserção isolada com facilidade do grande dorsal ([Fig. 1]), permite facilmente a identificação e o isolamento dos nervos axilar e radial ([Fig. 1]) e possibilita o tratamento de eventuais lesões dos tendões da cabeça longa do bíceps e do subescapular ([Fig. 1]). Sua única desvantagem é a impossibilidade de se dissecar o ventre muscular do grande dorsal e, portanto, impede que seja tracionado até a porção superior do grande dorsal. Entretanto, dado que o tendão desse músculo é extremamente fino e friável, preconiza-se que sua inserção ao tubérculo maior deva ser de alguma forma reforçada (sua desinserção pós-cirúrgica é até um dos poucos fatores preditivos de mau resultado funcional estatisticamente provados,[2] além de haver evidência de que seu reforço com a incorporação de pequenos fragmentos ósseos diminui esse risco[6]). Portanto, o uso do enxerto tendíneo pode conseguir de uma só vez solucionar esses dois problemas: ele alonga o tendão que será transferido (permite o uso de uma única via anterior) e reforça a inserção do tendão ao tubérculo maior (possivelmente diminui o risco de desinserção pós-cirúrgica). Ficamos tão seguros da firmeza do reforço durante a cirurgia que até permitimos que a imobilização pós-operatória seja feita com uma tipoia de abdução, e não com uma órtese toracobraquial rígida.
Vale ressaltar que a associação de uma via anterior a uma posterior permitiria a dissecção e o alongamento adequados do grande dorsal, mas não seria capaz, por si só, de prover um reforço à inserção tendínea. Essa associação, portanto, parece ser menos vantajosa do que a técnica aqui proposta.
Por fim, há quatro preocupações inerentes às modificações. A primeira envolve a criação de um novo ponto de fragilidade na transferência, que é o local de sutura entre o enxerto e o tendão nativo. A segunda é referente à capacidade de cicatrização do enxerto ao osso. Isso pois há alguma evidência[8] de que em longo prazo, quando comparado ao autólogo, o enxerto homólogo demore mais para remodelar e possivelmente proporcione menor resistência mecânica.
A terceira preocupação é referente à possibilidade de que o tendão do grande dorsal seja alongado demais, diminua em demasia a força final resultante da unidade musculotendínea transferida sobre o ombro. Essas três possibilidades só poderão ser confirmadas ou descartadas após seguimento pós-operatório em longo prazo.
Já a quarta preocupação é que a transferência, quando feita conforme a técnica aqui descrita, tem relações topográficas (com as demais estruturas anatômicas do ombro) diferentes das relações da técnica proposta por Gerber.[1] Uma delas é que o tendão transferido, ao invés de posterior, fica anterior ao tríceps (entre ele e o úmero) ([Fig. 3A]) e isso eventualmente pode propiciar a formação de aderências fibrosas. A outra é que o tendão passa inferior, ao invés de superior, ao nervo axilar e aos vasos circunflexos umerais posteriores ([Fig. 4]). Não fizemos seguimento em longo prazo, mas podemos informar que uma análise parcial e precoce de dez pacientes operados com essa técnica não demonstrou qualquer alteração neurovascular durante exame físico.


#
#
Conflitos de Interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
* Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (DOT-FCMSCSP), São Paulo, SP, Brasil.
-
Referências
- 1 Gerber C. Latissimus dorsi transfer for the treatment of irreparable tears of the rotator cuff. Clin Orthop Relat Res 1992; (275) 152-60
- 2 Gerber C, Rahm SA, Catanzaro S, Farshad M, Moor BK. Latissimus dorsi tendon transfer for treatment of irreparable posterosuperior rotator cuff tears: long-term results at a minimum follow-up of ten years. J Bone Joint Surg Am 2013; 95 (21) 1920-6
- 3 El-Azab HM, Rott O, Irlenbusch U. Long-term follow-up after latissimus dorsi transfer for irreparable posterosuperior rotator cuff tears. J Bone Joint Surg Am 2015; 97 (06) 462-9
- 4 Aoki M, Okamura K, Fukushima S, Takahashi T, Ogino T. Transfer of latissimus dorsi for irreparable rotator-cuff tears. J Bone Joint Surg Br 1996; 78 (05) 761-6
- 5 Tauber M, Moursy M, Forstner R, Koller H, Resch H. Latissimus dorsi tendon transfer for irreparable rotator cuff tears: a modified technique to improve tendon transfer integrity: surgical technique. J Bone Joint Surg Am 2010; 92 (Suppl 1 Pt 2): 226-39
- 6 Gervasi E, Causero A, Parodi PC, Raimondo D, Tancredi G. Arthroscopic latissimus dorsi transfer. Arthroscopy 2007; 23 (11) 1243.e1-e4
- 7 Habermeyer P, Magosch P, Rudolph T, Lichtenberg S, Liem D. Transfer of the tendon of latissimus dorsi for the treatment of massive tears of the rotator cuff: a new single-incision technique. J Bone Joint Surg Br 2006; 88 (02) 208-12
- 8 Scheffler SU, Schmidt T, Gangéy I, Dustmann M, Unterhauser F, Weiler A. Fresh-frozen free-tendon allografts versus autografts in anterior cruciate ligament reconstruction: delayed remodeling and inferior mechanical function during long-term healing in sheep. Arthroscopy 2008; 24 (04) 448-58
Address for correspondence
-
Referências
- 1 Gerber C. Latissimus dorsi transfer for the treatment of irreparable tears of the rotator cuff. Clin Orthop Relat Res 1992; (275) 152-60
- 2 Gerber C, Rahm SA, Catanzaro S, Farshad M, Moor BK. Latissimus dorsi tendon transfer for treatment of irreparable posterosuperior rotator cuff tears: long-term results at a minimum follow-up of ten years. J Bone Joint Surg Am 2013; 95 (21) 1920-6
- 3 El-Azab HM, Rott O, Irlenbusch U. Long-term follow-up after latissimus dorsi transfer for irreparable posterosuperior rotator cuff tears. J Bone Joint Surg Am 2015; 97 (06) 462-9
- 4 Aoki M, Okamura K, Fukushima S, Takahashi T, Ogino T. Transfer of latissimus dorsi for irreparable rotator-cuff tears. J Bone Joint Surg Br 1996; 78 (05) 761-6
- 5 Tauber M, Moursy M, Forstner R, Koller H, Resch H. Latissimus dorsi tendon transfer for irreparable rotator cuff tears: a modified technique to improve tendon transfer integrity: surgical technique. J Bone Joint Surg Am 2010; 92 (Suppl 1 Pt 2): 226-39
- 6 Gervasi E, Causero A, Parodi PC, Raimondo D, Tancredi G. Arthroscopic latissimus dorsi transfer. Arthroscopy 2007; 23 (11) 1243.e1-e4
- 7 Habermeyer P, Magosch P, Rudolph T, Lichtenberg S, Liem D. Transfer of the tendon of latissimus dorsi for the treatment of massive tears of the rotator cuff: a new single-incision technique. J Bone Joint Surg Br 2006; 88 (02) 208-12
- 8 Scheffler SU, Schmidt T, Gangéy I, Dustmann M, Unterhauser F, Weiler A. Fresh-frozen free-tendon allografts versus autografts in anterior cruciate ligament reconstruction: delayed remodeling and inferior mechanical function during long-term healing in sheep. Arthroscopy 2008; 24 (04) 448-58















