Subscribe to RSS
DOI: 10.1055/s-0039-1691763
Técnica de mosaicoplastia no tratamento de lesões osteocondrais isoladas do côndilo femoral do joelho – estudo retrospectivo[*]
Article in several languages: português | EnglishAddress for correspondence
Publication History
07 January 2018
28 May 2018
Publication Date:
27 June 2019 (online)
Resumo
Objetivo Lesões osteocondrais focais do joelho são encontradas em dois terços dos pacientes submetidos a artroscopia; seu tratamento, quando isoladas e, principalmente, em indivíduos jovens, ainda é debatido. O presente estudo analisa os resultados obtidos com a aplicação da técnica de mosaicoplastia no tratamento de lesões osteocondrais isoladas do côndilo femoral do joelho.
Métodos Estudo retrospectivo de pacientes submetidos à mosaicoplastia e análise subjetiva com pontuações do International Knee Documentation Committee (IKDC, na sigla em inglês) antes e após a cirurgia.
Resultados Um total de 13 casos, com média de idade de 34 anos; pacientes do sexo masculino (n = 4; 31%) apresentaram média de idade de 23 anos (17–31 anos), e pacientes do sexo feminino (n = 9; 69%) apresentaram média de 39 anos; (16–56 anos); femoral medial ou lateral (n = 11, 85% versus n = 2, 15%, respectivamente); o tamanho médio da lesão foi de 1,8 cm2 (0,6–4 cm); o tempo médio de acompanhamento foi de 5,045 ± 3,47 anos (1,15–11,01 anos). A pontuação IKDC média pré-operatória foi 31,63 pontos ( ± 20,24), e a pós-operatória foi 74,18 pontos ( ± 20,26). A diferença entre as pontuações IKDC obtidas depois e antes da cirurgia foi de 42,55 ( ± 21,05) pontos, com o aumento mínimo de 8,1 pontos e o aumento máximo de 82,8 pontos. Uma diferença estatística significativa (p < 0,001) foi encontrada entre a pontuação IKDC antes e após a cirurgia. Uma relação estatisticamente significativa (p = 0,038) foi observada entre o aumento da pontuação IKDC (a diferença entre a pontuação pré- e pós-operatória) e as dimensões da lesão.
Conclusões A mosaicoplastia com transferência de autoenxerto osteocondral, quando adequadamente usada, pode produzir resultados excelentes com grande durabilidade e impacto funcional, baixas taxas de morbidade e baixos custos. A expansão dos critérios de indicação mostra resultados promissores no médio e longo prazo.
#
Palavras-chave
osteocondrite/diagnóstico - osteocondrite/cirurgia - artroscopia - articulação do joelho - cartilagem articularIntrodução
Lesões osteocondrais focais do joelho são encontradas em dois terços dos pacientes submetidos a artroscopia.[1] O tratamento destas lesões, quando isoladas e, principalmente, em indivíduos jovens, ainda é debatido.[2] [3] [4] A artroplastia do joelho não é uma boa solução, e ainda não há uma técnica que possa restituir, ad integrum, a superfície articular da cartilagem hialina normal.[2] [4] [5] [6] Hoje, as técnicas existentes seguem princípios paliativos (desbridamento e condroplastia), reparadores (microfratura) e restauradores, como o implante de condrócitos autólogos (ACI, na sigla em inglês), a transferência de autoenxerto osteocondral (OTA, na sigla em inglês) e o aloenxerto osteocondral (OCA, na sigla em inglês).[2] [3] A OTA, na qual podemos incluir a mosaicoplastia, tem sido aplicada principalmente para alívio sintomático e para a tentativa de recuperação da superfície articular com propriedades biofuncionais semelhantes aos de uma articulação danificada, visando a preservação da função e a redução da progressão da doença osteoarticular.[2] [7] [8] [9] O presente estudo tem por objetivo analisar os resultados obtidos com a aplicação da técnica de mosaicoplastia no tratamento das lesões osteocondrais do côndilo femoral do joelho.
#
Metodologia
Análises retrospectivas de pacientes com lesões osteocondrais do joelho, selecionados e submetidos à técnica de restauração denominada mosaicoplastia, na nossa instituição entre 2001 e 2015. Os critérios de inclusão foram: pacientes com idade ≤ 60 anos, com lesão osteocondral única do côndilo femoral (Outerbrige III/IV) < 4 cm2 na ressonância magnética (RM) pré-operatória (International Cartilage Repair Society [ICRS]) e confirmada durante a artroscopia e com acompanhamento de pelo menos 1 ano. Pacientes com lesões associadas (por exemplo, na tíbia ou na patela), mau alinhamento, ou previamente submetidos a cirurgia de realinhamento, foram excluídos ([Tabela 1]).
Critérios de inclusão |
Idade ≥ 16 anos e ≤ 60 anos |
Lesão osteocondral isolada no côndilo femoral |
Grau III/IV (Outerbrigde) |
Tamanho ≤ 4 cm2 |
Acompanhamento > 1 ano |
Critérios de exclusão |
Lesões associadas (por exemplo, tíbia ou patela) |
Mau alinhamento ou realização prévia de cirurgia de realinhamento |
Instabilidade ligamentar |
Doença inflamatória |
O procedimento foi realizado utilizando o Sistema Osteocondral de Transferência de Autoenxerto (Osteochondral Autograft Transfer System [OATS]) (Arthrex, Inc., Naples, FL, USA) e de acordo com a técnica descrita por Hangody[7], através de artroscopia com miniartrotomia para a extração e a transferência do enxerto da sua localização (região troclear, zona de não carga) para o defeito osteocondral ([Fig. 1]). O protocolo pós-operatório foi composto por restrição de carga durante por 2 semanas, seguida de carga parcial (10–20% do peso corporal) até a 6ª semana, carga total até 6 meses e, posteriormente, atividade irrestrita.
Os pacientes foram submetidos a avaliação subjetiva com o formulário do International Knee Documentation Committee (IKDC, na sigla em inglês) no período entre a lesão e a cirurgia e, novamente, 1 ano após a cirurgia. A análise dos dados foi feita com o programa IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, USA).
#
Resultados
A partir das análises dos 13 casos elegíveis para o estudo ([Tabela 2]), encontramos uma média de idade de 34 anos; pacientes do sexo masculino (n = 4; 31%) apresentaram uma média de 23 anos (17–31 anos), e pacientes do sexo feminino (n = 9; 69%) apresentaram uma média de 39 anos (16–56 anos). As lesões afetaram mais o côndilo femoral medial em comparação com o lateral (n = 11; 85% versus n = 2; 15%) e o tamanho médio da lesão foi de 1,8 cm2 (0,6–4 cm), com 7 lesões > 2 cm2. O tempo médio de acompanhamento dos pacientes foi de 5,045 ± 3,47 anos (1,15–11,01 anos). Durante o 1° ano, nenhum dos pacientes desenvolveu complicações infecciosas ou do local doador; 1 paciente (1 mulher de 54 anos) foi submetido a artroplastia total do joelho (ATJ) 13 meses após a mosaicoplastia (6 anos após a revisão da ATJ). A pontuação média do IKDC no período pré-operatório foi de 31,63 pontos ( ± 20,24), enquanto a pontuação média no período pós-operatório foi de 74,18 pontos ( ± 20,26). A diferença entre as pontuações do IKDC pós- e pré-operatórias foi de 42,55 pontos ( ± 21,05), com aumento mínimo de 8,1 pontos, e aumento máximo de 82,8 pontos ([Fig. 2]). Uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,001) foi encontrada entre a pontuação IKDC antes e após a cirurgia no teste de Wilcoxon com amostras pareadas ([Fig. 3]). Correlações estatisticamente significativas entre a pontuação de IKDC e idade ou gênero não foram observadas. No entanto, houve uma relação estatisticamente significativa (p = 0,038) entre o aumento da pontuação do IKDC (a diferença entre a pontuação pós-operatória e pré-operatória) e a dimensão da lesão.
n |
Idade (anos) |
Gênero[*] |
Localização[**] |
Tamanho (cm2) |
IKDC pré-operatório |
IKDC pós-operatório |
Acompanhamento (anos) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 |
25 |
M |
MFC |
1 |
79,3 |
100 |
3,00 |
2 |
16 |
F |
MFC |
3 |
46 |
90,8 |
11,01 |
3 |
16 |
F |
LFC |
4 |
36,8 |
88,5 |
11,01 |
4 |
17 |
M |
MFC |
2 |
3,3 |
44,8 |
8,01 |
5 |
54 |
F |
MFC |
1 |
54 |
62,1 |
6,79 |
6 |
18 |
M |
MFC |
3 |
18,4 |
92 |
4,00 |
7 |
36 |
F |
MFC |
2 |
17,2 |
100 |
2,00 |
8 |
30 |
F |
LFC |
1 |
40,2 |
85,1 |
3,00 |
9 |
42 |
F |
MFC |
0,6 |
17,2 |
44,8 |
2,36 |
10 |
48 |
F |
MFC |
2 |
12,6 |
72,4 |
1,15 |
11 |
56 |
F |
MFC |
0,9 |
27,6 |
50,6 |
2,78 |
12 |
31 |
M |
MFC |
1 |
34,5 |
74,7 |
7,97 |
13 |
53 |
F |
MFC |
2 |
24,1 |
58,6 |
2,51 |
#
Discussão
O tratamento das lesões da cartilagem articular inlcui procedimentos paliativos (desbridamento e condroplastia), reparadores (microfratura) e reconstrutivos (ACI, OTA, e OCA).[2] [4] [10] A sua aplicação é orientada por critérios clínicos e morfológicos. De acordo com as mais recentes revisões da literatura que discutem o tratamento das lesões osteocondrais do joelho, aquelas com < 2 cm2 são melhor tratadas por microfratura (opção de primeira linha) ou por OTA.[11] Esta última técnica apresenta resultados de maior longevidade e durabilidade, em especial entre pacientes com alta demanda funcional, em comparação à microfratura.[3] [4] As lesões com dimensões entre 2 e 4 cm2 devem ser tratadas por OTA ou ACI.[3] Em relação às lesões com dimensão ≥ 4 cm2, a morbidade da OTA não é negligenciável e, por isso, o tratamento deve ser feito por ACI ou por OCA (sendo esta última aplicada especialmente em lesões pós-traumáticas extensas ou em casos de osteocondrite dissecante).[3] A OTA, como outras técnicas reconstrutivas, tem bons resultados sintomáticos e funcionais e previne a progressão das alterações degenerativas. Além disso, apresenta algumas vantagens, como baixo custo, ausência de reações imunes e transmissão de doenças infeciosas (em comparação ao OCA) e pode ser feita em um único tempo cirúrgico.[2] [3] [7] [8] [9] Este procedimento, quando realizado em lesões com dimensões entre 2 e 4 cm2, tem maior eficácia e durabilidade; como demonstrado no nosso estudo (que analisou lesões até estas dimensões), é possível estabelecer uma correlação de significado estatístico entre o ganho de IKDC e o tamanho da lesão. A taxa de complicações conhecidas é baixa, como observado no nosso grupo de estudo. Os resultados tendem a ser bons no médio e longo prazo, sendo piores com o aumento da idade, sexo feminino e defeitos maiores (> 4 cm2).[2] [3] A melhora significativa do IKDC observada no nosso estudo ao compararmos o estado pré- e pós-operatório condiz com outros estudos recentes que usam esta ou outras pontuações de avaliação funcional.[9] [12] [13]
#
Conclusão
A regeneração da cartilagem hialina ainda não é possível e continua a ser o maior objetivo a alcançar no tratamento de lesões osteocondrais. A mosaicoplastia com OTA, quando adequadamente utilizada, pode produzir excelentes resultados com grande durabilidade e impacto funcional, além de baixas taxas de morbidade e baixos custos. Embora tenha indicações restritas, a expansão dos critérios para o seu uso teve resultados promissores no médio e longo prazo, como mostra a literatura recente.
#
#
* O presente estudo foi conduzido no Departamento Ortopédico do Hospital Vila Franca de Xira, Portugal.
-
Referências
- 1 Curl WW, Krome J, Gordon ES, Rushing J, Smith BP, Poehling GG. Cartilage injuries: a review of 31,516 knee arthroscopies. Arthroscopy 1997; 13 (04) 456-460
- 2 Berta Á, Duska Z, Tóth F, Hangody L. Clinical experiences with cartilage repair techniques: outcomes, indications, contraindications and rehabilitation. Eklem Hastalik Cerrahisi 2015; 26 (02) 84-96
- 3 Krych AJ, Harnly HW, Rodeo SA, Williams III RJ. Activity levels are higher after osteochondral autograft transfer mosaicplasty than after microfracture for articular cartilage defects of the knee: a retrospective comparative study. J Bone Joint Surg Am 2012; 94 (11) 971-978
- 4 Gudas R, Kalesinskas RJ, Kimtys V. , Stankevicius E, Toliusis V, Bernotavicius G, et al. A prospective randomized clinical study of mosaic osteochondral autologous transplantation versus microfracture for the treatment of osteochondral defects in the knee joint in young athletes. Arthroscopy 2005; 21 (09) 1066-1075
- 5 Smith GD, Knutsen G, Richardson JB. A clinical review of cartilage repair techniques. J Bone Joint Surg Br 2005; 87 (04) 445-449
- 6 Bedi A, Feeley BT, Williams III RJ. Management of articular cartilage defects of the knee. J Bone Joint Surg Am 2010; 92 (04) 994-1009
- 7 Hangody L, Kish G, Kárpáti Z, Szerb I, Udvarhelyi I. Arthroscopic autogenous osteochondral mosaicplasty for the treatment of femoral condylar articular defects. A preliminary report. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 1997; 5 (04) 262-267
- 8 Hangody L, Füles P. Autologous osteochondral mosaicplasty for the treatment of full-thickness defects of weight-bearing joints: ten years of experimental and clinical experience. J Bone Joint Surg Am 2003; 85-A (Suppl. 02) 25-32
- 9 Hangody L, Dobos J, Baló E, Pánics G, Hangody LR, Berkes I. Clinical experiences with autologous osteochondral mosaicplasty in an athletic population: a 17-year prospective multicenter study. Am J Sports Med 2010; 38 (06) 1125-1133
- 10 McNickle AG, Provencher MT, Cole BJ. Overview of existing cartilage repair technology. Sports Med Arthrosc Rev 2008; 16 (04) 196-201
- 11 Richter DL, Schenck Jr RC, Wascher DC, Treme G. Knee Articular Cartilage Repair and Restoration Techniques: A Review of the Literature. Sports Health 2016; 8 (02) 153-160
- 12 Solheim E, Hegna J, Øyen J, Harlem T, Strand T. Results at 10 to 14 years after osteochondral autografting (mosaicplasty) in articular cartilage defects in the knee. Knee 2013; 20 (04) 287-290
- 13 Reverte-Vinaixa MM, Joshi N, Diaz-Ferreiro EW, Teixidor-Serra J, Dominguez-Oronoz R. Medium-term outcome of mosaicplasty for grade III-IV cartilage defects of the knee. J Orthop Surg (Hong Kong) 2013; 21 (01) 4-9
Address for correspondence
-
Referências
- 1 Curl WW, Krome J, Gordon ES, Rushing J, Smith BP, Poehling GG. Cartilage injuries: a review of 31,516 knee arthroscopies. Arthroscopy 1997; 13 (04) 456-460
- 2 Berta Á, Duska Z, Tóth F, Hangody L. Clinical experiences with cartilage repair techniques: outcomes, indications, contraindications and rehabilitation. Eklem Hastalik Cerrahisi 2015; 26 (02) 84-96
- 3 Krych AJ, Harnly HW, Rodeo SA, Williams III RJ. Activity levels are higher after osteochondral autograft transfer mosaicplasty than after microfracture for articular cartilage defects of the knee: a retrospective comparative study. J Bone Joint Surg Am 2012; 94 (11) 971-978
- 4 Gudas R, Kalesinskas RJ, Kimtys V. , Stankevicius E, Toliusis V, Bernotavicius G, et al. A prospective randomized clinical study of mosaic osteochondral autologous transplantation versus microfracture for the treatment of osteochondral defects in the knee joint in young athletes. Arthroscopy 2005; 21 (09) 1066-1075
- 5 Smith GD, Knutsen G, Richardson JB. A clinical review of cartilage repair techniques. J Bone Joint Surg Br 2005; 87 (04) 445-449
- 6 Bedi A, Feeley BT, Williams III RJ. Management of articular cartilage defects of the knee. J Bone Joint Surg Am 2010; 92 (04) 994-1009
- 7 Hangody L, Kish G, Kárpáti Z, Szerb I, Udvarhelyi I. Arthroscopic autogenous osteochondral mosaicplasty for the treatment of femoral condylar articular defects. A preliminary report. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 1997; 5 (04) 262-267
- 8 Hangody L, Füles P. Autologous osteochondral mosaicplasty for the treatment of full-thickness defects of weight-bearing joints: ten years of experimental and clinical experience. J Bone Joint Surg Am 2003; 85-A (Suppl. 02) 25-32
- 9 Hangody L, Dobos J, Baló E, Pánics G, Hangody LR, Berkes I. Clinical experiences with autologous osteochondral mosaicplasty in an athletic population: a 17-year prospective multicenter study. Am J Sports Med 2010; 38 (06) 1125-1133
- 10 McNickle AG, Provencher MT, Cole BJ. Overview of existing cartilage repair technology. Sports Med Arthrosc Rev 2008; 16 (04) 196-201
- 11 Richter DL, Schenck Jr RC, Wascher DC, Treme G. Knee Articular Cartilage Repair and Restoration Techniques: A Review of the Literature. Sports Health 2016; 8 (02) 153-160
- 12 Solheim E, Hegna J, Øyen J, Harlem T, Strand T. Results at 10 to 14 years after osteochondral autografting (mosaicplasty) in articular cartilage defects in the knee. Knee 2013; 20 (04) 287-290
- 13 Reverte-Vinaixa MM, Joshi N, Diaz-Ferreiro EW, Teixidor-Serra J, Dominguez-Oronoz R. Medium-term outcome of mosaicplasty for grade III-IV cartilage defects of the knee. J Orthop Surg (Hong Kong) 2013; 21 (01) 4-9