Palavras-chave
osteocondrite/diagnóstico - osteocondrite/cirurgia - artroscopia - articulação do joelho - cartilagem articular
Introdução
Lesões osteocondrais focais do joelho são encontradas em dois terços dos pacientes submetidos a artroscopia.[1] O tratamento destas lesões, quando isoladas e, principalmente, em indivíduos jovens, ainda é debatido.[2]
[3]
[4] A artroplastia do joelho não é uma boa solução, e ainda não há uma técnica que possa restituir, ad integrum, a superfície articular da cartilagem hialina normal.[2]
[4]
[5]
[6] Hoje, as técnicas existentes seguem princípios paliativos (desbridamento e condroplastia), reparadores (microfratura) e restauradores, como o implante de condrócitos autólogos (ACI, na sigla em inglês), a transferência de autoenxerto osteocondral (OTA, na sigla em inglês) e o aloenxerto osteocondral (OCA, na sigla em inglês).[2]
[3] A OTA, na qual podemos incluir a mosaicoplastia, tem sido aplicada principalmente para alívio sintomático e para a tentativa de recuperação da superfície articular com propriedades biofuncionais semelhantes aos de uma articulação danificada, visando a preservação da função e a redução da progressão da doença osteoarticular.[2]
[7]
[8]
[9] O presente estudo tem por objetivo analisar os resultados obtidos com a aplicação da técnica de mosaicoplastia no tratamento das lesões osteocondrais do côndilo femoral do joelho.
Metodologia
Análises retrospectivas de pacientes com lesões osteocondrais do joelho, selecionados e submetidos à técnica de restauração denominada mosaicoplastia, na nossa instituição entre 2001 e 2015. Os critérios de inclusão foram: pacientes com idade ≤ 60 anos, com lesão osteocondral única do côndilo femoral (Outerbrige III/IV) < 4 cm2 na ressonância magnética (RM) pré-operatória (International Cartilage Repair Society [ICRS]) e confirmada durante a artroscopia e com acompanhamento de pelo menos 1 ano. Pacientes com lesões associadas (por exemplo, na tíbia ou na patela), mau alinhamento, ou previamente submetidos a cirurgia de realinhamento, foram excluídos ([Tabela 1]).
Tabela 1
Critérios de inclusão
|
Idade ≥ 16 anos e ≤ 60 anos
|
Lesão osteocondral isolada no côndilo femoral
|
Grau III/IV (Outerbrigde)
|
Tamanho ≤ 4 cm2
|
Acompanhamento > 1 ano
|
Critérios de exclusão
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Lesões associadas (por exemplo, tíbia ou patela)
|
Mau alinhamento ou realização prévia de cirurgia de realinhamento
|
Instabilidade ligamentar
|
Doença inflamatória
|
O procedimento foi realizado utilizando o Sistema Osteocondral de Transferência de Autoenxerto (Osteochondral Autograft Transfer System [OATS]) (Arthrex, Inc., Naples, FL, USA) e de acordo com a técnica descrita por Hangody[7], através de artroscopia com miniartrotomia para a extração e a transferência do enxerto da sua localização (região troclear, zona de não carga) para o defeito osteocondral ([Fig. 1]). O protocolo pós-operatório foi composto por restrição de carga durante por 2 semanas, seguida de carga parcial (10–20% do peso corporal) até a 6ª semana, carga total até 6 meses e, posteriormente, atividade irrestrita.
Fig. 1 Técnica cirúrgica: (a) lesão osteocondral do côndilo femoral medial; (b) área doadora - área troclear circunferencial sem sustentação de peso; (c) e (d) reparo final.
Os pacientes foram submetidos a avaliação subjetiva com o formulário do International Knee Documentation Committee (IKDC, na sigla em inglês) no período entre a lesão e a cirurgia e, novamente, 1 ano após a cirurgia. A análise dos dados foi feita com o programa IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, USA).
Resultados
A partir das análises dos 13 casos elegíveis para o estudo ([Tabela 2]), encontramos uma média de idade de 34 anos; pacientes do sexo masculino (n = 4; 31%) apresentaram uma média de 23 anos (17–31 anos), e pacientes do sexo feminino (n = 9; 69%) apresentaram uma média de 39 anos (16–56 anos). As lesões afetaram mais o côndilo femoral medial em comparação com o lateral (n = 11; 85% versus n = 2; 15%) e o tamanho médio da lesão foi de 1,8 cm2 (0,6–4 cm), com 7 lesões > 2 cm2. O tempo médio de acompanhamento dos pacientes foi de 5,045 ± 3,47 anos (1,15–11,01 anos). Durante o 1° ano, nenhum dos pacientes desenvolveu complicações infecciosas ou do local doador; 1 paciente (1 mulher de 54 anos) foi submetido a artroplastia total do joelho (ATJ) 13 meses após a mosaicoplastia (6 anos após a revisão da ATJ). A pontuação média do IKDC no período pré-operatório foi de 31,63 pontos ( ± 20,24), enquanto a pontuação média no período pós-operatório foi de 74,18 pontos ( ± 20,26). A diferença entre as pontuações do IKDC pós- e pré-operatórias foi de 42,55 pontos ( ± 21,05), com aumento mínimo de 8,1 pontos, e aumento máximo de 82,8 pontos ([Fig. 2]). Uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,001) foi encontrada entre a pontuação IKDC antes e após a cirurgia no teste de Wilcoxon com amostras pareadas ([Fig. 3]). Correlações estatisticamente significativas entre a pontuação de IKDC e idade ou gênero não foram observadas. No entanto, houve uma relação estatisticamente significativa (p = 0,038) entre o aumento da pontuação do IKDC (a diferença entre a pontuação pós-operatória e pré-operatória) e a dimensão da lesão.
Fig. 2 Resultados: o gráfico em barras mostra a pontuação do IKDC antes e após a cirurgia em cada paciente do estudo. Idade e acompanhamento em anos; Tamanho em cm2. Abreviaturas: F, feminino; IKDC, International Knee Documentation Committee; LFC, côndilo femoral lateral; M, masculino; MFC, côndilo femoral medial; -Δ IKDC = IKDC pós-operatório - IKDC pré-operatório.
Fig. 3 Os gráficos em boxplot mostram as pontuações de IKDC antes e após a cirurgia, com análise estatística por teste não paramétrico de Wilcoxon de amostras pareadas, realizado no IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 22.0) – p < 0,001. Abreviações: IKDC, International Knee Documentation Committee.
Tabela 2
n
|
Idade (anos)
|
Gênero[*]
|
Localização[**]
|
Tamanho (cm2)
|
IKDC pré-operatório
|
IKDC pós-operatório
|
Acompanhamento (anos)
|
1
|
25
|
M
|
MFC
|
1
|
79,3
|
100
|
3,00
|
2
|
16
|
F
|
MFC
|
3
|
46
|
90,8
|
11,01
|
3
|
16
|
F
|
LFC
|
4
|
36,8
|
88,5
|
11,01
|
4
|
17
|
M
|
MFC
|
2
|
3,3
|
44,8
|
8,01
|
5
|
54
|
F
|
MFC
|
1
|
54
|
62,1
|
6,79
|
6
|
18
|
M
|
MFC
|
3
|
18,4
|
92
|
4,00
|
7
|
36
|
F
|
MFC
|
2
|
17,2
|
100
|
2,00
|
8
|
30
|
F
|
LFC
|
1
|
40,2
|
85,1
|
3,00
|
9
|
42
|
F
|
MFC
|
0,6
|
17,2
|
44,8
|
2,36
|
10
|
48
|
F
|
MFC
|
2
|
12,6
|
72,4
|
1,15
|
11
|
56
|
F
|
MFC
|
0,9
|
27,6
|
50,6
|
2,78
|
12
|
31
|
M
|
MFC
|
1
|
34,5
|
74,7
|
7,97
|
13
|
53
|
F
|
MFC
|
2
|
24,1
|
58,6
|
2,51
|
Discussão
O tratamento das lesões da cartilagem articular inlcui procedimentos paliativos (desbridamento e condroplastia), reparadores (microfratura) e reconstrutivos (ACI, OTA, e OCA).[2]
[4]
[10] A sua aplicação é orientada por critérios clínicos e morfológicos. De acordo com as mais recentes revisões da literatura que discutem o tratamento das lesões osteocondrais do joelho, aquelas com < 2 cm2 são melhor tratadas por microfratura (opção de primeira linha) ou por OTA.[11] Esta última técnica apresenta resultados de maior longevidade e durabilidade, em especial entre pacientes com alta demanda funcional, em comparação à microfratura.[3]
[4] As lesões com dimensões entre 2 e 4 cm2 devem ser tratadas por OTA ou ACI.[3] Em relação às lesões com dimensão ≥ 4 cm2, a morbidade da OTA não é negligenciável e, por isso, o tratamento deve ser feito por ACI ou por OCA (sendo esta última aplicada especialmente em lesões pós-traumáticas extensas ou em casos de osteocondrite dissecante).[3] A OTA, como outras técnicas reconstrutivas, tem bons resultados sintomáticos e funcionais e previne a progressão das alterações degenerativas. Além disso, apresenta algumas vantagens, como baixo custo, ausência de reações imunes e transmissão de doenças infeciosas (em comparação ao OCA) e pode ser feita em um único tempo cirúrgico.[2]
[3]
[7]
[8]
[9] Este procedimento, quando realizado em lesões com dimensões entre 2 e 4 cm2, tem maior eficácia e durabilidade; como demonstrado no nosso estudo (que analisou lesões até estas dimensões), é possível estabelecer uma correlação de significado estatístico entre o ganho de IKDC e o tamanho da lesão. A taxa de complicações conhecidas é baixa, como observado no nosso grupo de estudo. Os resultados tendem a ser bons no médio e longo prazo, sendo piores com o aumento da idade, sexo feminino e defeitos maiores (> 4 cm2).[2]
[3] A melhora significativa do IKDC observada no nosso estudo ao compararmos o estado pré- e pós-operatório condiz com outros estudos recentes que usam esta ou outras pontuações de avaliação funcional.[9]
[12]
[13]
Conclusão
A regeneração da cartilagem hialina ainda não é possível e continua a ser o maior objetivo a alcançar no tratamento de lesões osteocondrais. A mosaicoplastia com OTA, quando adequadamente utilizada, pode produzir excelentes resultados com grande durabilidade e impacto funcional, além de baixas taxas de morbidade e baixos custos. Embora tenha indicações restritas, a expansão dos critérios para o seu uso teve resultados promissores no médio e longo prazo, como mostra a literatura recente.