Palavras-chave impacto femoroacetabular - quadril/anormalidades - quadril/diagnóstico por imagem
- radiografia
Introdução
O impacto femoroacetabular (IFA) é uma entidade bem estabelecida na ortopedia mundial.[1 ]
[2 ]
[3 ]
[4 ]
[5 ]
[6 ] Ele é considerado um dos principais processos de origem mecânica que levam à artrose
do quadril.[1 ]
[3 ]
[4 ]
[6 ]
[7 ]
[8 ]
[9 ] Existem parâmetros radiográficos bem definidos para seu diagnóstico.[2 ]
[4 ]
[10 ] As alterações morfológicas desta afecção não são, em sua maioria, visíveis na radiografia
anteroposterior da bacia.[2 ]
[3 ]
[4 ] As incidências em perfil demonstram melhor a porção não esférica do colo femoral
e as deformidades causadas pelo IFA.[8 ]
[9 ]
[11 ]
[12 ]
[13 ]
A medida desta porção não esférica da junção cabeça-colo femoral pode ser medida com
o ângulo alfa (ângulo de Nötzli).[8 ]
[12 ] O ângulo alfa é formado por uma linha traçada através do centro da cabeça femoral,
seguindo pelo eixo do colo femoral, e por outra linha que liga o centro da cabeça
femoral até o ponto em que ocorre a protrusão da cabeça femoral além do círculo desenhado
em torno da cabeça femoral (ponto este onde termina a esfericidade da cabeça femoral).[8 ]
[12 ] Na descrição original, o ângulo foi medido na ressonância magnética (RM) em corte
axial oblíquo.[8 ]
Várias incidências em perfil foram descritas para investigar anormalidades do colo
femoral, mas a mais comumente utilizada é a incidência em perfil cross-table.[5 ]
[6 ]
[14 ] A incidência de perfil Ducroquet é outra opção, fácil de fazer, independentemente
da mesa, e requer somente 90° de flexão e de 30 a 45° de abdução.[12 ] Por sua facilidade de realização técnica, incluindo intraoperatoriamente na artroscopia
do quadril, é nossa escolha de imagem para avaliar o ângulo alfa.
O objetivo do presente trabalho é comparar a equivalência da medida do ângulo alfa
usando as incidências de perfil Ducroquet e cross-table.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo prospectivo feito no Departamento de Ortopedia e Traumatologia
da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo no período de janeiro de 2008
a abril de 2010. Foram recrutados 90 pacientes, resultando em 95 quadris, selecionados
voluntariamente e submetidos a radiografias de perfil Ducroquet e cross-table. O consentimento
informado foi obtido de todos os pacientes, com a aprovação do número do Conselho
de Revisão Institucional (240/09).
Radiografias
Padronizamos a realização das incidências radiográficas. Todas foram realizadas pelos
mesmos técnicos, com a mesma técnica, e supervisionada por um ortopedista. A incidência
em perfil cross-table ([Figs. 1A ] e [1B ]) foi realizada com o paciente em posição supina com 15° de rotação interna do membro
inferior estudado e flexão de 90° do membro contralateral para evitar interposição
de imagem, como preconizado pela técnica, e a incidência de Ducroquet ([Figs. 1C ] e [1D ]) foi padronizada com o paciente posicionado em decúbito dorsal, com 90° de flexão
e 45° de abdução do quadril afetado, em rotação neutra.
Fig. 1 (A e B ). Posição para realizar a incidência de perfil cross-table; (C e D ). Posição para realizar a incidência de perfil de Ducroquet.
Medição Radiográfica
O ângulo alfa (ângulo de Nötzli)[8 ]
[12 ] foi medido em ambas as incidências de perfil, por dois radiologistas musculoesqueléticos,
usando as mesmas técnicas de medição.[8 ]
[13 ] O ângulo foi medido digitalmente com o software Image, versão 1.37 (National Institutes
of Health, Bethesda, MD, EUA).
As medidas foram realizadas em duas épocas diferentes: avaliação inicial (chamada
“pré”) e outra realizada 4 semanas depois (denominada “pós”). A análise estatística
foi feita com resumo de variáveis, gráficos boxplot e diagramas de dispersão. O teste
t de Student foi utilizado e calculou-se o coeficiente de correlação intraclasse (CCI)
com o software PASW Statistics for Windows, Versão 10.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
O nível de significância foi determinado como sendo de 0,05 (5%).
Resultados
As medidas do ângulo alfa foram semelhantes para cada observador, tanto em incidências
tomadas em momentos diferentes: pré e após 4 semanas ([Fig. 2 ] e [Tabela 1 ]).
Fig. 2 Gráfico Boxplot das medidas do ângulo alfa do quadril feitas por dois observadores
diferentes, em duas vistas diferentes (Ducroquet e cross-table) em dois momentos diferentes
(pré e pós). Abreviações: CT: cross-table; DC: Ducroquet view; Obs1: observador 1;
Obs2: observador 2; Pre: medições iniciais; Pos: medições após 4 semanas.
Tabela 1
Observador
Incidência radiográfica
Tempo
Média(graus) ± DP
Mediana (graus)
1
cross-table
pre
49,8 ± 7,43
50,1
pos
49 ± 7,31
48,5
1
Ducroquet
pre
50,2 ± 8,32
49,8
pos
48 ± 7,89
48,2
2
cross-table
pre
44,9 ± 9,77
42,3
pos
45,4 ± 8,68
45,5
2
Ducroquet
pre
45,2 ± 9,22
45,2
pos
44,9 ± 7,88
44,4
A análise foi realizada:
A) Comparando-se os resultados entre os observadores 1 e 2 obtidos para cada incidência
radiográfica na 1ª e na 2ª avaliação (pré e pós).
Quanto à análise entre observadores:
Houve diferença estatisticamente significante (p = 0.000) para as medidas entre observadores para ambas as incidências nas 2 épocas:
B) Comparando a correlação das medidas de cross-table e de Ducroquet para cada observador
em ambas as avaliações de tempo.
B.1) Quanto aos observadores 1 e 2, houve pouca disparidade nas medidas do ângulo
alfa do quadril em ambas as incidências ao mesmo tempo ([Tabela 2 ] e [Fig. 4A ]): observador 1, 1ª medida, [Tabela 2 ] e [Fig. 4B ]: observador 1, 2ª medida, [Tabela 2 ] e [Fig. 4C ]: observador 2, 1ª medida, [Tabela 2 ] e [Fig. 4D ]: medição do observador de 2 segundos.
Tabela 2
Análise
Coeficiente de correlação intraclasse
IC 95%
CT Obs1 (pre) x CT Obs2 (pre)
0,588
0,381–0,726
CT Obs1 (pos) x CT Obs2 (pos)
0,653
0,397–0,790
DC Obs1 (pre) x DC Obs2 (pre)
0,578
0,226–0,754
DC Obs1 (pos) x DC Obs2 (pos)
0,718
0,405–0,847
CT Obs1 (pre) x DC Obs1 (pre)
0,938
0,907–0,959
CT Obs1 (pos) x DC Obs1 (pos)
0,969
0,954–0,979
CT Obs2 (pre) x DC Obs2 (pre)
0,862
0,793–0,908
CT Obs2 (pos) x DC Obs2 (pos)
0,945
0,918–0,964
Fig. 3 (A ) Correlação das medidas iniciais do ângulo alfa do quadril feitas por dois observadores
diferentes na visão de cross-table. Pre: medições iniciais; (B ) Correlação das segundas medidas do ângulo alfa do quadril feitas por dois observadores
diferentes na visão de cross-table. Pos: medições após 4 semanas; (C ) Correlação das medidas iniciais do ângulo alfa do quadril feitas por dois observadores
diferentes na visão de Ducroquet. Pre: medições iniciais; (D ) Correlação das segundas medições do ângulo alfa do quadril feitas por dois observadores
diferentes na vista Ducroquet. Pre: medições iniciais.
Fig. 4 (A ) Correlação das medidas iniciais do ângulo alfa do quadril feitas pelo observador
1 nas vistas cross-table e Ducroquet. Pre: medições iniciais. Obs1: observador 1;
(B ) Correlação das segundas medições do ângulo alfa do quadril feitas pelo observador
1 nas vistas Cross-table e Ducroquet. Pos: segundas medições. Obs1: Observador 1.;
(C ) Correlação das medidas iniciais do ângulo alfa quadril feitas pelo observador 2
nas incidências cross-table e Ducroquet. Pre: medições iniciais. Obs2: observador
2; (D ) Correlação das segundas medições do ângulo alfa do quadril feitas pelo observador
2 nas vistas cross-table e Ducroquet. Pos: segundas medições. Obs2: Observador 2.
Não houve diferença estatisticamente significativa (p > 0,05) no valor do ângulo alfa medido em ambas as incidências radiográficas pelo
mesmo observador ao mesmo tempo ([Tabela 3 ]).
Tabela 3
Análise
valor-p
1
cross-table (Obs1 pre) – Ducrocquet (Obs1 pre)
0,309
2
cross-table (Obs2 pre) – Ducrocquet (Obs2 pre)
0,611
3
cross-table (Obs1 pos) – Ducrocquet (Obs1 pos)
0,699
4
cross-table (Obs2 pos) – Ducrocquet (Obs2 pos)
0,223
Discussão
Comparando a mensuração do ângulo alfa por dois avaliadores através das incidências
radiográficas Ducroquet e cross-table, observamos boa correlação intraobservador,
porém baixa correlação interobservador.
O diagnóstico de alterações sutis que podem causar coxartrose precoce do quadril está
tendo ótimo desenvolvimento nos últimos anos.[15 ] As radiografias são valiosas para a detecção de mudanças morfológicas femorais e
acetabulares.[4 ]
[11 ]
[12 ]
O ângulo alfa (ângulo de Nötzli) é frequentemente usado para diagnosticar deformidades
patológicas do colo femoral.[6 ]
[8 ]
[12 ]
[13 ]
[16 ]
Existem controvérsias quanto à incidência ideal para medir o ângulo alfa. Meyer et
al[13 ] compararam 6 radiografias (anteroposterior, Dunn, Dunn com 45° de flexão, cross-table
com 15° de rotação interna, cross-table em rotação neutra, e cross-table com 15° de
rotação externa). A conclusão foi que a incidência de Dunn em 45° ou 90° de flexão
ou a incidência cross-table com rotação interna são melhores para detectar alterações
na esfericidade da transição cabeça-colo femoral, acrescentando que as incidências
anteroposterior e cross-table com rotação externa não são capazes de detectar essas
mudanças.
O perfil de Ducroquet é fácil de executar e representa o perfil verdadeiro da extremidade
proximal do fêmur, mostrando perfeitamente a transição entre o colo e a cabeça femoral.[11 ]
[12 ] Além disso, esta incidência é útil para controle intraoperatório das osteoplastias
femorais, pois permite realizar imagens em perfil sem a necessidade do mover o braço
da fluoroscopia.
A incidência radiográfica do perfil de cross-table também oferece visão em perfil
verdadeiro do colo femoral, além de visão acessória do acetábulo, porém é tecnicamente
mais exigente devido à necessidade de tubo intensificador de imagem móvel. Requer
também mesa ortopédica que não interfira na altura do tubo.[11 ]
[12 ] Muitos centros de ortopedia no Brasil não possuem aparelho móvel de raio-X ou mesa
ortopédica adequada, os quais são necessários para fazer este tipo de incidência.
Observamos que houve diferença estatisticamente significante (p = 0,00) para as medidas interobservadores para ambas as incidências estudadas nas
2 épocas que foram realizadas.
As medições médias do observador 2 foram inferiores às do observador 1 em todas as
medidas, o que pode ser devido a diferenças sutis nas técnicas de medição dos diferentes
observadores.
Houve boa correlação intraobservador para ambas as incidências estudadas em diferentes
épocas, onde não houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,309; p = 0,611; p = 0,699; p = 0,223) entre as medidas feitas pelas 2 visualizações.
A análise dos parâmetros radiográficos realizados em diferentes momentos já foi relatada
na literatura.[1 ]
[13 ] Meyer et al[13 ] mostraram que o uso de cross-table e de Dunn em posicionamento de membros em 45°
e 90° (semelhante ao Ducroquet) reproduziu melhor a medida do ângulo alfa.
Encontramos no presente estudo que a medida do ângulo alfa era dependente do observador.
Entretanto, esta disparidade não tende a existir entre o mesmo observador que realiza
diferentes medidas ao longo de um determinado período.
Uma das limitações do nosso trabalho foi que tivemos dificuldades em fazer a incidência
cross-table em pacientes obesos; naquele momento, nós só possuíamos máquinas convencionais
de raios-X. Recentemente; temos máquinas digitais de raios-X disponíveis e achamos
mais fácil gerenciar estas imagens em tais pacientes. Talvez a dificuldade na realização
de perfil de cross-table seja devido à padronização da visão de Ducroquet em nosso
hospital como a incidência radiográfica de escolha para visualizar o perfil do quadril.
Outra limitação foi a análise por apenas dois radiologistas como observadores.
Dados estes resultados, acreditamos que a incidência radiográfica perfil de Ducroquet
é uma boa opção para a medida do ângulo alfa, e pode ser usada sendo a incidência
em perfil de escolha, pois pode ser feita facilmente durante artroscopias de quadril
sem mover o braço da fluoroscopia.
Conclusão
Concluímos que há equivalência para a medição do ângulo alfa do quadril quando usamos
as incidências radiográficas de cross-table e de Ducroquet.