Palavras-chave fraturas do quadril - fraturas do fêmur - osteoporose - polimetilmetacrilato
Introdução
A osteoporose é um problema de saúde pública para a população mundial, sendo essa
doença de maior prevalência na população feminina idosa. A osteoporose é caracterizada
pela redução da densidade mineral óssea, e, com isso, a diminuição da resistência
mecânica deste tecido tem como principal fator de impacto sócio econômico a ocorrência
de fraturas por trauma de baixa energia. Destas, a fratura do extremo proximal do
fêmur (EPF) é a que possui o maior índice de morbi-mortalidade.[1 ]
[2 ]
O objetivo do tratamento cirúrgico dessas fraturas é dar condições à retomada das
atividades habituais do paciente o mais rápido possível, realizando a fixação da fratura
por meio de hastes de fêmur proximal (HFP), parafusos canulados (PCs) e/ou placa tubo
deslizante (DHS), e ainda a substituição articular por artroplastia do quadril a fim
de diminuir a possibilidade de complicações clínicas devido à imobilidade do paciente,
métodos estes já amplamente utilizados em nosso meio.[3 ]
As indicações de retirada das sínteses, utilizadas para o tratamento das fraturas
do EPF, ocorrem por dor persistente nas regiões glútea e da coxa, que pode ser causada
pela proeminência do material de síntese, comum no uso dos PCs pela sua habitual migração,[4 ] seja ainda por falha do implante ou por infecção. Após a consolidação da fratura
do fêmur proximal, a remoção de implantes pode causar complicações, tais como possíveis
fraturas do colo femoral ou da região intertrocantérica, principalmente em paciente
com baixa qualidade óssea.[2 ]
[5 ]
[6 ]
Com isso, descrever os resultados por meio de um ensaio estático de flexão, simulando
queda sobre o trocânter em fêmures sintéticos, após a retirada de três PCs em forma
de triângulo invertido, com a presença e a ausência de uma técnica de reforço, pode
propiciar resultados que determinem o desenvolvimento de ensaios clínicos a fim de
apresentar um maior cuidado nas indicações de retirada deste modelo de síntese.
Material e Métodos
Com o objetivo de avaliar a resistência e a energia necessárias para a ocorrência
de fratura do fêmur proximal em osso sintético, após a retirada de PCs em forma de
triângulo invertido, e comparar os resultados obtidos com técnica de reforço utilizando
polimetilmetacrilato (PMMA), foram utilizados 20 espécimes de fabricação nacional,
modelo c1010 (Nacional ossos, Jaú, SP, Brasil), fabricado em poliuretana esponjoso
e cortical com 10 PCF (pounds per cubic foot , medida internacional de densidade) com canal medular de 12 mm, de mesmo lote e modelo
divididos em 3 grupos, um grupo controle (GC), com 10 fêmures; grupo teste sem reforço
(GTS), com 5 fêmures; e grupo teste com reforço (GTC), com 5 fêmures.
O GC foi constituído por fêmures sintéticos com sua integridade externa e interna
intactas. Nos grupos GTS e GTC, os fêmures sintéticos, sem a realização de fraturas
prévias, foram submetidos à introdução de fio guia no formato de triângulo invertido
equidistantes entre si, sendo o mais inferior introduzido na mesma linha do pequeno
trocanter, com auxílio de radioscopia em todos os espécimes. Tais fios foram introduzidos
até a distância de 5 mm da superfície da cabeça femoral. A medida desses fios foi
realizada com medidor padrão do fabricante nacional (Ortosintese Indústria e Comércio
Ltda., São Paulo, SP, Brasil), determinando-se o comprimento dos parafusos separadamente.
Os pertuitos foram realizados utilizando uma broca canulada própria do fabricante
para a utilização de parafusos canulados de 7,5 mm e de comprimento previamente determinado
pela medida adquirida.
No grupo GTS, o ensaio biomecânico foi realizado logo após a retirada dos implantes,
sem utilização de qualquer técnica de reforço, no grupo GTC. Após a retirada dos implantes,
os modelos sintéticos foram submetidos a uma técnica de reforço com o uso de cimento
ósseo tipo PMMA (Biomecânica Indústria e Comércio de produtos Ortopédicos, Jaú, SP,
Brasil) de viscosidade normal, preenchendo o pertuito dos parafusos canulados, que
foi introduzido de forma anterógrada, com auxílio de uma seringa de 20 ml, e por meio
desta foi calculado o volume utilizado de PMMA ([Fig. 1 ]). Uma vez que alguns espécimes tiveram um preenchimento inadvertido de parte do
canal femoral, com a ausência de PMMA na cabeça femoral, determinamos uma condição
de inclusão: o preenchimento de todo o comprimento do colo femoral (podendo a cabeça
estar sem preenchimento em somente um dos pertuitos) e preenchimento inadvertido da
medular menor que 5 cm ([Fig. 1 ]). Todas as amostras foram submetidas a ensaios estáticos de flexão, utilizando a
máquina servo-hidráulica do modelo MTS 810–FlexTest 40 (MTS Landmark Testing Solutions,
Eden Prairie, MN, EUA) com capacidade de 100 kN.
Fig. 1 Radiografia dos fêmures após preenchimento com polimetilmetacrilato (esquerda) e
sem reforço (direita).
O fêmur foi fixado ao dispositivo de ensaios deixando 150 mm do seu comprimento fora
do dispositivo de fixação, em direção ao pistão hidráulico, posicionado na base da
máquina de ensaios com inclinação de 10° com a horizontal e 15° de rotação interna,
aferidos por meio de goniômetro digital, mantendo o trocânter maior apoiado em um
disco de silicone de 8 × 2 cm de diâmetro. ([Fig. 2 ]) Foi aplicada uma pré-carga de 40 N e utilizada uma velocidade de 2 mm/s de deslocamento
do pistão direcionando na cabeça do fêmur até a fratura ([Fig. 3 ]), obtendo-se os valores de carga máxima e carga de escoamento em Newtons (N); energia
até o escoamento, energia até a fratura em Joules (J); e rigidez em Newtons por milímetro
(N/mm).
Fig. 2 Osso sintético antes da realização do teste mecânico.
Fig. 3 Osso sintético após a realização do teste mecânico. Observa-se fratura basocervical
de espécime.
Os resultados foram obtidos por meio de uma análise inferencial, composta pela análise
de variância (ANOVA, na sigla em inglês) para um fator juntamente com o teste de comparações
múltiplas de Tukey, com o objetivo de verificar se existe diferença significativa
na carga máxima e energia até a fratura entre os grupos GC, GTS, GTC. O critério de
determinação de significância foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada
pelo software estatístico SPSS versão 20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).
Resultados
Todos os corpos de prova do GTS e GC apresentaram fratura baso-cervical do colo femoral.
No GTC, 3 corpos de prova apresentaram fratura baso-cervical do colo femoral, enquanto
que 2 deles apresentaram fratura na parte próxima ao ponto de fixação no dispositivo
(região diafisária do fêmur), sendo um deles associado a fratura do colo femoral ([Fig. 4 ]).
Fig. 4 Espécimes sintéticos com fratura do colo e da diáfise (superior) e da diáfise (inferior)
após teste mecânico.
A valor médio de PMMA utilizado para preenchimento dos 3 pertuitos dos PCs em cada
modelo no grupo GTC foi de 8.2 ml.
Os parâmetros analisados nos grupos GC, GTS e GTC apresentaram as seguintes médias
respectivamente: carga de escoamento em N (697; 665; 999), energia até escoamento
em J ( 2,8; 2,4; 3,8), rigidez em N/mm (90; 93; 130), carga máxima em N ( 935; 886;
1565) e energia até a fratura em J (7,1; 6,6; 16,2) ([Figs. 5 ] e [6 ]).
Fig. 5 Gráfico da média de carga máxima e intervalo de confiança de 95% entre os grupos
estudados.
Fig. 6 Gráfico da médica de energia até a fratura e intervalo de confiança de 95% entre
os grupos estudados.
As [Tabelas 1 ] e [2 ]>, fornecem a descritiva dos parâmetros de escoamento/rigidez e carga máxima/energia
para fratura, respectivamente, segundo o grupo de preenchimento (GC, GTS e GTC) e
o correspondente nível descritivo (valor-p ) da análise de variância (ANOVA) para um fator. O teste de comparações múltiplas de Tukey foi aplicado para identificar os grupos
que diferem significativamente entre si, ao nível de 5%, (coluna de ≠ significativas da tabela).
Tabela 1
Variável
n
Média
IC 95% p/ média
Mínimo
Máximo
Valor-p
[a ]
≠ significativa[b ]
Carga de escoamento (N)
GC
10
697
559–835
316
1.010
Co ≠ cC
GTS
5
665
480–851
376
860
0,029
sC ≠ cC
GTC
5
999
865–1133
813
1.215
Deslocamento até o escoamento (mm)
GC
10
7,7
7,0–8,4
5,3
9,5
GTS
5
7,2
6,5–7,8
6,1
8,1
0,55
GTC
5
7,7
7,1–84
6,7
8,4
Energia até o escoamento (J)
GC
10
2,8
2,2–3,4
0,9
3,8
GTS
5
2,4
1,6–3,2
1,1
3,3
0,044
sC ≠ cC
GTC
5
3,8
3,3–4,4
3,1
4,5
Rigidez (N/mm)
GC
10
90
73–107
60
138
GTS
5
93
69–116
62
123
0,035
Co ≠ cC
GTC
5
130
108–152
103
166
Observou-se que o grupo GTC, segundo a ANOVA para um fator, apresentou diferença significativa
em relação aos grupos GC e GTS em todos os parâmetros: carga de escoamento (p = 0,029), energia até o escoamento (p = 0,044), rigidez (p = 0,035), carga máxima (p = 0,001) e energia até a fratura (p = 0,0001). Quando aplicamos o teste de comparações múltiplas de Tukey, ao nível de
5%, identificou-se, também, que o grupo GTC apresentou valores significantemente maiores
para os mesmos parâmetros ([Tabelas 1 e ]
[2 ])
Tabela 2
Variável
n
Média
IC 95% p/ média
Mínimo
Máximo
Valor-p
a
≠ significativab
Carga máxima (N)
GC
10
935
755–1115
555
1.399
0,001
Co ≠ cC
GTS
5
886
661–1111
541
1.154
sC ≠ cC
GTC
5
1.565
1282–1847
1.295
2.118
Energia até fratura (J)
GC
10
7,1
5,5–8,6
4,4
10,4
< 0,0001
Co ≠ cC
GTS
5
6,6
4,2–9,1
3,6
10,4
–
sC ≠ cC
GTC
5
16,2
12,6–19,8
11,0
22,0
–
Quando comparamos os grupos GC e GTS, observamos que não há diferença estatística
quanto aos parâmetros de carga de escoamento, energia até o escoamento, rigidez, carga
máxima e energia até a fratura, segundo a ANOVA para um fator e o teste de comparações
múltiplas de Tukey.
Discussão
As fraturas do fêmur proximal, em especial as do colo femoral, têm em seu tratamento,
grande diversidade de métodos e técnicas, destacando-se a fixação com PCs devido a
facilitação durante o ato cirúrgico. A configuração em triângulo invertido é objeto
de estudo de diversos autores e demonstra ser a opção mecanicamente mais estável.[3 ]
[6 ] Dessa forma objetivamos utilizar essa conformação por ser mais difundida em nosso
meio.
A retirada de implantes do fêmur proximal se mostrou fator de risco para fraturas
devido a fragilidade óssea no pertuito do implante retirado.[7 ]
[8 ] Por essa razão, a retirada do material do fêmur proximal deve ser reservada a pacientes
selecionados, principalmente em caso de fragilidade óssea.[2 ]
[5 ] Com isso, é importante a descrição de estudos que demonstram o comportamento mecânico
dessa região após a retirada da síntese.
O uso de modelos sintéticos foi determinado para garantir propriedades biomecânicas
comparáveis entre os grupos e eliminar variáveis inerentes aos ossos humanos (densidade
óssea, comprimento e diâmetro) que tornariam a avaliação metodológica difícil, além
de tornar a execução deste produto quase inviável, pela dificuldade de acesso e pelas
leis vigentes em nosso país.[9 ]
Apesar de os valores absolutos não serem comparáveis aos dos estudos apresentados
em ensaios experimentais com ossos de cadáveres, fato esse determinado pela diferença
estrutural e biomecânica desses, no caso dos ossos sintéticos, notou-se compatibilidade
de resultados quando se observa o incremento de força ao uso de reforço do fêmur proximal
com PMMA.[10 ]
[11 ]
[12 ]
[13 ]
[14 ]
O uso de reforço ósseo de PMMA após a retirada de implantes já apresenta resultados
experimentais. Há preocupação com o volume usado devido à reação térmica local.[9 ]
[15 ] O volume por nós utilizados se aproxima a outros estudos que demonstram pouca variação
térmica local.[10 ]
[14 ]
Quando observamos um trabalho similar, no qual o autor usa a mesma metodologia e o
mesmo modelo sintético, porém utilizando uma HFP, os autores descrevem resultados
estatisticamente significativos[15 ]; encontramos em nosso estudo, resultado muito intrigante, pois, na HFP, o preenchimento
foi realizado em apenas um local específico: túnel do parafuso deslizante de 10,5 mm
com um volume de PMMA de 9 ml. Notamos que a principal diferença foi a tensão proporcionada
pelo reforço com PMMA, pois em nosso estudo tivemos fratura diafisária em dois modelos.
Isso nos leva a crer que o local do reforço é mais importante que a quantidade de
PMMA utilizado para a técnica e que a cimentação inadvertida dos pertuitos pode trazer
complicações inesperadas.
Aventamos ainda que a possibilidade das fraturas diafisárias nos referidos corpos
de prova possam ter ocorrido pelo aparato de fixação, no entanto, dos 20 ossos ensaiados,
todos tiveram o mesmo padrão fraturário com o uso do mesmo aparato de fixação. Tal
hipótese foi minimizada e atribuída ao real reforço com uso do PMMA e o posicionamento
em rotação interna do corpo de prova, uma vez que a carga era aplicada axialmente
na cabeça femoral, o movimento de incremento da rotação interna aumentava naturalmente.
Há de considerar ainda como um possível viés na condição clínica que, com a consolidação,
há uma diminuição do comprimento real do eixo longo do colo femoral, o que torna o
braço de alavanca menor e pode, eventualmente, aumentar a carga e energia necessárias
para uma nova fratura.
Conclusão
A retirada do material de síntese em triângulo invertido do fêmur proximal não demonstrou
gerar maior fragilidade óssea quando comparado ao GC. Já o reforço dos orifícios com
PMMA demonstrou um incremento da energia e carga máxima significativamente estatístico
para a ocorrência de fratura.