Palavras-chave
mortalidade - fraturas do quadril - vitamina D - albuminas - cálcio
Introdução
O envelhecimento da população é uma realidade que vem sendo observada recentemente.
Ao avaliar os últimos 20 anos, observou-se um aumento de 5% em pessoas com idade ≥ 60
anos, chegando a aproximadamente 12% do total de indivíduos vivos. Essa estatística
leva a maior atenção que é necessária com essa faixa etária, entre elas a fratura
do terço proximal do fêmur, ditas fraturas do quadril.[1]
[2]
[3]
As fraturas do terço proximal do fêmur em pacientes idosos são causas de elevada morbimortalidade.
Em um estudo observacional realizado em 2015 por Daniachi et al,[4] observou-se que dos 113 pacientes, 92,9% sofreram fraturas associadas a traumas
de baixa energia, sendo que, em sua maioria, elas ocorriam dentro da própria casa
por queda da própria altura. Dentro dos principais fatores de risco associados, foi
observado em uma revisão de literatura, que as variáveis que mais estavam associadas
à fratura e/ou ao óbito após a fratura eram idade avançada e alterações do metabolismo
do cálcio, albumina e vitamina D.[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
Um estudo chinês realizado por Li et al mostrou que pacientes com fratura de fêmur
proximal apresentavam níveis de cálcio sérico em valores abaixo da referência.[8] Na mesma linha, Ramason et al[9] reportaram que estes pacientes apresentavam deficiência ou insuficiência de vitamina
D, culminando em óbito no caso de alguns fraturados. Outro estudo, apontou que a alteração
de cálcio e vitamina D podem influenciar nos resultados de hormônio da paratireoide
(PTH), o qual também foi relacionado ao óbito.[10] Koval et al[11] acreditam que o estado nutricional do paciente pode ter influência na mortalidade,
e a hipoalbuminemia pode ser um marcador.
A relação de parâmetros laboratoriais e radiológicos de pacientes com fratura do terço
proximal do fêmur tem sido investigada; no entanto, poucas pesquisas têm abordado
essa temática. O objetivo deste estudo é traçar o perfil osteometabólico de pacientes
idosos com fratura do quadril e avaliar possíveis causas que podem estar facilitando
o desfecho da fratura.
Material e Métodos
Foi realizado um estudo transversal com 66 pacientes. Os indivíduos que compuseram
a amostra preenchiam os seguintes critérios de inclusão: ter sofrido fratura do terço
proximal do fêmur, idade superior a 60 anos e procura pelo serviço oferecido em um
hospital referência em ortopedia e traumatologia, no período compreendido entre os
dias 02 de fevereiro de 2017 até o dia 02 de abril de 2017.
O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética da instituição envolvida.
Foram excluídos os pacientes cujos exames laboratoriais não foram realizados ou registrados
no sistema do hospital e pacientes com histórico, suspeita ou confirmação de fratura
patológica causadas por tumores.
As informações desse grupo de indivíduos foram coletadas a partir do prontuário eletrônico
do referido hospital conforme autorização do guardião de prontuários da instituição.
As variáveis analisadas compreenderam: sexo, idade, tipo de fratura, cálcio sérico,
PTH sérico, 25-hidroxi-vitamina D sérica e albumina sérica.
Os exames laboratoriais foram coletados na chegada do paciente ao atendimento hospitalar
e foram encaminhados para um único laboratório, que fez a análise de todas as amostras
desta pesquisa.
Os dados coletados foram digitados em planilhas do programa Excel (Microsoft Corp,
Redmond, WA, EUA) e em seguida exportado para o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciencies) Versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) para a análise. Os dados foram apresentados
utilizando estatística descritiva, sendo que as variáveis qualitativas foram expressas
por meio de números absolutos e frequências, e as variáveis quantitativas por meio
de média e desvio padrão. As variáveis categóricas foram testadas pelo teste qui quadrado
ou teste exato de Fisher, quando apropriado, e as variáveis numéricas foram testadas
pelo teste t de Student. O nível de significância estabelecido foi o valor p ≤ 0,05.
Resultados
No presente estudo foram avaliados 66 indivíduos com idade ˃ 60 anos. Conforme demonstrado
na [Tabela 1], 66,7% (n = 44) eram dos pacientes eram do sexo feminino; a média de idade observada foi de
78,8 (n = 66) com desvio padrão (DP) de 9,2. Dos indivíduos estudados, 15,2% (n = 10) foram a óbito durante o período de internação e os demais tiveram alta após
o tratamento hospitalar da fratura.
Tabela 1
|
N
|
%
|
|
Sexo
|
Feminino
|
44
|
66,7
|
|
Masculino
|
22
|
33,3
|
|
Idade
|
Média
|
78,89
|
|
DP
|
9,206
|
|
Mínimo
|
61
|
|
Máximo
|
97
|
|
Tipo de fratura
|
Colo de fêmur
|
24
|
36,4
|
|
Transtrocantérica
|
36
|
54,5
|
|
Subtrocantérica
|
6
|
9,1
|
|
Óbito
|
Não
|
56
|
84,8
|
|
Sim
|
10
|
15,2
|
Os exames complementares solicitados na admissão do paciente estão relacionados na
[Tabela 2], enquanto que sua associação com o desfecho óbito foi apresentada na [Tabela 3].
Tabela 2
|
N
|
Mínimo–Máximo
|
Média
|
DP
|
|
Índice de Dorr
|
50
|
0,44–1,20
|
0,77
|
0,13
|
|
Cálcio
|
65
|
4,7–10,3
|
8,61
|
1,02
|
|
PTH
|
64
|
11,9–311,0
|
63,50
|
52,35
|
|
25-hidroxi-vitamina D
|
65
|
6,3–72,4
|
20,57
|
11,53
|
|
Albumina
|
55
|
1,7–4,5
|
3,25
|
0,64
|
Tabela 3
|
Cálcio
|
p
|
PTH
|
p
|
25-hidroxi-vitamina D
|
p
|
Albumina
|
p
|
|
Não óbito
|
Média
|
8,689
|
0,17
|
58,015
|
0,05
|
21,184
|
0,32
|
3,324
|
0,01
|
|
DP
|
0,850
|
43,970
|
12,134
|
0,601
|
|
Óbito
|
Média
|
8,210
|
93,140
|
17,22
|
2,683
|
|
DP
|
1,716
|
81,516
|
6,88
|
0,722
|
Quando comparadas as médias de exames laboratoriais com os desfechos óbito e não óbito,
observou-se que os valores de PTH e albumina foram estatisticamente significativos
(p ≤ 0,05), apresentando o PTH uma diferença de média de 58,0 pg/mL entre os que não
foram a óbito para 93,1 pg/mL entre os que foram; quanto à albumina, os que foram
a óbito apresentaram média de 2,7 pg/mL e os que não foram, 3,3 pg/mL.
O tempo de internação não foi causa determinante para o óbito na amostra analisada.
Os valores laboratoriais de vitamina D não apresentaram variações quando comparados
entre os sexos.
Quando comparadas as médias dos exames laboratoriais com os tipos de fratura, observa-se
que não houve diferença estatisticamente significativa (p > 0,05) entre elas, conforme demonstrado na [Tabela 4].
Tabela 4
|
Topografia da fratura
|
|
Cálcio
|
p
|
PTH
|
p
|
25-hidroxi-vitamina D
|
p
|
Albumina
|
p
|
|
Colo de femur
|
Média
|
8,742
|
0,43
|
62,313
|
0,91
|
23,829
|
0,12
|
3,415
|
0,36
|
|
DP
|
1,0176
|
41,018
|
14,2542
|
0,6961
|
|
Transtrocantérica
|
Média
|
8,471
|
65,644
|
17,852
|
3,176
|
|
DP
|
1,0701
|
62,3672
|
9,3766
|
0,6092
|
|
Subtrocantérica
|
Média
|
8,95
|
56,133
|
23,433
|
3,100
|
|
DP
|
0,7765
|
31,9787
|
7,5617
|
0,5865
|
Quando comparadas as variáveis de classificação do índice de Dorr e tipo de fratura,
observa-se que não houve associação (p = 0,828). Da mesma forma, o tipo de fratura não mostrou associação com o óbito (p = 0,555) e com o sexo (p = 0,191).
Discussão
Pesquisas avaliando a associação entre fraturas de quadril e resultados de exames
laboratoriais são um tema que vem sendo estudado a fim de tentar estimar possíveis
causas e assim evitar as consequências desta associação.[9]
[10]
[12] Nos 66 indivíduos avaliados, em sua maioria do sexo feminino, esse trabalho apontou
que a fratura transtrocantérica foi a mais frequente na faixa etária estudada (indivíduos
˃ 60 anos de idade). Não houve relação entre o tipo de fratura e desfecho óbito. Em
relação aos exames laboratoriais, foi observado que os pacientes que foram a óbito
apresentavam níveis elevados de PTH e redução dos níveis de albumina quando comparados
aos pacientes que não foram a óbito. O tempo de internação não apresentou relação
com a mortalidade durante a internação.
Em um estudo realizado em Guangzhou, China, Li et al[8] observaram que dos pacientes internados com fratura de fêmur proximal (196), as
fraturas intertrocantérica apresentaram valores de cálcio sérico abaixo do padrão
de referência. Larrosa et al,[13] em sua amostra com 128 pacientes com fratura de colo de fêmur e 196 com fratura
intertrocantérica, não observou alteração laboratorial nos valores de cálcio no momento
da admissão hospitalar. Nos estudos citados, o desfecho mortalidade não foi citado.
Em nosso estudo, foi percebido que o perfil laboratorial de cálcio não teve significância
estatística nas fraturas de fêmur proximal, e o desfecho para óbito também não se
apresentou relevante.
No presente estudo, não foi observada relação significativa entre os desfechos óbito
e não óbito, assim como entre os tipos variados de fraturas e o sexo do paciente,
e o nível de vitamina D. Este perfil laboratorial vem sendo estudado e atribuído por
alteração em pacientes com fratura de quadril. Ramason et al,[9] em uma amostra de 412 pacientes fraturados, perceberam que 57,5% dos pacientes hospitalizados
apresentaram deficiência de Vitamina D; 34,5% mostraram insuficiência do laboratório
analisado e 8% evoluíram para óbito. Outra evidência desse estudo foi que os pacientes
que viviam em casas de repouso apresentaram níveis menores de Vitamina D em sua análise
admissional. Em outra análise com grupo e controle, Guerra et al[14] avaliaram 110 pacientes com fratura de quadril, dentre os quais 54,5% apresentaram
deficiência de vitamina D e 18,2% apresentaram níveis insuficientes. O autor mostra
que houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo fratura e o grupo
controle, para os pacientes com idade superior a 70 anos, o que não ocorreu em pacientes
com idade entre 60 e 65 anos. Gumieiro et al,[15] em uma análise com 88 pacientes com fratura de quadril, não observaram diferença
entre os valores de vitamina D quando comparando os tipos de fraturas e capacidade
de retornar a deambular.
Avaliando os níveis sérico de PTH, Madsen et al,[10] em uma amostra com 562 fraturas de quadril, acreditam que o óbito esteja relacionado
à soma das alterações laboratoriais nos níveis de vitamina D e cálcio. O autor não
afirma que a alteração única de PTH indica risco de óbito, mas que isso pode ser um
indicador de saúde precária, gerando um fator de instabilidade que pode levar ao óbito.
Di Monaco et al[16] e Fischer et al[17] corroboram a análise de que a alteração do PTH pode ser fator de risco para o óbito,
mas devido a amostra pequena, torna-se um fator limitante. Na amostra deste estudo,
observou-se que a alteração do PTH apresenta valores significativos para o óbito,
entretanto, assim como Monaco et al[16] e Fischer et al,[17] o tamanho da amostra pode ser limitador.
Koval et al[11] correlacionaram a hipoalbuminemia com a mortalidade tardia e entendem que a queda
laboratorial tem relação direta devido ao estado nutricional inadequado. Grimes et
al[18] não relacionaram o tempo de internação com o óbito em sua análise de 8.383 pacientes.
Parker et al,[19] em uma metanálise com 428 pacientes, demonstraram que o tratamento cirúrgico não
diminui o risco de morte quando comparado ao tratamento conservador. Sakaki et al,[1] em uma revisão da literatura, concluíram que existem quatro grandes fatores influentes
na mortalidade, sendo eles idade avançada, associação de comorbidades diversas, sexo
masculino e deficiências cognitivas. Em nossa análise, foi observado que alterações
laboratoriais de albumina e PTH têm relação significativa com o óbito, enquanto o
tempo de internação não apresentou significância.
É importante salientar que sem a vitamina D, apenas 10 a 15% do cálcio dietético será
absorvido a nível intestinal, o que levará a uma elevação forçada do PTH e um efeito
rebote a nível tubular renal, gerando a reabsorção de cálcio. Com o aumento do PTH,
ocorre em associação a reabsorção óssea, através da estimulação forçada dos osteoclastos,
levando ao quadro de osteopenia e osteoporose, aumentando o risco de fraturas.[20] Um estudo com 3.270 idosos que receberam reposição de 800 UI de vitamina D e 1.200 mg
de cálcio em dose diária por 3 anos apresentou redução da incidência de fraturas de
quadril em 43%.[21] Em uma metanálise que comparou a reposição diária entre 400 UI e 700 a 800 UI de
vitamina D, foi observado que doses baixas não apresentam alteração no desfecho fratura,
mas que doses elevadas (700 a 800 UI) reduziram em 26% o risco relativo de fratura
do quadril.[22] O exposto mostra que há íntima relação osteometabólica, onde analisar de forma isolada
marcadores de PTH, vitamina D e cálcio pode gerar um resultado falso negativo e uma
interpretação errônea sobre o laboratório. A relação dietética com a hipoalbuminemia
está ligada às alterações já expostas e corrobora para o quadro de desnutrição e em
complementação a queda de cálcio ingerido.
O perfil do paciente e a análise foram realizados após observar na literatura que
essas eram as variáveis que obtiveram maiores estudos e complicações associadas ao
óbito. A associação do tema com doenças cognitivas e múltiplas comorbidades clínica
também foi citada na literatura, mas devido à dificuldade de realizar um seguimento
multidisciplinar em nosso serviço, por questões científicas, foi optado por não realizar
essa correlação. O presente estudo pode estar confinado a resultados limitados devido
ao pequeno número de pacientes estudados e a falta de seguimento a longo prazo. A
coleta de sangue para análise laboratorial foi realizada de forma semelhante para
todos os pacientes, não sendo, portanto, uma fonte limitadora em seus resultados.
A análise dos dados foi realizada por um único profissional treinado, não apresentando,
também, desvio em sua análise. O tempo médio de internação pode apresentar resultados
divergentes da literatura, sendo que, nesse serviço, a reserva de vaga de UTI, quando
necessário, apresenta dificuldade devido ao grande número de pacientes politraumatizados
admitidos.
Conclusões
O desfecho para óbito aponta a possibilidade de alterações no nível de albumina aumentarem
o risco, possivelmente relacionado à desnutrição. O aumento do PTH, neste estudo,
apresentou tendência ao óbito, mas, devido ao baixo número de pacientes estudados,
esse resultado pode apresentar-se limitado. Análises osteometabólicas relacionados
à fratura de quadril carecem de estudos mais aprofundados para complementar os resultados
já descritos na literatura e poder entender um pouco melhor a relação dos resultados
laboratoriais com as fraturas e suas consequências.