Palavras-chave
tromboembolismo/complicações - artroplastia do joelho - joelho - fatores de risco
Introdução
A artroplastia total do joelho (ATJ) é um dos procedimentos ortopédicos mais realizados em todo o mundo.[1]
[2] Mais de 600.000 dessas cirurgias são realizadas anualmente nos Estados Unidos.[1] Complicações diferentes foram descritas, e uma das mais temidas são os tromboembolismos venosos (TEVs): a trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar (EP).[2]
Sem profilaxia, a TVP, sintomática ou não, poderia ser detectada em entre 41 e 84% dos exames de imagem.[3] A EP não é tão comum; sua incidência varia entre 1,5 e 10%, mas as taxas de mortalidade são de 0,1 a 1,7%.[4] Muitos fatores de risco foram descritos: idade > 60 anos, obesidade, uso de contraceptivos orais, terapia de reposição hormonal, doença inflamatória intestinal, história pessoal ou familiar de TVP ou EP, e uso prolongado de torniquete.[5]
Basicamente, existem métodos mecânicos e farmacológicos para prevenção da EP e da TVP. Até 2015, muitos desses métodos foram utilizados como prevenção após a ATJ em nossa instituição. Depois disso, implementamos um protocolo institucional para padronizar sua prevenção. Nossa hipótese é que, após o implante do protocolo, houve uma redução nos números de TVP e EP. O objetivo do presente estudo é verificar se este novo protocolo de padronização interferiu na incidência de TEVs após a ATJ primária.
Material e Métodos
Dados de pacientes submetidos à ATJ primária entre janeiro de 2011 e dezembro de 2017 foram coletados retrospectivamente no banco de dados da instituição, totalizando 2005 indivíduos. O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição. O consentimento livre e esclarecido foi obtido antes do estudo. Nenhum incentivo financeiro foi oferecido a qualquer participante. Todos os pacientes submetidos à ATJ primária foram incluídos. Os critérios de exclusão foram a realização de outro procedimento cirúrgico juntamente com a ATJ e a presença de doença infecciosa associada.
Todos os pacientes foram operados pela mesma equipe cirúrgica, com torniquete pneumático, através de abordagem anterior e artrotomia parapatelar medial. Cada ATJ foi realizada com sacrifício do ligamento cruzado posterior, e ambos os componentes foram cimentados ao mesmo tempo. O componente patelar não foi usado. Até dezembro de 2014, não havia um protocolo padrão sobre a profilaxia de TEV, farmacológico ou mecânico, dentro ou fora da instituição. A prevenção era executada de acordo com a orientação de cada cirurgião para o paciente. A partir de janeiro de 2015, o Hospital Madre Teresa padronizou um protocolo clínico para prevenção de TEV ([Fig. 1]). Neste protocolo, cada paciente recebia 40 mg de heparina de baixo peso molecular (HBPM) por via subcutânea, começando 6 horas após o término da cirurgia e repetida a cada 24 horas até a alta hospitalar. Nesta ocasião, a administração de anticoagulantes orais (inibidores do fator Xa) era instituída e mantida até 14 dias após a cirurgia. A mesma dose de HBPM era usada a cada 12 horas caso o paciente apresentasse índice de massa corporal (IMC) > 30. Entre as medidas mecânicas, o suporte total de peso com andador começava no primeiro dia após a recuperação do nervo periférico ou alta da unidade de terapia intensiva. O tempo médio de permanência no hospital foi de 54 horas. A reabilitação doméstica e instalações de fisioterapia ambulatorial foram prescritas para cada paciente.
Fig. 1 Protocolo institucional de prevenção de tromboembolismo venoso - Artroplastia total joelho.
Os dados analisados dos pacientes foram gênero, idade, peso, estatura, classificação segundo a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA, na sigla em inglês), presença de diabetes, hipertensão arterial, tabagismo, tempo até a primeira caminhada, uso de anticoagulante após a alta, história de EP ou TVP e sua ocorrência até seis meses após a cirurgia. Apenas os casos sintomáticos de TEV foram analisados, bem como aqueles que necessitaram de qualquer forma de tratamento. Os casos assintomáticos não foram estudados
Análise Estatística
Os dados foram analisados usando médias e desvio padrão (DP). Os dados categóricos foram comparados usando o teste de qui-quadrado e o teste exato de Fischer. As variáveis contínuas foram submetidas à avaliação quanto à distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A diferença entre as médias foi calculada utilizando o teste paramétrico t de Student e, para outras variáveis, o teste não paramétrico de Mann-Whitney. O nível de significância foi definido como 0,05. A análise estatística foi feita em IBM SPSS Statistics for Windows, versão 20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).
Resultados
No total, 2.005 pacientes foram analisados. Desses, 1.115 pacientes faziam parte do grupo operado antes da implantação do protocolo; 275 pacientes eram do sexo masculino (24,7%) e 840 (75,3%) do sexo feminino. A idade média foi de 72 anos. O peso médio foi de 78,9 kg, e a altura média foi de 1,63 m, com IMC médio de 29,69. Na classificação ASA, 4,8% dos pacientes pertenciam à classe I, 91,4% à classe II, e 3,8% à classe III. Diabetes mellitus (DM) foi observado em 14,9% dos pacientes, e 60,9% tinham hipertensão arterial sistêmica (HAS). A incidência de tabagismo foi de 2,5%. O treinamento de caminhada começou em até 24 horas após a cirurgia em 85,8% dos pacientes. Nesse grupo, 44,1% utilizaram anticoagulantes por até 2 semanas após o procedimento. História de TVP ou EP estava presente em 3,8% dos casos. Trombose venosa profunda foi detectada em 1,6% dos pacientes, e EP em 0,2%.
O grupo operado após a implantação do protocolo era composto por 890 pacientes; 233 eram do sexo masculino (26,2%) e 657 do sexo feminino (73,8%). A idade média foi de 72 anos. O peso médio foi de 78,3 kg; a estatura média foi de 1,63 m, com IMC médio de 29,47. Na classificação ASA, 9,7% pertenciam à classe I, 83,6% à classe II, e 6,7% à classe III. O DM estava presente em 22,7% dos pacientes, e 76,9% tinham HAS. A incidência de tabagismo foi de 5,2%. O treinamento de caminhada começou em até 24 horas após a cirurgia em 78% dos pacientes. Nesse grupo, 98% utilizaram anticoagulantes por até 2 semanas após o procedimento. A história de TVP ou EP estava presente em 4,8% dos casos. Trombose venosa profunda foi detectada em 2,4% dos pacientes, e EP em 0,8%.
Comparando os resultados entre os 2 grupos, uma diferença estatística entre a classificação ASA foi encontrada (p < 0,05). Os casos críticos (ASA III) foram muito mais frequentes após o implante do protocolo (p < 0,05). Diferenças estatisticamente significativas foram encontradas entre os pacientes com DM (p < 0,05), HAS (p < 0,05) e tabagistas (p < 0,05). Depois da instituição do protocolo, essas características foram mais frequentes. Após o protocolo, o tempo até a caminhada foi significativamente tardio (p < 0,05). O uso de anticoagulantes também foi maior (p < 0,05). Nenhuma diferença foi encontrada nos números de TVP (p > 0,05), e a incidência de EP foi considerada estatisticamente significativa (p = 0,049). Os resultados estão resumidos na [Tabela 1].
Tabela 1
Tabela Condensada
|
Variável
|
Categoria
|
Geral (n = 2.005)
|
Antes de 2014
(n = 1.115)
|
Depois de 2015 (n = 890)
|
N
|
%
|
N
|
%
|
N
|
%
|
Sexo
|
Masculino
|
508
|
25,3
|
275
|
24,7
|
233
|
26,2
|
Feminino
|
1.497
|
74,7
|
840
|
75,3
|
657
|
73,8
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
TEV
|
Sim
|
9
|
0,4
|
2
|
0,2
|
7
|
0,8
|
Não
|
1.980
|
98,8
|
1.112
|
99,7
|
868
|
97,5
|
Não informado
|
16
|
0,8
|
1
|
0,1
|
15
|
1,7
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
TVP
|
Sim
|
39
|
1,9
|
18
|
1,6
|
21
|
2,4
|
Não
|
1.950
|
97,3
|
1.096
|
98,3
|
854
|
96,0
|
Não informado
|
16
|
0,8
|
1
|
0,1
|
15
|
1,7
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
Uso de anticoagulantes
|
Sim
|
1.364
|
68,0
|
492
|
44,1
|
872
|
98,0
|
Não
|
641
|
32,0
|
623
|
55,9
|
18
|
2,0
|
Total
|
2005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
HAS
|
Sim
|
1.294
|
64,5
|
613
|
55,0
|
681
|
76,5
|
Não
|
598
|
29,8
|
393
|
35,2
|
205
|
23,0
|
Não informado
|
113
|
5,6
|
109
|
9,8
|
4
|
0,4
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
DM
|
Sim
|
368
|
18,4
|
166
|
14,9
|
202
|
22,7
|
Não
|
1.636
|
81,6
|
949
|
85,1
|
687
|
77,2
|
Não informado
|
1
|
0,0
|
0
|
0,0
|
1
|
0,1
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
Tabagismo
|
Sim
|
74
|
3,7
|
28
|
2,5
|
46
|
5,2
|
Não
|
1.931
|
96,3
|
1.087
|
97,5
|
844
|
94,8
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
Histórico de TEV
|
Sim
|
85
|
4,2
|
42
|
3,8
|
43
|
4,8
|
Não
|
1.918
|
95,7
|
1.073
|
96,2
|
845
|
94,9
|
Não informado
|
2
|
0,1
|
0
|
0,0
|
2
|
0,2
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
Treinamento com caminhada
|
2 horas
|
2
|
0,1
|
2
|
0,2
|
0
|
0,0
|
24 horas
|
1.648
|
82,2
|
954
|
85,6
|
694
|
78,0
|
48 horas
|
316
|
15,8
|
141
|
12,6
|
175
|
19,7
|
72 horas
|
32
|
1,6
|
14
|
1,3
|
18
|
2,0
|
96 horas
|
4
|
0,2
|
1
|
0,1
|
3
|
0,3
|
120 horas
|
3
|
0,1
|
3
|
0,3
|
0
|
0,0
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
ASA
|
I
|
100
|
5,0
|
14
|
1,3
|
86
|
9,7
|
II
|
1.005
|
50,1
|
265
|
23,8
|
740
|
83,1
|
III
|
70
|
3,5
|
11
|
1,0
|
59
|
6,6
|
Não informado
|
830
|
41,4
|
825
|
74,0
|
5
|
0,6
|
Total
|
2.005
|
100,0
|
1.115
|
100,0
|
890
|
100,0
|
Discussão
O principal resultado deste estudo foi que, apesar da instituição deste protocolo, não houve redução nos casos de TVP, e os números de EP aumentaram. Devemos estar cientes do aumento nos números de comorbidades e da elevação significativa na utilização de cuidados intensivos no período pós-operatório. O atraso no treinamento de caminhada poderia explicar o aumento do número de pacientes com TEV, já que os pacientes não conseguem andar durante sua estada na unidade de terapia intensiva (UTI). A caminhada é uma forma comprovada de redução de TEV. Chandrasekaran et al[4] descreveram a incidência nula em uma população que iniciou o treinamento de caminhada nas primeiras 8 horas após o procedimento. Kjaersgaard-Andersen et al[6] descreveram uma redução de 25% nos casos de TEV quando a primeira caminhada foi iniciada em até 24 horas após a cirurgia.
Diversos estudos observaram a importante relação entre TEV e ATJ. Khokhar et al[3] descreveram 13% de TVP e 3% de EP. O'Reilly et al[7], analisando apenas casos sintomáticos, encontraram 0,6 a 5,7% de TEV, 0,33 a 2,1% de TVP, e 0 a 1% de EP. Song et al[8] realizaram flebografias bilaterais em 109 pacientes e observaram TVP sintomática em 4,6% dos indivíduos e assintomática em 18,3%. Sem prevenção, a incidência de TVP poderia chegar a 60% nos primeiros 90 dias após a cirurgia,[9] e a incidência de EP fatal poderia ser de 1,5%.[10] No presente estudo, a incidência geral foi de 2,3% de TEV, com 1,6% e 2,4% de TVP e 0,2% e 0,8% de EP pré- e pós-implante, respectivamente.
Vários fatores de risco foram relacionados à TEV. Zhang et al[11] realizaram uma meta-análise e avaliaram 1.150.000 pacientes após artroplastias totais de joelho e de quadril. Segundo esses autores, os fatores de risco são idade > 70 anos, sexo feminino, IMC > 30, etnia negra, e classificação AAS ≥ 3.[11] Além de vários estudos que mostram que o protocolo de prevenção diminui a incidência de TEV, encontramos um aumento nas complicações de TEV após a ATJ. Uma explicação seria o aumento da complexidade e das comorbidades dos pacientes. Neste estudo, observamos um aumento na incidência de DM, HAS e tabagismo, embora estes fatores não estejam relacionados à maior prevalência de TEV. O pequeno número de pacientes com história prévia ou familiar de TEV poderia explicar a ausência de relação observada nos casos com TVP e EP.
Azboy et al[12], em um estudo retrospectivo com 26.415 ATJ primárias e de revisão, recomendaram a prevenção de TEV nas primeiras duas semanas após a cirurgia, pois encontraram 81% dos casos documentados ou sintomáticos de EP nos primeiros três dias após o procedimento, 89% na primeira semana e 94% nas 2 primeiras semanas. Não encontramos um protocolo de profilaxia semelhante ao utilizado nesta série. A associação entre HPBM e inibidores de Xa não é descrita. Todos os estudos analisados usaram o mesmo fármaco durante todo o período de profilaxia.[4]
[7]
[9]
[13] Diferentes inibidores do fator Xa não foram considerados um fator de confusão porque, apesar dos diferentes medicamentos usados (rivaroxabana, apixabana e dabigatrana), todos têm o mesmo sítio de função e foram utilizados em doses profiláticas conforme a recomendação de fabricantes.[1]
A limitação do presente estudo está em sua natureza retrospectiva, baseada no banco de dados do Hospital. A estratégia de busca usando códigos de procedimento e a leitura cuidadosa de cada prontuário tentou minimizar esse fato. Como o TEV é um evento de baixa prevalência, um período maior de acompanhamento seria necessário para verificar seu número real. Outro ponto é que o protocolo vem sofrendo alterações ao longo dos anos com a publicação de novos consensos internacionais para prevenção de EP e TEV.
Conclusão
Apesar da implantação do protocolo de prevenção, não foi observada redução nos eventos estudados. A pequena incidência global dessas doenças demanda mais estudos com maior tempo de acompanhamento para confirmar ou negar esses achados.