Palavras-Chave deformidades adquiridas da mão/classificação - traumatismos dos dedos - reprodutibilidade
dos testes - ruptura - traumatismos dos tendões
Introdução
O dedo em martelo tem por definição a ruptura do mecanismo extensor terminal, resultando
em uma deformidade em flexão da falange distal.[1 ]
As lesões do mecanismo extensor são muito frequentes nos traumatismos da mão. O terceiro,
quarto e quinto dedos da mão dominante são os mais acometidos, sendo que 95% das lesões
são fechadas. O mecanismo de lesão em geral é um trauma na ponta do dedo provocando
flexão súbita ou extensão contra-resistência.[1 ]
[2 ]
Esta lesão, quando não tratada, poderá resultar em um tendão alongado e potencialmente
menos funcional. A ruptura da cápsula e dos ligamentos retinaculares leva a uma deformidade
maior. É importante ressaltar que as fibras do ligamento retinacular oblíquo também
possuem papel na extensão. As lesões ósseas por avulsão provocam deformidades semelhantes
pela desinserção junto ao fragmento das estruturas tendinosas e ligamentares.[2 ]
[3 ]
[4 ]
A presente pesquisa tem como objetivo geral quantificar a concordância intra- e interobservador
da classificação Albertoni, e avaliar a importância do uso do goniômetro nas lesões
do mecanismo extensor terminal do dedo[3 ]
[5 ]
[6 ] ([Figura 1 ]).
Fig. 1 Esquema demonstrando a classificação proposta por Albertoni (Omitimos os tipos C
e D para enfatizarmos a aferição do ângulo). Fonte: Albertoni et al.[7 ]
Materiais e Métodos
O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional sob o número
CAAE 57854216300005135.
Trata- se de um estudo observacional transversal realizado entre os dias 08 e 22 de
agosto de 2016. Foram selecionados 10 casos com lesões de dedo em martelo para serem
examinadas através de radiografias de incidência em perfil, com e sem o uso do goniômetro.
Todas as imagens foram digitalizadas e então analisadas por ortopedistas e residentes
em ortopedia que atuam nos serviços de saúde públicos e privados da cidade de Belo
Horizonte, MG, Brasil, e a região metropolitana. O questionário é dividido em duas
partes, cada uma contendo dez questões e um cabeçalho com informações sobre a formação
do profissional ([Material Suplementar 1 ]).
Omitimos os tipos C e D da classificação de Albertoni para enfatizarmos a aferição
do ângulo e o uso do goniômetro. Nos tipos C e D, a angulação não é essencial para
a classificação (além disso, são lesões mais raras).
Em um dos questionários, as radiografias deveriam ser analisadas sem o uso de goniômetro
(SG) e no outro com o uso desse instrumento (CG). Os critérios de inclusão de profissionais
são: possuir familiaridade com o uso do goniômetro e o conhecimento da classificação
de Albertoni para dedo em martelo. As radiografias foram avaliadas por 60 profissionais,
sendo 20 residentes de ortopedia, 32 ortopedistas, e 8 cirurgiões de mão.
Para descrever o ângulo entre as questões e entre as classificações das questões,
foram utilizadas medidas de tendência central, dispersão e posição. Para verificar
a concordância intra e interobservador foi utilizado o coeficiente de Kappa.[7 ]
[8 ]
O software utilizado na análise foi o R versão 3.2.2.
Resultados
Foram aplicados 60 questionários. Destes, dois questionários foram excluídos por não
estarem completos ou por possuírem os ângulos medidos com letras ilegíveis.
A [Tabela 1 ] apresenta os observadores quanto à formação “Cirurgia da Mão”. Oito (13%) dos respondentes
eram especialistas em cirurgia de mão.
Tabela 1
n
%
Especialidade em Cirurgião da mão
Não
50
86%
Sim
8
13%
A [Tabela 2 ] apresenta a descrição das classificações das questões com e sem uso do goniômetro.
O percentual de concordância de resposta foi elevado, sendo que nas questões 2 e 8
a maioria foi classificada como “A”, nas questões 3, 4 e 5 a maioria foi classificada
como “B”, nas questões 1, 6, 7 e 9 a maioria foi classificada como “C”, e na questão
10 a maioria foi classificada como “D”.
Tabela 2
Questões
Questões sem uso do Goniômetro
Questões com uso do Goniômetro
A1
A2
B1
B2
A1
A2
B1
B2
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
Questão 1
0
0,0%
0
0,0%
58
100,0%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
57
100,0%
0
0,0%
Questão 2
58
100,0%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
54
94,7%
3
5,3%
0
0,0%
0
0,0%
Questão 3
0
0,0%
57
98,3%
1
1,7%
0
0,0%
0
0,0%
56
98,2%
0
0,0%
1
1,8%
Questão 4
7
12,1%
46
79,3%
1
1,7%
4
6,9%
4
7,0%
52
91,2%
0
0,0%
1
1,8%
Questão 5
1
1,7%
56
96,6%
1
1,7%
0
0,0%
1
1,8%
56
98,2%
0
0,0%
0
0,0%
Questão 6
1
1,7%
0
0,0%
54
93,1%
3
5,2%
2
3,5%
0
0,0%
53
93,0%
2
3,5%
Questão 7
0
0,0%
1
1,7%
55
94,8%
2
3,4%
1
1,8%
0
0,0%
55
96,5%
1
1,8%
Questão 8
55
94,8%
2
3,4%
1
1,7%
0
0,0%
55
96,5%
2
3,5%
0
0,0%
0
0,0%
Questão 9
0
0,0%
4
6,9%
54
93,1%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
56
98,2%
1
1,8%
Questão 10
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
58
100,0%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
57
100,0%
A [Figura 2 ] a seguir ilustra as informações da tabela acima.
Fig. 2 Descrição das classificações das questões sem e com uso.
A [Tabela 3 ] apresenta a média do ângulo medido pelos entrevistados.
Tabela 3
Ângulo
Média
DP
Mín.
1° Quartil
2° Quartil
3° Quartil
Máx.
Questão 1
18,32
3,78
10,00
16,00
20,00
20,00
28,00
Questão 2
22,47
4,15
13,00
20,00
21,00
26,00
35,00
Questão 3
40,95
4,01
30,00
40,00
40,00
44,00
50,00
Questão 4
35,35
4,90
26,00
32,00
35,00
40,00
48,00
Questão 5
35,47
4,49
28,00
32,00
35,00
39,00
49,00
Questão 6
21,53
3,49
10,00
20,00
20,00
22,00
32,00
Questão 7
9,86
4,64
2,00
8,00
10,00
11,00
35,00
Questão 8
17,46
5,46
10,00
13,00
18,00
20,00
32,00
Questão 9
11,79
4,58
4,00
10,00
10,00
12,00
35,00
Questão 10
44,33
4,62
34,00
40,00
45,00
48,00
58,00
A [Figura 3 ] a seguir ilustra em gráfico as informações da tabela acima.
Fig. 3 Descrição do ângulo entre as questões.
A [Tabela 4 ] apresenta a concordância intraobservador e interobservador para cada questão. A
partir dela, pode-se destacar que a concordância foi alta para todas as questões,
sendo que:
Tabela 4
Questão
Intraobservador
interobservador
Sem uso
Com uso
n
%
n
%
n
%
Questão 1
57
100,0%
58
100,0%
57
100,0%
Questão 2
54
94,7%
58
100,0%
54
94,6%
Questão 3
55
96,5%
57
98,2%
56
98,2%
Questão 4
45
78,9%
46
79,0%
52
91,1%
Questão 5
54
94,7%
56
96,5%
56
98,2%
Questão 6
53
93,0%
54
93,0%
53
92,9%
Questão 7
53
93,0%
55
94,7%
55
96,4%
Questão 8
52
91,2%
55
94,7%
55
96,4%
Questão 9
52
91,2%
54
93,0%
56
98,2%
Questão 10
57
100,0%
58
100,0%
57
100,0%
Kappa
0,906
0,829
0,865
Valor-p
0,000
0,000
0,000
Com relação à concordância intraobservador (“com goniômetro” versus “sem goniômetro”),
as questões 1 e 10 apresentaram uma concordância de 100%, enquanto que a questão 4
apresentou a menor concordância. O coeficiente de Kappa apresentou um valor de 0,906,
que indica uma alta concordância (p = 0,000).
Discussão
A importância e eficiência de uma classificação se baseiam na simplicidade e reprodutibilidade.
A mesma deve ainda permitir a comparação entre estudos científicos e apresentar alta
concordância entre examinadores.[9 ]
[10 ] Ao avaliar a confiabilidade e concordância entre observadores, há necessidade de
considerar o acaso na avaliação.[11 ]
[12 ] Para tanto, é utilizado o método kappa de comparação. Foi incorporado também no
presente trabalho o uso do goniômetro e sua influência sobre a concordância nessa
classificação.[11 ]
[13 ]
[14 ]
A [Tabela 2 ] mostra a distribuição de respostas relativas a cada questão sem e com o uso do goniômetro.
Vemos que as questões 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 apresentaram baixa variação intra-
e interobservador. A questão 4 apresentou maior discordância para uma mesma resposta.
Isso é devido ao fato de essa questão demonstrar uma lesão em dedo martelo com medida
limítrofe de classificação.[15 ]
[16 ]
[17 ]
Observou-se uma uniformidade entre as respostas obtidas, demonstrada por um desvio
padrão com pouca variação entre as mesmas (entre 3,49° e 5,46°). Na questão 8, a falange
distal apresentava uma deformidade, que pode ter afetado esses resultados isolados
obtidos. No gráfico boxplot, que a variação de ângulos entre os quartis de cada questão
foi pequena com uma media de 5,1° (menor diferença: 2° / maior diferença: 8°). Não
foi encontrado trabalho como referência para comparação com esses dados. No entanto,
consideramos os valores obtidos como adequados.[18 ]
[19 ]
Os resultados da avaliação intra- e interavaliador foram excelentes, como mostra a
[Tabela 4 ], seguindo a Escala do Coeficiente Interclasse de Kappa ([Tabela 5 ]).
Tabela 5
Kappa
Interpretação
< 0
Sem associação
0 - 0.19
Ruim
0.20 - 0.39
Baixa
0.40 - 0.59
Moderada
0.60 - 0.79
Boa
0.80 - 1
Excelente
Não houve diferença estatística relevante entre os avaliadores considerando a formação
(residente, ortopedista ou cirurgião da mão). Lembrando que não foram incluídos os
residentes que não conheciam a classificação ou que relataram não saber usar o goniômetro.
A concordância interavaliador para cada questão sem o uso do goniômetro com índice
de kappa 0.829 (excelente) sugere que, mesmo sem o instrumento, a classificação é
reprodutível para os diversos observadores. O uso do goniômetro gerou um kappa de
0.865, ligeiramente superior, o que mostra que o goniômetro tem a capacidade de aumentar
a concordância, porém sem relevância estatística.[20 ]
[21 ]
[22 ]
A medida de concordância intraobservador comparando os resultados obtidos com uso
do goniômetro e sem o uso do mesmo apresentou um índice Kappa de 0,906. Por este trabalho,
ficou estabelecido que a classificação não demanda o uso do goniômetro e que a avaliação
por profissional que tenha conhecimento da classificação (residente de ortopedia,
ortopedista ou cirurgião de mão) é suficiente.
Conclusão
Concluímos que a classificação de Albertoni é simples e reprodutível e com boa concordância
intra- e interobservador, tanto com o uso do goniômetro, quanto sem ele. O uso do
goniômetro aumentou um pouco a concordância interobservador, porém sem relevância
estatística, sugerindo que é um instrumento dispensável para avaliação do dedo em
martelo.