Palavras-chave
atletas - dor - quadril - lesões no quadril
Introdução
O quadril é uma articulação de anatomia e biomecânica complexa, o que dificulta a
identificação de fatores relacionados às lesões e à realização de um diagnóstico preciso.[1]
[2]
Lesões musculoesqueléticas relacionadas ao esporte são mais comuns em atletas participantes
de modalidades que envolvem deslocamentos alterolaterais, mudanças de direção repentinas,
acelerações e desacelerações bruscas e chutes.[3] Sintomas podem variar de episódios intermitentes de desconforto, dor crônica severa,
podendo até determinar o fim da carreira de alguns atletas.[4]
Entre as patologias mais presentes no quadril do atleta estão: lesão dos músculos
adutores, com 10 a 18%,[5]
[6] pubalgia, que representa de 2 a 5%,[7]
[8] por volta de 95% apresentam sinais de impacto femoroacetabular (IFA),[9] e síndrome trocantérica corresponde a 2,5%.[10]
Diversos fatores de risco têm sido listados para essas lesões, entre eles, uma possível
assimetria da rotação do quadril. Estudos têm mostrado que indivíduos normais apresentam
simetria das amplitudes de rotação interna e externa do quadril[11] e pacientes que se recuperam de dores no quadril têm maior amplitude de movimento
(ADM) do que aqueles que se mantém sintomáticos.[12] Com isso, um crescente número de trabalhos sugere que assimetria e limitação da
ADM da articulação femoroacetabular são fatores de risco para dor crônica na região
inguinal em atletas.[13]
Uma ADM limitada da articulação coxofemoral tem sido notada em atletas diagnosticados
com osteíte púbica e com fratura por estresse do osso púbico, além de sugerir uma
relação com lesões dos músculos adutores.[14] Outros estudos mostram que indivíduos com rotação assimétrica do quadril apresentavam
também fraqueza desses músculos, geralmente quando > 15° de diferença entre a rotação
externa e interna de um determinado lado. Essa limitação de movimento leva a uma provável
perda de força e associada a atividades vigorosas que exigem rotação e deslocamentos
laterais bruscos, contato físico e chutes, pode contribuir para o aparecimento de
sintomas.[15]
Diante disso, o objetivo principal do presente estudo foi comparar a ADM da articulação
coxofemoral em atletas diagnosticados com pubalgia, síndrome trocantérica ou IFA e
analisar a restrição de mobilidade gerada por cada patologia. Além disso, o outro
objetivo foi comparar o ADM entre o quadril lesionado e o não lesionado de cada atleta.
Materiais e Métodos
Foram analisados os prontuários dos pacientes que passaram pelo Ambulatório do Quadril
do Centro de Traumatologia do Esporte da nossa instituição, no período entre os anos
de 2008 e 2016. Os critérios de inclusão utilizados foram indivíduos com diagnóstico
médico de lesões específicas no quadril (IFA, lesão labral, pubalgia, lesão de adutores
e síndrome trocantérica) realizado por meio do exame clínico associado ou não, conforme
necessidade, a exames complementares (radiografia, ultrassonografia ou ressonância
nuclear magnética) e que foram avaliados pela equipe de fisioterapia da nossa instituição.
Foram excluídos aqueles com dores referidas da coluna lombar e articulação sacroilíaca,
casos com fraturas prévias e osteoartrose, bem como os indivíduos que não apresentavam
avaliação fisioterapêutica ou diagnóstico médico concluído. As informações da anamnese,
do exame físico e de questionários foram tabeladas e analisadas a fim de encontrar
dados que mantivessem relação com algum tipo de lesão específica. Essas informações
continham: idade, gênero, diagnóstico médico, mecanismo de lesão (traumático ou atraumático),
amplitudes de rotação interna e externa, e o resultado do questionário Harris Hip
Score.
Foram avaliados 133 prontuários, dos quais 44 foram excluídos do trabalho por não
apresentarem avaliação fisioterapêutica ou diagnóstico médico concluído. Dos 89 restantes,
14 apresentaram diagnósticos que não se encaixavam com a proposta do trabalho, como
osteoartrose, fratura de fêmur e lesões musculares (reto femoral, isquiotibiais),
e por isso foram excluídos. Restaram 75 indivíduos a serem estudados, sendo 56 do
sexo masculino e 19 do sexo feminino, com média de idade de 33.16 anos (±13.01). Destes,
22 tinham diagnóstico de IFA ou lesão labral (GRUPO 1), 36 compuseram o grupo pubalgia/lesão
dos adutores (GRUPO 2) e 17 foram alocados no grupo síndrome trocantérica (GRUPO 3).
Quanto à aferição das medidas da articulação femoroacetabular, foi utilizado um goniômetro
de 20 cm (Carci, São Paulo, SP, Brasil). O atleta foi posicionado sentado na borda
de uma maca, com a coxa apoiada, fletida a 90°, e os joelhos também fletidos a 90°.
O braço estacionário do goniômetro foi alinhado perpendicularmente ao solo e o braço
móvel foi alinhado com o eixo da tibia do atleta. O quadril do jogador foi movido
passivamente em rotação interna e depois em rotação externa até detectar a sensação
final da cápsula articular. Quanto à medida da flexão do quadril, o atleta estava
em decúbito dorsal, o braço fixo do goniômetro, paralelo ao solo, na linha média axilar,
e o braço móvel alinhado com o eixo femoral. Já na medida da extensão, o atleta estava
em decúbito ventral, o braço estacionário e móvel do goniômetro posicionado da mesma
forma que para a medida da flexão. Os testes foram realizados por três fisioterapeutas
diferentes, de forma aleatória, conforme o dia da consulta do atleta e a escala de
trabalho do profissional. Ainda sobre as medidas, essas foram realizadas três vezes
para cada movimento de cada quadril e foi feita, por fim, uma média entre os três
valores obtidos para alcançar o valor final utilizado.
Em relação às modalidades realizadas pelos 75 atletas em estudo, 30 praticavam futebol,
9 faziam atletismo, 8 lutavam karatê, 7 jogavam handebol, 6 eram nadadores, 4 eram
bailarinas e 4 eram ciclistas.
Análise Estatística
Inicialmente, foi utilizada a análise descritiva para medidas antropométricas. O teste
de Kolmogorov-Smirnov foi empregado para verificar a normalidade dos dados. Após essa
etapa, lançou-se mão da análise de variância (ANOVA, na sigla em inglês) para comparar
a amplitude de movimento do quadril entre os grupos, sendo que para análise intragrupos
foi utilizado o teste de post hoc de Tukey. O teste T pareado foi utilizado para verificar
as diferenças entre o membro lesionado e não lesionado dentro de cada grupo. O programa
utilizado foi o SPSS Statistics for Windows, versão 17 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA)
e foi aceito o nível de significância de 5% (p ≥ 0,05).
Resultados
Não foi encontrada diferença significativa entre os grupos quanto à avaliação do ADM
do quadril lesionado e não lesionado e do nível de funcionalidade através do Harris
Hip Score (p > 0,05) ([Tabela 1]). Além disso, na avaliação de cada atleta, não se constatou diferença da amplitude
movimento da articulação dolorosa e a contralateral. Os valores obtidos estão incluídos
na [Tabela 1].
Tabela 1
|
GRUPO 1
|
valor-p
grupo 1
|
GRUPO 2
|
valor-p
grupo 2
|
GRUPO 3
|
valor-p
grupo 3
|
valor-p
entre os grupos (ANOVA)
|
|
RI LL
|
34.9545 (±13.86835)
|
0.341
|
36.2222
(±10.02030)
|
0.335
|
34.1765 (±12.12041)
|
0.953
|
0.822
|
|
RI LNS
|
36.3636 (±11.23577)
|
|
35.0833 (±9.06918)
|
|
34.0588 (±10.12096)
|
|
0.770
|
|
RE LL
|
40.9091 (±14.75162)
|
0.300
|
40.1111 (±12.37689)
|
0.981
|
36.7647 (±12.77463)
|
0.579
|
0.592
|
|
RE LNL
|
42.8636 (±13.29982)
|
|
40.0833 (±13.13746)
|
|
35.7059 (±11.79388)
|
|
0.234
|
|
ADM TOTAL LL
|
75.8636 (±24.90036)
|
0.132
|
76.3333 (±16.91660)
|
0.432
|
70.9412 (±21.04302)
|
0.640
|
0.652
|
|
ADM TOTAL LNL
|
79.2273 (±20.28119)
|
|
75.1667 (±17.72569)
|
|
69.7647 (±19.26632)
|
|
0.305
|
|
HARRIS HIP SCORE
|
70.5909
|
0.454
|
71.4722
|
0.454
|
67.5294
|
0.454
|
0.477
|
Discussão
O presente estudo não encontrou diferença entre a ADM do quadril entre os grupos,
nem entre o membro lesionado e não lesionado dentro de cada grupo, o que era esperado
de acordo com alguns trabalhos encontrados na literatura. Estudos como o de Ibrahim
et al[12] mostraram que a limitação de ADM pode estar associada a lesões no quadril, apesar
do mecanismo envolvido não estar claramente descrito. Fricker et al[16] descreveram um mecanismo no qual a articulação femoroacetabular passa por uma inflamação
e cicatrização como parte de uma síndrome de overuse, semelhante ao ombro congelado desencadeado por uma lesão do manguito rotador. Sendo
por privação vascular de estruturas pélvicas ou de focos de inflamação no quadril,
a rigidez resultante é uma manifestação do espasmo reflexo dos músculos rotadores,
flexores e adutores do quadril. Essas alterações podem explicar porque após uma lesão
de adutores, há piora na limitação de rotação, dor à mobilização do quadril e fraqueza
dos adutores. Quando a fase aguda cessa, a rotação do quadril retorna à sua amplitude
pré-lesão. O mecanismo para isso, apesar de não inteiramente claro, inclui reabilitação
agressiva, repouso e remoção dos agentes álgicos. A manutenção deste ADM reduzido,
seja por uma reabilitação inadequada ou pela ausência de tratamento, pode caracterizar
um fator de risco para a lesão de adutor. Alguns trabalhos mostram que os músculos
adutores agem como rotadores internos do quadril quando em extensão.[17] Essa contração dos adutores contra uma cápsula rígida pode ser outra possível causa
para lesão destes músculos.[12] Williams[18] descreveu que atividades esportivas como futebol necessitam de um livre ADM de rotação
interna do quadril, seja em flexão ou em extensão. Assim, quando este movimento está
limitado, o estresse é aplicado através da articulação para a hemipelve do lado oposto,
o que poderia desencadear outros sintomas, como a pubalgia.
Apesar de uma limitação de ADM do quadril não ser descrita como um fator de risco
para a síndrome trocantérica, os autores esperavam encontrar algum tipo de alteração
neste grupo, visto que, dentro desta síndrome, a maior causa de dor lateral do quadril
envolve uma alteração (tendinopatia) dos músculos glúteo médio e/ou mínimo,[19] que além de serem os principais abdutores do quadril, também são considerados rotadores
dessa articulação.
No grupo com diagnóstico de IFA e lesão labral, também era esperada a presença de
alterações da amplitude de movimento da articulação coxofemoral, já que o contato
inapropriado entre as estruturas articulares poderia ser um limitador da mobilidade
ou, por outra análise, poderiam apresentar uma amplitude maior, o que causaria o impacto.
Mesmo nos atletas com sintomas unilaterais, não foi observada diferença significativa
quando comparado ao lado não lesado. Nos casos de lesão labral, a maioria dos indivíduos
apresenta sinais de impacto como descrito por Burnett et al[9] sendo esse impacto o responsável pelas lesões. Entretanto, lesões labrais também
podem ocorrer por um movimento excessivo de rotação externa do quadril, devido a uma
instabilidade atraumática do quadril, com ou sem impacto mecânico.
Uma instabilidade rotacional focal é definida por uma frouxidão localizada de certas
estruturas capsuloligamentares que resultam de forças repetitivas de rotação do quadril.[20] Por isso, a hipótese era a de que haveria alguma alteração na amplitude desses indivíduos,
especialmente na ADM de rotação externa, o que não foi observado.[20]
Como mencionado anteriormente, os resultados encontrados no presente estudo não condizem
com alguns trabalhos na literatura, que sugerem uma relação entre a limitação de ADM
do quadril e lesões desta articulação. O presente trabalho apresenta limitações que
podem ter influenciado nos resultados. A primeira limitação encontra-se na avaliação
dos atletas, pois apesar da padronização da posição de avaliação adotada pela equipe
de fisioterapia (paciente sentado para rotações e decúbito dorsal e ventral para flexão
e extensão, respectivamente), os avaliadores eram diferentes, o que pode levar a variações
das medidas. Além disso, outra importante consideração a ser feita com relação ao
grupo IFA e lesão labral é que o contato entre as estruturas normalmente ocorre em
flexão, rotação interna e adução do quadril, e a avaliação foi feita com o paciente
sentado, com o quadril em posição neutra em relação a abdução/adução, o que não condiz
com a patologia. A segunda limitação do trabalho é a heterogeneidade da amostra, que
continha atletas de gêneros, idades e modalidades esportivas diferentes, sendo que
esses dados influenciam na ADM do quadril como mostrado por Roach et al.[21] Essas variantes são tão importantes que há trabalhos demonstrando resultados consistentes
a respeito de diferenças do ADM do quadril de jogadores de beisebol. Picha et al[22] evidenciaram que jogadores de beisebol entre 7 e 11 anos de idade têm maior rotação
interna que aqueles entre 12 e 18 anos de idade. De modo geral, a perna principal
tinha mais rotação interna do que a perna de apoio. No entanto, nenhuma diferença
de rotação externa do quadril foi observada entre grupos etários, posições dos jogadores
ou lado do quadril. Esses achados podem ser explicados pelo aumento da mobilidade
e frouxidão ligamentar na faixa etária mais jovem, porque essa população tende a ter
mais tecido elástico do que a população adulta.
Outro estudo[23] avaliou o ADM da articulação coxofemoral como fator de risco de lesão para quadril,
abdômen e virilha em jogadores profissionais de beisebol. Eles encontraram correlações
entre a diminuição da rotação interna do quadril e o arco total de movimento com lesões
isquiotibiais. Ao avaliar o quadril de acordo com a posição do jogador, eles descobriram
que os apanhadores e arremessadores tinham arcos de movimento do quadril significativamente
diminuídos quando comparados aos jogadores de posição (campo).
É possível notar divergência de resultados entre os estudos devido às diferenças inerentes
a cada esporte, idade, gênero e posição do atleta. Mosler et al[24] examinaram os perfis de força do quadril e medidas de amplitude de movimento em
394 jogadores de futebol profissional masculinos, assintomáticos. Semelhante ao presente
estudo, eles não observaram diferenças clinicamente relevantes entre a perna dominante
e não dominante para essas medidas.
Em relação à diferença nos resultados em relação ao gênero, Cheatham et al[25] avaliaram a amplitude de movimento do quadril em participantes recreativos de treinamento
com pesos. Eles observaram que, ao comparar os valores da ADM do quadril entre os
gêneros, os homens não apresentaram diferença significativa entre o quadril direito
e esquerdo em todos os movimentos. Por outro lado, as mulheres tiveram uma diferença
significativa entre o quadril direito e esquerdo para todos os movimentos. Ao comparar
os valores de amplitude da coxofemoral entre homens e mulheres, os homens apresentaram
menores valores de ADM.
Embora não tenhamos considerado a modalidade praticada pelos indivíduos, Kouyoumdjian
et al[26] mostraram que as atividades que incluem o giro não influenciam na alteração da rotação
do quadril. Além disso, a influência da modalidade praticada é de difícil interpretação
em uma população em que a maioria é de atletas amadores.
Embora nosso trabalho não mostre diferença na ADM do quadril em relação ao lado lesionado
e não lesionado, esse tipo de alteração não deve ser excluído como fator de risco
para lesões do quadril. Um estudo de Cibulka et al[15] mostrou que houve redução da força dos músculos rotadores do quadril quando o indivíduo
apresentou diferença entre rotação externa e interna do membro lesionado ≥15°. Essa
fraqueza causada por alterações no ADM associadas a atividades que exigem estabilidade
e potência da articulação do quadril, como pivôs e acelerações/desacelerações abruptas,
pode constituir um fator de risco para as estruturas envolvidas nessa articulação.
Verrall et al,[27] em um estudo prospectivo, também observaram que a assimetria do ADM femoroacetabular
precede o aparecimento de dor inguinal crônica e pode ser considerada um fator de
risco para essa condição.
Os resultados do Harris Hip Score também não indicaram alteração funcional significativa
entre os grupos e não foi possível avaliar se um tipo de lesão foi mais incapacitante
que outro. Uma consideração para este resultado é que não houve classificação ou graduação
das lesões intragrupo no diagnóstico médico, desconsiderando-se a extensão e gravidade
das lesões apresentadas, dificultando sua comparação.
Conclusão
O presente trabalho não encontrou diferenças no ADM entre as diversas patologias do
quadril. No entanto, não devemos excluir essa relação como possível fator de risco
para o surgimento de lesões devido às limitações do presente estudo. Essas limitações
devem ser corrigidas em estudos futuros.