CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2020; 55(04): 397-403
DOI: 10.1055/s-0039-3402460
Artigo de Atualização
Tornozelo e Pé

Pé diabético. Parte 2: Neuroartropatia de Charcot[*]

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1   Grupo de Cirurgia do Pé e Tornozelo, Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Resumo

A neuropatia de Charcot (NC) é uma complicação lamentável e comum de pacientes com diabetes, provavelmente resutlante de uma falta de entendimento adequado dessa condição, que leva ao diagnóstico tardio.A confusão diagnóstica com quadro infeccioso contribui para que o tratamento inicialmente indicado seja equivocado ao prescrever medicação antibiótica ou, eventualmente, drenagem cirúrgica. Não é infrequente que a drenagem inadvertida do suposto abcesso revele que na verdade seu conteúdo é formado apenas de partículas provenientes da destruição osteoarticular. A educação adequada, tanto dos pacientes diabéticos quanto dos médicos responsáveis por prestar atendimento primário a estes pacientes, é fundamental para a correta compreensão das principais características relacionadas ao desenvolvimento da NC. O ortopedista geral é quem, na maioria das vezes, recebe no pronto atendimento os pacientes que se encontram na fase aguda inicial da doença. Por esta razão, esses profissionais devem estar extremamente alertas e serem capazes de identificar os primeiros sinais que permitem diagnosticar precocemente a NC. Em tese, isto possibilitaria reduzir a morbidade desta afecção na medida em que o tratamento adequado venha a ser precocemente instituído.


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Introdução

A obesidade e a diabetes mellitus (DM) fazem parte da epidemia mundial diretamente ligada ao sedentarismo e aos maus hábitos alimentares, cuja incidência vem aumentando sem precedentes na história, afetando globalmente a população mundial. A Federação Internacional de Diabetes estimava que já a partir da segunda década do século XXI existiriam 415 milhões de diabéticos espalhados pelo mundo, significando que o número de pacientes havia dobrado desde o ano 2000.[1] Nos Estados Unidos, dados referentes ao ano de 2010 indicaram que foram realizados naquele ano mais de 73.000 amputações dos membros inferiores associadas à diabetes ao longo do ano.[2] Dados estatísticos referentes ao ano de 2014 estimavam que 9,3% da população dos Estados Unidos era constituída por pacientes diabéticos.[2] Perspectiva ainda mais sombria é estimada para o ano de 2040, quando acredita-se que haverá 642 milhões de diabéticos no mundo, o que equivale a dizer que aproximadamente 10% de toda população do planeta será diabética.[1]

É necessário considerar a DM como uma afecção maligna na qual é muito frequente o envolvimento multisistêmico de diversos órgãos do corpo e cujo resultado, a médio e longo prazo, envolve substancial morbidade e mortalidade.[3] [4] [5] O acometimento dos pés nos pacientes diabéticos está associado com um processo crônico em que a neuropatia acompanhada da perda da sensibilidade protetora, a doença arterial periférica (DAP), e as alterações biomecânicas provocadas pela destruição osteoarticulares e deformidades decorrentes da neuroartropatia de Charcot (NC) constituem condições propícias para o aparecimento das úlceras.[4] [5] Além disso, o distúrbio metabólico crônico associado à doença é diretamente responsável pelo déficit no processo de cicatrização e consolidação óssea, além de comprometer o sistema imunitário, aumentando assim o risco de infecção generalizada a partir da contaminação das úlceras profundas localizadas nos pés.[4] [5] Pacientes diabéticos com comprometimento dos pés apresentam elevada incidência de morte prematura, mas a preocupação ainda mais frequente está associada com o alto risco de sofrer uma amputação maior em pelo menos um dos membros inferiores ao longo da vida.[6]

Além da elevada morbidade associada aos problemas nos pés dos pacientes diabéticos, ainda existem outros complicadores socioeconômicos impactantes. O elevado custo das internações hospitalares para o tratamento das úlceras dos pés é muito preocupante do ponto de vista dos gastos com a saúde pública.

O objetivo desta revisão é salientar a fisiopatologia, a avaliação clínica, o tratamento e a prevenção das principais complicações da diabetes relacionadas à NC que contribuem para a piora na qualidade de vida do paciente, reduzindo sua capacidade de deambulação independente e estão direta ou indiretamente associadas com o elevado risco de amputação na extremidade inferior.


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Etiopatogenia do Diabetes Mellitus

A DM é uma doença do sistema neurovascular, e as alterações neuropáticas são provavelmente mediadas pela neuroisquemia.[7] A neuropatia dos nervos periféricos (NP) resulta na perda da sensibilidade e da capacidade motora (principalmente da musculatura intrínseca do pé), e no déficit autonômico. Além disso, é sem dúvida nenhuma, a principal causa envolvida no surgimento de úlceras nos pés (UPP) e, quase invariavelmente, está presente nos casos de NC.[3] [4] [8] Aproximadamente 75% dos pacientes diabéticos submetidos a cirurgias nos pés e tornozelos já apresentam algum grau de NP.[9]


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Neuroartropatia de Charcot

O típico paciente que desenvolve NC encontra-se na 6ª década de vida, possui o diagnóstico de DM há pelo menos 10 anos e é obeso mórbido.[10] [11] [12] Estima-se que de 0,2 a 0,3 por cada 1.000 pacientes diabéticos desenvolvem NC.[13] [14] O processo destrutivo desencadeado pela NC produz um impacto profundamente negativo na saúde com graves repercussões na qualidade de vida do paciente, particularmente no que se refere às atividades físicas e a função dos membros inferiores.[15] [16] [17] [18] O diagnóstico de NC reduz a expectativa de vida do paciente diabético em 14 anos, e aproximadamente 19% dos pacientes morrem em até 2 anos, em média.[19] Trauma local no pé, cuja magnitude e intensidade podem variar, parece estar envolvido no início do processo destrutivo.[4] [5] [20] Eventualmente, a NC pode ser desencadeada por traumas repetitivos que provocam fraturas por estresse em ossos previamente osteopênicos (teoria neurotraumática).[21] Por outro lado a vasodilatação arterial periférica, decorrente da paralisia da musculatura lisa da parede dos vasos sanguíneos (autosimpatectomia), é diretamente responsável pela redução na velocidade do fluxo sanguíneo e, aparentemente, está envolvida no aumento na taxa de reabsorção óssea contribuindo, desta maneira, para a instalação do processo destrutivo da NC (teoria neurovascular).[21]

Considerações anatômicas são importantes no diagnóstico da NC, conforme demonstra a classificação de Brodsky[4] modificada por Trepman et al.[22] ([Tabela 1]). A grande maioria dos pacientes com NC apresentam sintomas relacionados à dor localizada no mediopé, além de edema e eritema.[20] [21] Entretanto, como na fase aguda inicial da doença ainda não está presente nenhuma deformidade perceptível, muitos pacientes são erroneamente diagnosticados como tendo celulite, gota ou tenossinovite.[23] Devido à má interpretação diagnóstica muitos pacientes são tratados equivocadamente com antibióticos, corticosteroides ou até mesmo com cirurgias indicadas para “drenagem de abcesso”.[21] Na maioria dos casos, somente quando a condição aguda regride e o edema desaparece é que o paciente e, muitas vezes, o próprio médico conseguem detectar a presença das deformidades residuais já instaladas na fase de sequela da doença.[20] [21] Como muitas destas deformidades são de pequena magnitude, é possível acomodar os pés em calçados terapêuticos apropriados para pés insensíveis juntamente com palmilhas confeccionadas especialmente sob medida.[20] [21] Alguns pacientes, cuja sensibilidade protetora dos pés encontra-se mais seriamente comprometida devido à neuropatia periférica, continuam a caminhar apoiando o pé acometido pelo processo destrutivo da NC e isto acelera ainda mais a deformação osteoarticular.[20] [21] [22] Aproximadamente 40% dos pacientes com NC já chegam ao primeiro atendimento médico apresentando úlcera plantar localizada sob proeminência óssea no mediopé, principalmente quando este está afetado e existe colapso do arco plantar lateral.[24] A presença de úlcera é um fator de mau prognóstico no que se refere ao risco de amputação da extremidade, uma vez que aumenta seis vezes a chance disto ocorrer nos pacientes diabéticos com NC.[25]

Tabela 1

Estágio Evolutivo

Apresentação

0: Paciente em risco

Neuropatia diabética e trauma agudo

Radiografia normal

I: Fragmentação

Edema e eritema

Radiografia: fragmentação óssea

II: Coalescência

Diminuição dos sinais flogísticos

Radiografia: coalescência dos fragmentos

III: Consolidação

Ausência de sinais flogísticos

Radiografia: Remodelação das fraturas

Existem três fases distintas da NC definidas e popularizadas por Eichenholtz:[26] 1) aguda; 2) subaguda ou fragmentação com desenvolvimento das deformidades; e 3) crônica ou consolidação com deformidades fixas como sequela ([Tabela 2]). Ao exame clínico, o que caracteriza a fase aguda de fragmentação é o intenso edema do pé, o aumento local da temperatura e o eritema difuso. O exame radiográfico simples freqüentemente é normal, sugerindo a natureza inflamatória desta afecção. Na fase aguda de fragmentação pode haver confusão diagnóstica principalmente com infecção, uma vez que ambos os processos provocam destruição óssea.[21] [27] A diferenciação pode ser feita observando com base na avaliação clínica, levando-se em consideração que nos casos de infecção a glicemia do paciente diabético encontra-se anormalmente alta e mesmo com o aumento na dose de insulina ela tende a permanecer elevada[28]; além do que o estado geral do paciente com quadro infeccioso é marcado pelo torpor.[21] [22] O mesmo não é observado quando se trata da NC. Outro indicativo importante relaciona-se ao fato de que tanto o edema quanto o eritema, ambos observados ao exame clínico, sofrem redução importante quando a extremidade afetada é elevada por aproximadamente cinco minutos na presença da NC, o que não ocorre quando são causados por infecção.[21] Um dos grandes dilemas diagnósticos entre NC e infecção ocorre quando existe grande destruição osteoarticular ao exame radiográfico, e ao exame clínico observa-se acentuado edema e eritema na presença de úlcera localizada sob proeminência óssea.[21] [25] Frequentemente outros exames de imagem, como cintilografia óssea (CO), tomografia computadorizada (TC), e ressonância magnética (RM) são inconclusivos em auxiliar no diagnóstico diferencial em circunstâncias como a mencionada acima.[7]

Tabela 2

Tipo

Articulações envolvidas

1

Tarsometatarsal e naviculocuneiformes

2

Subtalar, Talonavicular ou calcaneocuboide

3A

Tibiotalar

3B

Fratura prévia da tuberosidade do calcâneo

4

Combinação de áreas afetadas (misto)

5

Antepé

Tratamento conservador da Neuroartropatia de Charcot

O objetivo primário do tratamento da NC é obter um pé plantígrado, estável e livre de úlcera. O tratamento clássico da NC consiste na imobilização com gesso de contato total (GCT) durante a fase aguda de fragmentação óssea, seguida da utilização de órtese de polipropileno moldada do tipo órtese tornozelo-pé (OTP) durante a fase subaguda de consolidação e, finalmente, acomodação da deformidade com calçado terapêutico e palmilha confeccionada, sob medida, para acomodar as deformidades residuais na fase crônica de sequela.[20] [29] [30] [31] A cirurgia costuma ser uma exceção no tratamento da NC e sua principal indicação relaciona-se à falha do tratamento conservador quando: 1) existe deformidade francamente instável afetando a região do tornozelo e retropé; 2) persistem úlceras plantares recidivantes causadas por proeminências ósseas que não podem ser adequadamente acomodadas com palmilhas ou órteses confeccionadas sob medida; e 3) existe infecção com osteomielite a partir de uma úlcera contaminada. Atualmente existe uma tendência apoiada por alguns médicos especialistas em indicar o tratamento cirúrgico para corrigir deformidades e estabilizar o pé de maneira a permitir que o paciente consiga utilizar calçados comercialmente disponíveis sem necessidade de utilizar órteses acomodativas.[12] [32] [33] [34] [35] A suposta vantagem advogada por aqueles que defendem a indicação da cirurgia corretiva é a melhora na capacidade de deambulação e na qualidade de vida do paciente.[36] Para considerar o tratamento cirúrgico uma alternativa viável, muitas variáveis devem ser ponderadas, destacando-se: 1) perfusão da extremidade; 2) qualidade óssea; 3) controle glicêmico; 4) estado nutricional; 5) presença de úlcera; 6) infecção; e 7) estabilidade osteoarticular.[12]


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Tratamento cirúrgico da Neuroartropatia de Charcot

As três modalidades frequentemente utilizadas no tratamento cirúrgico da NC são: 1) ressecção da proeminência óssea plantar localizada sob úlcera crônica, técnica conhecida como exostectomia; 2) artrodese modelante utilizada para corrigir deformidades grosseiras e estabilizar articulações gravemente instáveis; 3) combinação de ressecção de osso infectado proeminente com artrodese modelante.[20] [21] Existem ainda controvérsia se esta última modalidade cirúrgica deve ser realizada num único tempo cirúrgico ou em dois tempos distintos, consistindo o primeiro tempo no debridamento do osso infectada e o segundo tempo na realização da artrodese modelante propriamente dita.[34]

A extensão da artrodese depende basicamente do grau da deformidade instalada, da localização das articulações envolvidas e do tamanho necessário das cunhas planejadas para permitir a correção dos principais desvios e propiciar a obtenção de um pé plantígrado.[20] [31] [32] [33] [34] [35] [36] [37] [38] [39] A escolha da(s) via(s) de acesso depende do tipo da deformidade instalada (varo/valgo, adução/abdução, pronação/supinação); do grau de colapso do arco; e da localização da(s) proeminência(s) óssea(s) plantar. O momento ideal para indicar a realização da cirurgia ainda é controverso, enquanto a seleção do tipo de fixação óssea depende basicamente da presença ou não de úlcera no momento da cirurgia, assim como seu grau de contaminação pré-existente.[30] [31] [32] [33] [34] [35] [36] [37] [38] [39] [40] [41] [42] De maneira geral, a fixação interna está indicada nas artrodeses sem a presença de contaminação óssea prévia (ulceração crônica pré-existente).[19] [30] [31] [32] [33] [35] [36] [37] [38] [40] [41] [42] Os diferentes dispositivos mais recentemente desenvolvidos para fixação interna da artrodese modelante na NC são: 1) placas com parafusos de bloqueio especialmente desenhados para fixação de ossos osteopênicos na coluna medial do pé ([Figura 1]); 2) parafusos canulados sem cabeça para fixação longitudinal através dos ossos do mediopé (intramedular beaming) ([Figura 2]); 3) haste intramedular bloqueada para o retropé ([Figura 3]); 4) placas com parafusos de bloqueio especialmente desenhados para fixação do retropé. É extremamente importante enfatizar que a utilização da fixação interna não dispensa, de forma nenhuma, o uso do GCT por período prolongado. A imobilização gessada deve ser mantida até que sejam identificados sinais evidentes e inequívocos da completa consolidação óssea da artrodese nas imagens radiografias realizadas durante o seguimento ambulatorial. Na vigência de contaminação óssea em decorrência de ulceração crônica a fixação óssea recomendada durante a realização da artrodese modelante restringe-se ao fixador externo circular.[20] [34] [39] [43]

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Fig. 1 Aspecto clínico (A) e imagem radiográfica em incidência lateral do pé esquerdo realizada com apoio (B) de um paciente com neuroartropatia de Charcot afetando o mediopé (tipo I da classificação anatômica de Brodsky[4] e Trepman[22]). Observem a acentuada deformidade em abdução (A) e o grave colapso do arco com proeminência óssea plantar (A e B). O tratamento cirúrgico consistiu na artrodese modelante do mediopé por meio de abordagem medial para a ressecção de cunhas ósseas e correção das deformidades (C), seguido de fixação interna com placa e parafusos (D).
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Fig. 2 Aspecto clínico (A e D) do pé direito num paciente com neuroartropatia de Charcot afetando o mediopé. As imagens radiográficas realizadas em incidência lateral do pé e tornozelo mostram que se trata de uma lesão do tipo II, segunda a classificação anatômica de Brodsky[4] e Trepman[22] (B e C). Tanto no momento da chegada do paciente (B) quanto 4 meses após o início do tratamento com gesso de contato total (C), podemos observar a presença de uma úlcera de pressão (D) causada pela proeminência óssea plantar do cuboide (C). O tratamento cirúrgico consistiu na ressecção completa do cuboide, seguido da artrodese modelante do mediopé utilizando parafusos para fixação interna, segunda a técnica intramedullary beaming (E e F).
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Fig. 3 Aspecto radiográfico anteroposterior do tornozelo esquerdo mostrando fratura bimaleolar instável (A), inicialmente tratada com redução aberta seguida de fixação interna por meio de cerclagem (B). Durante o acompanhamento pós-operatório, ocorreu destruição osteoarticular típica da neuroartropatia de Charcot do tipo IIIa, segunda a classificação anatômica de Brodsky[4] e Trepman[22] (C). O aspecto clínico mostra acentuado desvio em valgo do tornozelo (D). Artrodese tibiotalocalcanear modelante foi indicada tanto para corrigir a deformidade quanto para estabilizar o retropé. As imagens radiográficas do tornozelo, realizadas com apoio, demonstram que tanto na incidência anteroposterior (E) quanto na lateral (F) a consolidação óssea da artrodese encontra-se em curso. O adequado alinhamento e a estabilidade para o apoio puderam ser alcançados, como demonstra a imagem clínica (G).

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Amputações

O custo do tratamento da cirurgia de reconstrução articular como opção para tentativa de salvamento de uma extremidade afetada pela NC é de 15 a 20% maior quando comparado ao custo do tratamento com amputação transtibial incluindo as despesas com reabilitação e prótese.[44] [45] Entretanto a duração do tratamento voltado para reconstrução articular como tentativa de salvamento da extremidade pode variar, em média, de 12 a 18 meses.[46] Nos casos de NC cuja extremidade apresenta ulceração recorrente, além de considerável deformidade e instabilidade, é necessário discutir abertamente com o paciente os prós e contra de se considerar a amputação transtibial, uma vez que ela pode oferecer para um selecionado grupo de paciente uma oportunidade de recuperação mais rápida, além de melhorar a função e a qualidade de vida.[47] [48]


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Considerações Finais

A NC)é uma doença sistêmica que provoca fraturas e luxações envolvendo o pé e o tornozelo em pacientes que já apresentam complicações tardias da DM, especificamente a NP. Sua principal consequência é aumentar significativamente o risco de ulceração e infeção profunda no pé, o que contribui com o elevado risco de amputação maior da extremidade. O objetivo do tratamento, tanto incruento quanto cirúrgico, é obter um pé plantígrado, estável e livre de úlceras. As indicações primárias do tratamento cirúrgico são: deformidades graves no pé, instabilidade articular grosseira no retropé, ulceração recorrente localizadas sob proeminências ósseas, ou infecção profunda. Procedimentos cirúrgicos voltados para tentar evitar a amputação e preservar uma extremidade funcional são conhecidos como “cirurgias de salvamento”. Normalmente envolvem ressecção das proeminências ósseas associadas ou não à artrodese modelante do pé e tornozelo. Entretanto, complicações do tratamento cirúrgico são frequentes e envolvem: 1) pseudartrose; 2) deiscência da ferida operatória; 3) infeção profunda. Mesmo com o tratamento cirúrgico persiste ainda o elevado risco de amputação da extremidade, especialmente na vigência das complicações pós-operatórias.


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* Trabalho desenvolvido no Grupo de Cirurgia do Pé e Tornozelo, Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, SP, Brasil.


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Endereço para correspondência

Ricardo Cardenuto Ferreira, MD
Rua Barata Ribeiro, 380, Cj 64, 6°. Andar, Bela Vista, São Paulo SP, 01308-000
Brasil   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 28. Juni 2019

Angenommen: 13. September 2019

Artikel online veröffentlicht:
27. April 2020

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Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revinter Publicações Ltda
Rio de Janeiro, Brazil

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Fig. 1 Aspecto clínico (A) e imagem radiográfica em incidência lateral do pé esquerdo realizada com apoio (B) de um paciente com neuroartropatia de Charcot afetando o mediopé (tipo I da classificação anatômica de Brodsky[4] e Trepman[22]). Observem a acentuada deformidade em abdução (A) e o grave colapso do arco com proeminência óssea plantar (A e B). O tratamento cirúrgico consistiu na artrodese modelante do mediopé por meio de abordagem medial para a ressecção de cunhas ósseas e correção das deformidades (C), seguido de fixação interna com placa e parafusos (D).
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Fig. 2 Aspecto clínico (A e D) do pé direito num paciente com neuroartropatia de Charcot afetando o mediopé. As imagens radiográficas realizadas em incidência lateral do pé e tornozelo mostram que se trata de uma lesão do tipo II, segunda a classificação anatômica de Brodsky[4] e Trepman[22] (B e C). Tanto no momento da chegada do paciente (B) quanto 4 meses após o início do tratamento com gesso de contato total (C), podemos observar a presença de uma úlcera de pressão (D) causada pela proeminência óssea plantar do cuboide (C). O tratamento cirúrgico consistiu na ressecção completa do cuboide, seguido da artrodese modelante do mediopé utilizando parafusos para fixação interna, segunda a técnica intramedullary beaming (E e F).
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Fig. 3 Aspecto radiográfico anteroposterior do tornozelo esquerdo mostrando fratura bimaleolar instável (A), inicialmente tratada com redução aberta seguida de fixação interna por meio de cerclagem (B). Durante o acompanhamento pós-operatório, ocorreu destruição osteoarticular típica da neuroartropatia de Charcot do tipo IIIa, segunda a classificação anatômica de Brodsky[4] e Trepman[22] (C). O aspecto clínico mostra acentuado desvio em valgo do tornozelo (D). Artrodese tibiotalocalcanear modelante foi indicada tanto para corrigir a deformidade quanto para estabilizar o retropé. As imagens radiográficas do tornozelo, realizadas com apoio, demonstram que tanto na incidência anteroposterior (E) quanto na lateral (F) a consolidação óssea da artrodese encontra-se em curso. O adequado alinhamento e a estabilidade para o apoio puderam ser alcançados, como demonstra a imagem clínica (G).
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Fig. 1 Clinical aspect (A) and radiographic image of a patient with Charcot neuroarthropathy , in lateral view of the left foot, with a support base (B), affecting the midfoot (type I of the anatomical classification of Brodsky[4] and Trepman[22]). Note the pronounced abduction deformity (A) and severe collapse of the arch with plantar bony prominence (A and B). Surgical treatment consisted of modeling midfoot arthrodesis through medial approach for bone wedge resection and correction of deformities (C), followed by internal fixation with plate and screws (D).
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Fig. 2 Clinical aspect (A and D) of the right foot in a patient with Charcot neuroarthropathy affecting the midfoot. Radiographic images of the lateral view of the foot and ankle show that this is a type II lesion, according to the anatomical classification of de Brodsky[4] and Trepman[22] (B and C). Both upon patient arrival (B) and 4 months after the start of treatment with total contact casting (C), we can observe the presence of a pressure ulcer (D) caused by cuboid plantar bony prominence (C). The surgical treatment consisted of complete resection of the cuboid, followed by modeling midfoot arthrodesis using screws for internal fixation, according to the intramedullary beaming technique (E and F).
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Fig. 3 Anteroposterior radiographic aspect of the left ankle showing unstable bimalleolar fracture (A), initially treated with open reduction followed by internal fixation by cerclage (B). During the postoperative follow-up, typical osteoarticular destruction of Charcot neuroarthropathy type IIIa, according to the anatomical classification of Brodsky[4] and Trepman,[22] occurred (C). Clinical aspect shows major ankle valgus deviation (D). Modeling tibiotalocalcaneal arthrodesis was indicated both to correct deformity and to stabilize the hindfoot. Radiographic images of the ankle, carried out with a support base, show that both in the anteroposterior (E) and lateral (F) incidences, bone healing of arthrodesis is ongoing. Proper alignment and stability for support could be achieved, as the clinical image demonstrates (G).