Palavras-chave
artrodese - joelho - artroplastia do joelho - infecção
Introdução
A infecção após artroplastia total de joelho (ATJ) representa grave complicação, com incidência variando entre 0,5 a 3%. Tal complicação pode acarretar consequências funcionais e psicológicas severas aos pacientes. O tratamento adequado permanece controverso na literatura até os dias atuais, representando um enorme desafio ao cirurgião ortopédico.[1]
[2]
Pacientes com sintomas inflamatórios a menos de três semanas são classificados com o diagnóstico de infecção aguda após ATJ e são tratados frequentemente com desbridamento cirúrgico associado a antibioticoterapia venosa. As taxas de sucesso são variáveis, e a retenção dos implantes ocorre entre 44 e 84% dos casos.[3]
[4]
[5]
[6] A cirurgia de revisão em dois tempos é descrita como o padrão-ouro para o tratamento dos pacientes com infecção crônica após ATJ.[7] A taxa de sucesso do procedimento varia entre 80 e 90% na maioria das séries em seguimentos de curto prazo.[2]
[7]
[8] Trabalhos atuais questionam tais resultados. Mahmud et al.,[9] durante o seguimento, encontraram uma reincidência de infecção de 22% em 10 dos pacientes tratados com revisão em dois tempos. A identificação do agente microbiano meticilina resistente pode estar associada a reinfecção em até 24% dos casos.[10] A despeito de bons resultados descritos com o procedimento de revisão em dois tempos após falha séptica da ATJ, são descritas alterações funcionais no membro, dor residual, e rigidez articular.[11]
Em pacientes com infecção refratária após ATJ, as opções de tratamento descritas são: amputação acima do joelho, artroplastia de ressecção, terapia antibiótica supressiva, ou artrodese da articulação. A terapia supressiva com antibiótico é restrita a pacientes contaminados por bactérias de baixa virulência sensível a antibioticoterapia oral e risco cirúrgico elevado.[12]
[13] Os pacientes submetidos a artroplastia de ressecção do joelho após ATJ infectada evoluem com cura do processo infeccioso em 92 a 100% dos casos; porém, a manutenção de dor leve a moderada na articulação foi descrita em 64% na maior série de casos descrita na literatura.[14]
A cirurgia de artrodese do joelho ou a amputação acima do joelho são os métodos mais utilizados pelo cirurgião ortopédico no contexto de infecção refratária pós-ATJ. Tendo em vista as limitações funcionais e o baixo percentual de sucesso na protetização e deambulação assistida em pacientes submetidos à amputação acima do joelho, a cirurgia de artrodese deve ser tentada nos pacientes com risco cirúrgico permissivo.[15] Outras indicações para a cirurgia de artrodese do joelho são: lesão maciça do mecanismo extensor do joelho, inadequada cobertura de partes moles após falha da ATJ, e instabilidade ligamentar grave.[15]
[16] Pacientes jovens de alta demanda funcional, com osteoartrite secundária ou inflamatória, podem ser considerados indicados para artrodese do joelho. Para estabilização da artrodese, pode ser utilizado fixador externo em um ou dois planos, fixador externo circular, dupla placa de compressão ou haste intramedular.[16]
[17]
O objetivo principal do nosso estudo foi avaliar de modo retrospectivo o resultado funcional dos pacientes submetidos à artrodese do joelho após ATJ infectada com uso de fixador externo ou dupla placa de compressão. Como objetivos secundários, foram avaliadas a satisfação com o procedimento, a capacidade de cura do processo infeccioso, a presença de dor residual ao final do seguimento, e a discrepância dos membros inferiores (DMI).
Material e métodos
Após aprovação do comitê de ensino e pesquisa do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (CAAE 71750317.8.0000.5273), foram selecionados 23 pacientes a partir do banco de dados do hospital; os pacientes selecionados foram submetidos à artrodese do joelho após falha séptica da ATJ no período de janeiro de 2010 até dezembro de 2016. Foram excluídos da pesquisa dois pacientes que se negaram a comparecer na consulta de avaliação e três pacientes submetidos à amputação após falha da artrodese. Os pacientes foram operados por via de acesso anteromedial no joelho com utilização de placa do tipo dynamic compression plate (DCP) estreita, anterior e medial (6 casos), ou fixador externo em dois planos da articulação (Orthofix Bone Growth Therapy, Lewisville, TS, EUA), a critério do cirurgião (12 casos).
O escore visual de dor foi utilizado visando avaliar a presença de dor residual após consolidação da artrodese. Para avaliação funcional, foi utilizado o knee society score (KSS) validado para a língua portuguesa.[18] Os pacientes foram questionados quanto à satisfação com o procedimento, variando entre: muito satisfeito, satisfeito, insatisfeito, e muito insatisfeito, segundo o método proposto por Mhomed et al.[19] A capacidade de deambulação foi avaliada entre: deambulador comunitário com auxílio de apoio (muleta ou bengala), deambulador comunitário sem auxílio de apoio, deambulador domiciliar com auxílio de apoio (muleta, bengala), e não deambulador (cadeirantes).
A discrepância dos membros inferiores foi avaliada pelo método de conforto dos blocos.[20]
O germe identificado nos fragmentos óssea submetidos a cultura para bactérias aeróbicas e anaeróbicas foram registrados, assim como o número de cirurgias antes do procedimento de artrodese do joelho. O controle do processo infecioso foi definido pela ausência de fístula local ou derrame articular associado a sinais inflamatórios locais.
Análise estatística
Os dados coletados a partir dos instrumentos de pesquisa foram dispostos em uma planilha eletrônica do programa Microsoft Excel 2013 (Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA), construindo assim o banco de dados da pesquisa. O programa Microsoft Excel (Microsoft Corp.) também foi utilizado para a construção de alguns gráficos descritivos. Qualquer outra análise estatística dos dados foi feita através do programa IBM SPSS versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).
A análise descritiva dos dados teve como objetivo descrever os perfis característicos dos pacientes, e as distribuições das medidas de interesse. A análise descritiva foi feita baseada na construção de gráficos, distribuições de frequências e cálculo de estatística descritiva (proporções de interesse para todas as variáveis e cálculo de mínimo, máximo, média, mediana, desvio padrão, coeficiente de variação (CV) para análises quantitativas). A variabilidade da distribuição de uma variável quantitativa foi considerada baixa se, moderada se e alta se.
A correlação entre duas variáveis quantitativas foi avaliada pelo coeficiente de correlação de ordem de Spearman. Uma correlação foi considerada forte somente se seu valor absoluto fosse maior que 0,7.
Resultados
Foram avaliados 18 pacientes com tempo médio de 3,7 anos de seguimento após a cirurgia de artrodese do joelho. As distribuições de frequências das variáveis epidemiológicas dos pacientes são mostradas na [Tabela 1].
Tabela 1
Variável
|
Frequência
|
F
|
%
|
Sexo
|
Feminino
|
9
|
50,0%
|
Masculino
|
9
|
50,0%
|
Lado do joelho operado
|
Esquerdo
|
11
|
61,1%
|
Direito
|
7
|
38,9%
|
Idade (anos)
|
46–53
|
2
|
11,1%
|
53–60
|
4
|
22,2%
|
60–65
|
6
|
33,3%
|
65–72
|
3
|
16,7%
|
74–81
|
3
|
16,7%
|
Indicação ATJ
|
OA primária
|
10
|
55,6%
|
Pós-traumática
|
3
|
16,7%
|
AR
|
3
|
16,7%
|
Sequela de AS
|
1
|
5,6%
|
OA pós-traumática
|
1
|
5,6%
|
Cirurgia prévia a ATJ
|
Nenhuma
|
15
|
83,3%
|
Uma cirurgia
|
1
|
5,6%
|
Duas cirurgias
|
2
|
11,1%
|
Comorbidades
|
HAS
|
17
|
94,4%
|
Obesidade
|
10
|
55,6%
|
DM
|
6
|
33,3%
|
AR
|
3
|
16,7%
|
Hipotireoidismo
|
2
|
11,1%
|
LES
|
1
|
5,6%
|
DPOC
|
1
|
5,6%
|
Os patógenos identificados através de cultura de tecido periprotético após o procedimento de ATJ primária são descritos na [Tabela 2]. O mais frequentemente encontrado foi o Staphylococcus aureus sensível a meticilina (7 casos, 38,9%); o segundo mais frequente foi o Enterobacter cloacae (3 casos, 16,7%); e a Escherichia coli foi encontrada em 2 casos (11,1%).
Tabela 2
Germe isolado
|
Frequência
|
%
|
Escherichia coli
|
2
|
11,1
|
Enterobacter cloacae
|
3
|
16,7
|
K. pneumoniae
|
1
|
5,6
|
Morganella morgani
|
1
|
5,6
|
Proteus mirabilis
|
1
|
5,6
|
Pseudomonas aeruginosa
|
1
|
5,6
|
S. aureus
[*]
|
1
|
5,6
|
S. aureus
[**]
|
7
|
38,9
|
Cultura negativa
|
1
|
5,6
|
Total
|
1
|
100,0
|
A [Tabela 3] traz a distribuição de frequências da DMI com o teste do conforto dos blocos. A discrepância variou de 1,5 a 12 cm, sendo mais frequente na faixa de 1,5 a 3,5 cm (55,6%). A média foi de 3,63 cm. Em 33,3% dos pacientes foi identificada discrepância entre 3,5 e 5,5 cm. Os valores descritos representam o encurtamento do membro após o procedimento de fusão articular.
Tabela 3
Discrepância
|
F
|
%
|
1,5–3,5 cm
|
10
|
55,6%
|
3,5–5,5 cm
|
6
|
33,3%
|
6,5 cm
|
1
|
5,6%
|
12 cm
|
1
|
5,6%
|
A [Tabela 4] traz a distribuição de frequências do escore KSS. A faixa de escores de 70 a 80 foi a mais frequente (55,6%), mas os escores KSS variaram entre 43 e 76 sendo a média 68.
Tabela 4
KSS
|
F
|
%
|
40–50
|
1
|
5,6%
|
50–60
|
1
|
5,6%
|
60–70
|
6
|
33,3%
|
70–80
|
10
|
55,6%
|
A [Tabela 5] traz a distribuição de frequências do escore de dor avaliada pelo paciente pela EVA de dor. Nenhum paciente apresentou a escala EVA superior a 5, considerando sua variação entre o escore 0 para ausência completa de dor e 10 como a pontuação máxima.
Tabela 5
EVA
|
F
|
%
|
0
|
8
|
44,4
|
1
|
2
|
11,1
|
2
|
5
|
27,8
|
3
|
1
|
5,6
|
4
|
1
|
5,6
|
5
|
1
|
5,6
|
Em todos os 18 casos avaliados, houve consolidação óssea da artrodese. Nosso grupo considera como consolidação a ausência de mobilidade em exame dinâmico por fluroscopia e a presença de consolidação nas corticais anterior, posterior, medial e lateral vista em radiografia do joelho. Três pacientes (16,7%) se apresentaram com fístula ativa no momento da avaliação, caracterizando manutenção do processo infeccioso a despeito da consolidação do foco de artrodese. Sete pacientes avaliados realizaram algum tipo de procedimento microcirúrgico para o tratamento de complicações cutâneas na ferida operatória: enxerto total de pele livre ou retalho pediculados do músculo gastrocnêmio. Dentre estes pacientes, cinco realizaram a cirurgia de artrodese no ato da retirada dos implantes proteticos primários tendo em vista o extenso dano de cobertura cutanea local (citado acima).
Sobre a condição final de deambulação, foram observados: 10 pacientes deambuladores comunitários com auxílio de apoio (muleta ou bengala), um paciente deambulador comunitário sem auxílio de apoio, cinco pacientes deambuladores domiciliares com auxílio de apoio (muleta, bengala ou andador), dois pacientes – não deambuladores, restritos ao leito.
Ao avaliar a satisfação dos pacientes com o tratamento, foram encontrados dois pacientes muito insatisfeitos, três pouco insatisfeitos, nove pouco satisfeitos e quatro muito satisfeitos, conforme mostra a distribuição da [Figura 1].
Fig. 1 Declaração de satisfação dos pacientes com o tratamento.
Discussão
A infecção refratária após ATJ representa a principal indicação para artrodese do joelho. Os métodos de fixação mais utilizados são o uso de haste, fixador externo, e fixação com dupla placa. A estabilização com haste intramedular diminui a discrepância no comprimento do membro inferior, apresenta um percentual maior de consolidação, porem possui maior taxa de recorrência do processo infeccioso. O uso de fixador externo evita a manutenção de implante metálico na articulação infectada e permite estabilização articular em múltiplos planos.[21]
[22]
A amputação acima do joelho representa uma opção de tratamento na falha da artrodese ou em pacientes não candidatos ao procedimento de artrodese após infecção refratária após ATJ – doença nas articulações do quadril ou tornozelo ipsilateral, perda óssea extensa, amputação em membro inferior contralateral e doença na outra articulação do joelho.[13] Sierra et al.[23] identificaram apenas 20% de pacientes capazes de deambular com auxílio após amputação acima do joelho para o tratamento de infecção refratária após ATJ. De Paula et al.[24] avaliaram o resultado dos pacientes amputados após falha da ATJ e identificaram que apenas 37,5% eram capazes de deambular com auxílio por uma distância maior que um quarteirão. Tais resultados tornam a amputação acima do joelho uma opção no caso de falha da consolidação óssea com o procedimento de artrodese do joelho ou em pacientes com infecção refratária a cirurgia de artrodese.
A completa fusão da articulação representa um método de controle do processo infecioso assim como das queixas álgicas do paciente. No grupo de pacientes avaliados, a despeito da consolidação óssea da artrodese, 83,3% apresentaram dor entre 0 e 2 na avaliação pela escala visual analógica (EVA). Três pacientes tinham presença de fístula ativa de baixo débito no momento da avaliação. Quando questionado ao paciente sobre a satisfação no momento de avaliação, 27,8% estavam insatisfeitos. A despeito deste fato, 61,2% dos pacientes relataram serem capazes de deambular na comunidade no momento da avaliação. Não houve correlação entre o controle dos sintomas álgicos e o grau de satisfação após consolidação da artrodese.
O encurtamento do membro representa uma preocupação comum ao paciente e ao cirurgião após o procedimento de artrodese pós-falha séptica da ATJ. No entanto, no grupo estudado, a DMI avaliada pelo método de conforto dos blocos foi de 3,63 cm. Balci et al.[25] avaliaram a resultado da artrodese no joelho no tratamento da infecção refratária pós-ATJ com uso de fixador externo em 17 pacientes. Os autores obtiveram uma discrepância média entre os membros inferiores de 2,9 cm. Robinson et al.[26] avaliaram 23 pacientes submetidos a artrodese do joelho após revisão em dois tempos após falha séptica da ATJ. Após fusão óssea, a média de discrepância dos membros inferiores (DMI) foi de 4,85 cm e o KSS obtido foi de 44 pontos. Conway et al.[27] consideram a realização de alongamento ósseo femoral durante o período de consolidação óssea da artrodese em casos com discrepância de membros inferiores acima de 5,0 cm. Os autores defendem que o tempo de consolidação do regenerado ósseo é inferior ao da consolidação da artrodese.
Balato et al.,[28] em revisão da literatura e metanálise, compararam os resultados da artrodese no joelho com fixador externo ou haste intramedular no tratamento da falha séptica da ATJ. Os pacientes tratados com fixador externo tiveram um encurtamento do membro maior; porém, um percentual de reinfecção menor (5,4%) do que os pacientes tratados com haste intramedular (10,6%). A análise da escala EVA de 49 pacientes em 3 estudos identificou pontuação média de 2,9 nos pacientes tratados com fixador externo e a discrepância entre os membros inferiores foi em média de 4,04 cm após avaliação de 7 estudos e 108 pacientes.
Rohner et al.[29] avaliaram retrospectivamente o resultado funcional dos pacientes submetidos a artrodese com haste intramedular coberta por cimento com antibiótico após falha séptica da ATJ. No grupo avaliado, foi diagnosticada reinfecção em 50% dos pacientes. O escore KSS médio foi de 40, e 73% dos pacientes descreveram dor acima de 3 pela EVA. Os autores não recomendam o uso de dispositivo intramedular para realização da artrodese no joelho no contexto de falha séptica pós ATJ. Em nosso grupo de estudo, o escore médio obtido pela avaliação KSS foi de 68 entre 100 pontos possíveis.
Em nossa série de casos, o germe mais frequentemente identificado foi o S. aureus sensível à meticilina, correspondendo a 38,9% dos casos. A necessidade de realização de flap cutâneo está associada à maior incidência de reinfecção após a revisão em dois tempos no tratamento da falha séptica após ATJ.[30] Em nosso instituto, tais complicações após a cirurgia de ATJ estão associadas a piores resultados funcionais em pacientes com infecção pós ATJ primária ou de revisão e prolongamento do tempo de internação. A escolha entre o uso de dupla placa ou fixador externo foi baseada nas condições de pele do paciente, disponibilidade do implante e expertise do cirurgião.
As limitações do presente estudo estão relacionadas ao pequeno número de casos avaliados, à característica retrospectiva do estudo e ausência de análises comparativas. O teste de discrepância dos blocos realizado representa um método subjetivo de avaliação, porém é usado na prática clínica. O tempo de seguimento é considerado curto, tendo em vista as modificações biomecânicas submetidas nas articulações do quadril e tornozelo após a cirurgia de artrodese do joelho. Não foi avaliada de modo objetivo a distância que os pacientes eram capazes de deambular após a cirurgia. Por fim, o escore KSS utilizado possui a limitação de ter sido elaborado para avaliação dos pacientes com mobilidade na articulação, porém não há descrito na literatura um escore específico para pacientes submetidos a artrodese do joelho. Assim sendo, não há consenso sobre qual seria o método ideal para avaliação funcional destes pacientes.
Conclusão
A cirurgia de artrodese do joelho se mostrou eficiente quanto ao controle do processo infeccioso e diminuição das queixas álgicas no membro operado. A maioria dos pacientes foram capazes de deambular em domicílio após o seguimento avaliado; porém, a satisfação com o procedimento é baixa. A cirurgia de artrodese provê um membro funcional, sendo uma opção em casos de infecção refratária pós ATJ.