Palavras-chave
osteoartrite - artrose - tornozelo - cartilagem - líquido sinovial - terapêutica
Introdução
A osteoartrite (OA) é uma síndrome caracterizada por degeneração da cartilagem articular, alterações do osso subcondral, alterações inflamatórias intra-articulares, crescimento ósseo periarticular, associada com os típicos sintomas de rigidez, inchaço e dor na articulação afetada, na maioria das vezes.[1]
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[4] Atualmente, essa síndrome ainda está aquém da cura efetiva, seja através dos métodos de prevenção, de diminuição de sua progressão ou dos tratamentos sintomáticos propostos.[1]
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A OA dos membros inferiores afeta ∼ 15% da população mundial, e é uma das principais causas de incapacidade, com estimativas mundiais sugerindo que 250 milhões de pessoas estão atualmente afetadas; nos Estados Unidos, o custo aproximado é de 60 bilhões de dólares/ano para o tratamento direto dessa condição.[1]
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[8] A OA da articulação tíbiotársica está presente em entre 1 a 4% dos pacientes que procuram atendimento ortopédico devido a OA, elevando o impacto sócio-econômico ao apresentar um aumento de 300% entre a década de 1970 e os anos 2000.[9]
Diferente da OA das outras articulações dos membros inferiores, como quadril e joelho, que apresentam respectivamente 58 e 67% em sua origem primária e não traumática, na OA tíbiotársica esta etiologia representa apenas 9% dos casos. Outras causas secundárias como artrite reumatóide, hemocromatose, hemofilia ou osteonecrose estão presentes em 13% dos casos, sendo a origem pós-traumática a principal causa, representando ∼ 78% do fator etiológico, devido a fraturas do tornozelo, lesões ligamentares, fraturas distal da tíbia, fraturas da diáfise da tíbia, fratura do tálus e fraturas combinada do tornozelo e do pé.[8]
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Fisiopatogenia da osteoartrite pós-traumática do tornozelo
Fisiopatogenia da osteoartrite pós-traumática do tornozelo
O tornozelo é uma articulação de alta congruência e estabilidade, que recebe altas forças de contato ao longo de uma camada muito fina de cartilagem articular. Esta estrutura condral tem características únicas, incluindo mais ligações cruzadas entre os glicosaminoglicanos e menos receptores de colagenase e interleucina-1 do que os outros tipos de cartilagem articular, o que lhe confere alta rigidez e resistência à tensão.[11]
[12] Por este motivo, para que a osteoartrite pós-traumática do tornozelo (OAPTT) se desenvolva, uma alteração nesta congruência articular deve ocorrer, levando a um aumento das forças de cisalhamento e à degeneração acelerada.
A área articular total da articulação tíbiotársica é de 350 mm2 e está submetida a ∼ 500 N de força axial, enquanto o quadril e o joelho, com áreas articulares de respectivamente 1100 mm2 e 1120 mm2, são submetidas à mesma força.[13]
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[15] Assim, a pressão sobre a cartilagem articular do tornozelo pode ser até três vezes maior do que nas demais articulações dos membros inferiores. A espessura da cartilagem tíbiotársica varia entre 1,0 a 1,62 mm, sendo mais fina do que a do quadril (1,35 a 2,0 mm) e do joelho (1,69 a 2,55 mm).[16]
A lesão aguda no tornozelo inicia uma sequência de eventos no ambiente articular que pode potencialmente levar a danos progressivos na superfície articular para além da injúria direta aos condrócitos no momento do trauma. Um aumento da concentração de citocinas pró-inflamatórias com desregulação do remodelamento de proteoglicanos e do colágeno pode desempenhar um papel importante na patogênese da OA pós-traumática.[17]
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[19] Uma das razões para isso é que existe uma capacidade limitada da cartilagem articular para se recuperar de uma lesão direta e uma resposta inflamatória amplificada do tecido sinovial mostra-se como fator chave para o desenvolvimento da OAPTT.[20]
Estudos recentes relacionados a este tópico têm focado separadamente em tecidos distintos, isto é, cartilagem, tecido sinovial ou fluido sinovial. O grupo de pesquisadores liderados por Adams demonstrou que após a fratura intra-articular do tornozelo, alterações agudas no líquido sinovial ocorrem. Elevação de citocinas proinflamatórias como IL-6, IL-8, MMP-1, MMP-2, MMP-3, MMP-9 e MMP-10 podem ser vistas nas primeiras horas pós-trauma. Estas elevações se mantêm no período subagudo, além do aumento de outras citocinas (IL-1Ra, IL-6, IL-8, IL-10, IL-15 e MCP-1) em período tardio de 6 meses após a lesão.[21]
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Diagnóstico clínico, sistemas de classificação e investigação complementar
Diagnóstico clínico, sistemas de classificação e investigação complementar
Neste cenário, a dor é o sintoma dominante e constitui o principal fator na tomada de decisão terapêutica.[1] A apresentação clínica mais comum é a dor na região da interlinha articular associada ou não a aumento de volume (derrame articular), limitação da amplitude de movimento articular, da função locomotora, do trabalho e das atividades de lazer.[25] Outras alterações clínicas associadas são hipotrofia muscular da perna e alterações do padrão de marcha, principalmente mudanças na cinemática e na cinética.[26]
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[29] A investigação inicial por imagem é realizada com radiografias com carga que podem mostrar diferentes graus de diminuição do espaço articular, formação de osteófitos, esclerose e cistos subcondrais.
Os sistemas de classificação mais utilizados são: Kellgren-Lawrence Arthritis Grading Scale, Takakura classification system, Morrey and Wiedeman classification e Classification of osteoarthritic changes in the ankle (van Dijk) ([Quadro 1])[30]
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Quadro 1
The Kellgren-Lawrence Arthritis Grading Scale.
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0 - nenhuma osteoartrite detectável.
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1 - estreitamento duvidoso do espaço articular, possível osteófito.
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2 - osteófitos definidos, estreitamento definido do espaço articular.
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3 - osteófitos múltiplos, estreitamento do espaço articular, alguma esclerose.
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3 - osteófitos grandes, marcado estreitamento do espaço articular, esclerose grave.
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Takakura classification system
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I - esclerose precoce e formação de osteófitos, sem estreitamento articular.
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II - estreitamento do espaço articular medial, sem contato ósseo subcondral.
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IIIA - obliteração do espaço articular medial, com contato ósseo subcondral.
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IIIB - obliteração do espaço articular sobre o domus talar, com contato ósseo subcondral.
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IV - obliteração do espaço articular com contato ósseo completo.
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Morrey and Wiedeman classification
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0 - tornozelo normal.
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1 - pequenos osteófitos e estreitamento articular mínimo.
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2 - osteófitos moderados e estreitamento articular moderado.
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3 - estreitamento articular significativo com deformação ou fusão articular.
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Classification of osteoarthritic changes in the ankle (van Dijk)
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0 - articular normal ou esclerose subcentral.
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I - osteófitos sem estreitamento do espaço articular.
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II - estreitamento do espaço articular com ou sem osteófitos.
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III - desaparecimento articular (sub)total ou deformação do espaço articular.
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Claessen et al avaliaram a confiabilidade dos sistemas de classificação (1) van Dijk, (2) Kellgren e (3) Takakura para OAPTT, e os autores encontraram baixa concordância interobservador.[31]
A modalidade diagnóstica mais apropriada para a detecção precoce da OA em pacientes mais jovens é a ressonância magnética (RM). Novas técnicas, como o mapeamento da cartilagem, são capazes de detectar alterações precoces na microestrutura da cartilagem, na composição da Matrix Extra-celular (MEC) e na biomecânica dos condrócitos. O mapeamento T1ρ é uma modalidade importante para avaliação do teor de proteoglicanos,[32] enquanto a organização do colágeno é melhor visualizada nos tempos de relaxamento T2.[33] O mapeamento T2 reduziu a sensibilidade para avaliar camadas profundas de cartilagem, uma vez que suas propriedades estruturais altamente organizadas resultam em tempos de relaxamento T2 extremamente curtos. Nesse contexto, o Ultrashort Echo Time (UTE) - T2 é mais sensível para visualizar com precisão a integridade do colágeno e a degeneração da cartilagem.[34]
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A tomografia computadorizada (TC) de emissão de fóton único / tomografia computadorizada (SPECT-CT) para avaliar a extensão das alterações degenerativas e suas atividades biológicas tem sido usada em pacientes com OAPTT.[37] Essa modalidade radiográfica é uma combinação de dados de varredura óssea e de imunoensaio da TC e demonstrou confiabilidade interobservador e intraobservador significativamente maior do que a medição usando TC isolada ou TC e varredura óssea juntas.[38] Além disso, a imagem da SPECT-CT permite verificar com precisão os efeitos do desalinhamento mecânico na cartilagem. Tornozelos com deformidades em varo apresentaram captação radioisotópica significativamente maior no compartimento articular medial do que no compartimento lateral. Em contraste, os tornozelos desalinhados em valgo mostraram captação significativamente maior nas áreas laterais.[39]
[40] A TC com carga é uma inovação na área do tornozelo e pé e tem mostrado grande acurácia no diagnóstico, planejamento e controle pós-tratamento da osteoartrite do tornozelo.[41]
Biomarcadores
Os biomarcadores são expressos em diferentes fluidos corporais após uma fratura aguda e podem inclusive ser medidos com a análise da expressão gênica.[42]
[43] Como a OA é um processo inflamatório, os biomarcadores da inflamação podem ser os primeiros sinais de OAPTT. Eles podem ser medidos no sangue, na urina e no líquido sinovial. O TNF-α, a IL-1 e algumas metaloproteinases (MMP) foram estudados, porém o melhor marcador ainda não está estabelecido.[44] Os precursores e metabólitos do colágeno II são marcadores mais específicos do metabolismo dos condrócitos e podem indicar a necrose ou apoptose destas células.[45] No entanto, ainda há uma carência na sistematização dos biomarcadores a fim de fornecer informações prognósticas para o monitoramento da resposta clínica aos tratamentos da OAPTT.
Tratamento Estagiado
A decisão terapêutica deve se basear nos seguintes fatores:
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Intensidade da degeneração articular
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Etiologia da OA
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Área articular afetada - OA assimétrica
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Qualidade óssea
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Alinhamento do membro inferior
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Estabilidade articular
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Histórico médico
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Condição do paciente (artroplastia total x artrodese do tornozelo)
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Experiência do cirurgião
E respeitando os 4 estágios propostos para o tratamento:
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Tratamento não-cirúrgico
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Cirurgia de preservação articular
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Artroplastia total do tornozelo
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Artrodese do tornozelo
Estágio I. Tratamento não-cirúrgico - Representa a opção terapêutica para pacientes com OA inicial e dor leve e não diária, com pouca limitação funcional, boa qualidade óssea, adequado alinhamento do membro inferior, com articulação estável em qualquer faixa etária. Tem como objetivos melhorar a sintomatologia e manter a amplitude do movimento articular para um possível tratamento cirúrgico mais tardio.[10]
Órteses e palmilhas
As órteses e palmilhas atuam através do reposicionamento articular, alinhando o eixo mecânico do membro inferior e corrigindo pequenas alterações do alinhamento fisiológico para a melhora sintomática dos pacientes. Ainda sem evidência na literatura em relação aos desfechos clínicos no seguimento de longo prazo.[46]
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Fisioterapia
A literatura sobre reabilitação para OA apresenta bons estudos de nível I e II para a articulação do joelho. No entanto, ainda são necessários estudos clínicos randomizados para melhorar as evidências a respeito do real papel da fisioterapia no cenário da degeneração articular em outras articulações, como quadril, mão, pé, tornozelo, ombro e coluna.[49]
Nos casos de OAPTT leve e moderada, a fisioterapia pode ajudar na preservação da amplitude do movimento, aumentando a estabilidade articular através do fortalecimento muscular; o que se mostra útil inclusive para o tratamento futuro através da artroplastia total do tornozelo.[9]
Medicamentos
Apesar da alta prevalência de OAPTT, há pouca evidência clínica sobre o impacto do tratamento medicamentoso, uma vez que a literatura existente é baseada em estudos com amostras pequenas e com limitações metodológicas. As diretrizes para o uso medicamentoso no pé e tornozelo são geralmente extrapoladas a partir de estudos relacionados a outras articulações dos membros inferiores. Acetaminofeno em baixas doses e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) tópicos são considerados adjuvantes nos tratamentos sintomáticos da dor. No insucesso dessa primeira linha, os AINEs orais ou inibidores da COX-2 podem ser adicionados.[50]
Injeções intra-articulares
Injeções intra-articulares
As evidências sobre as injeções de corticosteroide para osteoartrite do tornozelo são limitadas a quatro séries de casos, totalizando 298 indivíduos, com repostas sintomáticas positivas para uso de triancinolona e betametasona, com reduções parciais das médias na escala analógica visual (EAV) de dor em 35% dos pacientes.[51]
As evidências sobre viscossuplementação com ácido hialurônico (AH) estão presentes em 19 estudos, 11 destes sendo séries de casos totalizando ∼ 400 pacientes. Respostas sintomáticas positivas baseadas em escores de dor e mobilidade, EVA e SF-36 ocorreram em ∼ 68% dos pacientes estudados. A maioria dos estudos observou benefícios significativos de 6 meses a 18 meses.[46]
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A evidência sobre plasma rico em plaquetas (PRP) baseia-se em séries de casos totalizando 45 sujeitos de pesquisa, com respostas não satisfatória ou parcial da EAV de dor, Japanese Society for Surgery of the Foot (JSSF) ankle/hindfoot scale e the Self-Administered Foot Evaluation Questionnaire (SAFE-Q).[33]
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Estágio II. Cirurgia de preservação articular - É uma opção terapêutica para pacientes com OA moderada, dor diária de intensidade significativa, pequena a moderada limitação funcional, de etiologia pós-traumática ou primária, com boa qualidade óssea, com assimétrica no alinhamento dos membros inferiores, associada ou não a instabilidade articular, principalmente em jovens e pacientes sem comorbidades sistêmicas.
Os objetivos são reestabelecer a biomecânica, o alinhamento e a estabilidade articular, desacelerar a evolução da degeneração articular no compartimento mais acometido, permitindo postergar procedimentos mais invasivos por 5 a 10 anos.[10]
Desbridamento articular e distração articular
Desbridamento articular e distração articular
Especialmente em pacientes mais jovens com OAPTT moderada, os procedimentos que não preservam a articulação podem não ser o tratamento de escolha devido ao potencial de complicações tardias, à alta taxa de reoperação, falhas da prótese e / ou desenvolvimento de OA secundária nas articulações adjacentes.
Nesse perfil de pacientes, o desbridamento aberto ou artroscópico pode ser realizado para tratar os sintomas e avaliar melhor a articulação.[52]
A distração articular é uma opção de tratamento viável para pacientes selecionados com OAPTT e com mobilidade preservada do retropé.[53] A literatura atualmente não demonstra resultados superiores dessas modalidades em comparação a outros procedimentos de preservação articular.
Herrera-Perez et al demonstraram alguma diferença de resultados em estudo prospectivo randomizado comparativo entre desbridamento articular isolado e desbridamento associado a distração articular. Os autores observaram que os pacientes submetidos ao desbridamento isolado apresentaram maior nível de dor no seguimento de 3 anos em relação ao grupo dos procedimentos combinados. Ambas as opções de tratamento podem ajudar a retardar a necessidade de procedimentos de não preservação articular (artrodese ou artroplastia).[54]
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Osteotomias ao redor do tornozelo
Osteotomias ao redor do tornozelo
O papel das osteotomias supramaleolares é fundamentado no reequilíbrio das forças na articulação do tornozelo e tem como objetivos realinhar o retropé, transferir o eixo de sustentação articular para o compartimento com menor degeneração e normalizar a direção do vetor de força do tríceps sural para retardar a progressão da artrite na articulação do tornozelo.[56]
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Os princípios das osteotomias supramaleolares são:
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Localizar o ápice da deformidade: com frequência o vértice da deformidade está próximo à superfície articular ou mesmo dentro da articulação, situação na qual a correção através do vértice pode não ser possível. Correções realizadas fora do nível correto resultam em translação do fragmento distal. Assim temos que:
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OAs em cunhas proximais ao ápice levam à medialização da articulação do tornozelo quando o valgo for corrigido.
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OAs em cunhas proximais ao ápice levam à lateralização do tornozelo quando o varo for corrigido.
Nesses cenários, haverá manutenção da sobrecarga lateral nos tornozelos com OA em valgo e da sobrecarga medial nos tornozelos com OA em varo, sendo imperativa a translação compensatória adicional:
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Reconhecer o padrão articular: tipo congruente e tipo incongruente.
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Realizar os procedimentos adicionais quando necessários:
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correção do plano sagital
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ajuste do comprimento e orientação da fíbula distal
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balanço dos tecidos moles.
Autores observaram resultados animadores de médio prazo após osteotomias supramaleolares em pacientes com OAPTT em estágio intermediário, com alívio significativo da dor e melhora do escore funcional do retropé no escore AOFAS, sendo necessários muitas vezes outros procedimentos adicionais à osteotomia supramaleolar.[56]
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Estágio III. Artroplastia Total do Tornozelo - Opção terapêutica para abordagem da OA grave associada a dor diária de intensidade alta com elevada limitação funcional. Apresenta melhores resultados em pacientes com etiologia pós-traumática, com adequado estoque ósseo, alinhamento adequado dos membros inferiores ou assimetria leve, com estabilidade articular, faixa etária mais jovem e ausência de comorbidades sistêmicas graves. É possível indicar o procedimento para pacientes com OA grave sem o perfil descrito previamente, mas nesse cenário as taxas de complicações como infecção, deiscência, dor residual, amplitude de movimento reduzida e taxas de reoperação são elevadas.[59]
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São contraindicações absolutas à artroplastia total do tornozelo (ATT):
São contraindicações relativas:
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osteoporose grave
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má qualidade óssea
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diabetes mellitus
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tabagismo
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excesso de peso
A artroplastia de revisão em pacientes com falha ou desgaste dos componentes já submetidos à prótese de tornozelo é uma realidade, contudo é um procedimento cirúrgico tecnicamente exigente. Pacientes com pseudoartroses dolorosas ou consolidação viciosa de artrodeses constituem outra indicação específica para a substituição total do tornozelo.[59]
Os implantes mais modernos são sistemas de três componentes: um componente talar, um componente de base tibial e uma superfície articular tibial modular. Os avanços recentes relacionados ao desenho dos implantes proporcionam menor ressecção óssea, melhor fixação osso-implante e maior durabilidade dos componentes. As vias de acesso possíveis são via anterior ou lateral transfibular.[59]
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Os estudos com ATT revelam melhora clínica e dos escores de dor em até 64% dos casos. A ATT com o uso dos implantes mais modernos mostra taxas de sucesso de 70 a 90% em 10 anos. Idade, índice de massa corporal (IMC) e grau da deformidade pré-operatória não estão associados a maiores taxas de falha, porém pacientes com artrodese do retropé apresentaram risco significativamente maior de falha dos implantes ([Figura 1])[59]
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Fig. 1 Desenhos de próteses totais do tornozelo disponíveis no Brasil em incidências perfil (coluna superior) e anteroposterior (coluna inferior). ZENITH / Corin Group, TARIC / ImplanCast, INFINITY / Wrigth Medical, INBONE / Wrigth Medical.
Estágio IV. Artrodese - Principalmente indicada para pacientes com osteoartrite grave, na falha das opções anteriores, associada a elevada limitação funcional, secundária a qualquer etiologia, e em qualquer faixa etária.
A substituição total do tornozelo e a artrodese tibiotársica são as modalidades de tratamento para a osteoartrite do tornozelo em estágio terminal. Antigamente reconhecida como padrão-ouro, a artrodese do tornozelo estava indicada na grande maioria dos casos, devido aos resultados previsíveis e menores taxas de complicações. O desenvolvimento da ATT modificou esse algoritmo na tomada de decisão terapêutica, demonstrando, no mínimo, melhores resultados biomecânicos e funcionais similares. O aumento dos movimentos das articulações adjacentes no seguimento pós-artrodese, como forma de compensação biomecânica, ainda não é consenso, e uma degeneração articular progressiva nestas articulações pode ocorrer a médio e longo prazo.[63]
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São observadas quatro principais diferenças na função biomecânica da artroplastia em relação a artrodese:
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velocidade de caminhada mais rápida
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amplitude de movimento articular aumentada no plano sagital do antepé,
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movimento sagital aumentado do retropé
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maior flexão plantar do tornozelo
Para deformidades leves e moderadas, a via artroscópica ou “mini-open” são opções seguras, e para deformidades graves, as vias anterior e lateral transfibular são mais indicadas.[68]
As taxas de consolidação para as técnicas descritas variam de 72 a 93%, porém as taxas de não união em fumantes chegam a 54%.[69] As complicações mais frequentes são as deiscências de ferida, infecção superficial e neuroma; sendo necessários procedimentos de revisão em 7 a 9% dos casos, independente da técnica utilizada.[70]
Considerações Finais
A OA do tornozelo é uma situação clínica diferente das OAs do joelho e do quadril e tem como principal fator etiológico as lesões traumáticas. A identificação dos mecanismos moleculares e celulares que participam desta condição está em foco na literatura. Provavelmente, em um futuro breve, o uso de medicações intra-articulares e sistêmicas que modulem a resposta inflamatória articular terá um papel importante nos desfechos funcionais do tratamento das fraturas ao redor do tornozelo, evitando desfechos mais dramáticos para esta OA.
A faixa etária mais acometida é adulto jovem, o tratamento é estagiado e a decisão terapêutica é multifatorial. As opções cirúrgicas apresentam princípios bem definidos e resultados funcionais previsíveis. O uso de viscossuplementação com ácido hialurônico e triancionolona para o tratamento não cirúrgico da primeira fase da OA do tornozelo pode ser considerado.
O desbridamento articular associado ou não à distração representa uma opção segura para tratamento do estágio II da OA do tornozelo. Nas fases finais, a artroplastia total do tornozelo e a artrodese são os procedimentos mais apropriados e devem ser discutidos com o paciente a fim de ser tomada a melhor decisão terapêutica.