Palavras-chave cistos aracnóideos - traumatismos da medula espinhal - compressão da medula espinal
Introdução
Cistos aracnóides são raros, podem ocorrer em todos os níveis do saco dural, e sua
origem pode ser congênita, traumática, iatrogênica ou inflamatória.[1 ]
[2 ] Acredita-se que a formação do cisto ocorra por herniação da membrana aracnóide por
conta de falha na dura-máter. Os cistos traumáticos são ainda mais raros, e ocorrem
por traumas penetrantes, fraturas da coluna vertebral com lesões durais por fragmentos
ósseos, e lesões durais iatrogênicas no intraoperatório.[3 ] Os locais mais comuns do óstio do cisto são: o ponto de entrada da raiz dorsal no
saco dural ou na linha média.[1 ] A apresentação clínica pode variar desde casos assintomáticos até aqueles em que
os pacientes apresentam dor, fraqueza, parestesias e paralisia, por compressão neural
decorrente. A avaliação por exames de imagem inclui tomografia computadorizada (TC),
mielografia, e ressonância magnética (RM). Quando necessária, a intervenção cirúrgica
consiste no fechamento primário do defeito na dura-máter, mediante abordagem posterior,
com laminectomia e/ou costotransversectomia.[1 ]
Apesar de raros, os cistos aracnóides podem ser uma complicação de fraturas da coluna
vertebral, que são muito comuns na prática de ortopedistas e neurocirurgiões, que,
portanto, devem saber lidar eles.
Neste artigo, relatamos o caso de uma paciente com mielopatia torácica compressiva
decorrente de um cisto de aracnóide intradural incomum, de manifestação pós-traumática,
assim como sua resolução, além de realizar revisão da literatura sobre o tema.
Relato de Caso
Paciente do sexo feminino de 46 anos foi vítima de um acidente automobilístico havia
7 meses, com fratura por compressão da décima vértebra torácica do tipo B (A1) pela
classificação do grupo Arbeitsgemainchaft für Osteosynthesefragen (AO, Comunidade
de Trabalho para Problemas de Osteossíntese).[4 ] Na ocasião, foi realizado atendimento de urgência em outro hospital, e tratamento
conservador da fratura com órtese tóraco-lombar. Após três meses, a paciente iniciou
dificuldade de marcha com piora gradual, e, no último mês, evoluiu com paraparesia
espástica acentuada e incapacidade para deambular. Ao procurar nosso serviço ambulatorial,
a paciente apresentava força motora de grau III no membro inferior esquerdo e hipoestesia
distal ao dermátomo L1. Os reflexos tendíneos profundos estavam exacerbados, com sinal
de Babinski positivo e presença de clônus inesgotável. Os exames laboratoriais de
rotina estavam dentro dos limites de normalidade. Radiografias da coluna torácica
não evidenciaram alterações osteoarticulares agudas ou sequela da fratura. A RM evidenciou:
fratura antiga do corpo vertebral de T10 com preservação da anatomia do corpo; alargamento
do espaço entre os processos espinhosos de T9 e T10, sugerindo rotura ligamentar crônica;
alteração do sinal da medula espinhal no nível de T9, T10 e T11, compatível com mielomalácia;
e medula espinhal aderida posteriormente no nível de T7 a T9 e anteriormente de T9
a T12, associada a aracnoidite adesiva e cisto aracnóide ventral no canal vertebral
nos níveis descritos, que deslocava posteriormente a medula ([Figura 1 ]). A paciente foi submetida na mesma semana ao tratamento cirúrgico de descompressão
com acesso por via posterior, laminectomia e costotransversectomia à esquerda em T9
e T10 para acesso anterior ao canal vertebral. Foi então realizada durotomia anterolateral
com acesso direto ao cisto de aracnóide, drenagem e reparo do cisto, com náilon 5-0
e posterior estabilização, e artrodese com parafusos pediculares e hastes de T8 a
T11 ([Figuras 2 ], [3 ] e [4 ]). Não houve necessidade de órtese, e a reabilitação foi iniciada no primeiro dia
de pós-operatório. A paciente evoluiu com melhora gradual do déficit neurológico em
cerca de uma semana, e recuperação da força e da sensibilidade nos membros inferiores.
Após seis meses, ela apresentou ataxia residual, mas deambulava sem necessidade de
auxílio ou órtese. Não ocorreram complicações relacionadas ao sítio cirúrgico. Exames
de controle evidenciaram posicionamento e alinhamento adequados do segmento fusionado,
assim como consolidação óssea ([Figura 5 ]).
Fig. 1 Ressonância magnética, cortes sagitais, ponderada em T2, evidenciou: fratura antiga
do corpo vertebral de T10; alargamento do espaço entre os processos espinhosos de
T9 e T10, sugerindo rotura ligamentar crônica; alteração do sinal da medula espinhal
no nível de T9, T10 e T11, compatível com mielomalácia; e medula espinhal aderida
posteriormente no nível de T7 a T9 e anteriormente de T9 a T12, associada a aracnoidite
adesiva e cisto aracnóide nos níveis descritos. Nos cortes axiais, no nível de T9,
observamos a medula posteriorizada no canal vertebral e o cisto caracterizado pelo
hipersinal. As setas em branco demonstram os limites do cisto e a aderência medular
posterior.
Fig. 2 Laminectomia e costotransversectomia (setas em branco) após a inserção de parafusos
pediculares nos níveis de T8 e T11 para acesso ao cisto aracnóide e posterior estabilização.
Fig. 3 Imagem do microscópio demonstrando a durotomia e a drenagem do cisto nos níveis T9
e T10.
Fig. 4 Reparo do cisto aracnóide por meio de sutura primária com fios não absorvíveis de
náilon 5-0. Borda da durotomia de acesso ao cisto em destaque nas setas.
Fig. 5 Radiografias da coluna torácica, nas incidências posterolateral e de perfil, ao final
do procedimento, demonstrando posicionamento e alinhamento adequados dos parafusos
pediculares.
Discussão
Cistos aracnóides são raros, e mais rara ainda é a existência de mielopatia compressiva
associada.[2 ]
[5 ]
[6 ] Os relatos da sua existência passaram a surgir com o uso mais frequente da RM.[6 ] A maioria dos casos são de origem idiopática, e, muitas vezes, assintomáticos.[5 ] Entre as possíveis etiologias, os casos pós-traumáticos, como o apresentado neste
artigo, são raros. A prevalência ainda não é um dado disponível na literatura, provavelmente
por conta de os casos assintomáticos não despertarem interesse a ponto de serem publicados,
sendo relatados apenas aqueles com mielopatia associada.[7 ] A principal localização ocorre na coluna torácica, seguida das colunas lombar, lombossacra
e toracolombar.[8 ] Os cistos de origem traumática são causados por defeito da camada interna da dura-máter
após trauma.[5 ] Cistos ventrais podem causar fraqueza e mielopatia, enquanto os cistos dorsais,
dor neuropática e parestesia.[7 ] A diferença nos sintomas pode ser explicada porque as lesões ventrais podem produzir
compressão na distribuição da artéria espinhal anterior e, assim, causar fraqueza
ou mielopatia, enquanto os dorsais podem causar compressão local dos tratos espinhais,
e, portanto, radiculopatia e dor.[9 ] As recidivas podem ocorrer pela falha no tratamento da causa dos cistos; entretanto,
a frequência de recorrência ainda é desconhecida.[3 ] Os achados encontrados na mielografia e na TC são a compressão de estruturas adjacentes
pelo cisto e o local de comunicação do cisto com o saco dural. Na RM, nota-se o efeito
de massa das estruturas adjacentes e o hipersinal do fluido cerebroespinhal em imagens
ponderadas em T2.[1 ] A remoção radical dos cistos consiste no tratamento de escolha, mas, quando isso
não é possível, por limitações técnicas, a drenagem do cisto deve ser realizada.[4 ]
[6 ]
[7 ]
[8 ]
[9 ]
[10 ] A hemilaminectomia, com preservação do complexo ligamentar posterior, tem sido utilizada
na maioria dos casos relatados na literatura, sendo suficiente para a abordagem do
cisto, evitando complicações, como deformidade e instabilidade, e evitando a necessidade
de estabilização adicional. No presente caso, a laminectomia foi associada a costotransversectomia
em dois níveis devido à localização ventral do cisto e à necessidade de abordá-lo
sem deslocar a medula. Podem ser utilizados fios não absorvíveis, e, em casos de falhas
maiores, cobertura com gordura ou fáscia, substituto dural, ou selante de fibrina.[1 ]
[2 ]
[5 ] Na maioria dos relatos publicados, após a cirurgia, os pacientes evoluíram com melhora
total do déficit neurológico e da mielopatia encontrados no momento do diagnóstico.[1 ]
[3 ]
[7 ]
[9 ] Por se tratar de afecção rara, com poucas publicações, e de baixo nível de evidência,
existe uma limitação para a reprodução na prática clínica e a discussão de possibilidades
de tratamento.
Os cistos aracnóides são lesões raras, e podem produzir déficit neurológico por meio
de efeito de massa sobre a medula espinhal. A ressecção ou drenagem dos cistos na
vigência de mielopatia deve ser imediata, sendo o tratamento de escolha.