Palavras-chave deformidade do rádio - complicações fraturas do rádio - tomografia por raios x - impressão
tridimensional
Introdução
Fraturas do terço distal do rádio estão entre as mais comuns do corpo, atingindo até
75% das fraturas de antebraço.[1 ] Apresentam distribuição bimodal, acometendo jovens em sua maioria do sexo masculino
decorrente de trauma de alta energia por um lado, e por outro, pacientes > 65 anos,
predominantemente do sexo feminino, com trauma de baixa energia, decorrente da fragilidade
óssea-osteopenia.[1 ]
[2 ] Um estudo epidemiológico realizado na Suécia, com 11,2 milhões de habitantes, entre
os anos de 1999 a 2010, apontou incidência de 278 fraturas do terço distal do rádio
a cada 100.000 indivíduos, com razão entre os sexos de 3 mulheres para cada homem.[2 ] Em uma correlação com a cidade de São Paulo, com cerca de 12,2 milhões de habitantes,
teríamos > 41 mil fraturas no mesmo período; considerando-se que até 33% evoluam com
consolidação viciosa,[3 ]
[4 ] teríamos cerca de 13 mil pacientes, o que demonstra a importância de estudos para
promover a prevenção e o tratamento desta condição clínica.
Ainda não há consenso em relação à melhor forma de tratamento das fraturas do rádio
distal,[3 ] e embora as técnicas cirúrgicas e implantes tenham uma evolução constante, as complicações
com fraturas de rádio distal ainda persistem, sendo a artrose pós-traumática, a ruptura
tendínea, a compressão do nervo mediano e a consolidação viciosa as mais freqüentes.[3 ]
[4 ] A consolidação viciosa pode ocorrer em até 33% dos casos,[4 ] sendo mais comum nos casos tratados de forma não cirúrgica.
As consolidações viciosas do rádio distal podem acarretar limitações funcionais e
álgicas em diversos graus, segundo o tipo das deformidades. As deformidades angulares
determinam um movimento compensatório anormal na articulação mediocárpica que evolui
com instabilidade e consequente dor, limitação do movimento e artrose degenerativa
do punho. As deformidades com encurtamento do rádio podem levar a impacto ulnocarpal
e instabilidade da articulação radioulnar distal. Nas deformidades com degrau articular
há grande probabilidade de evolução com alterações degenerativas do punho. Knirk et
al.[5 ] avaliaram o resultado funcional após tratamento de rádio distal em adultos jovens,
e a congruência articular foi o fator crítico para o bom resultado funcional. Nos
casos em que não se observou degrau articular, artrose pós-traumática ocorreu em 11%
dos pacientes versus 91% em casos de não congruência articular.[5 ] Estas alterações funcionais acarretam limitação funcional que podem significar a
incapacidade laboral permanente do paciente.
As osteotomias corretivas para consolidação viciosa do rádio distal visam recuperar
a anatomia óssea normal com o objetivo de melhora funcional e alívio da dor, além
de prevenir a progressão de alterações degenerativas da articulação do punho. Muitas
técnicas de osteotomia corretiva estão descritas devido à ampla variabilidade de apresentação
das consolidações viciosas, porém o ponto comum para sua indicação é a presença de
dor e de limitação funcional do paciente somado à ausência de artrose avançada na
articulação radiocarpal, possibilitando um benefício clínico significativo com a correção
cirúrgica.[6 ]
A análise clínica e radiológica são fundamentais para o bom desfecho da correção das
deformidades, além das radiografias com incidências posteroanterior e lateral verdadeiro
do punho acometido e contralateral, o emprego da tomografia computadorizada (TC) é
essencial para avaliar o comprometimento articular e o planejamento cirúrgico, principalmente
nas consolidações viciosas com envolvimento da articulação.[7 ]
Recentemente, a TC com reconstrução 3D para execução de prototipagem em modelo tridimensional
utilizando o ácido polilático (PLA), permite o melhor entendimento da deformidade,
além de ser de grande valia para o planejamento cirúrgico.[6 ]
[7 ] O cuidadoso planejamento, que é realizado previamente ao procedimento cirúrgico
no modelo 3D em dimensões reais às do paciente, permite ao cirurgião validar o tipo
de implante a ser utilizado e prever as etapas e estratégias do procedimento cirúrgico.
Essa abordagem proporciona tempo cirúrgico reduzido, melhor escolha e o posicionamento
dos implantes, além de validar o local e a direção exatas da osteotomia necessária
para a correção da deformidade.[7 ]
[8 ] Há cerca de 2 anos, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP), foi implantado o laboratório de prototipagem com impressão em 3D,
o que permitiu que pudéssemos iniciar o desenvolvimento de estudos com utilização
desta técnica que vamos descrever a seguir.
Indicações e Contraindicações
Indicações e Contraindicações
A impressão 3D em modelo prototipado (PLA) da consolidação viciosa de rádio distal
durante o planejamento pré-operatório é recomendada para todas as cirurgias corretivas
de consolidação viciosa da porção distal do rádio devido à complexa distorção da anatomia
que a condição clínica apresenta. Esta estratégia permite o melhor entendimento tridimensional
e da real correção da deformidade em pacientes que apresentem deformidade anatômica
e limitação funcional significativa.
As osteotomias corretivas para consolidação viciosa do rádio distal estão contraindicadas
nos pacientes com baixa demanda de atividade diária, naqueles que tenham deformidade
anatômica leve e que apresentem pouca restrição funcional; bem como nos pacientes
com longa evolução da deformidade e que apresentem osteoartrite degenerativa radiocarpal.
Assim, nas deformidades com incongruência articular ou extra-articular de longa evolução,
recomendamos uma avaliação mais específica do grau de degeneração da cartilagem articular,
utilizando-se da ressonância nuclear magnética (RNM) ou da artroscopia de punho; em
vigência de degeneração articular grave, a correção com osteotomia está contraindicada.
Técnica Pré-Operatória
A TC bilateral dos punhos deve ser realizada com espaçamento entre os cortes de até
1mm de espessura. O arquivo gerado no formato e padronização Digital Imaging and Communications
in Medicine (DICOM, na sigla em inglês) é importado para um software de processamento
e reconstrução 3D de imagens médicas (InVesalius versão 3.1.1, Centro de Tecnologia
da Informação Renato Archer, Campinas, SP, Brasil). Este modelo tridimensional do
rádio distal é exportado como arquivo Standart Tessellation Language / STereo-Lithography
(STL, na sigla em inglês), e posteriormente o software Simplify3D (Simplify3D: Cincinnati,
Ohio, USA) traduz as informações contidas no arquivo .stl em instruções para a impressora
3D. O material usado para impressão 3D é o ácido polilático (PLA).
Após a confecção dos protótipos do rádio distal com a deformidade e do lado contralateral
normal, realizamos o planejamento da osteotomia corretiva de rádio distal. O posicionamento
da placa, comprimento dos parafusos e local da osteotomia devem ser avaliados com
o auxílio da fluoroscopia - arco em C, para a correta escolha de materiais para o
procedimento cirúrgico.
A realização da programação cirúrgica com reconstrução 3D e modelo prototipado em
PLA permite ao cirurgião o melhor entendimento da deformidade, planejar com perspectiva
real o local exato da osteotomia e determinar o melhor tipo e especificações dos implantes
a serem utilizados no procedimento cirúrgico. Deste modo, antecipa e otimiza as etapas
da operação, o que torna o procedimento mais seguro, ágil e a correção da deformidade
mais previsível. Este projeto de pesquisa foi analisado e aprovado pelo comitê de
ética sob o número 9253251119.
Casos Ilustrativos
Caso 1–Paciente feminina, 46 anos de idade, sequela de fratura da porção distal do
rádio esquerdo há 4 anos, tratada na ocasião com imobilização gessada, evolui com
quadro de dor e limitação de flexão do punho esquerdo. Radiografia posteroanterior
e perfil absoluto do punho esquerdo demonstrando consolidação viciosa ([Figura 1 ]). Prototipagem a partir da tomografia computadorizada com reconstrução 3D do rádio
distal bilateral permitiu o melhor entendimento da deformidade e planejamento cirúrgico
([Figura 2 ]).
Fig. 1 Radiografia posteroanterior (A) e perfil absoluto (B) do punho esquerdo demonstrando
consolidação viciosa com desvio dorsal, encurtamento do rádio e sequela com deformidade
da cabeça da ulna, associado a instabilidade cárpica adaptativa.
Fig. 2 Planejamento e cirurgia com prototipagem em modelo (PLA): colocação dos fios guia
para osteotomia no modelo (A,B) e controle por escopia da osteotomia do modelo (C,D),
prototipagem pós-osteotomia corretiva e fixação com placa dorsal (E,F). Imagens de
controle radiográfico pós-operatório (G,H).
Caso 2–Paciente masculino, 47 anos de idade, pós-tratamento não cirúrgico de fratura
da porção distal do rádio direito ocorrida há 4 meses. Nas radiografias do punho,
evidencia-se consolidação viciosa com perda da inclinação volar e alargamento da superfície
articular do rádio distal com degrau articular radiocarpal ([Figura 3 ]). De forma semelhante ao caso anterior, imprimiu-se modelo em ácido polilático de
ambos os rádios distais do paciente, onde foi esquematizado o ponto de osteotomia
e correção da deformidade ([Figuras 4 ] e [5 ]).
Fig. 3 Radiografias em posteroanterior (A) e perfil (B) da porção distal do rádio direito,
consolidação viciosa com degrau articular radiocarpal e perda da inclinação volar
normal do rádio.
Fig. 4 Vista dorsal: planejamento da osteotomia corretiva articular da porção distal do
rádio direito no modelo impresso (A), e imagem fluoroscópica pós-fixação da placa
dorsal bloqueada de rádio distal (B). Vista lateral: osteotomia articular da porção
distal do rádio e fixação com placa dorsal bloqueada no modelo impresso (C) e imagem
fluoroscópica com correção dos parâmetros radiográficos (D).
Fig. 5 Radiografia pós-operatória com 4 semanas de evolução, posteroanterior (A) e perfil
(B). Redução do degrau articular e do alargamento da superfície articular do rádio,
conforme realizado no planejamento pós-operatório em modelo PLA.
Discussão
No começo da década de 80, Charles Hull desenvolveu e conceitualizou a impressão em
3D, o que permitiu a criação de objetos a partir de deposição de materiais camada
a camada. Desde então, avanços têm sido feitos na impressão em 3D, resultando em modelos
com melhor resolução, produção mais rápida e a menor custo, além de ter permitido
variedade maior de materiais para impressão.[7 ]
O uso da prototipagem em 3D na cirurgia ortopédica permite o melhor entendimento tridimensional
da fratura ou consolidação viciosa. A possibilidade de visualizar e manipular os modelos,
que são fidedignos à anatomia do paciente, ajuda na programação cirúrgica e na tomada
de decisão intraoperatória.
Considerações Finais
Nos casos de consolidação viciosa da porção distal do rádio, a impressão do modelo
a partir da reconstrução em 3D da tomografia computadorizada auxilia o cirurgião na
correta escolha de implante, direção e local da osteotomia corretiva. Esse planejamento
pré-operatório poupa tempo cirúrgico, o que está associado a um menor índice de complicações
e resultado funcional mais favorável.