Palavras-chave ligamento cruzado anterior - medição da dor - analgesia - tratamento farmacológico
- artroscopia
Introdução
O alívio da dor pós-operatória continua a ser um dos principais desafios médicos.
Apesar dos grandes avanços na compreensão da fisiopatologia da dor aguda e do desenvolvimento
de novos medicamentos analgésicos e de técnicas de administração de fármacos, um número
significativo de pacientes continua a ter dor pós-operatória de difícil controle.[1 ]
Os anestésicos locais intra-articulares (IAs) são muitas vezes utilizados para a prevenção
da dor aguda após a cirurgia artroscópica do joelho; no entanto, a magnitude desta
dor varia de paciente para paciente. Em um esforço para encontrar o método ideal de
analgesia pós-operatória eficaz e de longa duração, muitos fármacos diferentes, incluindo
opioides, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), cetamina, clonidina e neostigmina,
foram adicionados às soluções anestésicas IAs,[2 ]
[3 ] não existindo consenso e padronização acerca das doses e de quais fármacos devam
ser utilizados.
A bupivacaína é frequentemente utilizada para analgesia IA por causa do seu período
ativo e eficácia. A sua eficácia, especialmente em administração única, foi estudada
porque seu efeito sobre a dor pós-operatória é conceitualmente simples.[4 ]
A maneira mais frequente de se avaliar a dor é por meio da Escala Visual Analógica
(EVA), um instrumento que tenta aferir uma característica ou atitude que se acredita
que varia ao longo de uma série contínua de valores, e que não pode ser facilmente
medida diretamente. Também é útil para analisar se o tratamento está sendo eficaz,
quais procedimentos têm surtido melhores resultados, assim como se há alguma deficiência
no tratamento de acordo com o grau de melhora ou piora da dor. A quantidade de dor
sentida pelo paciente varia ao longo de uma faixa que vai de nenhuma dor (zero) à
dor extrema (dez), conforme descrito por Wewers e Lowe.[5 ]
O objetivo primário deste trabalho foi avaliar, por meio da EVA, a dor pós-operatória
aguda nos pacientes submetidos a reconstrução do ligamento cruzado anterior (RLCA)
que receberam soluções anestésicas IAs e, secundariamente, descobrir qual solução
anestésica é mais eficaz no controle da dor, e observar em quais períodos a dor foi
mais bem controlada, bem como observar os efeitos adversos e a necessidade de analgesia
suplementar.
Métodos
Foi feito um ensaio clínico randomizado, triplo cego, em quatro grupos de pacientes
com diagnóstico de instabilidade crônica do joelho com indicação de tratamento cirúrgico,
cujo tamanho foi estimado em relação ao total de pacientes atendidos na instituição,
sendo de 3,33% ao mês. Foi estabelecido um nível de 95% de confiança, e uma precisão
(margem de erro) de 5%, no que resultou em uma amostra de 48 pacientes.
Na amostra, foram incluídos pacientes: com diagnóstico de instabilidade crônica do
joelho; maiores de 18 anos; com classificação do estado físico de acordo com a escala
da American Society of Anesthesiologists (ASA) I e II; sem doenças inflamatórias locais
e sistêmicas; com lesões isoladas do LCA (sem outros ligamentos), sem histórico de
fraturas ou cirurgias prévias na região do joelho; em cuja cirurgia foram utilizados
dos tendões flexores mediais como enxerto; e operados pelo pesquisador principal e
sua equipe. Como critérios de exclusão, consideraram-se: pacientes esqueleticamente
imaturos; lesões condrais maiores do que 2 cm2 ; procedimentos cirúrgicos associados, tais como osteotomias e outros ligamentos;
pacientes sem condições clínicas, hipertensos, com coagulopatias, grávidas; uso crônico
de anticoagulantes; uso de analgésicos até 24 h antes do procedimento cirúrgico; pacientes
que se recusaram a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE); pacientes
não operados na instituição; a não aceitação do anestesiologista em seguir o protocolo
do projeto; e aqueles pacientes que se autodeclararam indígenas.
Foi confeccionado um instrumento de coleta de dados próprio para esta pesquisa, e
se anotaram os dados pertinentes aos pacientes e à cirurgia, tais como: nome, peso,
idade e registro, data, o lado operado, o grupo ao qual o paciente pertencia (I, II,
III ou IV), o tempo de isquemia durante a cirurgia, e a frequência cardíaca (FC) e
a pressão arterial (PA) imediatamente ao término da cirurgia (T0), 6 horas após a
cirurgia (T1), 12 horas após a cirurgia (T2), 24 horas após a cirurgia (T3), e 48
horas após a cirurgia (T4). Foram descritos os possíveis efeitos adversos, bem como
a necessidade de analgesia suplementar. A EVA colorida com os respectivos horários
da coleta dos dados foi adicionada. Lesões associadas (meniscais e condrais) foram
anotadas, da mesma forma que o diâmetro dos túneis ósseos no fêmur e na tíbia para
a reconstrução ligamentar.
As diretrizes dos Padrões Consolidados para o Relato de Ensaios Clínicos (Consolidated
Standards of Reporting Trials, CONSORT) foram seguidas para a realização do presente
estudo.[6 ]
Os pacientes foram alocados seguindo o resultado da randomização; foi solicitada a
autorização de internação hospitalar para que os pacientes fossem encaminhados à cirurgia
conforme a vaga e a fila de espera dos pacientes.
Utilizando-se o software livre disponível no website www.randomization.com , foram distribuídos aleatoriamente 48 pacientes em 12 blocos de 4 grupos iguais,
em que cada grupo recebeu uma solução IA no joelho conforme a alocação de acordo com
o que se segue ([Figura 1 ]):
Grupo I (n = 12): 20 ml de solução fisiológica (SF) a 0,9% (controle);
Grupo II (n = 12): 20 ml de bupivacaína a 0,5%;
Grupo III (n = 12): 20 ml de bupivacaína a 0,5% + 0,1 mg de epinefrina; e
Grupo IV (n = 12): 20 ml de SF a 0,9% + 0,1 mg de epinefrina.
Fig. 1 Fluxograma CONSORT.
Um dos fatores que provocam a dor no pós-operatório imediato é a distensão capsular
pelo sangramento; então, teorizou-se que, diminuindo o sangramento, poderia haver
diminuição da dor, e, por esse motivo, os pacientes dos grupos III e IV receberam
a epinefrina associada ou isolada.
O preparo da solução sempre foi realizado por um membro auxiliar da pesquisa (médico
residente de anestesiologia, que não tinha contato com o paciente antes e após cirurgia)
cerca de 20 minutos antes do término da cirurgia, por comunicação direta do autor
pesquisador. O cirurgião não tinha conhecimento do conteúdo das soluções a serem injetadas.
Os pacientes foram anestesiados por meio de bloqueio subaracnoide com bupivacaína
hiperbárica a 0,5% (dose de 15 a 20 mg) associada a 20 mcg de fentanil, e não foram
administradas outras modalidades de analgesia multimodal, a fim de controlar o máximo
possível as variáveis relativas à dor e à analgesia no período pós-operatório.
Todas as cirurgias foram realizadas pela via artroscópica, com acesso articular por
meio dos portais anterolateral (AL) alto e anteromedial (AM), sendo os túneis femoral
e tibial perfurados na posição anatômica, no centro da cicatriz do LCA prévio, via
transportal AM para passagem do enxerto e sua posterior fixação. Em todos os pacientes,
a reconatrução do LCA foi feita com o uso dos tendões dos músculos flexores mediais
do joelho – semitendíneo (ST) e grácil (G) ipsilaterais –, coletados mediante incisão
sobre a pata de ganso no terço proximal da perna, com aproximadamente 3 cm de comprimento,
antes da artroscopia propriamente dita; as lesões meniscais eram tratadas por meniscectomia
parcial ou subtotal.
Após a confecção das suturas da pele, as soluções foram injetadas no joelho pelo portal
AL, de acordo com a alocação dos grupos. Terminadas as suturas e o com curativo compressivo
confeccionado, o torniquete pneumático era desinsuflado.
A intensidade da dor foi avaliada pela EVA ([Figura 2 ]), sendo o estímulo doloroso causado pela flexão do joelho a 45° repetido por três
vezes, e medido com o auxílio do goniômetro em T0, T1, T2, T3 e T4, por um médico
que não tinha conhecimento dos grupos estudados. A necessidade de complementação analgésica
foi anotada no instrumento de coleta de dados: com AINEs por via intravenosa (IV;
40 mg de tenoxicam 1 vez ao dia), com opioides (50 mg de tramadol de 6 em 6 horas,
e 10 mg de morfina em solução IV lenta até de 4 em 4 horas).
Fig. 2 Escala Visual Analógica da dor.
Durante a internação, os pacientes receberam analgesia com dipirona na dose de 1 g
IV, a intervalos de 4 horas de maneira sistemática, realizaram tromboprofilaxia com
40 mg de enoxaparina sódica 1 vez ao dia, pela via subcutânea por 10 dias, e crioterapia
foi aplicada na região anterior do joelho por 20 minutos de 4 em 4 horas. A deambulação
precoce e a movimentação foram estimuladas e realizadas conforme a tolerância individual,
com auxílio de fisioterapeuta. Os pacientes, caso as condições clínicas permitissem,
recebiam alta hospitalar, o que ocorria geralmente após 48h do procedimento cirúrgico,
sendo neste período coletados os últimos dados da pesquisa, pois esta é a rotina do
serviço.
Após o estímulo doloroso, foram anotadas a FC e a PA. Também foram anotados os efeitos
adversos sistêmicos das soluções e medicamentos, tais como sudorese, tremores, náuseas
e vômitos, hipotensão, prurido, retenção urinária com necessidade de sondagem de alívio,
taquicardia ou bradicardia, erupção cutânea e cefaleia, se porventura ocorressem.
Foi realizada a distribuição de frequência absoluta (n) e relativa (%) dos dados enumerados
(atributos ou dados nominais) e a estatística descritiva dos dados quantitativos (grandezas
específicas ou variáveis). Para as comparações entre as amostras de parâmetros nominais,
utilizou-se o teste do Qui-quadrado, ou, na impossibilidade de seu uso, o teste exato
de Fisher. Realizou-se uma análise descritiva dos dados, e os resultados foram apresentados
em tabelas de contingência (atributos) ou de estatística (grandezas), com distribuição
de frequência, gráficos e medidas descritivas. Para avaliar a influência da analgesia
IA entre os grupos, realizou-se a análise de variância (analysis of variance , ANOVA). Para a tomada de decisão em todas as relações entre as variáveis e os testes
de hipóteses, adotou-se o nível de significância de 5% (p = 0,05).
Neste estudo, foi utilizada a técnica ANOVA. Para a comparação entre as médias, utilizou-se
o teste de Tukey. Foi incluído o teste de Kruskal-Wallis, um método não paramétrico
usado para testar se um conjunto de amostras provém da mesma distribuição, sendo uma
extensão do Teste de Mann-Whitney para mais de duas amostras.
Os dados foram tabulados em planilhas do Programa Microsoft Excel 2016 (Microsoft
Corp., Redmond, WA, EUA), e analisados pelo programa estatístico Minitab (Minitab,
LLC, State College, PA, EUA), versão 14.1.
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição, com o
número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética – CAAE: 50651315.8.0000.0007,
e recebeu o parecer consubstanciado com o número 1.774.789 em 13 de outubro de 2016,
e foi também aprovado no Clinical Trials, com o registro RBR – 7PCKQT. Todos os pacientes
que porventura concordassem participar da pesquisa assinavam o TCLE.
Resultados
Dos pacientes analisados, 36 (75,0%) eram do gênero masculino, e 12 (25,0%), do gênero
feminino. A idade variou entre 18 e 54 anos, com média de 31 ± 10 anos (desvio padrão,
DP). Os pacientes da amostra selecionada tinham idade mediana de 33 anos. Em relação
à lateralidade dos joelhos, 18 pacientes (37,5%) foram submetidos a cirurgia do joelho
esquerdo, e 30 (62,5%), foram submetidos a cirurgia do joelho direito. O tempo de
isquemia variou entre 75 e 120 minutos, com tempo médio de 102,02 ± 15,02 minutos
([Tabela 1 ]).
Tabela 1
CARACTERÍSTICAS
FREQUÊNCIA (n = 48)
%
Lado
Esquerdo
18
37,5
Direito
30
62,5
Tempo de Isquemia (min)
75 a 85
9
18,8
86 a 96
6
12,5
97 a 107
16
33,3
108 a 118
11
22,9
> 118
6
12,5
Túnel
Sete
6
12,5
Oito
34
70,8
Nove
8
16,7
Lesões
Presente
31
64,6
Ausente
17
35,4
Tipo de Lesão
(n = 38)
Lesão associada
1
2,6
Lesão condral troclear
1
2,6
Sequela de fratura na espinha tibial
1
2,6
Menisco lateral
14
36,8
Menisco lateral
21
55,3
Havia presença de lesões associadas em 31 (64,6%) pacientes, e ausência dessas lesões
em 17 (35,4%) pacientes. Nesses 31 pacientes, foram encontradas 38 lesões, incluindo
uma lesão condral troclear e uma lesão condral (lesão associada) no côndilo femoral
medial, sendo a lesão do menisco medial a mais frequente entre as observadas ([Tabela 1 ]).
A dor pós-operatória foi avaliada pela EVA, e está descrita na [Tabela 2 ].
Tabela 2
TEMPO
GRUPO
n
MÉDIA
Desvio padrão
MÍNIMO
MEDIANA
MÁXIMO
Pós-operatório imediato (T0)
I
12
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
II
12
0,3
0,9
0,0
0,0
3,0
III
12
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
IV
12
0,1
0,3
0,0
0,0
1,0
06 horas de pós-operatório (T1)
I
12
5,1
1,2
3,0
5,5
6,0
II
12
3,1
2,1
1,0
2,0
8,0
III
12
2,4
2,2
0,0
1,0
6,0
IV
12
4,8
2,4
2,0
4,5
9,0
12 horas de pós-operatório (T2)
I
12
4,4
2,5
0,0
6,0
7,0
II
12
3,6
2,5
0,0
3,0
7,0
III
12
2,8
1,7
0,0
2,5
5,0
IV
12
5,3
2,3
1,0
5,5
9,0
24 horas de pós-operatório (T3)
I
12
4,3
2,6
0,0
5,0
7,0
II
12
3,3
2,1
0,0
3,0
7,0
III
12
2,6
2,3
0,0
2,0
7,0
IV
12
4,8
2,5
1,0
4,5
9,0
48 horas de pós-operatório (T4)
I
12
3,6
2,4
0,0
4,5
7,0
II
12
2,8
1,9
0,0
2,5
6,0
III
12
2,7
2,8
0,0
2,5
8,0
IV
12
3,8
2,5
0,0
3,5
7,0
Observando apenas os períodos de tempo na classificação da EVA dos pacientes avaliados,
tem-se que, no pós-operatório imediato (T0), 47 (97,9%) pacientes estavam com dor
leve, e 01 (2,1%), com dor moderada. No momento T1, 18 (37,5%) pacientes estavam com
dor leve, 27 (56,3%), com dor moderada, e 03 (6,3%), com dor intensa. No momento T2,
15 (31,3%) pacientes estavam com dor leve, 31 (64,6%), com dor moderada, e 2 (4,2%),
com dor intensa. No momento T3, 16 (33,3%) pacientes estavam com dor leve, 30 (62,5%),
com dor moderada, e 02 (4,2%), com dor intensa. E, no momento T4, 20 (41,7%) pacientes
estavam com dor leve, 27 (56,3%), com dor moderada, e 01, (2,1%), com dor intensa.
Considerando um nível de 5% de significância, verificou-se, pela ANOVA de Kruskal-Wallis,
que as soluções anestésicas IAs de cada grupo influenciaram na avaliação da dor desses
pacientes (p = 0,003) ([Tabela 3 ]).
Tabela 3
GRUPO
n
MEDIANA
RANK
Valor de p
I
12
4,50
133,6
0,003
II
12
2,00
112,5
III
12
1,50
97,1
IV
12
4,00
138,8
Observou-se que a ANOVA da dor dos pacientes sofreu forte influência tanto da analgesia
IA estabelecida em cada grupo (p < 0,0001) quanto do intervalo de tempo fixado na análise experimental (p < 0,0001). Na interação do tempo com a analgesia IA estabelecida nos grupos, não
houve diferenças significativas (p < 0,286) ([Tabela 4 ]).
Tabela 4
CAUSA DA VARIAÇÃO
GRAUS DE LIBERDADE
SOMA DOS QUADRADOS
QUADRADO MÉDIO
Valor de p
Tempo[1 ]
4
17,23
17,2333
0,000
Grupo[2 ]
3
4,37
4,3667
0,000
Tempo versus grupo
12
3,30
3,3
0,286
Resíduo
220
50,50
50,5
TOTAL
239
75,40
Para encontrar o momento que mais causou a variabilidade da dor dos pacientes, foi
realizada a análise das comparações múltiplas pelo teste de Tukey. Desse modo, observou-se
que a variabilidade maior ocorreu entre o T0 e todos os outros momentos do experimento
(p < 0,0001).
Ao realizar as comparações múltiplas das médias de dor entre os grupos, observou-se
que houve diferenças significativas entre as médias de dor do Grupo I em comparação
com o Grupo III (p = 0,014), e entre as médias do Grupo II com o Grupo IV (p = 0,042). Ocorreu ainda diferença significativa entre as médias do Grupo III com
o Grupo IV (p = 0,001) ([Tabela 5 ]).
Tabela 5
Tukey
GRUPO
MODELO PADRÃO
Valor de p
INTERVALO DE CONFIANÇA DE 95%
Limite inferior
Limite superior
Grupo I
Grupo II
0,088
0,323
−0,08
0,38
Grupo III
0,088
0,014
0,04
0,49
Grupo IV
0,088
0,779
−0,31
0,14
Grupo II
Grupo I
0,088
0,323
−0,38
0,08
Grupo III
0,088
0,547
−0,11
0,34
Grupo IV
0,088
0,042
−0,46
−0,01
Grupo III
Grupo I
0,088
0,014
−0,49
−0,04
Grupo II
0,088
0,547
−0,34
0,11
Grupo IV
0,088
0,001
−0,58
−0,12
Grupo IV
Grupo I
0,088
0,779
−0,14
0,31
Grupo II
0,088
0,042
0,01
0,46
Grupo III
0,088
0,001
0,12
0,58
Quanto aos efeitos adversos, encontrou-se a sua presença em 2 (4,2%) pacientes, e
nos 46 (95,8%) restantes não houve ocorrência de efeitos. Dos 2 pacientes que tiveram
efeitos adversos, um era do Grupo I e teve náuseas, e o outro era do Grupo 3 e teve
cefaleia.
Quanto à utilização da analgesia coadjuvante, 7 pacientes (14,6%) fizeram uso desse
tipo de analgesia complementar, sendo que 6 fizeram uso de opioides, e 1 fez uso de
opioides e anti-inflamatório. Os outros 41 pacientes (85,4%) não necessitaram de analgesia
adicional.
Para comprovar que a analgesia coadjuvante não havia se tornado um fator de confundimento
experimental, verificou-se se havia relação entre o uso das soluções IAs e o uso de
analgesia coadjuvante. Sendo assim, concluiu-se que, pelo teste do Qui-Quadrado de
Pearson, no nível de 5% de significância, não houve relação significativa entre as
soluções e o uso da analgesia complementar (p = 0,606) ([Tabela 6 ]).
Tabela 6
GRUPO
USO DE ANALGESIA COADJUVANTE
Total
Sim
%
Não
%
I
3
25,0
9
75,0
12
II
1
8,3
11
91,7
12
III
1
8,3
11
91,7
12
IV
2
16,7
10
83,3
12
TOTAL
7
14,6
41
85,4
48
Discussão
O sucesso de qualquer intervenção médica deve ser julgado, inclusive de acordo com
as percepções dos pacientes, em relação aos benefícios obtidos com o tratamento, seja
ele conservador ou cirúrgico. A busca de uma analgesia ideal para uso após artroscopia
nas RLCAs tornou-se cada vez mais importante com um maior número de cirurgias sendo
realizadas.
A RLCA é associada com dor pós-operatória significativa, conforme demonstrado neste
trabalho, o que pode limitar a possibilidade de realizar este procedimento em pacientes
ambulatoriais (alta hospitalar no mesmo dia – day hospital ). Em nosso serviço, a cirurgia ainda é realizada com internação tradicional, e a
alta hospitalar é dada com 24 a 48 horas, devido ao inadequado controle da dor e até
por motivos culturais. Muitos serviços, inclusive no Brasil, realizam este procedimento
ambulatorialmente, e, nos Estados Unidos, cirurgias mais complexas, como próteses
totais de joelho e quadril, têm sido realizadas em regime ambulatorial num grupo específico
de pacientes, o que demonstra o sucesso no controle da dor no pós-operatório. Alguns
dos nossos pacientes, inclusive, apresentam dor pós-operatória de intensidade 9, medida
pela EVA, e todos receberam alta em 48 horas após a cirurgia. Dificuldades na adaptação
dos métodos comuns de tratamento da dor pós-operatória em pacientes hospitalizados
para pacientes ambulatoriais resultaram em um manejo inadequado da dor após a cirurgia,
e, neste estudo, mesmo nos pacientes nos quais foi realizada a infiltração IA de bupivacaína,
houve casos em que se atingiu o nível de dor 8, pela EVA, após 48 horas do procedimento,
o que revela a necessidade de um controle álgico satisfatório.
A RLCA é considerada um procedimento altamente bem-sucedido no campo da medicina desportiva;
no entanto, o manejo da dor pós-operatória nessas cirurgias ainda não foi bem alcançado
de forma adequada. Apesar de o nível da dor em geral que ocorre após a RLCA não ter
sido associado com dor intolerável, a cirurgia pode levar a considerável desconforto
durante o período pós-operatório imediato. Além disso, relatou-se que uma dor significativa
após o procedimento cirúrgico teve um efeito negativo sobre a evolução e causou a
insatisfação do paciente,[7 ] sendo estes dados corroborados no nosso trabalho, no qual a necessidade de analgesia
suplementar foi mínima, mas, no Grupo II (bupivacaína a 0,5% isolada), houve pacientes
com nível de dor até 8 medido pela EVA.
Osborne e Keene[8 ] não conseguiram provar a eficácia do uso de bupivacaína a 0,5% associada ou não
com 0,2 mg de epinefrina, quando comparado ao uso de placebo. É provável que os fatores
pré-operatórios, tais como o desconforto, a tolerância à dor aguda ou crônica, e patologias
de quaisquer natureza sejam os determinantes mais importantes na dor pós-operatória,
ou seja, o status pré-operatório do joelho é o melhor preditor da evolução pós-operatória.
No entanto, essas variáveis não foram analisadas no presente estudo, apesar de ele
ter desenho e resultados semelhantes ao do estudo citado.
Existem relatos[9 ] que evidenciam que a adição de morfina e cetorolaco à ropivacaína IA aumenta a eficácia
analgésica do anestésico local, reduz o consumo de analgésicos após a alta hospitalar,
e melhora alguns aspectos das atividades da vida diária (incapacidade de dormir por
causa da dor, apetite, concentração, necessidade de assistência, capacidade de caminhar
em terreno plano sem dor, capacidade de ir para o trabalho) sem aumentar os efeitos
colaterais após a cirurgia. Como não havia disponibilidade de cetorolaco e ropivacaína
na instituição onde o presente trabalho foi realizado, eles não foram utilizados,
e a morfina IV era administrada em caso de dor intensa e insuportável, ou com EVA > 6.
Não foi objeto da nossa pesquisa verificar a quantidade de analgésicos consumidos
após a alta hospitalar; os desfechos foram verificados até 48 horas após a cirurgia.
Uma variável impactante nas injeções IAs é o uso de epinefrina.[10 ] Seu uso também tem sido recomendado para prevenir a toxicidade do anestésico local.
A bupivacaína IA é injetada ao final do procedimento, e se habilita como um bom analgésico;
além disso, a sua ação sistêmica carece de maiores efeitos adversos. Isso foi bem
demonstrado neste estudo, no qual a analgesia nas primeiras 12 horas foi superior
no grupo III (bupivacaína e epinefrina), que tinha níveis de EVA inferiores em relação
aos outros grupos.
Neste estudo, o tramadol foi utilizado por via IV apenas em caso de dor moderada (EVA > 5),
diferentemente do que foi relatado no estudo de Zeidan et al.,[11 ] no qual a mistura IA de 100 mg de tramadol com bupivacaína a 0,25% diminuiu a pontuação
na EVA, com melhor analgesia pós-operatória do que a produzida por injeção IA de um
ou outro medicamentos isolados. Esta solução também esteve associada com a recuperação
mais rápida da deambulação sem apoio e com a alta hospitalar mais precoce. O tramadol
foi prescrito para cinco pacientes, mas não o associamos à uma diminuição da percepção
da EVA.
Kristensen et al.[12 ] mostram que a analgesia com infiltração local com ropivacaína e epinefrina e o bloqueio
do nervo femoral (BNF) são semelhantes na gestão da dor pós-operatória após a RLCA
com enxerto dos tendões flexores mediais do joelho. Até estudos randomizados investigarem
o BNF combinado com a infiltração no sítio doador, os autores recomendam a analgesia
com infiltração local na RLCA com enxerto dos isquiotibiais mediais do joelho.
No presente trabalho, houve necessidade de analgesia suplementar em apenas 7 pacientes
(14,1%), o que demonstra que a analgesia IA é útil na redução da incapacidade dos
pacientes no pós-operatório. Ela previne o aparecimento da dor, e ajuda a evitar a
necessidade de drogas adicionais. Normalmente, é possível atingir uma boa analgesia
no pós-operatório imediato com a administração (IV, oral) de drogas analgésicas. No
entanto, essas substâncias nem sempre atingem o objetivo por serem inespecíficas,
e podem trazer consigo muitos efeitos colaterais, tais como lesões gástricas agudas.
A combinação de 150 mg de ropivacaína com 30 mg de cetorolaco injetados IA ao final
da cirurgia artroscópica do joelho aumenta a eficácia analgésica dos anestésicos locais
sem aumentar os efeitos colaterais; além disso, houve mais efeito sedativo neste grupo
de 7 pacientes.[13 ] Na presente investigação, a presença de efeitos adversos foi verificada em apenas
dois pacientes e esses efeitos foram considerados leves (cefaleia e náusea), não sendo
verificada nenhuma correlação com os grupos ou medicamentos estudados.
No estudo de Jazayeri et al.,[14 ] o efeito analgésico pós-operatório da injeção IA de morfina e tramadol após pequenas
cirurgias artroscópicas no joelho foi máximo 6 horas após a injeção. Os efeitos analgésicos
observados na avaliação da presente pesquisa foram mais bem observados nas primeiras
6 horas, sem o inconveniente dos efeitos adversos dos opioides; portanto, o controle
da dor foi mais eficiente nas primeiras 12 horas, principalmente nas primeiras 6 horas.
Os anestésicos locais que contêm epinefrina podem causar condrotoxicidade significativa
em condrócitos humanos em modelos in vitro . A epinefrina isolada, a uma concentração de 1:100.000 e 1:200.000, não teve nenhum
efeito sobre a viabilidade dos condrócitos, bem como o conservante utilizado: metilparabeno.[15 ] Por isso, optamos por utilizar a epinefrina em concentração de 1:200.000.
A administração IA de bupivacaína e/ou morfina não teve efeito analgésico forte o
suficiente para explicar seu uso frequente em pacientes submetidos a RLCA, com enxerto
de tendões flexores, sob anestesia raquidiana,[16 ] apesar da tendência a menos dor em todos os momentos do grupo III (bupivacaína e
morfina), o índice de dor pela EVA foi baixo em todos os grupos e momentos; a dor
foi controlada com medicações mais simples e de baixo custo. Os nossos resultados
mostraram maior eficácia analgésica com a solução de bupivacaína isolada e a combinada
de bupivacaína e epinefrina, quando comparadas com placebo (SF).
Observamos menores valores da EVA em todos os momentos estudados do Grupo III, principalmente
nas primeiras 24 horas após a cirurgia, diferente do relatado (em outra referência
nacional) por Souza et al.,[17 ] que não encontraram diferenças na analgesia pós-operatória quando utilizados a morfina,
a bupivacaína, o fentanil e o SF IA para cirurgia artroscópica do joelho sob anestesia
subaracnóidea, na maioria dos períodos investigados (imediatamente após a cirurgia
e de 6 em 6 horas até as 24 horas). Na sexta hora após a cirurgia, o grupo do fentanil
apresentou intensidade da dor significativamente menor, e o grupo da morfina necessitou
de mais complementação analgésica.
Na literatura, a utilização de anestesia subaracnóide para RLCA foi associada a náuseas
e vômitos pós-operatórios, e a profilaxia combinada com dexametasona e perfenazina
foi associada com menos efeitos adversos em pacientes que foram anestesiados desta
maneira.[18 ] No presente estudo, as náuseas (01 paciente) não foram achado frequente, e não se
observaram casos de vômitos. De acordo com a técnica anestésica, todos recebem dexametasona
na indução, com o intuito de evitar tais complicações.
No presente estudo, não houve correlação entre o aumento do consumo de opiodes e os
efeitos colaterais das drogas utilizadas e a natureza do grupo estudado. Dal et al.[19 ] observaram redução da dor pós-operatória e consumo adequado de drogas analgésicas
com o emprego de cetamina IA, da bupivacaína, ou a utilização de neostigmina. Esses
autores não observaram quaisquer efeitos secundários psicomiméticos, particularmente
aqueles observados com doses mais elevadas ou o uso sistêmico, e a administração IA
de cetamina promoveu analgesia duradoura e eficaz, semelhante à neostigmina, mas menos
eficaz do que a bupivacaína após a artroscopia do joelho, sem quaisquer efeitos adversos.
Todos os grupos que receberam as soluções, fossem elas combinadas ou não, mostraram
diminuição nas pontuações de dor aferidas pela EVA, sendo os resultados semelhantes
(apesar do desenho e do uso de drogas diferentes) aos de um estudo clínico prospectivo,
randomizado e duplo-cego;[20 ] isso sugere que, na artroscopia do joelho, as injeções analgésicas combinadas consistindo
de morfina, bupivacaína, epinefrina e bupivacaína associada à epinefrina resultaram
em menores níveis de dor e diminuição do consumo de narcóticos na sala de recuperação
anestésica, com diferenças estatisticamente significativas quando comparadas com epinefrina
sozinha. Estes resultados foram independentes do momento da injeção, fosse ela pré-
ou pós-operatória.
O uso das soluções no Grupo III permitiu um controle analgésico satisfatório em pacientes
submetidos a RLCA com anestesia raquidiana. No Brasil, o bloqueio espinhal é de prática
corriqueira, e a alta hospitalar é dada habitualmente no dia seguinte ou com 48 horas,
como no presente trabalho. A literatura internacional é abundante em descrições de
analgesia em pacientes submetidos a RLCA com anestesia geral e BNF com alta hospitalar
frequentemente no mesmo dia. Em pacientes submetidos a artroscopia do joelho e não
a RLCA, em que o estímulo doloroso é maior, e sob anestesia espinhal, Eroglu et al.[21 ] verificaram níveis de dor menores com a associação de 5 mg de morfina e 20 ml de
bupivacaína IA a 0,25%, quando comparados à administração placebo (SF).
Mesmo quando comparamos no presente estudo a bupivacaína isolada (Grupo II) com placebo
e até a epinefrina isolada (Grupo IV), verificamos uma analgesia superior, com achados
semelhantes aos de Wei et al.,[22 ] o que demonstra que uma dose única IA de bupivacaína evidenciou ser significativamente
melhor do que o placebo no alívio da dor após a cirurgia artroscópica do joelho. Mais
ensaios clínicos randomizados e controlados, de alta qualidade e com longo tempo de
seguimento, são altamente necessários para determinar a segurança da dose única de
bupivacaína. Mesmo assim, a utilização rotineira da dose única IA de bupivacaína é
uma forma eficaz de controlar a dor após a cirurgia artroscópica do joelho. Em suma,
não se pode chegar à conclusão de que uma dose única IA de bupivacaína é tóxica ou
segura clinicamente.
Recentemente, Zhou et al.,[23 ] em uma metanálise, concluíram que uma dose única de ropivacaína IA administrada
ao final da cirurgia artroscópica do joelho proporciona alívio eficaz da dor nos períodos
pós-operatório imediato e precoce, sem aumentar os efeitos colaterais de curto prazo.
Como não dispúnhamos da ropivacaína, lançamos mão da bupivacaína, que tem mecanismo
de ação semelhante, e chegamos a resultados de analgesia similares.
Iwasaki et al.[24 ] demonstraram não haver fortes evidências de que a injeção IA de bupivacaína induza
alterações degenerativas na cartilagem articular, sem diferenças na viabilidade celular,
densidade celular ou pontuações de avaliação da cartilagem; portanto, os resultados
podem se aplicar às articulações normais e osteoartríticas.
Esta pesquisa apresenta algumas limitações. O tempo decorrido entre a lesão e a cirurgia
não foi levado em consideração, pois o status pré-operatório do joelho pode modificar
a percepção da dor pelos pacientes, e, quanto maior o tempo decorrido da lesão, pior
o joelho estará. Não se determinou se os pacientes continuaram com o mesmo nível de
atividade. A coleta de dados, com o objetivo de captar com mais sensibilidade o padrão
de dor, poderia ter sido feita com intervalos mais curtos. A dor poderia ter sido
estratificada por gênero e idade, a fim de se coletarem informações mais precisas
sobre esse assunto, mais isso fugiria dos objetivos assinalados. Também existem outras
escalas de aferição da dor, mas, pela facilidade de adoção e compreensão por parte
dos pacientes, foi adotada a EVA. O status mental dos pacientes também pode modificar
a percepção dolorosa, mas não foi objetivo deste estudo. Com toda a polêmica em torno
do uso de anestésicos locais IA, no tocante à condrotoxidade, esta só poderia ser
verificada com um seguimento longo e mediante estudo histológico nos pacientes, que
teriam de ser submetidos a novo procedimento cirúrgico. O fato de coexistirem outras
lesões IA (meniscal e condral, que envolvem a tróclea e o côndilo femoral medial)
pode proporcionar um fator a mais na gênese da dor, além da RLCA per se , mas também não foi observada uma relação entre os grupos estudados e lesões associadas.
O sítio doador do enxerto é potencial fonte de dor, sendo sugestão para trabalhos
posteriores. Os efeitos sistêmicos adversos dos medicamentos foram anotados pelo corpo
de enfermagem, e podem ter sido subnotificados. O uso da analgesia coadjuvante pode
causar confundimento, pois a dor pode melhorar tanto pela solução quanto pela analgesia,
ocasionando um viés de confusão. Existem outras potenciais maneiras de controle da
dor, tais como BNF e bloqueio do canal do adutor, mas esses procedimentos não são
realizados rotineiramente no nosso serviço.
Conclusão
De acordo com os achados do presente estudo, concluiu-se que a epinefrina não acrescenta
benefício na redução do processo de dor pós-operatória; independente da presença do
anestésico IA, o controle da dor é melhor em períodos mais curtos do pós-operatório
(até 12 horas); a presença ou não de epinefrina e/ou bupivacaína no espaço IA não
induz a presença de efeitos adversos sistêmicos; não houve diferença quantitativa
na utilização adjuvante pós-operatória de analgésicos/anti-inflamatórios entre os
grupos estudados; e não houve correlação entre efeitos sistêmicos de medicações analgésicas/anti-inflamatórias
adjuvantes empregadas e os grupos estudados.