Palavras-chave
bursite - impacto no ombro - dor em ombro - vacinas contra influenza
Introdução
A dor no ombro é um achado comum no ambiente de atenção primária; sua prevalência nos Estados Unidos é de 6,7% a 26%.[1]
[2] Após o estabelecimento do Vaccine Adverse Event Reporting System (VAERS; Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas dos Estados Unidos) em 1990, relatos de sintomas prolongados no ombro após vacinações foram documentados.[3]
[4] O Injection-Related Work Group (Grupo de Trabalho de Eventos Relacionados à Injeção) do Ministério da Saúde e Serviços Humanos e da Health Resources and Services Administration dos Centers for Disease Control dos Estados Unidos publicaram o Institute of Medicine Report de 2011, que gerou o documento Proposals for Updates to the Vaccine Injury Table (Propostas para Atualizações da Tabela de Lesões Vacinais). Este relatório sugere que a lesão em ombro relacionada à administração de vacinas (SIRVA, do inglês shoulder injury related to vaccine administration) se aplica quando o indivíduo imunizado, previamente sem dor ou disfunção do ombro, apresenta, até 48 horas após a vacinação, dor no ombro com limitação da amplitude de movimento.[5]
A SIRVA representa uma série complexa de lesões com início dos sintomas, tratamentos e desfechos relatados; foi adicionada à Vaccine Injury Compensation Table (Tabela de Compensação de Lesões Vacinais) publicada pela Health Resources and Services Administration.[6] As estruturas supostamente acometidas são o manguito rotador, labrum, cápsula, bursa e músculo deltoide, com diagnósticos de bursite, rupturas do manguito rotador, capsulite adesiva, lesão condral, lesão nervosa e infecção.[7]
[8]
[9]
[10]
[11]
[12]
[13]
[14]
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[25]
[26]
[27]
[28]
[29]
[30]
[31]
[32]
[33] O mecanismo mais comumente proposto é a penetração excessiva do músculo deltoide, que causa uma lesão mecânica e/ou imunemediada em resposta vacina e/ou adjuvantes; esses eventos são frequentemente relacionados a erros na técnica de injeção.[7]
[8]
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[10]
[11]
[12]
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[27]
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[29]
[30]
[31]
[32]
[33] Assim, o desfecho primário desta revisão foi a identificação de características únicas de SIRVA e os resultados clínicos. O desfecho secundário foi a avaliação do mecanismo proposto de lesão em relação às etiologias mais comumente sugeridas para a SIRVA (comprimento da agulha, técnica de vacinação e resposta autoimune).[7]
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[11]
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[22]
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[24]
[25]
[26]
[27]
[28]
[29]
[30]
[31]
[32]
[33] A hipótese é a identificação de achados diagnósticos únicos e a demonstração de desfechos clínicos passíveis de generalização, além de uma análise crítica dos fatores associados ao mecanismo proposto que dará orientações para evitar novas lesões em ombro.
Métodos
Uma revisão sistemática nos bancos de dados PubMed e Ovid MEDLINE foi realizada em 1 de fevereiro de 2020. Os termos de pesquisa “ombro” e “vacinação” foram utilizados em combinação. Os resultados da pesquisa foram obtidos de acordo com as orientações de Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses
[34] (PRISMA) e uma lista de verificação PRISMA foi usada para análise desses resultados. Além disso, todas as citações presentes nos artigos foram verificadas. Estudos de nível I a V, publicados em inglês, foram considerados de acordo com os critérios de inclusão[35] e quaisquer desfechos clínicos, incluindo, mas não se limitando a, diagnósticos de dor, redução da amplitude de movimento, infecção, lesão tendínea e lesão condral. Os critérios de exclusão foram estudos biomecânicos, artigos não relacionados a seres humanos, publicações em idioma que não o inglês, artigos de revisão sem novos casos relatados ou eventos tumorais após a vacinação.[36]
Resultados
Setenta e cinco estudos foram identificados ([Fig. 1]). Após a seleção dos estudos sobre vacinação do ombro em humanos, restaram 44 artigos. Depois da exclusão daqueles não escritos em inglês, ficaram 39. A identificação de estudos cadavéricos, biomecânicos, incompletos ou sem dados clínicos excluiu outras 12 publicações. Os 27 artigos restantes foram analisados e revistos com cuidado.
Fig. 1 Demonstração do processo de realização da revisão sistemática.
No total, 56 relatos de dor, lesão ou infecção no ombro após a vacinação foram identificados. Os dados que mostram o tipo de vacinação, o tempo até o início dos sintomas, a duração do quadro clínico e a idade do paciente são mostrados na [Tabela 1]. A faixa etária foi de 21 meses a 90 anos. A vacina mais comumente implicada foi influenza, representando 61% (34/56) dos casos. A segunda vacina mais relatada foi a vacina pneumocócica polivalente (PPV), com 14% (8/56) dos casos. O início exato dos sintomas não foi relatado em cinco casos, mas, em três deles, ocorreu em até 2 semanas após a vacinação. Nos 51 casos restantes, o início da dor ocorreu em 2 dias (48 horas) ou menos em 84% dos casos (43/51). A duração do quadro clínico não foi relatada em 38% (21/56) dos casos. Nos demais artigos, a duração do quadro clínico foi de 3 semanas ou menos em 63% (22/35) dos casos. Os achados clínicos, tratamentos e desfechos relatados são demonstrados na [Tabela 2]. Os métodos de tratamento clínico foram relatados em todos os casos, exceto dois. As duas modalidades de tratamento mais comuns foram a fisioterapia, em 41% (22/54) dos casos, e a injeção de corticosteroide (CSI), em 33% (18/54). Doze (22%) casos foram submetidos ao tratamento cirúrgico. Os desfechos clínicos de acompanhamento não foram relatados em 12 (21%) casos. Dentre os relatos de desfechos clínicos, 30% (13/44) dos casos apresentavam persistência dos sintomas além do período de acompanhamento. Nove dos 12 casos faziam parte de uma série em que a duração do quadro clínico até o tratamento não foi relatada.[7] Os restantes 70% (31/44) dos relatos citaram melhora de funções e/ou sintomas.
Tabela 1
AUTOR
|
Tempo de Aparecimento
|
Duração do Quadro Clínico
|
N
|
Vacinação
|
Idade
|
Barnes et al.
|
< 24 horas
|
3 semanas
|
1
|
Influenza
|
22
|
Shaikh et al.
|
< 1 semana
|
1 mês
|
1
|
Influenza
|
46
|
Messerschmitt et al.
|
< 24 horas
|
3 semanas
|
1
|
Influenza
|
46
|
Floyd et al.
|
< 24 horas
|
3 dias
|
1
|
PPV
|
59
|
Kuether et al.
|
< 24 horas
|
4 semanas
|
1
|
Influenza
|
48
|
Terreri et al.
|
Desconhecido
|
1 semana
|
1
|
BCG
|
21 meses
|
Bodor et al.
|
2 dias
|
5 meses
2 meses
|
2
|
PPV e Influenza
|
71 e 89
|
Cross et al.
|
< 24 horas
|
3 dias
|
2
|
PPV e dTpa
|
82 e 23
|
Saleh et al.
|
< 24 horas
|
6 semanas
3 meses
2 anos
|
3
|
PPV e 2 Influenza
|
67, 30, 69
|
Hexter et al.
|
< 24 horas
|
Imediata
|
1
|
Influenza
|
50
|
Salmon et al.
|
< 24 horas
|
2 dias
|
1
|
Revaxis®
|
26
|
Okur et al.
|
< 24 horas: 1/4
Desconhecido: 3/4
|
1-2 semana: 3/4
2 meses: 1/4
|
4
|
Todas Influenza
|
66, 59, 39, 36
|
Cook et al.
|
< 24 horas
|
3 dias
|
1
|
Influenza
|
76
|
Arias et al.
|
< 24 horas: 3/8
< 1 semana: 3/8
1-2 meses: 2/8
|
Desconhecida
|
8
|
6/8 Influenza
1/8 PPV
1/8 Difteria, Toxoide tetânico
|
22–89
|
Anasoff et al.
|
< 24 horas: 12/13
4 dias: 1/13
|
Desconhecida
|
13
|
8 Influenza, 2 Td, 2 Tdap, 1 HPV
|
22–83
|
Degreef I e Debeer P
|
< 24 horas: 2/3
< 1 semana: 1/3
|
2 meses 2/3
6 meses 1/3
|
3
|
Hepatite A, Influenza, Tétano
|
36, 54, 73
|
McColgan BP e Borschke FA
|
< 24 horas
|
< 24 horas
|
1
|
PPV
|
73
|
Bathia NA e Stitik T
|
< 24 horas
|
3 semanas
|
1
|
Influenza
|
34
|
Shafer B e Burroughs K
|
< 24 horas
|
3 semanas
|
1
|
Influenza
|
25
|
Uchida et al.
|
< 24 horas
|
3 semanas
|
1
|
HPV
|
45
|
DeRogatis et al.
|
< 24 horas
|
1 semana
|
1
|
PPV
|
90
|
Jotwani et al.
|
< 24 horas
|
2 semanas
|
1
|
Influenza
|
61
|
Imran et al.
|
< 24 horas
|
Desconhecida
|
1
|
Influenza
|
73
|
Meirelles et al.
|
< 24 horas
|
1 dia
|
1
|
Influenza, Difteria, Tétano
|
67
|
Erickson et al.
|
Desconhecido
|
2 semanas
|
1
|
Influenza
|
51
|
Shahbaz et al.
|
< 24 horas
|
1 hour
|
1
|
Influenza
|
34
|
Macomb et al.
|
< 24 horas
|
< 24 horas
4 dias
|
2
|
PPV, Zoster
|
69, 84
|
Tabela 2
AUTOR
|
Achados
|
Tratamento
|
Desfecho
|
Barnes et al.
|
Dor no ombro, perda de ADM
|
FT
|
Melhora da dor em 11 semanas
Resolução dos sintomas em 16 meses
|
Shaikh et al.
|
EMG – desnervação axonal do deltoide e do supraespinhoso
|
Prednisolona oral
|
Resolução da dor, mas persistência de fraqueza “branda” em 8 meses
|
Messerschmitt et al.
|
Dor no ombro, perda de ADM, lesão de cartilagem
|
Cirurgia - hemiartroplastia
|
Resolução da dor e dos sintomas em 3 anos
|
Floyd et al.
|
Dor no ombro, perda de ADM
|
Cirurgia – debridamento artroscópico
|
Resolução da dor e dos sintomas em 12 semanas
|
Kuether et al.
|
Dor no ombro, osteonecrose da cabeça do úmero
|
FT, AINEs orais
|
Resolução da dor e dos sintomas em 6 meses
|
Terreri et al.
|
Dor no ombro, febre, osteíte
|
Antibióticos
|
Melhora dos sintomas 19 dias após antibióticos
|
Bodor et al.
|
Dor no ombro, perda de ADM, tendinite
|
FT e CSI
|
Resolução da dor e dos sintomas em 5 e 6 meses
|
Cross et al.
|
Dor no ombro em ambos, marcadores de infecção em um paciente
|
1) Cirurgia – Debridamento
2) FT e CSI
|
Resolução da dor e dos sintomas em 1 mês após a cirurgia e 3 meses após FT e CSI
|
Saleh et al.
|
Todos os 3 apresentavam dor no ombro e perda de ADM
|
FT 3/3
CSI 2/3
|
Resolução da dor e dos sintomas em 50 dias em um paciente, desconhecida no segundo e nula no terceiro paciente
|
Hexter et al.
|
Dor no ombro
|
Debridamento cirúrgico
|
Resolução da dor e dos sintomas
|
Salmon et al.
|
Dor e efusão no ombro
|
AINEs e CSI
|
Resolução da dor e dos sintomas em 5 meses
|
Okur et al.
|
Dor no ombro
|
AINEs ¾
Sem tratamento 1/4
|
Resolução da dor e dos sintomas em 5 meses, 33 dias, 5,5 meses, 2 anos e 2,5 anos
|
Cook et al.
|
Dor no ombro
|
CSI
|
Resolução da dor e dos sintomas em 1 meses
|
Arias et al.
|
Dor no ombro
|
Desconhecido
|
Desconhecido
|
Anasoff et al.
|
Dor no ombro: 13/13
Perda de ADM: 11/13
Fraqueza: 4/13
|
AINEs: 8/13
CSI: 8/13
FT: 6/13
Cirurgia: 4/13
|
Recuperação completa 4/13
Sintomas residuais: 9/13
Sintomas por pelo menos 6 meses 13/13
|
Degreef I e Debeer P
|
Todos os três apresentavam dor no ombro e perda de ADM
|
CSI: 1/3
FT: 3/3
|
Resolução da dor e dos sintomas em 1 mês, 6 semanas e 3 meses
|
McColgan BP e Borschke FA
|
Dor e aumento de volume no ombro
|
|
Melhora 2 semanas após a cirurgia
|
Bathia NA e Stitik T
|
Dor no ombro
|
Desconhecido
|
Desconhecido
|
Shafer B e Burroughs K
|
Dor no ombro e perda de ADM
|
Desconhecido
|
Desconhecido
|
Uchida et al.
|
Dor no ombro
|
Cirurgia – debridamento artroscópico
|
Resolução da dor e dos sintomas 1 ano após a cirurgia
|
DeRogatis et al.
|
Dor e infecção no ombro
|
Debridamento cirúrgico
|
Melhora 2 semanas após a cirurgia
|
Jotwani et al.
|
Dor no ombro
|
CSI
|
Melhora, mas sem relato do tempo transcorrido
|
Imran et al.
|
Dor no ombro e fraqueza
|
FT
|
Limitações da ADM às 6 semanas de acompanhamento
|
Meirelles et al
|
Dor no ombro e fraqueza
|
FT
|
Recuperação significativa em 1 ano, retorno da sensibilidade e função em 31 meses
|
Erickson et al
|
Dor no ombro
|
FT e CSI
Debridamento cirúrgico
|
Resolução da dor e dos sintomas em 1 ano
|
Shahbaz et al.
|
Dor no ombro e perda de ADM
|
FT e AINEs
|
Melhora em 8 meses, mas persistência da dor
|
Macomb et al.
|
Dor no ombro e perda de ADM
|
AINEs, FT, CSI
|
Resolução da dor e dos sintomas em 1 mês
|
Discussão
A coleta de dados sobre a disfunção de ombro relacionada à vacinação é recente, com apenas 56 relatos publicados. De acordo com a Tabela de Lesões Vacinais,[6] os sintomas devem começar até 48 horas após a vacinação. Esta revisão demonstrou que 84% das publicações que relatam o tempo até o início da sintomatologia de fato atenderam aos critérios de 48 horas ou menos, sugerindo que parte da literatura não se enquadra na descrição de SIRVA da Tabela de Lesões Vacinais. Além disso, esse tempo até o início dos sintomas foi variável. Diversos casos foram relatados mais de três meses após a vacinação; o tempo mais longo relatado foi de 2 anos.[14]
[16]
[21]
[22]
[29] Vários estudos também citaram patologias como rupturas do manguito rotador e muitos casos ocorreram em pessoas com mais de 60 anos de idade. Diversos artigos mostraram que achados de ressonância magnética, como rupturas do manguito rotador, podem ser observados em indivíduos assintomáticos, com 50% de progressão a lacerações sintomáticas em um período médio de 2,8 anos.[7]
[37]
[38]
[39] Assim, tempos maiores para desenvolvimento de sintomas, combinados à possível presença de doenças subjacentes, não permitem a demonstração de uma tendência; no entanto, a maioria dos estudos está em conformidade com a definição de menos de 48 horas.
Os achados mais comuns ao exame físico foram condizentes com o impacto e perda de amplitude de movimento do ombro. Apesar disso, não houve um único achado no exame físico que caracterizasse a SIRVA. Também não houve correlação clara entre um tipo de vacina e a gravidade do quadro clínico ou a duração dos sintomas. O tempo antes do início do tratamento foi variável. Esses tratamentos incluíram fisioterapia, injeções de corticosteroides, medicamentos anti-inflamatórios e/ou intervenções cirúrgicas. Os pacientes que começaram o tratamento médico específico nas primeiras 3 semanas de dor tenderam a apresentar resultados bons a excelentes, à exceção dos pacientes com lesão nervosa ou necessitaram de cirurgia. Os pacientes com lesão nervosa apresentaram sintomas persistentes e a progressão dos casos cirúrgicos foi mais longa. No entanto, a recuperação também foi excelente em muitos dos casos submetidos ao tratamento cirúrgico. De modo geral, isso demonstra que não houve um achado de exame físico específico em pacientes com SIRVA, mas, em indivíduos sem lesão neurológica, a recuperação quase completa ou total é o resultado mais comum. Além disso, os pacientes que começaram o tratamento dentro de 3 semanas do início dos sintomas geralmente tiveram bons resultados.
A análise de imagens de ressonância magnética (RM) demonstrou uma tendência.[8]
[10]
[12]
[13]
[21]
[24]
[26]
[32] Salmon et al.[8] descreve uma RM realizada dois dias após a vacinação que revela derrame glenoumeral, bursite subacromial, bursite subdeltoide e bursite subescapular. Uma RM magnética subsequente, 5 meses depois, revelou a regressão do derrame articular e a diminuição da bursite. Kuether et al.[13] mostrou uma primeira RM com derrames menores na bursa subacromial e subdeltoide. As RMs subsequentes, obtidas aos 4 meses e 12 meses, demonstraram diminuição da bursite. Barnes et al.[10] observaram derrame na bolsa subacromial em uma RM obtida 8 semanas após a vacinação. Uchida et al.[26] também relataram bursite subacromial à RM após a vacinação. Atanasoff revisou 13 casos submetidos à RM e 69% deles apresentaram coleções de fluidos na bursa ou tendinite do manguito rotador. Portanto, os primeiros achados à RM após um evento de SIRVA são correlacionados a alterações inflamatórias, como aumento de fluido, bursite e tendinite, mas os exames realizados meses depois podem não ser um método preciso de avaliação.
Como desfecho secundário desta revisão, o mecanismo associado à SIRVA foi avaliado. Sugere-se que esse mecanismo esteja relacionado à penetração excessiva do músculo deltoide, em que a agulha provoca uma lesão mecânica e/ou há desenvolvimento de uma resposta imune ao material injetado. Uma possível causa é a utilização de uma agulha longa. As diretrizes dos Centers for Disease Control and Prevention recomendam uma agulha de 1 polegada (2,5 cm) em pacientes de todas as categorias, exceto duas.[40] A primeira categoria se refere a mulheres com mais de 200 libras (cerca de 91 kg) e homens com mais de 260 libras (118 kg), nos quais uma agulha de 1,5 polegadas (3,8 cm) é recomendada. A segunda categoria se refere a neonatos, nos quais se recomenda o uso de agulha de 5/8 polegada (1,6 cm).[38] Poland et al.[41] avaliaram a espessura da gordura deltoide por ultrassonografia e sugeriram agulhas de 1 polegada para homens, mas estratificaram a recomendação em mulheres como agulhas de 5/8 polegadas naquelas com menos de 60 kg, agulhas de 1 polegada naquelas com 60 a 90 kg e agulhas de 1,5 polegada naquelas com mais de 90 kg. Um estudo semelhante foi realizado por Lippert et al.,[42] usando 250 séries de imagens, mas enfocando a penetração excessiva. Este estudo sugeriu que a penetração excessiva da agulha teria ocorrido em 11% dos pacientes com uma agulha de 5/8 polegadas, 55% dos pacientes com uma agulha de 7/8 polegadas e 61% dos pacientes com uma agulha de 1 polegada. Esses autores sugeriram uma escala de peso que poderia eliminar as taxas de penetração excessiva, mas com um risco de 10% de penetração insuficiente. Cook et al.[43] discutiram a importância de compreender o índice de massa corporal (IMC), demonstrando que, em todos os homens e mulheres com IMC inferior a 35, uma agulha de 25 mm de comprimento poderia ser utilizada com segurança; em mulheres com IMC superior a 35, no entanto, uma agulha de 32 mm seria necessária para penetração adequada. Atanasoff et al.[7] examinaram 13 pacientes com dor persistente no ombro sem histórico de lesão local e indicaram a possível correlação entre SIRVA e o tamanho da agulha. De modo geral, esses estudos demonstraram que o uso de um único tamanho de agulha não é adequado, o que foi apoiado por análises de outros autores.[44] Assim, é concebível que a penetração excessiva possa ocorrer em indivíduos com menor peso ou IMC, agulhas mais longas ou com combinação de maior comprimento da agulha e menor peso corporal/IMC. O comprimento apropriado da agulha, porém, deve diminuir significativamente o risco de penetração excessiva.
A técnica de vacinação também é comumente discutida. Muitos casos de SIRVA relatam a vacinação “muito alta” (menos de 3 cm da borda lateral do acrômio).[7]
[8]
[12]
[14]
[15]
[19]
[20]
[26] Em um artigo, a bursa de dois indivíduos foi medida, demonstrando sua extensão de 3,5 cm a partir do acrômio em uma paciente do sexo feminino e 4 cm em um paciente do sexo masculino.[14] Beals et al.[45] examinaram a bursa de 17 ombros de cadáveres. Os autores observaram que a distância média do canto anterolateral do acrômio à cortina bursal posterior era de 2,8 cm e que as margens da bursa estavam sempre a 2 cm ou mais do canto anterolateral da superfície acromial da bursa. A realização mais distal da injeção pode impedir a ocorrência de lesões na bursa. Nos Estados Unidos, as recomendações técnicas de injeção sugerem sua realização 2 a 3 dedos (2 polegadas ou 5 cm) abaixo do acrômio e declara que “para não causar lesão, a injeção não deve ser muito alta (perto do processo do acrômio) ou muito baixa”;[46] no entanto, o posicionamento excessivamente distal aumenta o risco de lesão no nervo axilar. Meirelles et al.[30] relataram o caso de um homem de 67 anos que foi vacinado e imediatamente referiu dor e disfunção. Um estudo de condução nervosa revelou comprometimento do nervo axilar e a função só foi normalizada aos 31 meses. Imran et al.[29] descreveram o caso de um homem de 73 anos com dor aguda após a vacinação. O exame físico e o exame muscular manual demonstraram deficiência funcional do deltoide e os autores sugeriram a lesão direta do nervo axilar como causa. Este paciente foi acompanhado por 6 semanas e apresentou melhora da função do ombro, mas déficits contínuos de amplitude de movimento. Assim, as vacinações no ombro com penetração excessiva são associadas ao risco de lesão da bursa em caso de localização superior e risco de lesão do nervo axilar em caso de localização inferior.
Por fim, a penetração da agulha além do músculo deltoide também gera o risco de injeção de vacina nos tecidos do ombro. A existência de uma resposta imune ao material injetado foi proposta por vários autores.[7]
[8]
[12]
[13] Dumonde e Glynn[47] demonstraram a capacidade de causar uma reação intra-articular em um modelo animal.[48]
[49] Jasin[50] também utilizou um modelo em coelhos para análise do mecanismo de aprisionamento de imunecomplexos em tecidos colagenosos das articulações e descobriu que isso dependia da presença de anticorpos no espaço extravascular e da difusão de antígenos ou complexos solúveis neste espaço. Trollmo et al.[51] avaliaram o sangue periférico de seis adultos saudáveis antes e 14 dias após a exposição ao antígeno. Esses autores demonstraram que o antígeno do vírus da influenza induz uma forte resposta sistêmica de anticorpos, mas não detectaram nenhuma diferença significativa no nível sistêmico observado após a injeção no espaço intra-articular em comparação à administração subcutânea.
A literatura traz diversos relatos de suspeita de reação inflamatória. Anasoff et al.[7] sugeriu que uma injeção no espaço subacromial poderia causar uma reação. Salmon et al.[8] descreveram um evento após a vacinação com demonstração de reação óssea à RM. Kuether et al.[13] relataram uma mulher de 48 anos com sinais de osteonecrose na cabeça do úmero à RM imediatamente, 4 meses e 12 meses após a vacinação. Os autores afirmaram que uma relação causal direta não podia ser confirmada, mas propuseram uma resposta imune à injeção como possível etiologia da osteonecrose. Messerschmitt et al.[12] discutiram o caso de um homem de 46 anos com dor no ombro imediatamente após a vacinação. O paciente foi levado para a cirurgia e as biópsias obtidas apresentavam células inflamatórias e tecido de granulação.
Embora a capacidade de causar uma resposta imune tenha sido indicada por dados obtidos em animais, ainda não há um estudo clínico definitivo que demonstre a associação quantitativa entre um antígeno e/ou adjuvante vacinal e uma inflamação imunemediada no ombro como causa de sintomatologia clínica prolongada. Isso é corroborado pelas declarações ao final de vários relatos de SIRVA. Kuether et al.[13] afirmaram diversas vezes que o estabelecimento de um vínculo causal não era possível. Messerschmitt et al.[12] sugeriram não terem certeza se as alterações condrolíticas eram anteriores ao evento. Uchida et at.[26] foram além e afirmaram que as consequências da técnica de injeção inadequada não são conhecidas e que as amostras de biópsia obtidas 7 meses após a vacinação não puderam fornecer evidências conclusivas. Além disso, os diagnósticos, a duração e o tratamento dos casos relatados nesta revisão são heterogêneos, assim como os tipos de vacinas administradas. Dessa forma, os casos relatados não deram suporte quantitativo para uma resposta imune.
Conclusão
De modo geral, esta revisão demonstrou que, em pacientes sem lesão neurológica, a recuperação total ou quase completa é o resultado mais comum. Nenhuma característica exclusiva observada durante o exame físico foi identificada, mas a utilização precoce de RM pode ajudar o diagnóstico, demonstrando aumento do sinal de fluido e bursite. Por causa da heterogeneidade dos tratamentos instituídos, fisioterapia, CSI, AINEs ou cirurgia não podem ser recomendados de forma individual. Ao invés disso, o tratamento da patologia resultante deve ser recomendado conforme diretrizes baseadas em evidências para cada diagnóstico. Como os pacientes tratados em até 3 semanas após o início dos sintomas tendem a apresentar bons resultados, é possível recomendar que todos os pacientes com dor no ombro por mais de 14 dias após a vacinação procurem atenção médica imediata. Em relação ao comprimento da agulha, uma escala baseada em peso/IMC deve ser utilizada e as técnicas de vacinação devem evitar localizações superiores ao mesmo tempo em que minimizam o risco de lesão do nervo axilar. Por fim, ainda não se sabe se a lesão no ombro relacionada à administração da vacina, ou SIRVA, é um evento único. Aparentemente, para que SIRVA continue a ser termo descritivo, esses eventos teriam que ser exclusivos às vacinações e não simplesmente algo que pode acontecer em qualquer injeção com penetração excessiva da agulha. Portanto, mais dados são necessários para distinguir uma lesão mecânica de uma resposta imune.