Palavras-chave
fosfatase alcalina - crianças - hormônio da paratireoide - fraturas do rádio - vitamina D
Introdução
As fraturas da extremidade distal do rádio são um dos tipos mais comuns de fratura, com uma incidência de 25% na população pediátrica.[1] Com a puberdade, a incidência dessas fraturas parece aumentar, com um pico entre 8 e 11 anos em meninas, e entre 11 e 14 anos em meninos.[2] Embora a causa exata não tenha sido descoberta, a incidência de fratura distal do rádio sofreu um aumento constante nos últimos 40 anos.[2]
[3] Vários estudos foram realizados para se descobrir a origem do aumento das taxas, e tem-se tentado elucidar cuidadosamente os fatores potenciais. O aumento geral na participação em atividades esportivas, o gênero, as diferenças étnicas e raciais, e o estado nutricional são alguns dos fatores que têm sido investigados na literatura relacionados à ocorrência de fratura distal do rádio na população pediátrica.[4]
[5]
Os efeitos positivos da vitamina D na densidade óssea e a associação entre deficiência de vitamina D e baixa densidade óssea foram estabelecidos após diversos estudos.[4]
[5]
[6] A baixa ingestão dietética de minerais, como cálcio, magnésio e fosfato, também causa diminuição da densidade mineral óssea e aumento do risco de fratura osteoporótica.[7]
[8]
[9] Osteoporose primária ou secundária causada por várias doenças crônicas subjacentes pode levar a baixos níveis séricos de minerais e vitamina D na população pediátrica, assim como a um aumento no risco de fratura pediátrica.[10]
[11] Embora haja consenso na literatura sobre a correlação direta entre baixo consumo mineral dietético ou baixos níveis séricos de vitamina D e fraturas osteoporóticas em adultos, não há dados adequados para se estabelecer qualquer correlação entre os níveis séricos de vitamina D e minerais e fraturas isoladas da extremidade distal do rádio em crianças. Por isso, buscamos comparar os níveis séricos de vitamina D e de minerais de crianças com e sem essas fraturas.
Materiais e Métodos
Este estudo clínico prospectivo foi realizado com a aprovação do Conselho de Revisão Institucional (número de aprovação: 19/12/2017-2427), e em consonância com os princípios éticos da Declaração de Helsinque. Após a aprovação, foi obtido consentimento livre e esclarecido dos responsáveis de todos os participantes.
Os critérios de inclusão foram: crianças com idade entre 5 e 15 anos, com histórico socioeconômico semelhante, sem desnutrição ou histórico de desnutrição, necessitando examinar a densidade mineral óssea, com exposição adequada à luz solar, saudáveis além da fratura da extremidade distal do rádio após trauma leve, sem histórico de cirurgia de extremidade superior, e sem doenças neurológicas. Os critérios de exclusão foram: pacientes com fraturas de ulna simultâneas, com histórico de trauma grave, com distúrbios de mineralização (osteopenia, osteogênese imperfeita etc.), sob tratamento com esteroides, e aqueles com alguma doença crônica ou paralisia cerebral.
No total, 50 crianças que deram entrada em nossa unidade de emergência entre fevereiro e maio de 2018 com fratura isolada da extremidade distal do rádio ([Fig. 1]) foram incluídas no grupo de estudo (grupo A), e 50 crianças saudáveis, sem histórico de fraturas, foram incluídas como grupo controle (grupo B). Os oacientes do Grupo B foram recrutados aleatoriamente em ambulatórios pediátricos; eles tinham infecção do trato respiratório superior, ou estavam sendo submetidos a exames de rotina.
Fig. 1 Radiografias anteroposterior e lateral da fratura isolada da extremidade distal do rádio.
Foram incluídas as seguintes características dos pacientes da amostra: idade (anos), distribuição de gênero, altura (cm), peso (kg), e índice de massa corporal (IMC: kg/m2). Foram obtidas e analisadas amostras de sangue venoso periférico para medições de 25-hidroxivitamina D (25(OH)D), cálcio (Ca), magnésio (Mg), fósforo (P), fosfatase alcalina (FA) e hormônio da paratireoide (HPTH).
Análise Estatística
O programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão 22.0 para Windows 7, foi utilizado para todas as análises estatísticas. Os dados foram apresentados na forma de meédias com desvios padrão, medianas, mínima, máxima, frequências e taxas. As distribuições de dados paramétricos foram analisadas com o auxílio do teste t de Student e do teste U de Mann-Whitney para dados não paramétricos. O teste do qui-quadrado foi empregado para comparar as taxas entre os dois grupos. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Resultados
O estudo foi composto por 100 pacientes, sendo 50 do grupo controle e 50 grupo de estudo. Todos os pacientes do grupo de estudo tiveram fratura isolada da extremidade distal do rádio, e os do grupo controle não tinham histórico de fratura.
A média de idade, altura, peso, IMC e distribuição de gênero foram semelhantes em ambos os grupos ([Tabela 1]). Além disso, não havia pacientes obesos (IMC > 30) em nenhum dos grupos. Não houve diferenças estatísticas nas análises sanguíneas, incluindo Ca, Mg, P, FA e HPT ([Tabela 2]). No entanto, os níveis séricos de 25(OH)D foram estatisticamente menores no grupo A do que no grupo B (p < 0,001), e o número de pacientes com insuficiência de 25(OH)D foi estatisticamente maior no grupo A do que no grupo B (p = 0,012).
Tabela 1
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Grupo A (n = 50)
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Grupo B (n = 50)
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Valor de p
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Idade (anos)
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8,3 ± 2,8 (5–15)
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7,9 ± 3,4 (5–15)
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0,352
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Sexo (feminino); n (%)
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18 (36.0)
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16 (32.0)
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0,765
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Altura (cm)
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118,8 ± 22,3 (90–165)
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116,4 ± 24,9 (76–160)
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0,716
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Peso (kg)
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29,8 ± 9,8 (15–56)
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27,8 ± 11,9 (13–55)
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0,268
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Índice de massa corporal (kg/m2)
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21,4 ± 4,9 (13,6–29,6)
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20, – ± 3,2 (12,2-28,1)
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0,412
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Tabela 2
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Grupo A (n = 50)
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Grupo B (n = 50)
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Valor de p
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Cálcio (mg/dL)
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10,0 ± 0,4 (9,4–10,7)
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10,1 ± 0,6 (9,1–11,4)
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0,542
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Magnésio (mg/dL)
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2,11 ± 0,14 (1,8–2,4)
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2,10 ± 0,15 (1,9–2,4)
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0,830
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Fósforo (mg/dL)
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5,0 ± 0,40 (4,3–5,8)
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5,12 ± 0,48 (4–6,3)
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0,350
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Fosfatase alcalina (IU/L)
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276,4 ± 69,4 (200–482)
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286,6 ± 72,6 (167–447)
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0,478
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Hormônio da paratireoide (pg/mL)
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41,7 ± 22,3 (10,9–97,1)
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40,1 ± 19,1 (18,6–77,2)
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0,676
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25-hidroxivitamina D (ng/mL)
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19,4 ± 4,2 (10,7–28,3)
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29,4 ± 11,1 (13–48,7)
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< 0,001
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Insuficiência de 25-hidroxivitamina D; n (%)
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22 (44,0)
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6 (12,0)
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0,012
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Discussão
As fraturas compõem de 10% a 25% de todas as lesões pediátricas, e uma das mais comuns nessa população é a fratura da extremidade distal do rádio.[12]
[13] A cada ano, aproximadamente 1 em cada 100 crianças são internadas para cirurgia ortopédica após esse tipo de fratura. O amplo espectro de apresentação de fraturas, a variedade de técnicas cirúrgicas e não cirúrgicas, o potencial de crescimento da estrutura esquelética infantil, e as expectativas familiares são alguns dos fatores desafiadores do tratamento das fraturas da extremidade distal do rádio, especialmente na população pediátrica.[14] Devido à maturação esquelética acelerada, crianças e adolescentes têm alto risco de sofrer essas fraturas. Ryan et al.[15] revelaram uma taxa significativa de fraturas causadas por trauma leve na faixa etária de 10 a 14 anos em comparação com o grupo de 5 a 9 anos. Esses achados implicam que o rápido desenvolvimento esquelético pode comprometer a mineralização óssea, que é desproporcional à taxa de crescimento, podendo levar a uma fratura da extremidade distal do rádio mesmo após um trauma leve.
A radiação solar com raios ultravioleta B (UVB) é a principal fonte de vitamina D (além da ingestão dietética). A vitamina D3, que é produzida pela pele com a ação da luz solar, e a vitamina D dietética são submetidas a duas hidroxilações consecutivas: no fígado, a primeira se transforma em 25(OH)D, e, no rim, a segunda toma sua forma biologicamente ativa, a 1,25-dihidroxivitamina D (1,25(OH)2D). A 1,25(OH)2D aumenta os níveis séricos de cálcio e fósforo ao aumentar a absorção intestinal desses minerais, que estão envolvidos nos processos de formação óssea, mineralização, e reabsorção.[16] A 25(OH)D sérica é um dos principais metabólitos circulantes de vitamina D, e reflete clinicamente o estado dessa vitamina, que pode ser usado como indicador de estilo de vida e hábitos alimentares dos pacientes. A concentração sérica de 25(OH)D que indica deficiência ou insuficiência de vitamina D é controversa, e não há valores de corte estabelecidos. A American Academy of Pediatrics (AAP) e o Institute of Medicine (IOM) definem a insuficiência de vitamina D como concentrações de 25(OH)D < 20 ng/mL na população pediátrica.[10] Utilizamos a diretriz da Endocrine Society, que define deficiência de 25(OH)D como níveis < 20 ng/mL, e a insuficiência como níveis < 30 ng/mL.[17]
A deficiência de vitamina D afeta a absorção intestinal de cálcio e fósforo, o que resulta na diminuição dos níveis séricos desses minerais. A glândula paratireoide libera hormônio para levar o cálcio sérico de volta aos níveis adequados. O PTH aumenta a reabsorção de cálcio nos rins e a excreção de fósforo, e também apresenta efeitos negativos na mineralização óssea, com o objetivo de aumentar os níveis de cálcio sérico.
Com o tempo, a deficiência crônica de vitamina D grave em bebês e crianças causa crescimento atrofiado, osteomalácia e raquitismo.[10] Moore et al.[18] relataram que a deficiência de vitamina D tem maior incidência entre crianças com obesidade e pele mais escura. Da mesma forma, a deficiência de vitamina D é mais frequente em meninas do que em meninos.
Os níveis de vitamina D, HPT e cálcio foram correlacionados com a densidade mineral óssea.[19] A associação entre 25(OH)D e densidade mineral óssea foi examinada em diversos estudos,[20]
[21]
[22]
[23] e a maioria deles mostrou uma conexão entre a ingestão adequada de vitamina D e alta densidade mineral óssea. A baixa densidade mineral óssea pode aumentar a taxa de fratura tanto em grupos adultos quanto pediátricos.[23]
[24]
[25] Um estudo[21] que avaliou o estado da vitamina D de meninas adolescentes durante o inverno descobriu que baixos níveis de vitamina D têm um efeito negativo na densidade mineral óssea. E um estudo[24] que analisou a suplementação de cálcio e a densidade mineral óssea mostrou um efeito positivo da suplementação de vitamina D na alta densidade mineral óssea, o que pode reduzir a taxa de fratura pediátrica. Em nosso estudo, descobrimos que crianças com fratura da extremidade distal do rádio têm níveis estatisticamente mais baixos de vitamina D do que o grupo saudável. Por outro lado, entre os dois grupos não houve diferenças estatisticamente significativas nos níveis de Ca, Mg, P, FA, HPT.
Adolescentes são propensos à insuficiência de vitamina D devido às demandas minerais de seu esqueleto em crescimento. Um estudo realizado no norte da Índia encontrou uma alta prevalência de hipovitaminose D clínica e bioquímica em escolares saudáveis.[25] A deficiência de vitamina D em crianças saudáveis tem sido submetida a diversos estudos,[26]
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[28]
[29] que mostraram que a exposição à luz solar por si só não é suficiente para prevenir a hipovitaminose D, e que os hábitos nutricionais (alta ingestão de fitato dietético) ou a tendência genética (asiática) podem levar à deficiência de vitamina D. Em nosso estudo, observamos que 12% das crianças saudáveis tinham níveis de vitamina D < 20 ng/mL, o que caracteriza deficiência.
Uma das limitações deste estudo é que amostras de sangue foram coletadas de crianças independente da estação; portanto, algumas crianças podem não ter tido tempo o suficiente de produzir vitamina D, especialmente no final do inverno. Outra limitação do estudo é a falta de informação sobre os hábitos alimentares das crianças nos dois grupos. Estudos e grupos de controle mais detalhados com grandes amostras são necessários para que se encontrem dados mais convincentes sobre a correlação entre vitamina D e fraturas pediátricas.
Conclusão
Embora os níveis ótimos de vitamina D não tenham sido bem estabelecidos na literatura, eles têm sido usados para determinar a saúde óssea.[29] Além dos níveis de vitamina D, minerais como Ca, Mg e P ou hormônios endócrinos (HPT) também têm sido utilizados como determinantes da remodelação óssea. Em adultos, a associação entre hipovitaminose D e fraturas osteoporóticas tem sido examinada em diversos estudos.[26]
[28] No entanto, na população pediátrica, não há estudo adequado para determinar qualquer correlação entre fraturas pediátricas e deficiência de vitamina D. Demonstramos com este estudo que os níveis de vitamina D podem ser usados como preditores de fraturas pediátricas. Especialmente na primavera e no verão, famílias cujas crianças com fraturas isoladas da extremidade distal do rádio devem ser informadas sobre a deficiência de vitamina D, e, em crianças com níveis baixos de vitamina D, a suplementação pode ser considerada.