Palavras-chave complicações pós-operatórias - desnutrição - fraturas do fêmur
Introdução
O estado nutricional está entre as principais preocupações na saúde dos idosos. Com o envelhecimento, mudanças fisiológicas, metabólicas e na capacidade funcional resultam na alteração das necessidades calóricas. O mais importante destes distúrbios observado nos idosos é a desnutrição, que está associada ao aumento da mortalidade e da susceptibilidade às infecções e à redução da qualidade de vida. Esta, entretanto, frequentemente se insere no contexto de outras modificações orgânicas verificadas ao longo do processo de envelhecimento, deixando de ser diagnosticada.[1 ]
A desnutrição aumenta o risco de desenvolvimento de uma variedade de condições, entre elas: anemia, úlceras de pressão, fraturas ósseas, fragilidade, déficit cognitivo, desidratação, hipotensão ortostática e disfunção imune.[2 ] Pode-se considerar como os principais indicadores de desnutrição nos idosos: a perda de peso involuntária de 5% em 1 mês, 7,5% em 3 meses e/ou 10% em 6 meses; o baixo peso para a altura, inferior a 20% do peso corporal ideal; o índice de massa corporal (IMC) menor que 22 kg/m2 ; a albumina sérica inferior a 3,5 mg/dL; o nível de colesterol sérico total abaixo de 160 mg/dL; a mudança do estado funcional de independente para dependente; a ingestão alimentar inadequada; a circunferência muscular do braço inferior ao percentil 10; a prega cutânea tricipital menor que o percentil 10 ou maior que 95.[3 ]
Medidas antropométricas e exames laboratoriais são considerados, entre a maioria dos autores, como bons parâmetros na avaliação do estado nutricional dos idosos.[4 ] A antropometria constitui um método simples, porém com boa predição para doenças futuras, incapacidade funcional e mortalidade.[5 ] Os valores dos exames de hemoglobina, hematócrito e contagem total dos linfócitos tendem a refletir o estado nutricional, podendo a última associar-se também à imunossenescência.[4 ]
A mini avaliação nutricional (MAN), escala já validada para classificar o estado nutricional de idosos,[1 ] é considerada uma ferramenta de uso fácil, simples, rápido, e confiável, e permite que o risco de desnutrição seja identificado antes mesmo que as alterações clínicas se manifestem.[6 ] Os parâmetros de referência adotados nessa escala são: “desnutrição” quando menor que 17 pontos; “risco de desnutrição” quando entre 17 e 23,5 pontos; e “bem nutrido” quando acima de 23,5 pontos.[1 ] A MAN utiliza a soma de dois escores: um referente às alterações na ingestão alimentar, no peso, na mobilidade, no estado psicológico, no estado clínico e no índice de massa corporal (IMC); e o outro referente à avaliação global.[1 ]
A fratura do fêmur proximal é uma causa comum e importante de mortalidade e perda funcional no idoso.[2 ] A incidência deste tipo de fratura aumenta com a idade devido aos aumentos do número de quedas e da prevalência de osteoporose.[7 ] Pode ser intracapsular ou extracapsular. No primeiro tipo, estão incluídas as fraturas do colo e da cabeça femoral. No segundo, as fraturas transtrocanterianas, sendo que ambas decorrem de traumas de baixa energia.[8 ] A desnutrição proteico-calórica é um importante determinante do resultado clínico de pacientes idosos após fratura de quadril, mas a eficácia dos programas de apoio nutricional na rotina prática clínica é controversa.[9 ] Apesar destes fatos, pacientes idosos com fraturas de quadril raramente recebem avaliações nutricionais e intervenção adequada.[10 ]
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, prospectivo analítico e de abordagem quantitativa, aprovado pelo comitê de ética e pesquisa sob o CAAE 68313817.5.0000.5020. A população foi constituída de pacientes idosos internados na clínica ortopédica com o diagnóstico de fratura de fêmur proximal submetidos a tratamento cirúrgico. O cálculo amostral foi realizado com base na estimativa da média de pacientes operados nos últimos 3 anos através da fórmula para populações finitas (prevalência: 0,5; margem de erro: 5%; coeficiente de confiança 95%), selecionados conforme os critérios de inclusão: assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; idosos com idade acima de 60 anos; diagnóstico de fratura de fêmur proximal com indicação cirúrgica com até 5 dias do trauma e até 48h da internação hospitalar. Foram excluídos pacientes que apresentaram distúrbios neurológicos e aqueles de origem indígena. Os pacientes foram submetidos a avaliação do estado nutricional através da escala MAN e coleta dos exames bioquímicos. Após a cirurgia, as complicações ocorridas foram registradas num formulário de coleta.
Resultados
Após a aplicação dos critérios de seleção, foram avaliados 20 pacientes durante o período de julho de 2017 a julho de 2018. Foram realizadas a aplicação do questionário para coleta de dados e avaliação dos exames laboratoriais dos mesmos. Desta maneira, os pacientes foram catalogados e caracterizados quanto a idade, sexo, estado nutricional e complicações cirúrgicas. Destes, um foi excluído do estudo por perda de seguimento.
A amostra, então, foi composta por 19 idosos, de ambos os sexos, com média de idade de 70,8 anos (mínimo de 62 e máximo de 84 anos) e desvio padrão de 7,12, sendo 68,4% do sexo feminino (n = 13) e 31,6% do sexo masculino (n = 6).
Por meio da variável antropométrica IMC, identificou-se presença de desnutrição em 15,8% (n = 3) dos idosos ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
n
%
Abaixo do peso
3
15,8
Eutrófico
11
57,9
Sobrepeso/obesidade
5
26,3
Total
19
100
Após a aplicação do questionário MAN, a prevalência de desnutrição foi de 31,6% (n = 6) e 42,1% (n = 8) de risco de desnutrição ([Tabela 2 ]).
Tabela 2
n
%
Normal
5
26,3
Risco
8
42,1
Desnutrido
6
31,6
Total
19
100
Na avaliação do cálculo da contagem total de linfócitos, 100% da amostra demostrou variações fora da normalidade. Utilizando o parâmetro da albumina sérica, a desnutrição foi identificada em 89,4% dos pacientes ([Tabela 3 ]).
Tabela 3
CLT
Albumina
n
%
n
%
Desnutrição grave
–
–
–
–
Desnutrição moderada
10
52,6
7
36,8
Desnutrição leve
9
47,4
10
52,6
Normal
2
10,5
Total
19
100
19
100
Observamos um alto risco relativo de complicações relacionado aos parâmetro albumina (9,39); MAN (3,56); e IMC (3,48) em comparação com as demais variáveis analisadas ([Figura 1 ]).
Fig. 1 Avaliação do rico relativo das principais comorbidades relacionadas com as complicações cirúrgicas na população analisada. Mini avalição nutricional (MAN); índice de massa corporal (IMC); hipertensão arterial sistêmica (HAS); diabetes mellitus (DM).
A média de internação da população do estudo foi de 9,1 dias, tendo como o mínimo de 5 dias e máximo de 23 dias de internação hospitalar, sendo que a maior média de tempo de internação foi de 13 dias nos pacientes desnutridos, quando correlacionados com a escala da MAN ([Tabela 4 ]).
Tabela 4
Classificação da MAN
n
%
Média do tempo de internação/dias
Normal
5
26,3
5,8
Risco
8
42,1
9
Desnutrido
6
31,6
13
Total
19
100
9,1
Das complicações detectadas no pós-operatório, infecções de sítio cirúrgico estiveram presentes em 10,5% (n = 2) dos pacientes e ocorreram nos pacientes com risco nutricional segundo a MAN, com CTL e albumina sérica classificando-os com desnutrição moderada. Hematomas foram detectados em 26,2% (n = 5) dos pacientes; destes, 5,2% (n = 1) em pacientes classificados como “normal”, 10,5% (n = 2) naqueles classificados como “risco nutricional” e 10,5% (n = 2) em como “desnutridos,” segundo o score de MAN. Úlceras sacrais foram observadas em 5,2% (n = 1) de pacientes enquadrados como “normal” e 5,2% em pacientes classificados como “risco nutricional” pelo score de MAN. Não ocorreram deiscências de sutura ou necroses no estudo ([Tabela 5 ]).
Tabela 5
Classificação da MAN
n
Complicações
% por classificação
% do total
Normal
5
Hematomas (n = 1)
20
5,2
Risco Nutricional
8
Infecções de sítio cirúrgico (n = 2)
Hematomas (n = 2)
Úlceras sacrais (n = 1)
62,5
26,2
Desnutrido
6
Hematomas (n = 2)
Úlceras sacrais (n = 1)
50
15,8
Total
19
47,2
Discussão
Os dados atuais apontam para uma prevalência de desnutrição em idosos residentes em domicílios, em nível de 1 a 15%; em idosos internados em hospitais, essa proporção oscila entre 35 e 65%. Em comparação com outros países, o risco de óbito secundário à desnutrição na 3ª idade no Brasil é 71% maior do que nos EUA e 32,13% maior do que na Costa Rica.[8 ]
Neste estudo, foi verificado que, ao somar as taxas de desnutrição ao risco de desnutrição, a taxa de prevalência foi de 73,7% (Valor de p de 0.00036 e risco relativo aumentado de 3.56, com valores mínimos de 1.55 e máximos de 8.06); 100% da amostra demonstrou variâncias fora dos parâmetros normais da contagem total de linfócitos; e em 89,4% a albumina sérica apresentou valores anormais.[6 ]
Em um ensaio clínico randomizado controlado com o objetivo de determinar se a suplementação nutricional reduz as taxas de complicações relacionadas à fratura em uma seleção de pacientes saudáveis com fraturas de quadril, foi verificado que o risco de complicações foi maior no grupo controle (70%) do que no grupo experimental (15%). Os autores concluíram que os suplementos nutricionais equilibrados resultam em menores taxas de complicações e mortalidade em 120 dias de pós-operatório.[9 ]
Um outro estudo evidenciou maior predisposição à mortalidade em pacientes com hipoalbuminemia < 3,5g/dl durante a internação, e maiores taxas de mortalidade um ano após a fratura em pacientes com linfopenia < 1,500 u/ml.[7 ] Segundo outros autores, a albumina sérica no pré-operatório é um forte preditor de complicações nos primeiros 30 dias de pós-operatório e está associada a maiores morbidade e mortalidade, longos períodos de internação e readmissões.[8 ]
Neste estudo foi observado que as alterações da albumina, do risco nutricional e do IMC foram estatisticamente representativos pelo alto valor de p e do aumento do risco relativo.
Para Nourissat et al.,[11 ] pacientes desnutridos apresentam maior probabilidade de evoluir com complicações do que os bem nutridos, tais como: dificuldade de cicatrização da ferida, formação de fístula, infecção, aumento do tempo de internação hospitalar, diminuição do tempo de sobrevida e da qualidade de vida.
Cruz e Marimoto[12 ] afirmam que o acompanhamento nutricional adequado garante o sucesso da cirurgia, reduzindo os índices de complicações e da morbimortalidade, assim como o tempo de internação hospitalar e infecções do sitio-cirúrgico.
Observou-se que os pacientes desnutridos apresentaram maior média de tempo de internação (13 dias) e de complicações no pós-operatório.
Conclusão
Neste estudo, os idosos em risco ou em desnutrição com diagnóstico de fratura da região proximal do fêmur apresentaram maior taxa de infecção do sítio cirúrgico e do tempo de internação hospitalar quando comparados com os eutróficos. As mensurações utilizadas neste estudo (escore MAN, albumina e contagem total de linfócitos) são bons parâmetros para avaliar o status nutricional dos mesmos.