CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2021; 56(03): 390-393
DOI: 10.1055/s-0040-1721845
Relatos de Casos
Coluna

Infecção por Candida parapsilosis em pós-operatório de artrodese lombossacra com dispositivo de fusão intersomático TLIF em PEEK: Relato de caso

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1   Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
2   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
3   Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
2   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
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Sérgio Barsanti Wey
1   Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
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1   Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
4   Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, SP, Brasil
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Resumo

As espondilodiscites são complicações infrequentes, porém graves em pós-operatórios de cirurgias da coluna vertebral, tendo como principal agente etiológico o Staphylococcus aureus. As infecções fúngicas são raras, sendo a Candida albicans a principal representante desse grupo. Relatamos o caso clínico de um paciente do sexo masculino, 69 anos, operado com artrodese de L2 a S1 para correção de escoliose degenerativa. O paciente apresentou quadro clínico infeccioso 2 meses e meio após o procedimento, relacionado à espondilodiscite L5-S1, causada por Candida parapsilosis. O tratamento consistiu na remoção do material cirúrgico, colocação de enxerto tricortical de ilíaco pela via anterior (L5-S1) e fixação lombopélvica (de T10 à pelve) pela via posterior, além de iniciar o tratamento medicamentoso com anidulafungina e fluconazol, mantendo essa última medicação por 12 meses, com boa evolução clínica.


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Introdução

As infecções em pós-operatório de cirurgias da coluna vertebral são infrequentes, mas potencialmente graves, principalmente na presença de implantes, que podem perpetuar o processo infeccioso, mantendo quadro de espondilodiscite, que pode cronificar.[1] O principal agente etiológico é o Staphylococcus aureus, mas outras bactérias como Streptococcus e bacilos gram negativos podem causar a infecção; também não se pode descartar outros germes, como o bacilo da tuberculose e, mais raramente, fungos.[2] Dentre os fungos, a Candida albicans é o mais frequente, acometendo principalmente pacientes imunodeprimidos e alcoolistas.[2]

Apresentamos um paciente hígido de 69 anos que desenvolveu infecção em pós-operatório de artrodese de coluna lombossacra, com isolamento de Candida parapsilosis no nível L5-S1, local onde foi colocado dispositivo para fusão intersomática com estrutura em poli (éter-éter-cetona) (PEEK, na sigla em inglês).


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Relato do caso

Paciente masculino, 69 anos, hígido, foi tratado de lombociatalgia esquerda clinicamente sem sucesso por mais de 6 meses, sendo operado em outubro de 2018, com descompressão neural L4-L5 e L5-S1 e retirada de hérnia discal. O paciente teve melhora parcial, mas apresentou retorno dos sintomas de forma progressiva, sem sinais de infecção.

Devido à persistência dos sintomas e da doença degenerativa da coluna vertebral e à necessidade de ampliar a descompressão neural, optou-se por ampla laminectomia L4-L5 e L5-S1, com correção da deformidade escoliótica, colocação de dispositivos intersomáticos em PEEK, enxertia óssea nos níveis L3-L4, L4-L5 e L5-S1 e fixação com parafusos pediculares bilateralmente entre L2 e S1 em janeiro de 2019.

Dois meses e meio após a cirurgia, o paciente relatou aumento progressivo de dor lombar, irradiação principalmente para o membro inferior direito (MID), associados a episódios febris. O paciente foi internado e foi submetido a ressonância magnética (RM), ([Figura 1]) que mostrou sinais de espondilodiscite em L5-S1, além de presença de coleção (abscesso) dentro do canal vertebral, comprimindo o saco dural.

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Fig. 1 Imagens de ressonância magnética ponderada em T2 (sagital à esquerda e axial à direita) mostrando a presença de abscesso posterior ao corpo vertebral de L5.

Baseado no quadro clínico e no referido exame, foi realizada cirurgia para descompressão neural, mantendo os implantes, drenagem de coleção infecciosa, e material foi enviado para análise microbiológica, a qual evidenciou crescimento de Candida parapsilosis.

Com esse diagnóstico, iniciou-se o tratamento específico com drogas antifúngicas endovenosas, anidulafungina e fluconazol, havendo boa resposta clínica. Após 20 dias, o paciente voltou a sentir dores e piora do estado clínico geral. Tomografia computadorizada (TC) ([Figura 2]) e RM ([Figura 3]) de controle mostraram aumento de coleção no espaço discal L5-S1 e sinais de soltura dos parafusos de S1, principalmente à direita.

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Fig. 2 Tomografia computadorizada, corte sagital à esquerda e axial à direita, mostrando sinais de soltura dos parafusos pediculares em S1, principalmente a D.
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Fig. 3 Imagem sagital de ressonância magnética ponderada em T2 mostrando hipersinal no espaço discal L5-S1 referente a coleção líquida local.

Dessa forma, 1 mês e meio após a limpeza cirúrgica que evidenciou o germe, realizou-se nova cirurgia, com abordagem inicial pela via posterior, para retirada dos parafusos de L5-S1, extensão da fixação à pelve com parafusos de ilíaco e retirada de enxerto da crista ilíaca para utilização na abordagem pela via anterior.

Em seguida, o paciente foi posicionado em decúbito dorsal e foi realizada abordagem retroperitoneal para retirada do dispositivo intersomático (TLIF) L5-S1, que se apresentava solto, sem sinais de consolidação. Foi realizada extensiva limpeza cirúrgica, desbridamento, coleta de material para cultura e colocação do enxerto tricortical de ilíaco, sob pressão.

O material coletado durante a cirurgia confirmou a presença de C. parapsilosis. Após a cirurgia, o paciente foi tratado clinicamente com fluconazol durante 12 meses, sem intercorrências e melhora gradual, realizando exames de controle (Rx e RM de coluna lombossacra), evidenciando sinais de consolidação da artrodese lombossacra ([Figura 4]).

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Fig. 4 Radiografias de coluna vertebral em perfil (esquerda) e de frente (centro), mostrando sinais de artrodese (fusão entre L2 e S1) e imagem de ressonância magnética (direita) ponderada em T2, corte sagital, mostrando sinais de resolução do processo infeccioso.

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Discussão

As infecções fúngicas na coluna vertebral ocorrem principalmente em indivíduos com algum grau de imunodeficiência, que pode ser causado pelo consumo excessivo de álcool ou drogas, desnutrição ou doenças consumptivas.[1] [2] [3] [4] Segundo Colombo, a maioria dos casos de infecção sistêmica por Candida spp ocorre por via endógena, com a translocação do patógeno através do trato gastrointestinal, local onde há rica colonização por Candida spp em até 70% da população normal.[4] Isso pode ocorrer no pós-operatório de cirurgias de grande porte, devido ao uso de antibióticos e íleo paralítico.

Outra forma de contaminação pode ser por via exógena, por meio do contato das mãos de profissionais de saúde em pacientes portadores de cateteres vasculares na posição central, implante de próteses contaminadas, bem como pela administração parenteral de soluções contaminadas.[4]

No caso apresentado, as queixas do paciente foram: febre, aumento de dor na região lombar e diminuição de força nos membros inferiores; relacionadas à formação de coleção (abscesso) no canal vertebral. Tais sinais foram relatados por Cho et al.,[1] salientando que até 20% dos pacientes poderiam ter piora do quadro neurológico.

Em relação ao tratamento específico, existem poucos relatos que envolvem processo infeccioso associado à presença de algum tipo de implante. Segundo Colombo et al.,[4] a C. parapsilosis prolifera em soluções de glicose e tem grande capacidade de produzir biofilme, justificando a falta de resposta clínica adequada, somente com uso de medicações específicas e limpeza cirúrgica sem retirada do implante.

Blecher et al.[3] relataram um caso de paciente etilista crônico que desenvolveu infecção por C. parapsilosis após colocação de implante tipo eXtreme lateral interbody fusion (XLIF) (também em PEEK), por meio de acesso minimamente invasivo (anterolateral), no nível L3-L4, com artrodese prévia de L4-S1.

Richaud et al.[5] observaram em série de 28 pacientes com espondilodiscite por Candida que a utilização de medicação antifúngica por período mais prolongado (> 6 meses) propiciou menos óbitos e complicações neurológicas e que o uso inicial da combinação de medicações terapêuticas proporcionou melhor evolução, com menos sequelas.

A espondilodiscite causada por C. parapsilosis é uma grave complicação da cirurgia da coluna vertebral, devendo ser diagnosticada e tratada de forma precoce, com abordagem cirúrgica, para drenagem de abscesso e coleta de material para identificação do germe e com a terapêutica medicamentosa adequada, usando duas drogas específicas inicialmente e mantendo fluconazol por > 6 meses.


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Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Trabalho desenvolvido no Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.


Suporte Financeiro

Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.


  • Referências

  • 1 Cho K, Lee SH, Kim ES, Eoh W. Candida parapsilosis spondylodiscitis after lumbar discectomy. J Korean Neurosurg Soc 2010; 47 (04) 295-297
  • 2 Kulcheski AL, Graells XS, Benato ML, Santoro PG, Sebben AL. Espondilodiscite fúngica por Candida albicans: um caso atípico e revisão da literatura. Rev Bras Ortop 2015; 50 (06) 239-242
  • 3 Blecher R, Yilmaz E, Moisi M, Oskouian RJ, Chapman J. Extreme Lateral Interbody Fusion Complicated by Fungal Osteomyelitis: Case Report and Quick Review of the Literature. Cureus 2018; 10 (05) e2719
  • 4 Colombo AL, Guimarães T. [Epidemiology of hematogenous infections due to Candida spp]. Rev Soc Bras Med Trop 2003; 36 (05) 599-607
  • 5 Richaud C, De Lastours V, Panhard X, Petrover D, Bruno F, Lefort A. Candida vertebral osteomyelitis (CVO) 28 cases from a 10-year retrospective study in France. Medicine (Baltimore) 2017; 96 (31) e7525

Endereço para correspondência

Marcelo Wajchenberg, MD, PhD
Av. Albert Einstein, 627/701, consultório 306, 30 andar, bloco A1, Morumbi, São Paulo, SP, 5652-900
Brasil   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 27. Mai 2020

Angenommen: 16. September 2020

Artikel online veröffentlicht:
31. März 2021

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  • Referências

  • 1 Cho K, Lee SH, Kim ES, Eoh W. Candida parapsilosis spondylodiscitis after lumbar discectomy. J Korean Neurosurg Soc 2010; 47 (04) 295-297
  • 2 Kulcheski AL, Graells XS, Benato ML, Santoro PG, Sebben AL. Espondilodiscite fúngica por Candida albicans: um caso atípico e revisão da literatura. Rev Bras Ortop 2015; 50 (06) 239-242
  • 3 Blecher R, Yilmaz E, Moisi M, Oskouian RJ, Chapman J. Extreme Lateral Interbody Fusion Complicated by Fungal Osteomyelitis: Case Report and Quick Review of the Literature. Cureus 2018; 10 (05) e2719
  • 4 Colombo AL, Guimarães T. [Epidemiology of hematogenous infections due to Candida spp]. Rev Soc Bras Med Trop 2003; 36 (05) 599-607
  • 5 Richaud C, De Lastours V, Panhard X, Petrover D, Bruno F, Lefort A. Candida vertebral osteomyelitis (CVO) 28 cases from a 10-year retrospective study in France. Medicine (Baltimore) 2017; 96 (31) e7525

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Fig. 1 Imagens de ressonância magnética ponderada em T2 (sagital à esquerda e axial à direita) mostrando a presença de abscesso posterior ao corpo vertebral de L5.
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Fig. 2 Tomografia computadorizada, corte sagital à esquerda e axial à direita, mostrando sinais de soltura dos parafusos pediculares em S1, principalmente a D.
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Fig. 3 Imagem sagital de ressonância magnética ponderada em T2 mostrando hipersinal no espaço discal L5-S1 referente a coleção líquida local.
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Fig. 4 Radiografias de coluna vertebral em perfil (esquerda) e de frente (centro), mostrando sinais de artrodese (fusão entre L2 e S1) e imagem de ressonância magnética (direita) ponderada em T2, corte sagital, mostrando sinais de resolução do processo infeccioso.
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Fig. 1 Left sagittal and right axial T2-weighted magnetic resonance images showing an abscess posterior to the L5 vertebral body.
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Fig. 2 Left sagittal and right axial computed tomography scans showing signs of S1 pedicle screws loosening, mainly on the right side.
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Fig. 3 Sagittal T2-weighted magnetic resonance image showing hypersignal at the L5-S1 disc space referring to the local fluid collection.
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Fig. 4 Lateral (left) and front (center) spine radiographs showing signs of arthrodesis (L2-S1 fusion) and sagittal T2-weighted magnetic resonance image (right) showing signs of infection resolution.