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DOI: 10.1055/s-0040-1722278
Arnaldo Amado Ferreira Filho (1930–2020)
Article in several languages: português | EnglishArnaldo Amado Ferreira Filho ([Fig. 1]), um dos pais da cirurgia do ombro do Brasil, faleceu de causas naturais em sua residência em 10 de novembro de 2020, aos 90 anos de idade.
Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em 1955, exerceu toda a vida profissional naquela instituição. Foi responsável pelo ambulatório de hemofilia, no qual reuniu material para a sua tese de mestrado em 1978. O interesse pela cirurgia do ombro ocorreu a partir dos anos 1970, quando passou a tratar casos de luxação recidivante do ombro com bloqueio ósseo pela então denominada técnica de Bristow-Latarjet, sendo o tema da sua tese de doutorado em 1984.
O ensino da cirurgia do ombro no Brasil se iniciou com a instalação do primeiro ambulatório especializado no Hospital das Clínicas da FMUSP (HCFMUSP), sob a coordenação do professor Arnaldo, em 1983, local onde formou dezenas de especialistas, e muitos deles seguiram formando novas gerações. Nos anos 1980 e 1990, a patologia do ombro acabou por envolver completamente a sua atividade profissional, e ele percorreu o Brasil e países vizinhos divulgando a especialidade, numa época em que pouco se conhecia sobre o assunto e o arsenal cirúrgico era ainda rudimentar. O seu primeiro material artroscópico não tinha monitor, e o limitado campo visual era obtido pela “visão”!
A fundação do Comitê de Ombro e Cotovelo da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (COC-SBOT, hoje Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo [SBCOC]), em Brasília, durante o congresso de 1988 teve a participação ativa do professor Arnaldo. Ao ser indicado como primeiro presidente da nova instituição, abriu mão da distinção e indicou seu amigo carioca Donato D'Ângelo. Por isso, a geração seguinte passou a chamá-los de “Pais da Cirurgia do Ombro no Brasil”.
As contribuições do professor Arnaldo para o cenário internacional da cirurgia do ombro foram inúmeras, e abriram caminho para futuras conquistas. Em 1992, ele foi convidado por Charles Neer para ser editor do recém-lançado Journal of Shoulder and Elbow Surgery, uma deferência ímpar. Na oportunidade, Arnaldo indicou como editores associados: Sérgio Checchia, Sérgio Nicoletti, Paulo Sérgio dos Santos, Donato D'Ângelo, Américo Zoppi Fo, e Osvandré Lech. Em carta escrita à mão, Neer agradeceu a Arnaldo: “The Founding Trustees are delighted the South Americans have appointed such an outstanding staff and adopt our Journal as their official Journal […].”
A Sociedade Sul-Americana de Ombro e Cotovelo (hoje Sociedad Latinoamericana de Hombro y Codo [SLAHOC], em espanhol) foi fundada durante o CBOT de 1994 em Salvador, com Charles Neer como palestrante da aula inaugural. Na ocasião, o professor Arnaldo foi indicado como primeiro presidente. Ele também foi membro correspondente internacional da American Shoulder and Elbow Surgeons (ASES) a partir de 1994.
Ele encerrou suas atividades na USP em 1998, e manteve-se ativo em consultório até recentemente. Participou de diversos congressos mundiais de ombro e cotovelo (inicialmente, International Conference on Surgery of the Shoulder [ICSS], depois International Congress on Shoulder and Elbow Surgery [ICSES]), e foi homenageado com o título de “Pioneer” (“Pioneiro”), em 2001, na Cidade do Cabo, África do Sul, local onde o Brasil recebeu a indicação para sediar a ICSS em 2007.
Conhecido por todos pela vasta cultura geral, o professor Arnaldo discorria sobre arte, música, literatura, história etc. com notório volume de informações.
No início dos anos 1990, o notável Hiroaki Fukuda, durante sua única visita ao Brasil para palestrar no Congresso Internacional de Atualização em Ortopedia e Traumatologia (Ortra), e depois de conversar longamente com o professor Arnaldo, perguntou-lhe: “Where did you learn so much about shoulder surgery?”. A resposta veio com simplicidade: “During my residency training and studying by myself.” Fukuda estava diante de um autodidata em cirurgia do ombro, algo raro na época e inexistente hoje em dia... Ele se impressionou com o fato, e repetiu a história muitas outras vezes. Autodidatismo aliado ao rígido processo de aprender com a própria experiência, acompanhar atentamente a bibliografia e manter a mente aberta para inovações, é a melhor maneira de definir a impressionante trajetória científica do professor Arnaldo. É dele a frase: “O espírito científico não vem das instituições, mas das pessoas que pensam com liberdade.”
O professor Arnaldo deixa a esposa Vera, os filhos Fernando e Arnaldo, a nora Christina, os netos Sylvia, Vitória e Gustavo, e a bisneta Ava, familiares e uma legião de admiradores.
Atribuída a Leonardo da Vinci, a frase “Um dia bem empregado traz um sono feliz, da mesma maneira que uma vida bem vivida traz uma morte feliz” reflete a vida e a obra do genial professor Arnaldo Amado Ferreira Filho.
Descanse em paz.
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Endereço para correspondência
Publication History
Article published online:
19 February 2021
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