Palavras-chave
traumatismos do punho - ossos do carpo - luxações articulares - pisiforme
Introdução
A luxação do pisiforme é uma patologia rara contando com menos de 30 casos documentados.[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7] A sua localização dentro do tendão do flexor ulnar do carpo (FUC) confere-lhe estabilidade intrínseca, tornando a luxação pouco provável, especialmente sem outras lesões associadas. Com escassos casos descritos na literatura, a abordagem terapêutica ideal ainda não é clara.
Caso clínico
Apresentamos um paciente do sexo masculino, com 19 anos de idade, com traumatismo da face volar do punho esquerdo durante elevação de um objeto pesado (mobília). A compressão contínua infligida pelo peso do objeto no punho em extensão culminou com o início súbito de dor e discreta incapacidade funcional do punho. Na admissão ao serviço de urgência, o paciente apresentava dor e edema do bordo ulnar do punho e mão esquerdos. Referia discreta limitação da flexão do punho e não mostrava sinais de compromisso neurológico.
A radiografia revelou luxação distal do pisiforme até ao nível do hâmulo do hamato ([Figura 1]). A tomografia computorizada não mostrou quaisquer outras lesões associadas ([Figura 2]). Foi realizada uma tentativa de redução fechada sem sucesso. Assim, o punho foi imobilizado com tala gessada posterior antebraqui-palmar e foi proposta a intervenção cirúrgica.
Fig. 1 Radiografia inicial a demonstrar a luxação distal do pisiforme.
Fig. 2 Tomografia computorizada (reconstrução tridimensional) a demostrar a luxação do pisiforme sem outras lesões associadas.
Foi realizada redução aberta do pisiforme e fixação ao piramidal com dois fios de Kirschner, sob controle radioscópico ([Figura 3]). Constatou-se disrupção da cápsula articular e integridade do FUC mantida. O punho foi imobilizado com tala gessada posterior antebraqui-palmar em flexão e desvio ulnar.
Fig. 3 Radiografia no período pós-operatório imediato a demonstrar a redução anatómica do pisiforme, fixado ao piramidal com fios de Kirschner.
Cinco semanas após a cirurgia, foram removidos os fios de Kirschner e a tala gessada, e foi iniciada a reabilitação motora. Às 12 semanas de pós-operatório, a radiografia de controle mostrava o pisiforme na sua posição nativa ([Figura 4]). Aos 12 meses de pós-operatório, o paciente apresentava recuperação completa do arco de movimento do punho, e força muscular simétrica sem dor residual ([Figura 5]) – Disability of Arm, Shoulder and Hand (DASH) escore 0; Patient-Rated Wrist Evaluation (PRWE) escore 0.
Fig. 4 (A) Radiografia do punho esquerdo às 12 semanas pós-operatório: redução do pisiforme mantida; (B) Radiografia do punho direito.
Fig. 5 Fotografia do paciente a demonstrar um arco de movimento simétrico.
Discussão
A luxação isolada do pisiforme é uma lesão extremamente rara, com um número reduzido de casos descritos na literatura. É uma lesão que pode facilmente ser negligenciada, especialmente quando associada a outras lesões. Assim, é necessário um alto grau de suspeição para identificar esta lesão em pacientes com traumatismo do membro superior.
Situado no bordo ulnar da fileira proximal do carpo, o osso pisiforme articula com o piramidal através da sua face dorsal. Em razão da sua faceta articular plana, o pisiforme depende dos tecidos moles envolventes para garantir a sua estabilidade, como os ligamentos pisohamato e pisometacárpico e os tendões do FUC e do abdutor do quinto dedo. O pisiforme atua como osso sesamoide, servindo de alavanca para aumentar a força de flexão do punho produzida pelo FUC.[1]
[8]
[9]
Existem dois mecanismos propostos para explicar a luxação do pisiforme: traumatismo externo direto ou força tracional excessiva exercida pelo FUC.[2]
[3]
[4] O último mecanismo parece ser o mais frequente, quer por queda com traumatismo do punho em extensão, quer por contração muscular violenta súbita do FUC.
A ação do músculo flexor do punho predominante – FUC – tende a deslocar o pisiforme proximalmente. Assim, a luxação do pisiforme neste sentido é a mais frequente devido à sobreposição das forças do FUC às demais estruturas estabilizadoras.[5]
No caso descrito, o mecanismo traumático específico pode explicar a fisiopatologia da luxação do pisiforme no sentido distal. Hipotetizamos que a força tangencial progressiva exercida pelo objeto pesado sobre o punho pode explicar a migração distal do pisiforme, devido à disrupção capsular e ao estiramento do tendão do FUC. O hâmulo do hamato pode atuar como fator de bloqueio à redução do pisiforme para a sua posição anatômica. A força exercida pelo abdutor do quinto dedo pode representar outro cofator da migração do pisiforme para a fileira distal do carpo.
O tratamento indicado ainda não é claro; no entanto, uma tentativa de redução fechada num traumatismo agudo pode ser a primeira opção terapêutica. Caso a redução fechada se mostre infrutífera, deve ser realizada a redução aberta e fixação interna ou a excisão do pisiforme. Nos casos de tratamento não imediato ou atraso diagnóstico, a redução anatómica pode tornar-se difícil e a excisão do pisiforme apresenta-se como o tratamento com resultados mais previsíveis.[3]
[6]
No caso descrito, optou-se pela redução aberta e fixação do pisiforme na sua posição anatômica, tendo em conta a possibilidade de recuperação total da função do FUC. A imobilização em flexão e desvio ulnar permite diminuir a tensão sobre o FUC para potenciar a sua cicatrização, bem como a das outras estruturas justa-articulares.[8] Acreditamos que a técnica utilizada é um método fiável e com bom resultado funcional para o tratamento da luxação isolada do pisiforme.