Palavras-chave epífise deslocada - síndrome de Kallmann - cabeça do fêmur
Introdução
Epifisiólise é uma das principais doenças que acometem o quadril do adolescente e
se caracteriza pelo escorregamento metafisário femoral, não-traumático, ântero-lateralmente
em relação à epífise, que continua centrada no acetábulo.[1 ] Acomete principalmente pacientes na faixa etária entre 9 e 16 anos (média de 12).[1 ]
[2 ]
[3 ]
[4 ] Ocorre por uma fise fragilizada (fatores histológicos, vasculares e endocrinológicos)
submetida a uma sobrecarga mecânica.[4 ]
[5 ]
Apresenta incidência bastante variada na literatura, de 0,03/10.000 até 5/10.000 dependendo
do trabalho, gênero, região e etnicidade.[1 ]
[2 ]
[3 ]
[4 ]
[6 ]
[7 ] A epifisiólise acomete mais pacientes do sexo masculino (2:1,4) do que do sexo feminino
e é mais incidente em negros e hispânicos.[4 ]
[7 ]
A ocorrência bilateral simultânea é de 7%,[7 ] podendo chegar a 21% assincronicamente. Aproximadamente 90% dos escorregamentos
contralaterais ocorrem dentro de 18 meses,[4 ] e esta condição é mais incidente quando associada a doenças endocrinológicas. Nestes
casos, a fixação contralateral é indicada, mesmo que o paciente esteja assintomático.[2 ]
[4 ]
[5 ]
Clinicamente, ocorre queixa de dor no quadril ou joelho e dificuldade de deambular,
comumente insidiosa e raramente de maneira aguda. Frequentemente o diagnóstico é tardio
ou negligenciado pelo quadro clínico frustro e incaracterístico, causando um tratamento
tardio e pior prognóstico.[4 ]
[8 ] Ao exame físico, há limitação da flexão e da rotação interna e o sinal de Drehmann
(abdução e rotação externa durante a flexão passiva)[4 ] é característico.
Na radiografia (frente e Lauenstein), observa-se o escorregamento nos casos mais avançados
e nos casos iniciais sinais indicativos, como alargamento e irregularidade da fise.
São descritos dois métodos radiográficos para diagnóstico e mensuração do escorregamento:
sinal de Trethowan – linha na superfície superior do colo femoral (linha de Klein)
não cruza com a fise ([Fig. 1 ]), e mensuração do ângulo de Southwick (entre cabeça e diáfise no perfil) ([Fig. 2 ]).[4 ]
[8 ] A ressonância magnética é recomendada para casos iniciais ou dúvida diagnóstica.
Fig. 1 Radiografia frontal demonstrando escorregamento do lado E e sinal de Trethowan.
Fig. 2 Radiografia da pelve – incidência Lauenstein com mensuração do ângulo de Southwick
do lado acometido.
A epifisiólise pode ser classificada de 3 maneiras: quanto à duração: aguda < 3 semanas
ou crônica > 3 semanas; baseada nos sintomas (classificação de Loder): estável – paciente
consegue deambular, ou instável – paciente não consegue ambular mesmo com auxílio
de muletas,[2 ]
[4 ] e classificação radiográfica, pelo grau do escorregamento.[2 ]
[4 ]
De etiologia multifatorial, inúmeras doenças ou características possuem associação:
obesidade, osteodistrofia renal, hipotireoidismo, hipogonadismo, hiperparatiroidismo,[2 ]
[3 ]
[4 ] aumento da retroversão femoral,[1 ]
[4 ] retroversão acetabular,[4 ] aumento da obliquidade fisária[4 ] e privação sócio-econômica.[9 ]
O tratamento preconizado é a fixação in situ, provocando a epifisiodese. Quando ocorre
redução do escorregamento há um aumento da ocorrência de necrose avascular da cabeça
femoral (NACF) e condrólise,[4 ]
[6 ] sendo estas as complicações mais comuns da doença. Após a fixação in situ, a taxa
de NACF relatada na literatura é de 1,5%.[4 ]
[6 ] Um total de 10% dos pacientes apresentará quadro de osteoartrose grave após os 20
anos de idade.[4 ]
[6 ]
A ocorrência é rara em adultos, com apenas alguns relatos na literatura. Quando acontece,
sempre existe associação com alguma doença que atrasa a maturação sexual e, consequentemente,
o fechamento fisário.[10 ] As doenças mais comumente descritas associadas à epifisiólise em adultos são: hipopituitarismo,
hipotireoidismo e hipogonadismo.[10 ]
O objetivo do presente estudo é relatar um caso de epifisiólise em uma paciente de
22 anos de idade com atraso de desenvolvimento sexual e com diagnóstico de hipogonadismo
hipogonadotrófico congênito. A epifisiólise é uma doença rara que se caracteriza pela
ausência de desenvolvimento puberal, decorrente de problemas na produção ou secreção
do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). Laboratorialmente, são observadas
baixas concentrações de esteroides sexuais (testosterona/estradiol) e valores reduzidos
ou normais de gonadotrofinas hipofisárias (LH e FSH). Os demais hormônios hipofisários
e a ressonância magnética hipotalâmica-hipofisária encontram-se normais. Quando associada
à anosmia, tem-se a síndrome de Kallmann.
Relato do Caso
Uma paciente do sexo feminino, com 22 anos de idade, procurou atendimento ortopédico
queixando-se de dor insidiosa no quadril há 3 meses, negando trauma. Referiu ter procurado
atendimento duas vezes anteriormente e ter sido tratada com medicação, sem exames.
A paciente negava dor no outro quadril.
De antecedente pessoal, ela relatou que não teve menarca e que fazia acompanhamento
ambulatorial com ginecologista por apresentar “útero infantil”. Caracteres secundários
sexuais não desenvolvidos.
Apresentava o membro inferior esquerdo rodado externamente e dor à mobilização passiva
do quadril com manobra de Drehmann positiva.
As radiografias da pelve ([Figs. 1 ] e [2 ]) evidenciaram as fises femorais proximais ainda abertas e o escorregamento do lado
esquerdo.
Optamos pelo tratamento cirúrgico com fixação percutânea com parafuso canulado ([Fig. 3 ]). Pelo risco de ocorrência contralateral, foi sugerida a fixação, entretanto a paciente
recusou.
Fig. 3 Radiografia – incidência frontal, pós-operatória com fixação com parafuso canulado.
Durante o acompanhamento, a paciente apresentou os exames prévios, com diagnóstico
de hipogonadismo hipogonadotrófico congênito. A ultrassonografia pélvica apresentou
útero com dimensões muito reduzidas 2,3 × 0,9 × 1,5 cm (volume de 2 cm2 ) – dimensões infantis. Os exames laboratoriais mostraram prolactina, TSH, T4 livre
e GH dentro dos valores de normalidade. Testosterona total inferior a 10 ng/dL, LH < 0,07 mUI/mL,
FSH < 0,30mUI/mL e estradiol < 11,80 pg/mL – todos valores bem abaixo da normalidade.
Após 3 meses, a paciente apresentou fechamento fisário do lado operado, e até 6 meses
após a cirurgia não apresentou queixas de dor no lado contralateral.
Discussão
A epifisiólise é extremamente rara em adultos, e quando ocorre está associada a alguma
doença que retarde o desenvolvimento sexual e fechamento fisário.
Por se tratar de um diagnóstico raro e de exclusão, muitas vezes é negligenciado e
seu tratamento retardado, fazendo com que a real prevalência na população adulta seja
desconhecida/subestimada. Acredita-se que muitos casos de osteoartrose do quadril
em pacientes jovens sejam sequelas de casos não diagnosticados.[5 ]
Foi realizada uma revisão da literatura com os termos: epifisiólise , slipped capital femoral epiphysis , delayed slipped capital femoral epiphysis , e slipped capital femoral epiphysis in adults . Na literatura mundial existem 63 relatos de casos na população adulta e nenhum na
literatura brasileira.
As doenças mais comumente associadas à ocorrência de epifisiólise na população adulta
descritas nos relatos de caso são doenças hipofisárias/craniofaringioma, hipotireoidismo,
e hipogonadismo, indo de encontro com outras revisões prévias.
Foram realizadas duas revisões anteriores da literatura. Macía-Villa et al.[5 ] relataram um caso em uma paciente do sexo feminino de 47 anos de idade com uso crônico
de corticosteroide, e realizaram uma revisão da literatura encontrando 60 casos; 17
com distúrbios hipofisários, 7 com causas endocrinológicas não-especificadas, 5 com
hipotireoidismo e 4 casos de hipogonadismo.
Speirs et al.[10 ] também fizeram um levantamento da literatura e encontraram associações semelhantes
à revisão anterior.
Este relato de caso trata-se de uma doença rara na população adulta associada a hipogonadismo
hipogonadotrófico congênito.
É importante considerar a possibilidade do diagnóstico em adultos com dores no quadril,
principalmente dores crônicas, com história de doenças endocrinológicas ou alteração
dos caracteres sexuais secundários.