CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2022; 57(03): 524-528
DOI: 10.1055/s-0041-1729938
Nota Técnica

Sutura meniscal microinvasiva com agulha descartável[*]

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1   Departamento de Cirurgia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
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2   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
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3   Departamento de Cirurgia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
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4   Departamento de Cirurgia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
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4   Departamento de Cirurgia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
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5   Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
› Author Affiliations
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Resumo

A primeira sutura meniscal foi realizada em 1885 e levou cerca de um século para tornar-se popular. Atualmente, os dispositivos de reparo meniscal all-inside são amplamente utilizados. Contudo, esta técnica apresenta a desvantagem de ser um método dependente de dispositivos específicos, apresentando um custo superior aos de outras técnicas. Este valor elevado limita o uso de tal técnica em muitos locais. O objetivo da presente nota técnica é descrever uma técnica de sutura meniscal microinvasiva, como uma modificação da técnica all-inside, utilizando uma agulha descartável de procedimento de 40 × 12 mm. Os autores acreditam que a modificação proposta para a técnica pode torná-la mais popular, possibilitando o uso da técnica microinvasiva em locais com recursos limitados.


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Introdução

Por muito tempo, o menisco foi considerado uma estrutura sem função que deveria ser removida em qualquer sinal de anormalidade.[1] Assim, até a década de 1970, a retirada dos meniscos ocorreu como tratamento padrão.[1] Contudo, as suturas meniscais demonstram efeito condroprotetor em relação às meniscectomias a longo prazo.[2] Além disso, diversos estudos mostraram que os meniscos têm papel fundamental na distribuição de carga e estabilidade do joelho; assim, os meniscos são atualmente considerados estruturas vitais no joelho saudável que devem ser preservadas sempre que possível.[2]

A primeira sutura meniscal foi realizada em 1885 por Annandale e levou cerca de um século para tornar-se popular.[3] É só na década de 1970, Ikeuchi apud Zhang et al.[3] descreveu o reparo meniscal por artroscopia, utilizando uma agulha descartável. Com o passar dos anos, houve desenvolvimento de técnicas artroscópicas e de instrumentais, e o procedimento foi então popularizado, ocorrendo um pico de crescimento no número de reparos meniscais entre os anos de 2005 e 2011.[3]

As técnicas de reparo meniscal podem ser divididas em três formas. Elas podem ser realizadas abordando o menisco intra-articular e transpassando o material de sutura para extra-articular (inside-out). Outra forma é iniciar pela pele, introduzindo o material de sutura para intra-articular (outside-in). Ainda existe a técnica all-inside, na qual todos os passos são confeccionados dentro da articulação.

A técnica de sutura artroscópica all-inside apresenta a vantagem de não precisar de incisões na pele, de ter baixa taxa de complicações e resultados semelhantes às outras técnicas de sutura. Uma desvantagem do sistema all-inside é que ele tem um custo maior. Normalmente, são utilizados dispositivos descartáveis, e seu uso eleva significativamente o valor final do procedimento. Isso pode ser um fator limitante do seu uso em muitos locais.[4]

Neste contexto, o objetivo do presente trabalho é descrever uma técnica de sutura meniscal microinvasiva, como uma modificação da técnica all-inside, utilizando uma agulha descartável de procedimento de 40 × 12 mm.


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Descrição da Técnica Cirúrgica

Inicia-se o procedimento com incisões para o portal anterolateral e anteromedial da artroscopia, adjacentes às bordas lateral e medial do ligamento patelar, respectivamente. Procede-se com a inspeção artroscópica do joelho. A lesão meniscal é identificada e avaliada para determinar sua localização, tamanho e grau de instabilidade. Realiza-se então o preparo da lesão meniscal com debridamento das bordas da lesão para aumentar o potencial de cicatrização. A lesão, então, é reduzida e os pontos são iniciados.

O procedimento é iniciado com a inserção de um fio de ácido poliglicólico 1-0 na agulha 40 × 12 mm. A agulha é então introduzida na linha interarticular do joelho, com transfixação por via percutânea, de fora para dentro, monitorada pelo lado articular sob artroscopia, transfixando o menisco, na região lesionada ([Figura 1]).

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Fig. 1 Visão axial e sagital da inserção da agulha com o fio, na linha interarticular do joelho, transfixando a região lesionada.

A agulha conduz um fio de sutura que permanecerá no trajeto, e com a ajuda de um Grasper introduzido pelo portal anteromedial, o fio intra-articular é puxado pelo portal, mantendo o restante do fio dentro da agulha. A agulha é então retirada do menisco sem, contudo, retirá-la da pele ([Figura 2]).

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Fig. 2 Visão axial e sagital da retirada da agulha do menisco, parando entre a cápsula e a pele.

Depois, a agulha é reintroduzida no menisco próxima da primeira inserção ([Figura 3]).

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Fig. 3 Visão axial e sagital da reintrodução da agulha e fio no menisco, próximos à primeira inserção.

A segunda extremidade do fio é então puxada com o auxílio do Grasper ([Figura 4]). Com as duas extremidades do fio em mãos, o cirurgião pode realizar o nó fora da articulação. Após a confecção do nó, ele é conduzido para a região desejada com auxílio de um empurrador de nó ([Figura 5]).

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Fig. 4 Visão axial e sagital das extremidades do fio fora da articulação.
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Fig. 5 Visão axial e sagital do resultado final da confecção do nó.

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Comentários Finais

As cirurgias meniscais estão entre os procedimentos mais comumente executados em ortopedia.[4] As opções primárias atuais para cirurgia meniscal artroscópica são meniscectomia parcial ou reparo meniscal. Porém, as descobertas sobre as funções vitais do menisco e o desenvolvimento de osteoartrite relatada após sua ressecção obrigaram os cirurgiões a proteger o máximo possível dessa estrutura, reparando ou reconstruindo o menisco sempre que possível.[2] Atualmente, existem três técnicas principais para o reparo do menisco: inside-out, outside-in e all-inside. Os dispositivos de reparo meniscal all-inside, relatados pela primeira vez em 1993, são amplamente utilizados atualmente.[4] Contudo, essa técnica apresenta a desvantagem de ser um método dependente de dispositivos específicos, desenvolvidos apenas por poucas empresas; consequentemente, tais dispositivos apresentam um custo superior aos de outras técnicas.[4] Nesse cenário, os autores apresentam uma modificação da técnica de sutura all-inside utilizando uma agulha descartável de procedimento de 40 × 12 mm. A variação dá-se no instrumental utilizado, que viabiliza o emprego da técnica de maneira mais democrática em virtude do baixo custo e da disponibilidade dos materiais utilizados.

Um reparo bem-sucedido requer estabilização do tecido meniscal lesionado durante o processo de cicatrização; neste processo, muitos fatores podem influenciar no resultado final, incluindo a escolha da técnica de reparo, métodos de reparo e número de suturas.[5] Embora existam várias técnicas de reparo meniscal disponíveis, a técnica outside-in ainda é considerada padrão ouro para reparo meniscal. No entanto, a técnica all-inside tem a vantagem de não exigir uma incisão adicional, levando a uma diminuição no tempo operatório.[4] Além disso, em uma recente revisão sistemática de Fillingham, quando comparadas as técnicas de reparo all-inside e outside-in, não foram observadas diferenças nas taxas de falha, nos resultados funcionais ou nas taxas de complicações.[6] Assim, a técnica all-inside tem sido um método cada vez mais usado para a maioria das lesões meniscais devido às suas vantagens de evitar a abertura de portais acessórios e incisões adicionais, fácil aplicabilidade, uso de implantes bioabsorvíveis e risco relativamente menor de lesões nas estruturas neurovasculares posteriores.[4]

A escolha da técnica a ser utilizada para o reparo meniscal depende de diversos fatores, como local da lesão, tipo, etiologia, tempo, associação com lesão ligamentar, expectativas e idade do paciente, além da experiência do cirurgião com a técnica a ser utilizada. Os autores acreditam que a técnica de sutura meniscal microinvasiva seja mais indicada para lesões longitudinais do corpo e corno anterior. Em contrapartida, os autores não indicam o uso da técnica para lesões próximas a estruturas nobres, pois o risco de lesão inadvertida dessas estruturas é alto para qualquer técnica percutânea.

Embora seja uma técnica promissora, a modificação da técnica all-inside proposta pelos autores apresenta algumas dificuldades. Uma delas é acertar o local da lesão, já que o procedimento inicia com a agulha na pele e segue em direção ao menisco. Outro ponto importante é não ter o movimento bloqueado por contato da agulha com o platô tibial ou com o côndilo femoral. Além disso, é necessário que o cirurgião tenha habilidade de realizar o ponto extra-articular e conduzi-lo ao menisco. Isso pode ser um fator limitante, uma vez que tal habilidade não é comum aos cirurgiões do joelho, sendo mais praticada em cirurgias artroscópicas do ombro. Pelos motivos acima, suturas realizadas com dispositivos de sutura all-inside tendem a ser mais rápidas do que a sutura realizada de maneira manual, como a proposta pelo presente estudo.

De maneira geral, nas últimas décadas, observou-se na área médica um aumento dos custos dos tratamentos em função da introdução de tecnologias mais modernas e novos medicamentos.[7] Isso acaba tornando-se um problema para os sistemas de saúde públicos universais, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e os convênios privados de saúde, onde soma-se a falta de recursos ou o surgimento dessas novas tecnologias, dificultando ainda mais a gestão da saúde no país.[7] Neste contexto, há uma tendência mundial pela busca de soluções eficientes que possibilitem o uso de novas abordagens que podem beneficiar o paciente associadas ao controle dos gastos.[8] Por exemplo, atualmente, há dificuldade de liberação dos dispositivos de sutura meniscal all-inside nos convênios e no SUS, já que eles encarecem o preço final da cirurgia. Isso limita o uso da técnica, mesmo quando seria a melhor opção de abordagem para o paciente. Os autores acreditam que a modificação proposta para a técnica pode torná-la mais popular, possibilitando o uso da técnica microinvasiva em locais com recursos limitados.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.


  • Referências

  • 1 Dandy DJ, Jackson RW. The diagnosis of problems after meniscectomy. J Bone Joint Surg Br 1975; 57 (03) 349-352
  • 2 Xu C, Zhao J. A meta-analysis comparing meniscal repair with meniscectomy in the treatment of meniscal tears: the more meniscus, the better outcome?. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2015; 23 (01) 164-170
  • 3 Zhang AL, Miller SL, Coughlin DG, Lotz JC, Feeley BT. Tibiofemoral contact pressures in radial tears of the meniscus treated with all-inside repair, inside-out repair and partial meniscectomy. Knee 2015; 22 (05) 400-404
  • 4 Abrams GD, Frank RM, Gupta AK, Harris JD, McCormick FM, Cole BJ. Trends in meniscus repair and meniscectomy in the United States, 2005-2011. Am J Sports Med 2013; 41 (10) 2333-2339
  • 5 Beaufils P, Pujol N. Meniscal repair: Technique. Orthop Traumatol Surg Res 2018; 104 (1S) S137-S145
  • 6 Fillingham YA, Riboh JC, Erickson BJ, Bach Jr BR, Yanke AB. Inside-out versus all-inside repair of isolated meniscal tears. An updated systematic review. Am J Sports Med 2017; 45 (01) 234-242
  • 7 Souza AA, Guerra M, Avelar EA. Proposta de metodologia para a implantação do sistema de custeio baseado em atividades para organizações hospitalares. In: Paper presented at: XVI Congresso Brasileiro De Custos, 2009, Fortaleza, CE. 2009
  • 8 Silva JLV, Namba MM, Pereira FA. et al. Sutura meniscal “inside-out” com agulha de anestesia peridural. Rev Bras Ortop 2004; 39 (05) 264-269

Endereço para correspondência

Edmar Stieven Filho, PhD
Rua Gen. Carneiro, 181, Departamento de Cirurgia, Curitiba, Paraná
Brasil   

Publication History

Received: 07 April 2020

Accepted: 01 December 2020

Article published online:
14 December 2021

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  • Referências

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  • 2 Xu C, Zhao J. A meta-analysis comparing meniscal repair with meniscectomy in the treatment of meniscal tears: the more meniscus, the better outcome?. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2015; 23 (01) 164-170
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  • 7 Souza AA, Guerra M, Avelar EA. Proposta de metodologia para a implantação do sistema de custeio baseado em atividades para organizações hospitalares. In: Paper presented at: XVI Congresso Brasileiro De Custos, 2009, Fortaleza, CE. 2009
  • 8 Silva JLV, Namba MM, Pereira FA. et al. Sutura meniscal “inside-out” com agulha de anestesia peridural. Rev Bras Ortop 2004; 39 (05) 264-269

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Fig. 1 Visão axial e sagital da inserção da agulha com o fio, na linha interarticular do joelho, transfixando a região lesionada.
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Fig. 2 Visão axial e sagital da retirada da agulha do menisco, parando entre a cápsula e a pele.
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Fig. 3 Visão axial e sagital da reintrodução da agulha e fio no menisco, próximos à primeira inserção.
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Fig. 4 Visão axial e sagital das extremidades do fio fora da articulação.
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Fig. 5 Visão axial e sagital do resultado final da confecção do nó.
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Fig. 1 Axial and sagittal view of the needle insertion with the wire, in the interarticular line of the knee, transfixing the injured region.
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Fig. 2 Axial and sagittal view of the needle removal from the meniscus, stopping between the capsule and the skin.
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Fig. 3 Axial and sagittal view of needle and wire reintroduction into the meniscus near the first insertion.
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Fig. 4 Axial and sagittal view of the ends of the wire outside the joint.
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Fig. 5 Axial and sagittal view of the final result of knot making.