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DOI: 10.1055/s-0041-1729941
Infecção após artroplastia total primária de joelho: estudo randomizado prospectivo controlado da adição de antibiótico ao cimento ósseo[*]
Article in several languages: português | EnglishResumo
Objetivo O presente estudo prospectivo, randomizado e controlado foi realizado com 286 pacientes submetidos à artroplastia total primária do joelho (ATJ) com o objetivo de avaliar a eficácia da adição de antibiótico ao cimento ósseo como forma de prevenção da infecção pós-artroplastia (IPA).
Métodos Os pacientes foram randomizados em dois grupos: cimento ósseo sem antibiótico (Sem ATB, n = 158) ou cimento com antibiótico (Com ATB, n = 128), ao qual foram adicionados 2 g de Vancomicina para 40 g de cimento. Os pacientes foram acompanhados por 24 meses após a cirurgia.
Resultados No que diz respeito aos dados demográficos pré-operatórios, a distribuição dos pacientes entre os grupos foi homogênea (p < 0,05). No período de 24 meses, a taxa global de infecção foi de 2,09% (6/286), não havendo diferença (odds ratio [OR] = 1,636; intervalo de confiança [IC] 95%: 0,294–9,080; p = 0,694) entre o grupo Com ATB (1,56%; 2/128) e Sem ATB (2,53%; 4/158). No grupo Sem ATB, a infecção foi causada por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA, na sigla em inglês) (n = 2), S. aureus sensível à meticilina (MSSA, na sigla em inglês) (n = 1) e Eschirichia coli (n = 1). Proteus mirabilis e MSSA foram isolados dos pacientes do grupo Com ATB. Dentre as comorbidades, todos os pacientes com IPA eram hipertensos e não diabéticos. Dois pacientes com artrite reumatoide que desenvolveram IPA eram do grupo Com ATB.
Conclusão O uso de cimento com ATB reduziu o número absoluto de infecções; porém, sem diferença estatística entre os grupos. Desta forma, o uso rotineiro não deve ser encorajado.
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Palavras-chave
antibiótico - artroplastia do joelho - cimentos ósseos - infecções relacionadas à próteseIntrodução
A infecção profunda após artroplastia total do joelho (ATJ) é uma das complicações mais devastadoras e que gera grande frustação tanto para o paciente quanto para o cirurgião. Sua incidência varia entre 0,5% e 2%[1] [2], porém é a etiologia mais comum (20,4%) das revisões de ATJ no Estados Unidos.[3] Dados de um centro brasileiro mostram que a infecção é responsável por 49% das falhas precoces e por 25% das falhas tardias.[4]
Apesar da relativa baixa incidência, as infecções pós-artroplastia (IPAs) e seu tratamento têm grande impacto econômico. O custo de um único tratamento pode variar de 30 a 50 mil dólares; e o tratamento de infecções graves, causadas por microrganismos resistentes, pode custar até 100 mil dólares.[5] O custo do tratamento de uma infecção periprotética no sistema público brasileiro é estimado em ∼ 55 mil reais (∼ 14 mil dólares).[6]
Como medida de prevenção da infecção na ATJ, a Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS, na sigla em inglês) recomenda a profilaxia antimicrobiana sistêmica uma hora antes da incisão cirúrgica. No entanto, o fármaco não alcança prontamente a interface implante-tecido. Desta forma, a administração local de antibióticos associada à sistêmica é recomendada por alguns autores para disponibilizar concentrações mais altas de antibiótico in situ, com menor risco de toxicidade sistêmica.[7]
A mistura manual do antibiótico em pó com o cimento ósseo durante a cirurgia ou o produto pré-misturado disponível comercialmente são os métodos mais comumente utilizados para o aporte local de antibióticos.[8] Alternativamente, outros autores sugerem a aplicação de antibiótico em pó diretamente à ferida cirúrgica, a chamada profilaxia antimicrobiana intraferida. No entanto, ainda não existe consenso na literatura quanto à efetividade desses métodos, e mais evidências com estudos prospectivos são necessárias.[9] [10] [11]
Do ponto de vista clínico, o uso de cimento impregnado com antibiótico reduziu os índices de falhas séptica e asséptica na ATJ.[8] [10] [12] Com redução de 60,6% na ocorrência de infecções e economia de 801 euros por paciente, seu custo-benefício foi considerado favorável.[13] Contrariamente, uma revisão sistemática com mais de 34 mil pacientes submetidos a ATJ mostrou que o uso de antibióticos não reduziu a prevalência de IPA e pode ser um custo desnecessário para o sistema de saúde.[14] Dadas as evidências controversas, investigamos a eficácia da adição de antibiótico ao cimento ósseo na ATJ primária como forma de prevenção da infecção profunda.
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Material e Métodos
Critério de seleção
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 0036.0.305.00-10). Todos os voluntários consentiram por escrito antes da inclusão no estudo. Foram incluídos pacientes portadores de osteoartrite (OA) primária e secundária com indicação de ATJ. Não houve limite de idade e nem restrição quanto ao gênero. Os critérios de exclusão foram pacientes submetidos à artroplastia unicompartimental do joelho, à artroplastia de revisão ou a qualquer cirurgia prévia na articulação e pacientes com evidências de infecção articular ou com coagulopatias congênitas ou adquiridas, além de história prévia de alergia à vancomicina.
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Grupos do estudo
Foram recrutados de forma prospectiva todos os pacientes (n = 286) submetidos a ATJ entre julho de 2010 e dezembro de 2013. Os pacientes foram submetidos à ATJ primária com prótese Press Fit Condylar Sigma (Sigma/DePuy-Synthes, West Chester, PA, EUA) e randomizados de acordo com o uso de antibiótico no cimento ósseo. Em 158 pacientes, foi utilizado cimento ósseo convencional (DePuy-Synthes), denominado grupo Sem ATB, e em 128 pacientes foram adicionados 2 g de Vancomicina a cada 40 g de cimento ósseo, denominado grupo Com ATB. Os pacientes com número de prontuário ímpar foram alocados no grupo Sem ATB e pacientes com número de prontuário par foram alocados no grupo Com ATB.
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Técnica cirúrgica
Todos os pacientes foram submetidos à raquianestesia e bloqueio periférico dos nervos ciático e femoral com auxílio de eletroestimulação. Os procedimentos foram realizados com ou sem isquemia, com torniquete pneumático de coxa inflado com pressão de 300 mmHg. A mistura cimento/antibiótico foi preparada de acordo com McLaren et al.[12] pelo cirurgião principal durante o procedimento cirúrgico ([Figura Suplementar S1]). Um único dreno de 4,8 mm (Hemovac, Zimmer) foi mantido em todos os pacientes por 24 horas. Todas as cirurgias foram realizadas em uma única instituição por dois cirurgiões membros da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e da Sociedade Brasileira do Joelho (Cobra H. A. A. B. e Mozella A. P.).
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Cuidados pós-operatórios
Todos os pacientes receberam 2 g de cefazolina endovenosa., complementada com 2 doses adicionais de 1g a cada 8 horas. A prevenção de eventos tromboembólicos foi realizada com dose única diária de 40 mg de heparina de baixo peso molecular por via subcutânea (Clexane, Sanofi Aventis, Paris, França) iniciada 12 horas após o término da cirurgia e mantida por 10 dias.
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Diagnóstico da infecção
O diagnóstico de infecção foi baseado nos critérios definidos por Parvizi et al.,[15] [16] que consideram os achados clínicos, a elevação dos níveis de proteína C reativa, aumento na velocidade de hemossedimentação e cultura microbiológica positiva dos fragmentos teciduais obtidos no período intraoperatório. A presença de rubor, eritema e dor associados ou não a febre foram considerados sinais clínicos positivos de infecção. Depois que o paciente foi submetido à primeira etapa da cirurgia de revisão, foram coletados três fragmentos de fêmur, três fragmentos de tíbia e tecido mole para cultura microbiológica. O diagnóstico de infecção foi estabelecido quando ocorreu crescimento bacteriano do mesmo microrganismo em pelo menos duas amostras.
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Seguimento
Os pacientes foram avaliados com 15 dias, 2, 6, 12 e 24 meses após a cirurgia no ambulatório da instituição. A ocorrência de complicações no período pós-operatório, como tempo e presença de infecção superficial ou profunda, necrose cutânea, trombose venosa profunda, infarto agudo do miocárdio e reações alérgicas sintomáticas foram investigadas.
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Análise estatística
A análise de distribuição dos dados numéricos foi realizada pelo teste de Shapiro-Wilk. Os testes t de Student e Mann-Whitney foram aplicados para as variáveis com distribuição normal e não-normal, respectivamente. Foi adotada a significância de 5%. Dados categóricos foram analisados pelo teste qui-quadrado ou exato de Fisher. Utilizou-se o programa GraphPad Prism versão 7.00 para Windows (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA).
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Resultados
Características dos pacientes
Os dados pré-operatórios foram analisados para verificar a randomização dos indivíduos nos grupos de tratamento. Os grupos do estudo foram homogeneamente distribuídos sem diferenças no gênero (p = 0,221), classificação de risco cirúrgico de acordo com a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA, na sigla em inglês) (p = 0,348), idade (68 versus 66 anos; p = 0,429), índice de massa corporal [IMC] (30,4 versus 29,3; p = 0,579), níveis plasmáticos de globulina (2,8 versus 2,7; p = 0,566), níveis plasmáticos de albumina (3,5 versus 3,3; p = 0,555), duração da cirurgia (90 versus 85 minutos; p = 0,087), para os grupos Com ATB e Sem ATB, respectivamente ([Tabelas 1] e [2]).
Grupo Com ATB (n = 128) |
Grupo Sem ATB (n = 158) |
valor-p |
|||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mediana |
IIQ |
Min. |
Max. |
Mediana |
IIQ |
Min. |
Max. |
||||
Idade (anos) |
680 |
61,0 |
73,0 |
33,0 |
83,0 |
66,0 |
61,0 |
72,3 |
30,0 |
82,0 |
0,429[a] |
IMC (kg/m2) |
30,4 |
26,8 |
32,6 |
15,0 |
43,8 |
29,3 |
25,7 |
33,2 |
18,0 |
44,9 |
0,597[a] |
Globulina (g/dL) |
2,8 |
2,2 |
3,2 |
0,4 |
4,5 |
2,7 |
2,1 |
3,3 |
0,06 |
5,5 |
0,566[b] |
Albumina (g/dL) |
3,5 |
3,2 |
4,0 |
1,9 |
7,1 |
3,6 |
3,3 |
3,9 |
2,2 |
6,9 |
0,555[a] |
Duração da cirurgia (minutos) |
90,0 |
78,0 |
105,5 |
40,0 |
150 |
85,0 |
72,0 |
100,0 |
46,0 |
147,0 |
0,087[a] |
Com ATB (n = 128) |
Sem ATB (n = 158) |
valor-p |
|
---|---|---|---|
Gênero |
|
||
Masculino |
21,8% (28/128) |
15,8% (25/158) |
0,221[a] |
Feminino |
78,1% (100/128) |
84,1% (133/158) |
|
ASA |
|
||
1 |
6,2% (8/128) |
5,1% (8/158) |
0,348[b] |
2 |
92,2% (118/128) |
90,5% (143/158) |
|
3 |
2,3% (3/128) |
3,2% (5/158) |
|
Diagnóstico |
|
||
Osteoartrose |
78,9% (101/128) |
70,2% (111/158) |
0,911[b] |
Artrite reumatoide |
19,5% (25/128) |
15,2% (24/158) |
|
Outro |
1,6% (2/128) |
1,3% (2/158) |
|
Comorbidades |
|
||
Diabetes mellitus |
2,3% (3/128) |
1,9% (3/158) |
0,653[a] |
Hipertensão arterial sistêmica |
57,8% (74/128) |
59,5 (94/158) |
|
Ambos |
18,0% (23/128) |
20,3% (32/158) |
|
Nenhuma |
21,9% (28/128) |
18,4% (29/158) |
Dos 286 pacientes submetidos à ATJ, 212 (70,6%) apresentaram OA primária, 101 (78,9%) no grupo Com ATB e 111 (70,2%) no grupo Sem ATB. A OA secundária à artrite reumatoide foi o diagnóstico em 25 (19,5%) pacientes no grupo Com ATB e em 24 (15,2%) pacientes no grupo Sem ATB. Dois pacientes do grupo Com ATB desenvolveram OA secundária à osteonecrose, e dois outros pacientes do grupo Sem ATB desenvolveram OA secundária a trauma. Quanto à presença de comorbidades, 3 pacientes do grupo “Sem ATB” apresentavam diabetes mellitus (DM), 94 apresentavam hipertensão arterial sistêmica (HAS), e 32 apresentavam a associação das duas comorbidades. No grupo “Com ATB”, 3 eram diabéticos, 74 eram hipertensos e 23 apresentavam a associação entre DM e HAS. Não houve diferença entre os grupos para a presença de DM (p = 0,706), de HAS (p = 0,474) ou de ambas as condições associadas (p = 0,654). Níveis séricos de albumina < 3,5 g/dl foram observados em 96 dos 286 pacientes. A prevalência diagnóstica e a distribuição de comorbidades foram semelhantes entre os grupos ([Tabela 2]).
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Infecção pós artroplastia de joelho em pacientes que utilizaram cimento com ou sem antibiótico
Nos 24 meses de acompanhamento, o percentual de infecção foi de 2,09% (6/286), não havendo diferença (odds ratio [OR] = 1,636; intervalo de confiança [IC] 95%: 0,294–9,080; p = 0,694) entre o grupo Com ATB (1,56%; 2/128) e Sem ATB (2,53%; 4/158) ([Figura 1]). A média de tempo entre a realização da cirurgia e o diagnóstico de infecção foi de 250 dias (entre 27 e 158 dias). Um paciente desenvolveu infecção dentro de 915 dias. Excepcionalmente, este paciente não foi excluído do estudo, pois era proveniente de outro estado e estava no programa tratamento fora de domicílio (TFD) do sistema único de saúde (SUS), o que acarretou sua demora ao retorno. Os pacientes que evoluíram com IPA foram submetidos à cirurgia de revisão. O tempo médio de permanência hospitalar após a revisão foi de 46,6 dias (entre 16 e 90 dias).
Dentre os seis pacientes que desenvolveram infecção, todos eram hipertensos e nenhum diabético e/ou obeso. No grupo Com ATB, 2 dos 25 pacientes com OA secundária à AR desenvolveram infecção. No grupo Sem ATB, dentre os quatro pacientes infectados, nenhum deles apresentava AR. Um paciente de cada grupo apresentava níveis séricos de albumina < 3,5 g/dl.
No grupo Sem ATB, a infecção foi causada por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA, na sigla em inglês) (n = 2), S. aureus sensível à meticilina (MSSA, na sigla em inglês) (n = 1) e Escherichia coli (n = 1). No grupo Com ATB, em um dos pacientes foi isolado MSSA e, no outro, Proteus mirabilis. A infecção mais precoce foi detectada 27 dias após a ATJ, e a mais tardia em 915 dias (paciente TFD), ambas causadas por MRSA ([Tabela 3]).
Paciente |
Grupo |
Tempo para diagnóstico da infecção (dias) |
Microrganismo |
---|---|---|---|
1 |
Sem ATB |
915 |
MRSA |
2 |
Sem ATB |
449 |
MSSA |
3 |
Sem ATB |
29 |
Escherichia coli |
4 |
Sem ATB |
27 |
MRSA |
5 |
Com ATB |
46 |
MSSA |
6 |
Com ATB |
39 |
Proteus mirabilis |
Não foram relatadas reações alérgicas locais ou sistêmicas ou eventos adversos.
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Discussão
Os resultados do presente estudo prospectivo randomizado com 286 pacientes submetidos à ATJ primária com e sem adição de antibiótico ao cimento ósseo mostraram que o uso do cimento ósseo impregnado com vancomicina reduziu o número absoluto de infecções profundas, porém sem significância estatística. O uso do antibiótico também não mostrou relação com a ocorrência de reações adversas.
Em nosso estudo, a taxa global de infecção foi semelhante à taxa de infecção relatada na literatura (de 0,5% a 2%).[1] [2] [17] Poucos estudos prospectivos randomizados avaliaram os efeitos do cimento ósseo impregnado com antibióticos na taxa de infecção em ATJ. Um estudo prospectivo randomizado com 340 pacientes constatou que a adição de cefuroxima (2 g / 40 g) foi eficaz na prevenção de infecções profundas (0% versus 3,1%, p = 0,024).[10] Outro estudo com 1.625 pacientes não revelou diferença entre o uso de formulação comercial contendo tobramicina (2,2%; 18/814) e o grupo controle (3,1%; 25/811).[18] Em outro estudo de coorte, o uso de cimento ósseo com gentamicina não reduziu a taxa de infecção, mesmo nos pacientes considerados como grupo de risco[5]. No presente estudo, a maioria das infecções ocorreu nos primeiros 60 dias após a cirurgia. Não podemos excluir a hipótese de que as 2 infecções mais longas, que ocorreram dentro de 449 e 915 dias e foram causadas por S. aureus, são consequência de infecção hematogênica aguda.
Pacientes diabéticos têm 1,28 vezes maior chance de infecção.[19] Apesar de Chiu et al.[20] terem mostrado a eficácia do uso de cimento com cefuroxima na prevenção da infecção profunda na ATJ primária em pacientes diabéticos, Namba et al.[21] não observaram redução da taxa de infecção nesses pacientes. Na amostra do nosso estudo, foram incluídos 37 pacientes diabéticos no grupo Sem ATB e 29 no grupo Com ATB, porém nenhum deles desenvolveu infecção. É possível que o controle pré-operatório rígido da glicemia tenha contribuído para este achado. Embora não seja possível estabelecer, a partir dos nossos resultados, um protocolo para o uso de antibiótico no cimento ósseo nas ATJ primárias em pacientes considerados de risco, o seu uso é sustentado pela literatura.[7] [22]
A obesidade mórbida (IMC ≥ 40 Kg/m2) e a obesidade (IMC > 30 Kg/m2) combinadas com diabetes são fatores de risco para IPA após ATJ.[23] Em uma série com ∼ 7.000 ATJ primárias, a taxa de infecção foi de 0,37% nos pacientes com IMC normal, e de 4,66% no grupo de obesos mórbidos.[24] Na nossa amostra, nenhum dos obesos desenvolveu infecção.
A concentração sérica de albumina é um dos indicadores mais relevantes e simples da avaliação do status nutricional.[25] O parâmetro recomendado para pacientes submetidos a artroplastias é de 3,5 g/dL até 5,0 g/dL.[26] Dos pacientes com nível sérico de albumina < 3,5 g/dl, 1 de cada grupo apresentou IPA. A prevalência de desnutrição em pacientes hospitalizados no sistema público de saúde brasileiro é alta.[27] Futuramente, seria interessante investigar o impacto da desnutrição e da deficiência proteica, bem como o custo associado à desnutrição.
Similarmente, o tempo de cirurgia é considerado fator de risco para infecção periprotética, em especial quando ultrapassa 210 minutos.[17] O tempo médio de cirurgia foi de 85 minutos no grupo Sem ATB e de 90 minutos no grupo Com ATB; a pequena diferença pode ser explicada pelo tempo extra necessário para misturar o cimento com o antibiótico. Mesmo assim, o tempo máximo gasto neste grupo foi de 150 minutos, muito aquém dos 210 estabelecidos como limite na literatura. Os cirurgiões devem considerar este aspecto no planejamento da cirurgia ou até considerar o uso de cimento ósseo pré-misturado com antibióticos.
No que diz respeito à segurança, o uso local de antibióticos exige cautela devido ao risco potencial de toxicidade, reações alérgicas, microrganismos resistentes e diminuição da resistência mecânica.[18] No presente estudo, não observamos reações alérgicas locais ou sistêmicas ou eventos adversos atribuíveis ao antibiótico. É importante notar que a escolha da vancomicina foi baseada em recomendação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, devido à maior sensibilidade da microbiota bacteriana associada às infecções pós ATJ a este antibiótico. Apesar de a adição de > 0,5 g de Vancomicina afetar as propriedades mecânicas do cimento ósseo, doses < 2g perdem a propriedade antimicrobiana.[28] Mais estudos devem ser realizados para determinar o efeito da vancomicina nas propriedades mecânicas e na eluição do antibiótico no cimento ósseo DePuy-Synthes aqui utilizado. Estes resultados não descartam a influência de outros fatores na IPA após a ATJ primária em nossa população amostral – um centro público ortopédico terciário. Taxas de infecção podem ser controladas por meio de medidas mais rigorosas de atendimento ao paciente, e não há um único fator determinante para infecção periprotética, mas sim um conjunto de fatores.[29] Desta forma, futuramente, a análise por subgrupos, como portadores de AR, obesos e pacientes transfundidos, pode orientar a tomada de decisão do cirurgião sobre o uso de antibióticos na ATJ primária em nossa população.
Consideramos como ponto forte do presente estudo o longo tempo de seguimento (24 meses) sem perdas de acompanhamento. No entanto, reconhecemos como limitações a não realização do cálculo amostral, o que impossibilitou a análise não só de subgrupos por comorbidades, como também de outros fatores, como a realização de isquemia, transfusão e aspectos nutricionais. São necessários estudos prospectivos adicionais, com maior tamanho amostral brasileiro e com base nos critérios de diagnóstico de infecção mais recentes.[30] Um outro ponto a ser considerado é que não foi realizada a análise microbiológica da prótese explantada pelo método de sonicação. Esta análise poderia aumentar a sensibilidade do diagnóstico de infecção. Além disso, a relação custo-benefício do cimento ósseo impregnado com antibióticos também deve ser investigada. Até onde sabemos, apenas um estudo, incluindo 34 pacientes, avaliou o impacto econômico da infecção articular periprotética do joelho em hospitais brasileiros. O custo adicional total foi estimado em US$ 91.843,75[31], enquanto 2 g de Vancomicina custam cerca de BRL120 (∼ US$ 30,00) no mercado brasileiro. Outro estudo estimou o custo do tratamento da infecção da artroplastia do quadril em R$ 55.821,62 (∼ US$ 14.561) por paciente.[6]
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Conclusão
Finalmente, o uso de cimento impregnado com antibiótico não deve ser encorajado nas artroplastias totais primárias de joelho. Acreditamos que nossos resultados poderão direcionar a conduta dos cirurgiões ortopédicos e contribuir com a diminuição do uso inapropriado de antibióticos.
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Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
* Trabalho desenvolvido no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
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Referências
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Publication History
Received: 27 July 2020
Accepted: 01 December 2020
Article published online:
28 October 2021
© 2021. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)
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