Palavras-chave
metacarpo - ossos metacarpais - transplante ósseo - tumor de células gigantes do osso
Introdução
Os tumores de células gigantes (TCGs) são neoplasias ósseas benignas, mas localmente agressivas, caracterizadas por um tecido ricamente vascularizado, que contém muitas células gigantes multinucleadas semelhantes aos osteoclastos, e dois tipos de células estromais mononucleares proliferativas, as redondas e as fusiformes.[1] As células mononucleares redondas, juntamente com as células gigantes semelhantes aos osteoclastos, são células benignas especializadas, reativas, derivadas dos monócitos, e são recrutadas para o tumor pelas células mononucleares fusiformes, as quais acredita-se que sejam as únicas células neoplásicas verdadeiras no TCG.[2]
[3] Esses tumores são relativamente incomuns, e representam cerca de 5% de todos os tumores ósseos primários,[3]
[4] e cerca de 22% dos tumores ósseos benignos.[5] Ocorrem predominantemente após a maturidade esquelética, exibem uma leve predominância no sexo feminino, e têm o seu pico de incidência entre 20 e 45 anos de idade.[4]
[6] Cerca de metade dos casos ocorre em volta do joelho,[7] sendo raros nos ossos da mão,[4] sobretudo em indivíduos esqueleticamente imaturos, com poucos casos descritos na literatura.[8] Somente 10,9% dos casos ocorrem em pacientes acima dos 50 anos de idade.[5] Tumores dos metacarpos (MCs), metatarsos e falanges geralmente são puramente líticos, estendem-se até a extremidade dos ossos,[9] e, ao atingirem os ossos das mãos, comumente apresentam-se em um estágio avançado, com extensa destruição óssea, o que, portanto, complica o seu tratamento.[10] Por esse motivo, a reconstrução de lesões volumosas na mão representa um grande desafio, com grande risco de sequelas, amputação de raios, ou deformidades.
O objetivo deste artigo é descrever a técnica de reconstrução de MCs após a ressecção de TCG utilizando enxerto livre de matatarso, por meio do relato de dois casos. O caso 1 é o de uma paciente do sexo feminino de 14 anos com TCG no segundo MC esquerdo, de crescimento rápido. O caso 2 é o de um paciente do sexo masculino de 62 anos com TCG multicêntrico de crescimento mais lento, com piora gradual da dor e função da mão direita ao longo dos últimos 5 anos, localizado no quinto MC e no quinto metatarso ipsilateral.
Técnica Cirúrgica
Para a descrição da técnica cirúrgica, utilizamos como exemplo a paciente do caso 1 ([Fig. 1]).
Fig. 1 Caso 1: radiografias frontal e oblíqua da mão esquerda dois meses após a realização de biópsia incisional por cirurgião oncológico. Perceba que a abertura exagerada da pseudocápsula permitiu a rápida expansão do tumor para as partes moles.
Os critérios objetivos para a escolha do metatarso ideal são a forma e o diâmetro da epífise distal e a largura da diáfise mais semelhantes ao MC a ser ressecado. Inicialmente, foi realizada radiografia da mão contralateral para estabelecer as relações da anatomia normal dos MCs, verificando o comprimento do segundo MC e o tamanho relativo ao terceiro MC, além de radiografias do pé ipsilateral para determinar qual metatarso se assemelhava mais ao segundo MC ([Fig. 2]). A seguir, após osteotomia da base do segundo MC, o tumor foi ressecado em bloco juntamente com a cicatriz da biópsia, tomando-se o cuidado de preservar ao máximo a cápsula articular metacarpo-falângica. Após a ressecção do tumor, foi realizada a coleta do terceiro metatarso ipsilateral com osteotomia na base, tomando-se o cuidado de retirar completamente as partes moles ao seu redor, mas mantendo o máximo dos ligamentos da cápsula articular metatarso-falângica. Foi realizada osteossíntese com placa de minifragmentos e sutura dos ligamentos remanescentes da cápsula articular do segndo MC e do terceiro metatarso ([Fig. 3]). Após o procedimento, a paciente foi imobilizada com tala gessada antebraquio-digital com punho entre 20° e 30° de extensão, articulações metacarpo-falângicas entre 70° e 90° de flexão, e articulações interfalângicas em extensão total por 4 semanas. Depois, foi mantida com fisioterapia da mão, em média 3 vezes na semana, e órtese funcional confeccionada por terapeuta ocupacional imobilizando punho e a articulação metacarpo-falângica do segundo dedo nos 6 meses subsequentes, até que fossem observados sinais de consolidação, e que se percebessem sinais radiológicos de aumento da porosidade do enxerto, sugestivos da revascularização. A [Fig. 4] e a [Fig. 5] mostram, respectivamente, as imagens pré e pós-operatórias do paciente do caso 2, no qual foi realizada a ressecção do tumor e transferência do terceiro metatarso contralateral.
Fig. 2 Caso 1: radiografias da mão direita (normal) e do pé esquerdo (ipsilateral à lesão) para determinação do comprimento do segundo metacarpo (MC) e de sua relação com o terceiro MC, além de verificação de qual metatarso apresentava maior semelhança anatômica com o segundo MC.
Fig. 3 Esquema da técnica de ressecção do tumor e reconstrução com enxerto osteoarticular livre de metatarso. (A) A linha tracejada demarca o local da osteotomia, e as linhas contínuas demarcam local da secção da cápsula articular (TU = massa tumoral). (B) Mão após a ressecção tumoral, na qual se vê a base do MC e os ligamentos capsulares remanescentes. (C) Escolha do metatarso anatomicamente mais semelhante ao MC; a linha tracejada demarca o local da osteotomia proximal, e as linhas contínuas, o local da ressecção dos ligamentos capsulares. (D) Metatarso livre com suas inserções capsulares. (E) Sutura dos ligamentos capsulares. (F) Osteossíntese com placa de minifragmentos.
Fig. 4 Caso 2: radiografia frontal e oblíqua de mão e pé direitos evidenciando lesão osteolítica expansiva comprometendo todo o quinto MC direito e a região metaepifisária distal do quinto metatarso direito.
Fig. 5 Caso 2: radiografias anteroposteriores, posteroanteriores e oblíquas no pós-operatório imediato de ressecção do tumor e reconstrução com enxerto osteoarticular livre de metatarso.
Comentários finais
Após seis meses de evolução, a linha de osteotomia não mostrava sinais de consolidação entre o enxerto e o MC hospedeiro, razão pela qual foi realizada enxertia autóloga de ilíaco, que evoluiu com completa consolidação óssea no oitavo mês ([Fig. 6]). Atualmente, 5,5 anos após a ressecção, ela se encontra sem sinais de recidiva local, com função considerada excelente de acordo com o MSTS (Musculoskeletal Tumor Society). O paciente masculino apresentou excelente evolução do pós-operatório imediato até a última revisão com dois meses de pós-operatório, quando retornou à sua cidade natal e perdemos seu seguimento.
Fig. 6 Paciente do Caso 1 8,5 meses após a ressecção do tumor e a reconstrução com enxerto osteoarticular livre de metatarso. Radiografia com 75 dias de pós-operatório do enxerto de ilíaco, mostrando completa consolidação e integração.
Nenhum dos pacientes apresentou qualquer queixa de dor nos pés ou alteração da marcha após a retirada dos metatarsos. Dessa maneira, concluímos que a transferência do complexo ligamentar osteoarticular metatarsal, para a reconstrução de defeitos metacarpais após ressecção de tumores de células gigantes, é um procedimento seguro e eficiente, com bons resultados funcionais e estéticos num seguimento de médio prazo.