Introdução
O conhecimento da antropometria do quadril, ou seja, das medidas anatômicas médias
de uma determinada população é essencial. Sabe-se que as dimensões e o formato das
estruturas ósseas variam, entre outros fatores, de acordo com idade, sexo e etnia.[1 ]
O domínio destas medidas permite um diagnóstico mais preciso e um melhor manejo de
condições tais como o impacto fêmoro-acetabular (IFA). Outra aplicação da antropometria
é no desenvolvimento de implantes para tratamento das fraturas do fêmur.[2 ] Ressalta-se ainda, a importância deste conhecimento na artroplastia total do quadril
(ATQ). Nesta, é desejável que os implantes sejam dimensionados de maneira a se acomodarem
com a maior precisão possível a variabilidade anatômica dos indivíduos, haja visto
que algumas das complicações resultantes da incompatibilidade das dimensões do implante
com o osso receptor podem cursar até mesmo com falha precoce devido a transferência
inadequada de cargas.[2 ]
[3 ]
[4 ]
[5 ]
Dada a escassez de estudos antropométricos completos sobre o quadril do brasileiro,
objetivamos investigar a anatomia média da articulação do quadril de uma população
regional paranaense, através de medidas coxofemorais extraídas de tomografias computadorizadas
do abdômen, e compará-la com dados disponíveis na literatura sobre outras populações.
Analisamos, ainda, se sexo ou idade teriam correlação significativa com a variação
das medidas realizadas.
Material e métodos
Estudo retrospectivo conduzido a partir dos dados antropométricos obtidos através
de 200 estudos de imagem de tomografia axial computadorizada (TAC) de pacientes atendidos
no centro de imagens de um hospital terciário paranaense, no período de outubro de
2014 a agosto de 2018.
Foram incluídos, de forma aleatória, exames tomográficos de pacientes que realizaram
TAC de abdômen, e que contassem com a reconstrução tomográfica dos planos axial e
coronal que possibilitassem as aferições das medidas antropométricas propostas (ou
seja, que contivessem cortes compreendidos entre o teto acetabular, cranialmente,
até 2 cm abaixo da base do trocânter menor, no sentido caudal). Excluímos exames que
apresentassem fraturas do quadril, presença de material de síntese ou outra situação
que pudesse causar vício na coleta das medidas pretendidas, tais como tumores ósseos
ou deformidades congênitas. O projeto de estudo foi devidamente registrado na Plataforma
Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição (CAAE 96182818.5.0000.5226).
As imagens digitalizadas foram obtidas através de tomógrafo Philips Modelo MX16EVO2
(Philips, Amsterdam, Países Baixos) 16 canais, armazenadas no sistema Picture Archiving and Communication System (PACS) Aurora (Pixeon, São Caetano do Sul, SP, Brasil). Todas as avaliações e medidas
foram realizadas no programa de leitura Arya, do mesmo desenvolvedor. O quadril direito
foi escolhido para todas as medições, que foram feitas pelo primeiro co-autor. Os
valores encontrados foram então submetidos a tratamento estatístico e comparados com
estudos semelhantes. Diagramas ilustrativos das medidas realizadas estão disponíveis
nas [Figuras 1 ], [2 ] e [3 ].
Fig. 1 Ilustração das medidas femorais.
Fig. 2 Ilustração das medidas acetabulares.
Fig. 3 Ilustração das medidas combinadas.
Os parâmetros avaliados no corte coronal foram:
Ângulo de Sharp (índice acetabular): ângulo compreendido entre uma linha horizontal padrão (bi-isquiática) e outra linha
que conecta as extremidades acetabulares ínfero-medial a súpero-lateral em seu maior
diâmetro.[6 ]
[7 ]
[8 ]
Ângulo de Tönnis: ângulo compreendido entre uma linha horizontal padrão e outra linha traçada do ponto
mais medial ao ponto mais lateral da sobrancelha.[1 ]
[8 ]
[9 ]
[10 ]
Profundidade acetabular: distância ortogonal do ponto médio da maior linha que conecta as extremidades acetabulares
ínfero-medial e súpero-lateral para o fundo do acetábulo, em seu maior diâmetro.[8 ]
[11 ]
Ângulo de Wiberg (centro borda lateral): ângulo entre uma linha traçada verticalmente através do centro da cabeça femoral
e outra linha traçada a partir do centro da cabeça do fêmur para a borda mais lateral
da sobrancelha.[12 ]
[13 ]
Centro borda medial: ângulo entre uma linha vertical traçada através do centro da cabeça do fêmur e outra
linha que liga o centro da cabeça do fêmur a borda mais medial da sobrancelha.[9 ]
[14 ]
[15 ]
Arco acetabular: Somatória dos ângulos centro borda lateral e centro borda medial.[16 ]
[17 ]
Ângulo Delta (Notzli): ângulo entre uma linha traçada do centro da cabeça do fêmur até a parte mais medial
da sobrancelha e outra linha traçada do centro da cabeça até a parte mais lateral
da fóvea da cabeça do fêmur, no corte tomográfico aonde esta encontra-se mais profunda.[18 ]
Índice de extrusão da cabeça: medido no maior diâmetro da cabeça do fêmur. É determinado através de linhas verticais
ortogonais a uma linha horizontal padrão, traçadas através da borda mais lateral da
sobrancelha e da borda mais lateral da cabeça do fêmur. O índice é obtido dividindo-se
a medida horizontal da parte extrusa pelo diâmetro da cabeça.[16 ]
Ângulo cérvico-diafisário: ângulo entre o eixo anatômico do fêmur (traçado através de pontos no centro do diâmetro
médio-lateral da diáfise em duas regiões distintas) e o eixo do colo (traçado entre
um ponto central do diâmetro crânio-caudal do colo do fêmur e o centro de rotação
da cabeça).[1 ]
[2 ]
[7 ]
Offset
lateral: distância ortogonal do centro de rotação da cabeça do fêmur ao eixo anatômico do
mesmo osso.[11 ]
[12 ]
Offset
vertical: distância ortogonal do centro da cabeça femoral até uma linha que tangencia a extremidade
mais cranial do trocânter maior.[12 ]
Diâmetro do colo do fêmur: diâmetro endosteal ortogonal ao eixo do colo, medido no corte de maior diâmetro deste.[10 ]
Diâmetro do canal femoral: diâmetro endosteal médio-lateral do canal do fêmur. Medido em cinco pontos, a saber:
2 cm acima da borda cranial do trocânter menor, na altura da borda cranial do trocânter
menor, na altura do ápice do trocânter menor, na altura da borda caudal do trocânter
menor e 2 cm distais a borda caudal do trocânter menor.[2 ]
Os parâmetros avaliados no corte axial foram:
Versão acetabular: ângulo entre as extremidades das paredes acetabulares anterior e posterior e uma
linha ortogonal a outra linha padrão que conecta as margens pélvicas posteriores,
ao nível do maior diâmetro da cabeça.[13 ]
[14 ]
Ângulo do setor anterior do acetábulo (AASA): ângulo entre a linha que passa nos centros das cabeças (em seu maior diâmetro) e
outra linha traçada do centro da cabeça a extremidade da parede anterior.[15 ]
Ângulo do setor posterior do acetábulo (PASA): ângulo entre a linha que passa nos centros das cabeças (em seu maior diâmetro) e
outra linha traçada do centro da cabeça a extremidade da parede posterior.[15 ]
Ângulo do setor horizontal do acetábulo (HASA): Somatória: AASA + PASA.[15 ]
Diâmetro da cabeça do fêmur: no maior diâmetro da cabeça do fêmur.[10 ]
Diâmetro do acetábulo: no corte de maior diâmetro da cabeça.[10 ]
Offset
cabeça-colo
[10 ]: são traçadas três linhas paralelas: 1) eixo do colo do fêmur. 2) linha paralela
à primeira, que tangencia a cortical anterior do colo. 3) linha paralela às demais,
que tangencia a cortical anterior da cabeça do fêmur. O offset é dado pela distância entre as linhas 2 e 3.
Ângulo
alfa
anterior: ângulo entre o eixo do colo do fêmur até uma linha que conecta o centro de rotação
da cabeça do fêmur ao seu ponto de perda da esfericidade.[16 ]
[19 ]
Diâmetro do canal femoral: diâmetro ântero-posterior do canal do fêmur. Medido em cinco pontos: 02 cm acima
do trocânter menor, na altura da borda superior do trocânter menor, no ápice do trocânter
menor, naborda inferior do trocânter menor e 02cm distais ao trocânter menor.[2 ]
Os dados coletados foram submetidos ao teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar
a normalidade da distribuição dos valores antropométricos. O teste de Bartlett foi
utilizado para testar se as variâncias de K nos grupos (tipos de medidas antropométricas) eram homogêneas. O teste Qui-quadrado
para variáveis categóricas foi realizado com a finalidade de identificar as tendências
quanto a idade e sexo e o teste análise de variância (ANOVA) foi utilizado para comparação
de médias (considerando p < 0,05 como significativo).
Resultados
O presente estudo analisou dados de TAC de 200 pacientes. Em cada caso foram coletadas
30 medidas, totalizando 6.000 dados para a análise estatística.
A [Tabela 1 ] contém os dados demográficos da população estudada. Os pacientes possuem idade média
igual a 49 anos (µ = 48,90), variando com desvio padrão de ± 20 anos (σ = ± 20.25).
A composição étnica média, autodeclarada, da população que faz uso desta unidade hospitalar
foi retirada do sistema de internamento, e é composta da seguinte maneira: 69,2% se
identificam como brancos, 4,4% como negros e 26,4% como pardos.
Tabela 1
Caracterização
n
%
Faixa Etária
≥ 50
96
48%
< 50
104
52%
Sexo
F
86
43%
M
114
57%
A [Tabela 2 ] descreve os achados médios, mínimo e máximo da amostra geral, bem como seus desvios
padrões. De modo geral, as medidas possuem valores médios considerados normais.
Tabela 2
Medida radiológica
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Sharp (ângulo)
40,3
4,8
27,0
63,0
Tönnis (ângulo)
3,4
6,8
−13,0
50,0
Profundidade (mm)
19,0
2,9
11,0
30,0
CE lateral (ângulo)
33,8
8,3
15,0
64,0
CE medial (ângulo)
33,4
8,6
13,0
66,0
Arco acetabular (ângulo)
66,9
11,2
38,0
103,0
Âng. delta (ângulo)
27,8
8,8
5,0
52,0
Índ. extrusão (%)
14,0
9,8
0,0
52,0
Âng. cérv. diafisário
129,4
5,8
116,0
145,0
Offset lateral (mm)
37,6
3,4
28,0
45,0
Offset vertical (mm)
−1,3
8,8
−16,0
27,0
Diâmetro do colo (mm)
25,2
4,0
17,0
37,0
Versão acetabular (ângulo)
21,2
6,5
7,0
47,0
AASA (ângulo)
63,3
9,7
26,0
92,0
PASA (ângulo)
105,9
14,0
71,0
159,0
HASA (ângulo)
169,4
19,5
129,0
252,0
Diâmetro cefálico (mm)
41,8
4,0
32,0
52,0
Diâmetro acetabular (mm)
52,4
4,0
41,0
61,0
Offset cabeça-colo (mm)
9,4
2,7
4,0
28,0
Ângulo alfa anterior (ângulo)
47,9
7,2
30,0
71,0
AP: + 2 cm (mm)
34,9
6,0
20,0
55,0
ML: + 2 cm (mm)
40,6
6,3
22,0
62,0
AP: superior (mm)
31,0
4,8
20,0
45,0
ML: superior (mm)
36,8
4,4
24,0
50,0
AP: ápice (mm)
27,4
5,0
17,0
40,0
ML: ápice (mm)
37,6
5,9
16,0
51,0
AP: inferior (mm)
22,6
4,0
12,0
35,0
ML: inferior (mm)
24,4
5,0
15,0
42,0
AP: − 2 cm (mm)
17,8
3,3
10,0
28,0
ML: − 2 cm (mm)
18,0
3,4
11,0
38,0
Considerando o ângulo centro-borda lateral ou anterior menor do que 20° como sugestivo
de DDQ, tivemos 12 quadris na amostra, com uma prevalência de 6%. Se considerarmos
a elevação do ângulo alfa acima de 55° como suspeita de IFA do tipo cam , tivemos 22 quadris, ou 11%. Se considerarmos o ângulo de Tönnis negativo como sugestivo
de IFA do tipo pincer , tivemos 23 casos ou 11,5%. Casos de alteração sugestiva do tipo misto responderiam
por 3,5% desta amostra. Desta maneira, 26% da amostra possui algum sinal sugestivo
de IFA.
A [Tabela 3 ] demonstra as medições por faixa etária (< 50 anos ou ≥ 50 anos). Em negrito estão
destacadas as medidas com diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05). Algumas medidas antropométricas se mostraram significativamente diferentes
em função dos grupos etários.
Tabela 3
Variável
Idade
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Valor de p
Corte coronal
SHARP
≥ 50
39,1
5,5
27,0
63,0
0.000*
< 50
41,5
3,8
28,0
49,0
TONNIS
≥ 50
3,4
6,8
−12,0
50,0
0.977
< 50
3,4
6,8
−13,0
35,0
PROFUNDIDADE
≥ 50
18,7
2,8
12,0
28,0
0.187
< 50
19,3
3,1
11,0
30,0
CENTRO-BORDA LATERAL
≥ 50
35,9
8,1
22,0
62,0
0.001*
< 50
31,9
8,0
15,0
64,0
CENTRO-BORDA MEDIAL
≥ 50
32,6
7,1
13,0
50,0
0.188
< 50
34,2
9,7
19,0
66,0
ARCO ACETABULAR
≥ 50
68,6
10,7
47,0
103,0
0.041*
< 50
65,4
11,4
38,0
103,0
ÂNGULO DELTA
≥ 50
28,3
8,8
5,0
52,0
0.409
< 50
27,3
8,8
5,0
42,0
ÍNDICE DE EXTRUSÃO
≥ 50
11,2
8,6
0,0
34,0
0.000*
< 50
16,7
10,2
0,0
52,0
ÂNG. CÉRV. DIAFISÁRIO
≥ 50
128,5
5,8
116,0
142,0
0.036*
< 50
130,2
5,8
116,0
145,0
OFFSET LATERAL
≥ 50
37,6
3,3
29,0
44,0
0.799
< 50
37,5
3,5
28,0
45,0
OFFSET VERTICAL
≥ 50
−2,8
8,1
−15,0
24,0
0.028*
< 50
0,0
9,2
−16,0
27,0
DIÂMETRO DO COLO
≥ 50
25,2
3,7
18,0
37,0
0.947
<50
25,2
4,2
17,0
37,0
Corte axial
ANTEVERSÃO ACETABULAR
≥ 50
22,6
6,5
7,0
44,0
0.003*
< 50
19,9
6,3
8,0
47,0
AASA
≥ 50
65,4
10,5
35,0
87,0
0.002*
< 50
61,3
8,6
26,0
92,0
PASA
≥ 50
110,4
14,8
80,0
159,0
0.000*
< 50
101,6
11,7
71,0
159,0
HASA
≥ 50
176,0
20,9
132,0
234,0
0.000*
< 50
163,2
15,8
129,0
252,0
DIÂMETRO CEFÁLICO
≥ 50
41,5
3,7
32,0
50,0
0.337
< 50
42,1
4,2
33,0
52,0
DIÂMETRO ACETABULAR
≥ 50
52,3
4,2
41,0
60,0
0.616
< 50
52,6
3,9
42,0
61,0
OFFSET CABEÇA COLO
≥ 50
9,2
3,0
4,0
28,0
0.403
< 50
9,5
2,5
5,0
21,0
ÂNGULO ALFA ANTERIOR
≥ 50
48,2
7,6
30,0
71,0
0.526
< 50
47,6
6,7
30,0
67,0
Nos pacientes acima de 50 anos, o ângulo de Sharp se mostrou maior, com média igual
a 41,5°; assim como a média do CE lateral (µ = 35,9 mm). Da mesma maneira, a medida
do arco acetabular foi maior (µ = 68,6°). Nas medidas do corte axial, observou-se
também que as médias da versão acetabular (µ = 22.6°), dos ângulos AASA (µ = 65.4°),
PASA (µ = 110.4°) e HASA (µ = 176°) se mostraram significativamente mais elevadas
no grupo de pacientes de maior idade.
Nos mais jovens, verifica-se que o índice de extrusão apresentou média mais elevada
(µ = 16,7%), assim como o ângulo cérvico diafisário que também se mostrou mais elevado
neste grupo (µ = 130,2°).
Resultados por sexo
A [Tabela 4 ] demonstra as medidas obtidas por sexo. Em negrito estão destacadas as medidas com
diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05). Observamos que algumas medidas se mostraram significativamente diferentes.
Tabela 4
VARIÁVEL
Sexo
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Valor de p
CORTE CORONAL
SHARP
F
40,5
5,4
28,0
63,0
0.636
M
40,2
4,3
27,0
49,0
TONNIS
F
2,7
6,8
−13,0
35,0
0.223
M
3,9
6,9
−11,0
50,0
PROFUNDIDADE
F
18,3
2,7
12,0
25,0
0.004*
M
19,5
3,1
11,0
30,0
CE LATERAL
F
35,5
9,5
16,0
64,0
0.013*
M
32,6
7,1
15,0
54,0
CE MEDIAL
F
33,7
8,1
17,0
62,0
0.650
M
33,2
8,9
13,0
66,0
ARCO ACETABULAR
F
68,7
12,2
47,0
103,0
0.046*
M
65,5
10,2
38,0
103,0
ÂNG. DELTA:
F
28,4
9,2
5,0
52,0
0.372
M
27,3
8,5
5,0
47,0
ÍND. EXTRUSÃO
F
11,4
9,6
0,0
52,0
0.001*
M
16,0
9,6
0,0
50,0
ÂNG. CÉRV. DIAFISÁRIO
F
129,0
6,3
116,0
142,0
0.390
M
129,7
5,5
116,0
145,0
OFFSET LATERAL
F
36,5
3,6
28,0
45,0
0.000*
M
38,3
3,1
30,0
45,0
OFFSET VERTICAL
F
−2,1
7,8
−15,0
15,0
0.265
M
−0,7
9,4
−16,0
27,0
DIÂMETRO DO COLO
F
23,7
3,6
17,0
32,0
0.000*
M
26,4
3,8
17,0
37,0
CORTE AXIAL
VERSÃO ACET.
F
22,5
6,8
7,0
44,0
0.012*
M
20,2
6,1
8,0
47,0
AASA
F
63,6
9,6
35,0
86,0
0.742ns
M
63,1
9,8
26,0
92,0
PASA
F
107,8
13,6
73,0
159,0
0.086ns
M
104,4
14,1
71,0
159,0
HASA
F
171,8
19,0
129,0
234,0
0.125ns
M
167,5
19,7
129,0
252,0
DIÂM. DA CABEÇA
F
39,4
3,2
32,0
50,0
0.000*
M
43,6
3,5
36,0
52,0
DIÂM. DO ACETÁBULO
F
50,0
4,0
41,0
60,0
0.000*
M
54,2
3,0
45,0
61,0
OFFSET CABEÇA-COLO
F
8,9
2,3
4,0
14,0
0.055ns
M
9,7
3,0
4,0
28,0
ÂNG. ALFA ANTERIOR
F
47,6
7,4
30,0
71,0
0.593ns
M
48,1
6,9
30,0
65,0
No sexo feminino, observa-se que o ângulo médio da versão acetabular se mostrou significativamente
mais elevado (µ = 22.5°) assim como o ângulo centro-borda lateral (µ = 35.5°) e o
arco acetabular (µ = 68.7°).
No grupo masculino, foram mais elevados o índice de extrusão (µ = 16%), o offset lateral (µ = 38,3 mm), a profundidade média (µ = 19,5 mm) e o diâmetro médio do colo
(µ = 26,4 mm). Ainda, os valores do diâmetro médio da cabeça (µ = 43,6 mm) e do diâmetro
médio do acetábulo (µ = 54,2 mm) também se mostraram mais elevados.
Na [Tabela 5 ] vemos as medidas relacionadas ao diâmetro do canal. Observa-se que o grupo masculino
apresentou medidas significativamente mais elevadas do que o grupo feminino. A [Tabela 6 ] demonstra que não houve diferença significativa nas medidas do canal femoral comparando-se
os grupos em relação a idade.
Tabela 5
Variável
Sexo
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Valor de p
AP: + 2CM
F
33,1
5,5
22,0
52,0
0.000*
M
36,2
6,1
20,0
55,0
ML: + 2CM
F
40,8
6,2
29,0
62,0
0.747
M
40,5
6,3
22,0
60,0
AP: superior
F
29,3
4,8
20,0
45,0
0.000*
M
32,3
4,4
22,0
44,0
ML: superior
F
35,6
4,2
24,0
50,0
0.001*
M
37,7
4,4
25,0
49,0
AP: ápice
F
26,4
4,8
17,0
40,0
0.014*
M
28,1
5,0
18,0
40,0
ML: ápice
F
36,3
5,1
19,0
50,0
0.008*
M
38,6
6,3
16,0
51,0
AP: inferior
F
22,2
4,2
14,0
32,0
0.147
M
23,0
3,8
12,0
35,0
ML: inferior
F
24,2
5,3
15,0
42,0
0.658
M
24,5
4,8
15,0
41,0
AP: - 2CM
F
17,6
3,3
11,0
28,0
0.595
M
17,9
3,3
10,0
28,0
ML: - 2CM
F
17,8
2,9
11,0
25,0
0.461
M
18,2
3,7
12,0
38,0
Tabela 6
Variável
Faixa Etária
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Valor de p
AP: + 2CM (mm)
≥ 50
35,0
5,5
22,0
52,0
0.780
< 50
34,8
6,5
20,0
55,0
ML: + 2CM (mm)
≥ 50
40,2
6,9
22,0
62,0
0.323
< 50
41,0
5,6
28,0
57,0
AP: superior (mm)
≥ 50
30,7
4,6
22,0
42,0
0.386
< 50
31,3
5,0
20,0
45,0
ML: superior (mm)
≥ 50
36,9
3,7
28,0
46,0
0.880
< 50
36,8
5,0
24,0
50,0
AP: ápice (mm)
≥ 50
27,0
4,7
18,0
38,0
0.334
< 50
27,7
5,2
17,0
40,0
ML: ápice (mm)
≥ 50
38,1
4,6
25,0
51,0
0.249
< 50
37,1
6,9
16,0
50,0
AP: inferior (mm)
≥ 50
22,5
3,8
12,0
35,0
0.725
< 50
22,7
4,2
14,0
35,0
ML: inferior (mm)
≥ 50
24,5
4,5
18,0
40,0
0.723
< 50
24,3
5,4
15,0
42,0
AP: − 2CM (mm)
≥ 50
17,5
2,9
12,0
27,0
0.372
< 50
18,0
3,7
10,0
28,0
ML: − 2CM (mm)
≥ 50
18,3
3,2
12,0
29,0
0.315
< 50
17,8
3,6
11,0
38,0
Discussão
Neste estudo, analisamos exames de TAC de abdômen, que continham segmentações ao nível
da articulação coxofemoral, para que pudéssemos caracterizar as medidas antropométricas
médias desta amostra. Foram usados estudos de TAC do abdômen de modo a diminuir o
viés de seleção, já que provavelmente não foram feitos por queixas ortopédicas (e
não avaliamos sintomatologia prévia neste estudo).
O conceito moderno de impacto fêmoro-acetabular (IFA) foi descrito por Ganz e sub-dividido
em três tipos: pincer , quando ocorre devido a alterações acetabulares tais como coxa profunda ou retroversão
global ou focal; came, quando as alterações são femorais, geralmente devido a perda
do offset cabeça-colo; e misto, o mais comum.
Ao investigar a prevalência de anormalidades ósseas predisponentes ao IFA em indivíduos
assintomáticos, Kang et al.[6 ] observaram que pacientes que apresentavam ângulo de versão acetabular variando entre
5 a 29°, com uma média de 18°, valor este que se encontra abaixo do encontrado em
nossa amostra, que variou entre 7 a 47°, resultando em uma média de 21,2°. Outros
autores avaliaram medidas que poderiam sugerir IFA. Uma medida amplamente descrita
na literatura é o ângulo centro-borda de Wiberg. Neste mesmo estudo,[6 ] foram encontrados valores que variaram entre 21 a 46°, com média de 34°. Em uma
série de casos avaliados por Murtha et al.[8 ], este ângulo variou entre 8,5 e 32,3°. Em nossa amostra, encontramos medidas que
variaram de 15 a 64°, com média de 33,8°.
Tannast et al.[16 ] classificaram os acetábulos conforme esta medida em 4 grupos, nos quais ângulos < 22°
corresponderiam a quadris displásicos, 23 a 33 quadris normais, 34 a 39 quadris com
sobrecobertura e > 40° sobrecobertura severa. Na amostra estudada, a prevalência de
displasia do desenvolvimento do quadril foi de 6%, enquanto 26% dos casos apresentavam
algum sinal sugestivo de IFA. Sobre a alta prevalência de sinais sugestivos de IFA
na amostra estudada, é de extrema importância ressaltar que o diagnóstico da síndrome
do IFA não depende apenas de achados de imagem e, como não coletamos dados acerca
da presença de sintomatologia nestes pacientes, este achado deve ser apenas considerado
do ponto de vista morfológico, e não patológico.
Quando analisados por sexo, Lepaage-Saucier et al.[14 ] e Kang et al.[6 ] encontraram maiores médias no ângulo centro-borda em homens do que em mulheres;
já apenas o estudo de Mineta et al.,[10 ] curiosamente, não encontrou diferenças entre os gêneros. Nossa amostra foi condizente
com a literatura prévia e evidenciou ângulos maiores em pacientes do sexo feminino
quando comparados aos do sexo masculino, sendo estes 35,5 ° e 32,6°, respectivamente.
Kang et al. também descreveram medidas do ângulo alfa, com média de 45,5°, semelhantes
ao nosso estudo, com média de 47,9°.
Sobre o ângulo delta, descrito como um sinal de displasia, Beltran et al relataram
valores médios de 22,7° com DP de 12,6° em quadris normais. Em nosso trabalho, a média
foi de 27,8° com desvio padrão de 8,8°, resultado provavelmente relacionado com a
maior cobertura acetabular em relação a outros estudos previamente citados.
Em relação ao ângulo de Tönnis, Lepaage-Saucier et al.[14 ] relataram uma angulação média de 6° sem diferenças entre os sexos; já Mineta et
al.[10 ] encontraram médias mais baixas entre em homens e pacientes idosos. No presente estudo
não encontramos diferenças significativas entre as idades.
Em outra pesquisa,[1 ] os parâmetros médios observados foram os seguintes: ângulo de Sharp 39,2° (menor
do que o achado em nossa pesquisa, 40,3°), ângulo centro-borda lateral 32,7° (menor
do que o achado em nossa pesquisa, 33,8°), ângulo cérvico-diafisário 139,5° (maior
do que o achado em nossa pesquisa, 129,4°), versão acetabular 18,2° (inferior ao achado
em nossa pesquisa, 21,2), profundidade acetabular 25 mm (muito inferior ao encontrado
em nossa pesquisa 19 mm).
Nas medidas descritas por Anda et al.[15 ], os arcos setoriais anterior e posterior do quadril, detectamos médias muito semelhantes
àquelas descritas em seu estudo, com uma diferença de apenas 0,3° no AASA e 0,9° no
PASA.
Sobre o diâmetro do acetábulo e da cabeça femoral, nossa população obteve médias menores,
de 41,8 e 52,4, respectivamente, contra 45,3 mm e 52,6 mm, segundo estudo de Hauser
et al.[20 ]
Sobre o offset lateral, medida de interesse direto para reconstrução biomecânica na artroplastia
do quadril, Husmann et al demonstraram demonstrou média de 40,5 mm, enquanto em nossa
população, esta média foi de 37,6 mm, variando de 28 a 45 mm.
A análise conjunta de nossos resultados, especificamente no grupo acima de 50 anos,
nos permite ponderar sobre o aprofundamento acetabular que acompanha o processo de
envelhecimento. Este fato foi demonstrado neste grupo pelas medidas angulares significativamente
maiores dos setores horizontais do acetábulo, do ângulo centro-borda e do arco acetabular,
acompanhados de menor índice de extrusão. Podemos ainda notar uma varização, que foi
demonstrada pela diminuição do ângulo cérvico-diafisário e do offset vertical, sendo que este último teve valor médio negativo nesta subamostra.
Quanto à forma do canal femoral, a análise dos dados obtidos com as medidas de diâmetro
endosteal do canal femoral permitem esboçar um formato médio da região metafisária,
o que seria de suma importância para um implante protético femoral personalizado para
a amostra. Os valores médios obtidos são comparáveis àqueles obtidos por Noble et
al.;[17 ] porém, em nossa amostra, verificou-se que estas medidas são mais variáveis do que
a maioria dos estudos prévios. Ainda, em relação a este estudo, também houve diferenças
nas medidas do diâmetro do colo do fêmur. Noble et al. reportaram um diâmetro médio
de 16,5 mm, variando de 10 a 22 mm, enquanto nós encontramos média de 25,2 mm e medidas
que variaram entre 17 e 37 mm. Especulamos que esta diferença possa ser decorrente
da multitude étnica encontrada em nosso país. Tal variabilidade impacta diretamente
no desenho de implantes céfalo-medulares com parafusos anti rotatórios. Seria desejável
uma ampla gama de tamanhos disponíveis para atender à variedade anatômica de nossa
população.
O estudo atual possui limitações inerentes ao seu desenho retrospectivo, além de não
termos analisado se os casos apresentavam alguma sintomatologia ou qual foi o motivo
da realização do exame de imagem. Ainda, as medidas por examinador único podem ser
suscetíveis a variação, embora a TAC já tenha mostrado boa confiança intra e inter
observador em algumas medidas. Como pontos positivos desta pesquisa ressaltamos que
este estudo demonstrou de maneira inédita médias antropométricas detalhadas da articulação
coxo-femoral de uma população brasileira. Demonstramos também que ocorrem variações
entre pacientes de faixas etárias diferentes. O presente protocolo de estudo poderia
ser facilmente replicado em estudos multicêntricos, que julgamos necessários, para
que se possa abranger uma amostra maior e mais diversificada de outras regiões do
Brasil.