Palavras-chave
câncer - fraturas do fêmur - fixadores internos - neoplasias induzidas por radiação - raios-x
Introdução
As fraturas transtrocanterianas são aquelas compreendidas entre a base do colo do fêmur até 2,5 centímetros distal ao trocanter menor,[1] sendo fraturas extracapsulares. Os idosos vítimas de queda da própria altura são os mais acometidos, além dos jovens após sofrerem trauma de alta energia.[2]
[3] Na maioria dos casos, são fraturas de tratamento cirúrgico em que, para realização da síntese, as técnicas utilizadas são as hastes intramedulares (proximal femur nail [PFN, na sigla em inglês] e gama nail) ou as placas extramedulares (DHS, na sigla em inglês), todas baseadas na fixação com parafuso deslizante de tração cefálico. Os resultados clínicos dessas técnicas são semelhantes, proporcionando uma fixação estável da fratura, mobilização precoce, uma consolidação óssea com baixo índice de complicações e rápido retorno às atividades habituais.[1]
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O diagnóstico e o tratamento são dependentes de exames de imagem, como radiografias e tomografias computadorizadas (TCs). Com esses recursos, obtiveram-se diagnósticos mais precisos e, por conseguinte, tratamentos mais específicos para cada tipo de fratura, utilizando assim a melhor técnica de fixação.
Com o surgimento e o uso da tecnologia de intensificador de imagens, os procedimentos cirúrgicos foram ganhando mais qualidade, a redução das fraturas e o posicionamento dos implantes foram vistos mais nitidamente e, além disso, houve uma grande diminuição do tempo cirúrgico, melhorando ainda mais os resultados clínicos e funcionais para os pacientes.[3]
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Entretanto, a exposição à radiação ionizante tem suas consequências negativas:[8] a médio e longo prazo, a carga radioativa acumulada devido a esses raios acaba gerando e/ou potencializando cânceres, o que se chama de efeitos estocásticos, nos quais a probabilidade de ocorrência de um câncer, por exemplo, é proporcional à dose de radiação recebida.[9]
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Como o diagnóstico e o tratamento são dependentes de imagem radiográfica, ou seja, pacientes que sofrem essas fraturas são submetidos à radiação tanto no diagnóstico quanto durante o tratamento cirúrgico, objetivou-se, a partir da análise de fraturas transtrocanterianas do fêmur, alcançar a escolha da técnica operatória, dentre todas que contenham o mesmo resultado final para o paciente,[11] com um menor tempo de cirurgia e que exponha todos envolvidos os envolvidos à menor taxa de radiação,[8] minimizando seus malefícios.
Materiais e Métodos
No que tange à metodologia, trata-se de um estudo qualiquantitativo, no qual se obteve uma amostra de 107 pacientes submetidos a cirurgia para correção da fratura de fêmur transtrocantérica no serviço de ortopedia e traumatologia da nossa instituição no período de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017. Por meio de um protocolo, foram coletados dados relativos ao tipo de fraturas de cada paciente, e as fraturas foram classificadas pelos próprios autores da presente pesquisa. Os dados obtidos incluíam aspectos demográficos, tais como gênero, com 68,2% dos avaliados do sexo feminino (n = 73) e 31,8 do masculino (n = 34). A média de idade foi de 81 anos, com idade máxima de 101 e mínima de 61 anos. Incluíram-se igualmente dados como tipo de implante usado para fixação da fratura, quantidade de raios usados para fixação e tempo cirúrgico.
Para analisar as diferenças entre as técnicas, aplicamos um teste de hipótese não paramétrico chamado Mood Median Test. Tudo a partir do mesmo cirurgião, do mesmo técnico de radiologia e do mesmo aparelho intensificador de imagens (Ziehm Solo Imaging).
Além disso, o presente trabalho fundamentou-se na pesquisa bibliográfica, no enfoque da revisão de literatura narrativa, ou seja, aquela que se define como uma pesquisa bibliográfica abrangente, apropriada para descrever, abordar e analisar o desenvolvimento de um certo objeto de estudo na literatura sob o viés teórico ou contextual. Portanto, não há conflito de interesses. Para tanto, foram utilizados livros-texto e artigos científicos rastreados em plataformas de dados tais como Scielo, PubMed e RBO.
Resultados
Uma análise detalhada dos dados obtidos foi realizada para resumir as características de cada técnica cirúrgica avaliada, assim como dos resultados ([Figura 1]).
Fig. 1 Os dados são testados perante a normalidade para determinar os tipos de testes que podem ser aplicados. Quando não seguem normalidade (p < 0,05), o mais indicado para avaliações é a mediana, e não a média, como de costume. Aqui, temos p < 0,005, com média de 198,72, sendo 11,57 o mínimo e 848,63 o máximo. Não sendo normal, a mediana se torna a melhor medida para análise (167,61). Fonte: autoria própria
Análise descritiva geral das características do nível de exposição aos raios X (cGy.cm2).
Para analisar as diferenças entre as técnicas, aplicamos um teste de hipótese não paramétrico chamado Mood Median Test. Como nossa amostra não tem distribuição normal (conforme demonstrado anteriormente), o teste foi baseado nas medianas do nível de exposição entre os grupos ([Figura 2]).
Fig. 2 Análise descritiva das características do nível de exposição versus técnicas cirúrgicas. Fonte: autoria própria.
O teste nos permite afirmar, com 95% de confiança, que, estatisticamente, existe diferença em, pelo menos, uma das medianas. Rejeita-se H0 e aceita-se Ha com p = 0,015.
Com a figura de medianas, temos que GAMA e PFN têm um nível de exposição maior que DHS, mas não podemos afirmar estatisticamente que GAMA tem maior nível de exposição que PFN, porque estatisticamente suas medianas são iguais (note-se que os intervalos se sobrepõem).
Outro tipo de gráfico que disponibilizamos é o boxplot que é utilizado para uma comparação visual entre dois ou mais grupos. A linha horizontal que divide as caixas é a mediana, e a vertical representa os limites dos dados contínuos ([Figura 3]).
Fig. 3 BoxPlot explicativo. Fonte: autoria própria.
O gráfico boxplot abaixo demonstra a distribuição dos dados. É uma forma de representação. A linha que conecta as amostras é a média e a linha horizontal no centro de cada bloco são as medianas ([Figuras 4] e [5]).
Fig. 4 BoxPlot comparativo entre as técnicas cirúrgicas. Fonte: autoria própria.
Fig. 5 Tempo de cirurgia versus a técnica cirúrgica em Mood median test. Fonte: autoria própria.
Os asteriscos acima de cada bloco são outliers, como se fossem “pontos fora da curva” que têm o comportamento muito discrepante dos demais.
O teste nos permite afirmar, com 95% de confiança, que, estatisticamente, existe diferença em, pelo menos, uma das medianas. Rejeita-se H0 e aceita-se Ha com p = 0,013.
Com a figura de medianas, temos que DHS tem um tempo de cirurgia maior que PFN, porém não podemos afirmar que DHS e GAMA são estatisticamente diferentes. Da mesma forma, ao comparar GAMA e PFN, suas medianas são estatisticamente iguais ([Figura 6]).
Fig. 6 BoxPlot Tempo versus Técnica. Fonte: autoria própria – baseado nos dados do Serviço de ortopedia e traumatologia da nossa instituição.
Discussão
Com a estimativa média de vida aumentada hoje em dia, mais fraturas do terço proximal do fêmur têm sido operadas e, com elas, mais estudos têm sido feitos para se determinar a melhor maneira de serem conduzidas. A superioridade estimada em tempo cirúrgico é considerada importante para aumentar as complicações intra- e pós-operatórias em pacientes idosos, que são os maiores envolvidos nesse tipo de cirurgia, já que um menor tempo cirúrgico gera menores taxas de sangramento, instabilidade hemodinâmica e exposição anestésica.
Em estudo realizado no Hospital Governamental multidisciplinar na Índia, Sharma et al.[3] compararam resultados clínicos e radiológicos de pacientes com fraturas intertrocantéricas estáveis tratados com hastes femorais proximais versus DHS e concluíram que as hastes femorais proximais proporcionam uma cirurgia significativamente mais curta (p < 0,01), com uma menor incisão e, consequentemente, menos complicações relacionadas à ferida operatória.
Assim como Zhang et al.,[12] o presente estudo comparou as técnicas operatórias utilizando o DHS e o PFN para tratar fraturas transtrocantéricas, e ambos concluíram que existe uma diferença estatística significativa quanto ao tempo operatório, em que todas as análises estatísticas corroboram o uso da haste intramedular tipo PFN com um tempo estatisticamente menor se comparado com a técnica extramedular do DHS.
Desde a descoberta dos raios X, o uso de radiação ionizante para fins de auxílio intraoperatório vem sendo ampliado a partir do uso de aparelhos de intensificadores de imagem. Nessa perspectiva, cada vez mais existe a preocupação quanto às emissões de radiação envolvidas nos procedimentos, pois elas geram, a médio e longo prazo, efeitos negativos. Como já reconhecido, estar sempre paramentado com os devidos equipamentos de proteção individual (EPIs) e se manter à máxima distância possível do feixe de raios X representam soluções eficazes para manter um nível de exposição razoavelmente seguro. Porquanto, demonstrou-se no presente estudo qual técnica escolhida possui também outras garantias à menor exposição à radiação nestes ambientes de trabalho.
Sharma et al.[3] compararam a exposição aos raios X utilizando as técnicas de DHS (extramedular) com PFN (intramedular). Como resultado, utilizando o DHS, eles observaram uma exposição média de 48,7 mGy/cm2, e o PFN teve média de 71 mGy/cm2, observando, assim, uma diferença significativa (p < 0,001). Rashid, que também comparou as mesmas técnicas, teve como resultado, utilizando o DHS, uma exposição média de 668 mGy/cm2, e o PFN teve média de 1.040 mGy/cm2, observando uma notável diferença (p < 0,001), assim com o presente estudo, que constatou uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,015), em que a média de exposição do DHS foi de 115 mGy/cm2 contra 168 mGy/cm2 do PFN, ou seja, um aumento próximo de 50% de exposição entre as técnicas operatórias nos 2 estudos.
Conclusão
A fixação das fraturas transtrocanterianas utilizando o PFN como método de fixação tem um tempo menor de cirurgia. Entretanto, verificou-se que o DHS proporciona uma menor exposição aos raios X estatisticamente significativa quando comparada às técnicas operatórias utilizando o gama nail e PFN, beneficiando o paciente e os profissionais de saúde envolvidos no procedimento.
Portanto, com toda a discussão e comparação sobre as técnicas a serem escolhidas, cabe ao cirurgião a que for de sua maior familiaridade, experiência e, naturalmente, a disponibilidade do material no serviço em questão, tornando-se necessário saber e avaliar os riscos e benefícios, assim como as peculiaridades de cada técnica, para que a escolha seja a melhor possível tanto para a equipe cirúrgica quanto, principalmente, para o paciente.