Palavras-chave
patela - prótese do joelho - artroplastia do joelho
Introdução
A osteoartrose (OA) é a doença articular mais comum no mundo todo, afetando ∼ 10% dos homens e 18% das mulheres > 60 anos. Ela provoca destruição da cartilagem articular e leva progressivamente a dor crônica e deformidade da articulação.[1]
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Na abordagem da doença, após falha do tratamento conservador, considerando, entre outros fatores, a dor significativa e a perda da qualidade de vida do paciente; pode ser indicada uma ATJ como opção terapêutica. A ATJ é uma cirurgia para o tratamento da osteoartrose avançada e tem sido cada vez mais utilizada devido aos bons resultados no alívio da dor e no restabelecimento da função.[3]
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A alteração da altura patelar pós ATJ pode interferir e causar implicações clínicas e funcionais nos resultados dos pacientes. Desta forma, consideramos ser importante a avaliação da variação na altura patelar na cirurgia da ATJ, sendo esse o objetivo do nosso estudo.[8]
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A indicação de substituição da superfície articular da patela durante a ATJ é controversa, sendo opção do cirurgião utilizar ou não o componente patelar.[14]
Há trabalhos que não mostraram benefícios na utilização do componente patelar na ATJ.[15] Há também estudos mostrando que a taxa de reoperação por complicações da patela é maior quando ela não é substituída. Devido aos resultados controversos, ainda não há um consenso na literatura sobre este tema.[16]
[17]
Desta forma, também buscamos determinar no presente estudo se a substituição ou não da patela pode influenciar na alteração da sua altura no pós-operatório.
Material e Métodos
Este trabalho foi avaliado e aprovado pela plataforma Brasil e comitê de ética da instituição (CAAE: 39030220.0.0000.5128).
Foi realizada uma avaliação retrospectiva de 362 radiografias de 325 pacientes submetidos a ATJ primária, do prontuário eletrônico da rede hospitalar da nossa instituição dos pacientes submetidos a ATJ no período de 2014 a 2020, por dois cirurgiões do serviço. Os critérios de inclusão considerados foram: pacientes com artrose primária, sem procedimentos cirúrgicos abertos prévios que pudessem interferir com a altura patelar, com boa documentação radiológica pré- e pós-operatória (perfil com flexão entre 20 e 80°, conforme descrito no artigo original dos autores Caton et al.).[13] Os critérios de exclusão foram pacientes dos quais as radiografias pré- ou pós-operatórias não foram encontradas nos registros, pacientes submetidos a ATJ por artrose secundária, pacientes cujas radiografias foram consideradas inadequadas para realização da técnica correta de medida de altura patelar, lesões prévias nos joelhos que levaram a alteração da altura patelar, próteses de revisão e complicações no pós-operatório imediato que poderiam interferir com a reabilitação habitual.
Foram avaliadas radiografias em perfil, usando o índice de altura patelar de Caton-Deschamps modificado.[13] Após a devida seleção da nossa amostra, foram avaliadas as radiografias pré- e pós-operatórias de 100 joelhos submetidos a ATJ de 90 pacientes, os quais foram divididos em 2 grupos, considerando a utilização ou não do componente patelar.
A técnica cirúrgica e a via de acesso empregadas foram semelhantes em todos os pacientes, sendo a única variável a opção de substituir ou não a patela.
O índice de Caton-Deschamps modificado para ATJ é usado para avaliar a altura patelar através da análise da radiografia em perfil estrito do joelho ([Fig. 1]). Escolhemos este método por sua facilidade de execução antes e após a ATJ, utilizando marcos anatômicos que não serão alterados pela cirurgia. Isto permite a comparação da altura patelar com uma melhor acurácia e reprodutibilidade. Ele utiliza uma linha na projeção da cortical posterior da tíbia e outra linha perpendicular à primeira, projetada na altura da cabeça da fíbula. Com isso, é mensurada a distância entre o ponto desta linha que toca na cortical anterior da tíbia até o ponto mais baixo da superfície articular da patela (linha TA). Posteriormente, este valor é dividido pelo tamanho da superfície articular da patela (linha AP). Vale ressaltar que este método é utilizado apenas para comparar o pré- com o pós-operatório da ATJ, sem definição de limite de patela baixa ou alta.[13] Ao serem traçadas a linha (azul na [Fig. 1]) na projeção da cortical posterior da tíbia e a outra linha perpendicular à primeira, projetada na altura da cabeça da fíbula, é possível mensurar a distância entre o ponto desta linha que toca na cortical anterior da tíbia até o ponto mais baixo da superfície articular da patela (linha TA) em verde na [Fig. 1]. Posteriormente, este valor é dividido pelo tamanho da superfície articular da patela (linha AP) em amarelo na [Fig. 1].
Fig. 1 Índice de Caton-Deschamps modificado, para definir a variação da altura da patela no pós-operatório de artroplastia do joelho. Descrição no texto.
Realizamos a medida com até 20 dias de pós-operatório de forma a não induzir uma variação da altura que pode ocorrer com um maior tempo decorrido da cirurgia.
O resultado do índice pré-operatório foi comparado com o pós-operatório para avaliar se houve mudança na altura patelar em todos os joelhos. Em seguida, foi realizada a comparação da variação da altura nos dois grupos, com e sem substituição patelar.
Resultados
A amostra dos exames foi composta por 90 pacientes, sendo 100 joelhos submetidos à cirurgia de ATJ. A maioria foi do sexo feminino (n =59; 65,3%); 52 ATJs foram realizadas no joelho direito (52%), 38 no esquerdo (38%) e, em ambos, 10 (10%), com idade média de 68,8 (±7,2) anos, sendo a idade mínima 44 anos e a máxima 85 anos ([Tabela 1]).
Tabela 1
Variáveis
|
n
|
%
|
Idade (média ± DP)
|
68,8 ± 7,2
|
Gênero
|
|
|
Masculino
|
31
|
34,4
|
Feminino
|
59
|
65,3
|
Joelho operado
|
|
|
Direito
|
52
|
52,0
|
Esquerdo
|
38
|
38,0
|
Ambos
|
10
|
10,0
|
Tipo de Cirurgia
|
|
|
Sem patela
|
54
|
54,0
|
Com patela
|
46
|
46,0
|
O resultado do índice Caton-Deschamps modificado para ATJ, antes e após a cirurgia, encontra-se na [Tabela 2]. A análise estatística das comparações dos momentos pré- e pós-operatórios para a amostra total demonstrou que houve diferença estatisticamente significativa; sendo o índice pré-superior ao pós-operatório, evidenciando um abaixamento médio da altura patelar. O índice pré-operatório médio foi de 1,41 (±0,25) e o pós-operatório foi de 1,31 (±0,25), p < 0,001.
Tabela 2
Variável
|
n
|
Pré
|
Pós
|
Média da Diferenças
|
IC95%
|
valor-p
|
|
|
Índice CDM: Média (±DP)
|
|
|
Índice CDM
|
100
|
1,41 (±0,25)
|
1,31 (±0,25)
|
0,1
|
0,0–0,15
|
< 0,001
[*]
|
Grupo
|
|
|
|
|
|
|
Sem patela
|
54
|
1,52 (±0,22)
|
1,40 (±0,24)
|
0,12
|
0,05–0,18
|
< 0,001
[*]
|
Com patela
|
46
|
1,28 (±0,21)
|
1,20 (±0,21)
|
0,08
|
0,01–0,15
|
0,023
[*]
|
Diferença Média
|
|
0,24
|
0,2
|
|
|
|
IC95%
|
|
0,15–0,32
|
0,11–0,29
|
|
|
|
valor-p
|
|
< 0,001
[**]
|
< 0,001
[**]
|
|
|
|
Na análise, comparando os índices dos grupos com e sem substituição da patela, não foi observada diferença estatisticamente significativa. Para o grupo sem substituição, o índice Caton-Deschamps modificado para ATJ médio foi de 1,52 (± 0 ,22) no momento pré-operatório, e no pós-operatório o índice foi de 1,40 (±0,24), p < 0,001. Para o grupo com substituição patelar, o índice Caton-Deschamps modificado para ATJ médio foi de 1,28 (±0,21) no momento pré-operatório, e no pós-operatório o índice foi de 1,20 (±0,21), p = 0,023 ([Tabela 2]).
Os grupos (com e sem patela) são homogêneos quanto ao gênero (p = 0,815) e idade (p = 0,682) ([Tabelas 3] e [4]). Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa do índice Caton-Deschamps modificado para ATJ pré- e pós-operatório em relação ao grupo com e sem substituição patelar, p = 0,510. A diferença média do índice Caton-Deschamps modificado para ATJ no grupo sem substituição patelar foi de 0,11, e no grupo com substituição patelar a diferença média foi de 0,08, sem diferença significativa. ([Tabela 5]).
Tabela 3
Tipo de Cirurgia
|
n
|
Mediana
|
Desvio padrão
|
Erro padrão da mediana
|
Idade
|
Sem Patela
|
54
|
68.5556
|
8.00864
|
1.08984
|
Com Patela
|
46
|
69.1522
|
6.21814
|
.91681
|
Tabela 4
|
Tipo de Cirurgia
|
Total
|
Sem patela
|
Com patela
|
Gênero
|
Feminino
|
n
|
34
|
30
|
64
|
%
|
63,0%
|
65,2%
|
64,0%
|
Masculino
|
n
|
20
|
16
|
36
|
%
|
37,0%
|
34,8%
|
36,0%
|
Total
|
n
|
54
|
46
|
100
|
%
|
100,0%
|
100,0%
|
100,0%
|
Tabela 5
Índice CDM
|
n
|
Média
|
Desvio padrão
|
Diferença média
|
IC95%
|
valor-p
[*]
|
Diferença do pós- para o pré-operatório
|
Sem patela
|
54
|
0,11
|
0,24
|
0,03
|
−0,13
|
0,06
|
0,510
|
Com patela
|
46
|
0,08
|
0,24
|
|
Discussão
A variação da altura patelar pós ATJ vem sendo discutida na literatura por sua possibilidade de influenciar os resultados clínicos e funcionais deste procedimento. A opção de substituir ou não a superfície articular da patela também é uma discussão frequente.[14]
[15]
[16]
[17]
Cabral et al.[12] avaliaram 203 joelhos pós-ATJ, comparando diferentes métodos de altura patelar, e encontraram uma boa reprodutibilidade entre os métodos de Insall-Salvati, Blackburne-peel e Caton-Deschamps. Além disso, apesar de afirmar que a altura patelar tende a baixar no pós-operatório, eles não encontraram diferença significativa nos métodos estudados, sendo a mediana das alturas patelares normal. Este resultado diverge do encontrado no nosso trabalho que achou uma diferença significativa entre a altura pré- e pós-operatória,[12]
p < 0,001.
Jawhar et al.[8] avaliaram 107 joelhos após ATJ em um período de 1 semana e de 1 ano de pós-operatório, encontrando uma variação de > 10% da altura patelar em um número significativo de pacientes. Estes resultados coincidem com os nossos.
Meneghini et al.[11] avaliaram a altura patelar de 1.055 artroplastias primárias através do índice de Insall-Salvati. Eles também encontraram uma redução significativa da altura patelar em 50% dos casos e encontraram patela baixa (< 0,8) em 9,8% dos joelhos. A redução da altura foi associada à piora dos escores funcionais.
Prudhon et al.[10] também demonstraram que, em 80% dos pacientes pós-ATJ, ocorre um rebaixamento da altura patelar; porém, o rebaixamento é < 15% e não impacta nos resultados funcionais nem na amplitude de movimento (ADM) (IKS), o que difere dos achados de Meneghini et al.[11]
Bugelli et al.[18] avaliaram os seguintes parâmetros de 208 joelhos de 158 pacientes pós-ATJ: altura patelar, escores funcionais, escala visual de dor anterior e ADM. Eles encontraram uma elevação da interlinha articular, com a patela desviada distalmente em relação à tróclea, que foi denominada como pseudo patela baixa em 55 casos (26,4%). Quando há um encurtamento real do tendão patelar, foi considerada como patela baixa verdadeira. Estes autores concluíram que esta pseudo patela baixa é uma complicação relativamente comum, mas que não influiu nos escores funcionais, na escala visual de dor nem na ADM entre os grupos.
Aguirre-Pastor et al.[19] avaliaram 354 pacientes pós-ATJ. No pós-operatório, 286 (80.7%) dos pacientes tiveram altura normal, 17 (4.8%) tiveram patela baixa verdadeira e 51 (14,4%) tiveram pseudo patela baixa. Não houve diferença nos escores funcionais entre o grupo normal e o da pseudo patela baixa. No entanto, o grupo de patela baixa verdadeira obteve escores significativamente piores. Eles concluíram que a patela baixa verdadeira, apesar de menos frequente, pode levar a piores resultados.
Não encontramos na literatura artigos similares que comparem a variação da altura patelar pós-ATJ entre grupos de pacientes que substituíram e não substituíram a patela, o que foi objetivo do nosso estudo. O nosso achado de que não houve variação significativa na altura independentemente de substituir ou não a patela é interessante no sentido de dar liberdade ao cirurgião para a escolha da técnica que preferir.
Uma limitação do presente trabalho foi que não fizemos uma análise comparando a relação da altura patelar com o índice de satisfação ou escores funcionais dos pacientes, o que pode ser objeto de um estudo futuro.
Conclusão
O presente estudo mostrou que a cirurgia de ATJ leva a uma diminuição da altura da patela no pós-operatório. A substituição ou não da patela em pacientes submetidos a ATJ não resultou em variação significativa da altura patelar.