Palavras-chave
articulações dos dedos - deformidades congênitas da mão - órteses - reabilitação
Introdução
A camptodactilia é uma deformidade em flexão da articulação interfalangeana proximal
(IFP), de origem congênita e não traumática. É uma condição rara, com prevalência
em torno de 1%, sendo o quinto dedo o mais afetado.[1] É classificada em tipos I, II e III. Tipo I: camptodactilia infantil, que acomete
geralmente o dedo mínimo de forma isolada. Tipo II: camptodactilia da adolescência,
de rápida evolução com o estirão do crescimento. Tipo III: presente ao nascimento,
acomete vários dedos, e está associada a outras síndromes. A camptodactilia acomete
estruturas que cruzam a articulação, e elas estão implicadas como uma das possíveis
causas. Podem ser encontradas alterações na pele, aponeurose, tendões, músculo lumbrical,
músculo flexor superficial dos dedos, e ligamentos.[1] O tratamento inicial é o conservador, com o uso de órteses e alongamentos passivos,
ou o cirúrgico.[2] Em casos em que a flexão da articulação IFP é ≥ a 60°, a indicação é cirúrgica.[3]
[4]
A síndrome de Beals-Hecht é uma síndrome rara, diagnosticada em menos de 1 a cada
10 mil pacientes no mundo.[5]
[6] O quadro clínico consiste em contraturas congênitas de múltiplas articulações,[7] membros longos e delgados, aracnodactilia contratural congênita, cifoescoliose,
e anomalias dos pavilhões auriculares.[3] As contraturas podem reduzir de gravidade, mas a camptodactilia presente nos dedos
persiste.[7]
Relato de Caso
Paciente masculino, de 6 meses de idade, branco, atendido no Ambulatório de Cirurgia
da Mão de nossa instituição pela primeira vez em outubro de 2013. Observou-se a presença
de alguns sinais clínicos, a saber: flexão das articulações IFPs dos dedos médio,
anelar e mínimo, flexão de punhos, e hiperextensão das articulações metacarpofalangeanas
(MCFs) bilateralmente, alterações em pavilhão auricular, e pectus excavatum. Todas as contraturas presentes eram rígidas. O paciente foi diagnosticado com camptodactilia
de tipo III, e optou-se pelo tratamento conservador com ortetização em novembro de
2013. Não foi feita a goniometria inicial do paciente devido à dificuldade de execução,
mas fez-se o registro fotográfico ([Fig. 1A-E]). As contraturas em flexão das articulações IFPs apresentavam mais de 90°. O uso
de órteses estáticas inicialmente foi feito de forma ininterrupta,[8] e os retornos se deram a cada três meses, para acompanhamento e ajustes ou trocas
de órteses.
Fig. 1 Características fenotípicas do paciente com Síndrome de Beals Heacht. Paciente com
2 meses (A), deformidades no punho, nas articulações metacarpofalangeanas e inferfalangeanas
(B), anomalias no pavilhão auricular (C), pectus excavatum (D), e órtese de posicionamento com apoio dorsal (E).
O processo de ortetização teve seu início aos sete meses de idade. O objetivo inicial
foi chegar à posição em neutro da flexão da articulação IFP, da flexão do punho, e
da hiperextensão da articulação MCF, alcançada em fevereiro de 2015 ([Fig. 2 A-E]).
Fig. 2 Demonstração da evolução do tratamento conservador do paciente com camptodactilia.
Início da correção (A), órteses de posicionamento com manutenção do apoio dorsal (B), órteses de uso noturno com polegares livres e placa de acetato-vinilo de etileno
(EVA) na região dorsal de dedos (C), órteses de uso noturno em vista lateral (D), e extensão completa de dedos (E).
Após alcançar a posição em neutro, a órtese foi modificada, iniciando com uma leve
flexão da articulação MCF e dispositivo de apoio dorsal seguindo a angulação da órtese,
para exercer pressão nos dedos contra a órtese, mantendo assim a posição, além de
auxiliar a flexão da articulação MCF. A partir de julho de 2015, já com 26 meses,
as órteses passaram a ser confeccionadas com os polegares livres, as articulações
MCF fletidas, e o punho em extensão ([Fig. 2, A-D]).
O uso das órteses passou a ser feito apenas no período noturno, em torno de 8 horas,
a partir junho de 2016. Foi alcançada a correção da camptodactilia ([Fig. 2, E] e [Fig. 3 A-C]).
Fig. 3 Morfologia do membro superior após o tratamento conservador por 23 meses e meio.
Posição supina com dedos em extensão (A), vista lateral (B), e dedos fletidos (C).
Discussão
Neste caso de camptodactilia de tipo III rígida em criança com síndrome de Beals Heacht,
a intervenção precoce[9] com órteses estáticas proporcionou desfecho satisfatório, com a regressão da deformidade
e a obtenção do uso funcional das mãos. O uso de órteses deve ser a primeira escolha
para o início do tratamento, inclusive nos casos sindrômicos.[9]
A multiplicidade de estruturas envolvidas na camptodactilia que são responsáveis pelo
desequilíbrio articular podem chegar a um equilíbrio com a remodelagem tecidual por
meio de órteses.[9]
A utilização de órteses para a remodelação do tecido musculoesquelético é uma opção
de baixa complexidade; porém, é necessário um período de uso relativamente longo para
que a remodelação ocorra.[10]
O uso do dispositivo de apoio dorsal otimizou o alongamento das estruturas responsáveis
pela contratura em flexão na articulação IFP.
O acompanhamento clínico do paciente em questão será mantido até o final do crescimento
esquelético, para evitar possível recidiva de contratura de partes moles.[4]
[8]
O envolvimento da família e sua colaboração foi um diferencial neste tratamento conservador.
A intervenção é relativamente longa e exaustiva, mas é necessária.[10]