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DOI: 10.1055/s-0041-1739401
Estratégia para o tratamento conservador da camptodactilia de tipo III em criança com síndrome de Beals-Hecht
Article in several languages: português | EnglishResumo
Os autores apresentam um caso bem-sucedido no tratamento conservador da camptodactilia de tipo III em paciente com síndrome de Beals-Hecht. A camptodactilia é uma deformidade em flexão da articulação interfalangeana proximal (IFP), no sentido anteroposterior, indolor, e bilateral em 2/3 dos casos. A de tipo III é a forma mais grave e incapacitante, pois geralmente acomete vários dedos e está associada a síndromes e outras malformações. O caso apresentado teve a correção alcançada com o uso sistemático de órteses estáticas iniciado aos 7 meses de idade e concluído após 23 meses e meio de intervenção.
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Introdução
A camptodactilia é uma deformidade em flexão da articulação interfalangeana proximal (IFP), de origem congênita e não traumática. É uma condição rara, com prevalência em torno de 1%, sendo o quinto dedo o mais afetado.[1] É classificada em tipos I, II e III. Tipo I: camptodactilia infantil, que acomete geralmente o dedo mínimo de forma isolada. Tipo II: camptodactilia da adolescência, de rápida evolução com o estirão do crescimento. Tipo III: presente ao nascimento, acomete vários dedos, e está associada a outras síndromes. A camptodactilia acomete estruturas que cruzam a articulação, e elas estão implicadas como uma das possíveis causas. Podem ser encontradas alterações na pele, aponeurose, tendões, músculo lumbrical, músculo flexor superficial dos dedos, e ligamentos.[1] O tratamento inicial é o conservador, com o uso de órteses e alongamentos passivos, ou o cirúrgico.[2] Em casos em que a flexão da articulação IFP é ≥ a 60°, a indicação é cirúrgica.[3] [4]
A síndrome de Beals-Hecht é uma síndrome rara, diagnosticada em menos de 1 a cada 10 mil pacientes no mundo.[5] [6] O quadro clínico consiste em contraturas congênitas de múltiplas articulações,[7] membros longos e delgados, aracnodactilia contratural congênita, cifoescoliose, e anomalias dos pavilhões auriculares.[3] As contraturas podem reduzir de gravidade, mas a camptodactilia presente nos dedos persiste.[7]
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Relato de Caso
Paciente masculino, de 6 meses de idade, branco, atendido no Ambulatório de Cirurgia da Mão de nossa instituição pela primeira vez em outubro de 2013. Observou-se a presença de alguns sinais clínicos, a saber: flexão das articulações IFPs dos dedos médio, anelar e mínimo, flexão de punhos, e hiperextensão das articulações metacarpofalangeanas (MCFs) bilateralmente, alterações em pavilhão auricular, e pectus excavatum. Todas as contraturas presentes eram rígidas. O paciente foi diagnosticado com camptodactilia de tipo III, e optou-se pelo tratamento conservador com ortetização em novembro de 2013. Não foi feita a goniometria inicial do paciente devido à dificuldade de execução, mas fez-se o registro fotográfico ([Fig. 1A-E]). As contraturas em flexão das articulações IFPs apresentavam mais de 90°. O uso de órteses estáticas inicialmente foi feito de forma ininterrupta,[8] e os retornos se deram a cada três meses, para acompanhamento e ajustes ou trocas de órteses.
O processo de ortetização teve seu início aos sete meses de idade. O objetivo inicial foi chegar à posição em neutro da flexão da articulação IFP, da flexão do punho, e da hiperextensão da articulação MCF, alcançada em fevereiro de 2015 ([Fig. 2 A-E]).
Após alcançar a posição em neutro, a órtese foi modificada, iniciando com uma leve flexão da articulação MCF e dispositivo de apoio dorsal seguindo a angulação da órtese, para exercer pressão nos dedos contra a órtese, mantendo assim a posição, além de auxiliar a flexão da articulação MCF. A partir de julho de 2015, já com 26 meses, as órteses passaram a ser confeccionadas com os polegares livres, as articulações MCF fletidas, e o punho em extensão ([Fig. 2, A-D]).
O uso das órteses passou a ser feito apenas no período noturno, em torno de 8 horas, a partir junho de 2016. Foi alcançada a correção da camptodactilia ([Fig. 2, E] e [Fig. 3 A-C]).
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Discussão
Neste caso de camptodactilia de tipo III rígida em criança com síndrome de Beals Heacht, a intervenção precoce[9] com órteses estáticas proporcionou desfecho satisfatório, com a regressão da deformidade e a obtenção do uso funcional das mãos. O uso de órteses deve ser a primeira escolha para o início do tratamento, inclusive nos casos sindrômicos.[9]
A multiplicidade de estruturas envolvidas na camptodactilia que são responsáveis pelo desequilíbrio articular podem chegar a um equilíbrio com a remodelagem tecidual por meio de órteses.[9]
A utilização de órteses para a remodelação do tecido musculoesquelético é uma opção de baixa complexidade; porém, é necessário um período de uso relativamente longo para que a remodelação ocorra.[10]
O uso do dispositivo de apoio dorsal otimizou o alongamento das estruturas responsáveis pela contratura em flexão na articulação IFP.
O acompanhamento clínico do paciente em questão será mantido até o final do crescimento esquelético, para evitar possível recidiva de contratura de partes moles.[4] [8]
O envolvimento da família e sua colaboração foi um diferencial neste tratamento conservador. A intervenção é relativamente longa e exaustiva, mas é necessária.[10]
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Conflito de Interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Trabalho desenvolvido na Divisão de Pesquisa, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
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Referências
- 1 Salazard B, Quilici V, Samson P. [Camptodactyly]. Chir Main 2008; 27 (Suppl. 01) S157-S164
- 2 Wang AMQ, Kim M, Ho ES, Davidge KM. Surgery and Conservative Management of Camptodactyly in Pediatric Patients: A Systematic Review. Hand (N Y) 2019; 15 (06) 761-770
- 3 Evans BT, Waters PM, Bae DS. Early Results of Surgical Management of Camptodactyly. J Pediatr Orthop 2017; 37 (05) e317-e320
- 4 Almeida SF, Monteiro AV, Lanes RCS. Evaluation of treatment for camptodactyly: retrospective analysis on 40 fingers. Rev Bras Ortop 2014; 49 (02) 134-139
- 5 Jurko Jr A, Krsiakova J, Minarik M, Tonhajzerova I. Congenital contractural arachnodactyly (Beals-Hecht syndrome): a rare connective tissue disorder. Wien Klin Wochenschr 2013; 125 (9-10): 288-290
- 6 Tunçbilek E, Alanay Y. Congenital contractural arachnodactyly (Beals syndrome). Orphanet J Rare Dis 2006; 1: 20
- 7 Meena JP, Gupta A, Mishra D, Juneja M. Beals-Hecht syndrome (congenital contractural arachnodactyly) with additional craniospinal abnormality: a case report. J Pediatr Orthop B 2015; 24 (03) 226-229
- 8 Hori M, Nakamura R, Inoue G. et al. Nonoperative treatment of camptodactyly. J Hand Surg Am 1987; 12 (06) 1061-1065
- 9 Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton 3rd. J. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1994; 14 (06) 814-819
- 10 Lethbridge K, Wollin L. A review of conservative management of camptodactyly in children and adolescent. Hand Ther 2014; 19 (04) 93-101
Endereço para correspondência
Publication History
Received: 09 November 2020
Accepted: 08 March 2021
Article published online:
06 December 2021
© 2021. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)
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Referências
- 1 Salazard B, Quilici V, Samson P. [Camptodactyly]. Chir Main 2008; 27 (Suppl. 01) S157-S164
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