Palavras-chave
claudicação intermitente - criança - osteocondrose
Introdução
As osteocondroses, também denominadas por alguns autores como osteocondrites, resultam de alterações da ossificação endocondral, no nível dos núcleos ósseos em desenvolvimento nas epífises e apófises.[1]
[2] A sua etiologia permanece desconhecida; contudo, alterações vasculares e microtraumáticas parecem estar na sua origem.[2] Predominam na infância e na adolescência, estando associadas a surtos de crescimento e alterações hormonais. As osteocondroses mais frequentes são a doença de Köhler, doença de Freiberg, doença de Sever e doença de Osgood-Schlatter, sendo a osteocondrite isquiopúbica ou doença de Van Neck-Odelberg (VNO) uma osteocondrose raramente diagnosticada.[1]
A osteocondrite isquiopúbica foi descrita inicialmente em 1923 por Van Neck, sendo depois complementada em 1924 por Odelberg, sendo hoje conhecida como doença de Van Neck-Odelberg.[3]
[4] É uma patologia benigna e auto-limitada, que se caracteriza pela evidência imagiológica de hipertrofia assimétrica da sincondrose isquiopúbica (SIP), associada a claudicação na marcha, dor inguinal unilateral e limitação funcional do quadril.[3]
[4] Os diagnósticos diferenciais a considerar são a fratura de estresse, patologia infeciosa, nomeadamente osteomielite, ou neoplásica, sendo necessária, em alguns casos, a realização de ressonância magnética nuclear (RMN).[3]
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Relato do Caso
Uma criança do sexo feminino, de 4 anos, previamente saudável, foi atendida no serviço de emergência devido a um quadro com 24 horas de evolução de claudicação na marcha e dor na região inguinal esquerda, de agravamento progressivo. Sem febre, sintomatologia constitucional ou sinais inflamatórios locais e sem história prévia de trauma ou intercorrência infeciosa recente. Ao exame objetivo, destacava-se dor na mobilização do quadril, sem sinais inflamatórios locais.
Foi realizado um estudo analítico, com hemoleucograma, velocidade de sedimentação (VS) e proteína C-reativa (PCR) sem alterações de relevo. A radiografia da bacia evidenciou imagem radiopaca, com cerca de 1.8 × 1.4 cm, de contornos bem definidos, no nível do ramo isquiopúbico esquerdo ([Figs. 1] e [2]). Para esclarecimento etiológico, foi realizada RMN da bacia, que revelou presença de edema a nível da sincondrose isquiopúbica esquerda, sem alterações dos tecidos moles envolventes ([Fig. 3]).
Fig. 1 Radiografia da bacia (incidência ântero-posterior): imagem radiopaca no nível do ramo isquiopúbico esquerdo, de contornos bem-definidos.
Fig. 2 Radiografia da bacia (outlet).
Fig. 3 Ressonância magnética da bacia: edema a nível da sincondrose isquiopúbica esquerda.
Excluídas as hipóteses de etiologia infeciosa ou tumoral, foi presumido diagnóstico de doença de VNO, e a paciente foi medicada sintomaticamente, com anti-inflamatório oral e indicação para repouso. Dez dias após, ela foi reavaliada clinicamente, encontrando-se sem queixas.
A radiografia da bacia foi repetida seis meses depois do episódio inicial, verificando-se remodelação completa da área de lesão ([Fig. 4]). Não houve ocorrência de novos episódios.
Fig. 4 Radiografia da bacia (incidência ântero-posterior): resolução imagiológica completa.
Discussão
A claudicação na marcha é uma queixa frequente na população pediátrica, sendo o seu diagnóstico diferencial muito desafiante, atendendo a múltiplas etiologias possíveis, variáveis de acordo com a faixa etária considerada. Em crianças que apresentam dor unilateral na região inguinal, associada à limitação da mobilidade do quadril, sem febre, história de trauma ou infeções recentes, é importante que seja equacionada a hipótese de doença de VNO.[6]
Esta patologia resulta do processo de ossificação assimétrico da SIP, que, habitualmente, tem início na infância e término antes da adolescência.[5] Na maioria dos casos, ela não causa sintomas; contudo, em algumas crianças pode surgir dor na região inguinal ou glútea, bem como limitação da mobilidade articular.
Normalmente, a doença de VNO é mais frequente no membro inferior não dominante, na maioria dos casos o esquerdo, como no caso que apresentamos. Alguns autores explicam este fato pelo peso corporal ser principalmente suportado pelo membro inferior não dominante, comparativamente com o contralateral, que é utilizado preferencialmente para executar os movimentos.[3]
[5] Este desequilíbrio de forças poderia causar o atraso do encerramento da sincondrose isquiopúbica no lado não dominante, e este, por sua vez, mediante estresse mecânico, tornar-se-ia doloroso.[3]
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A osteocondrite de VNO é um diagnóstico de exclusão em crianças com quadro de claudicação na marcha.[6] Para o seu diagnóstico, é fundamental a realização de radiografia da bacia, cujo achado mais comum consiste na presença de opacificação fusiforme unilateral no nível do ísquion. Atendendo ao aspeto pseudo-tumoral que a hipertrofia da SIP pode assumir, pode ser necessária a realização de RMN para diagnóstico diferencial.[7] Apesar de não constituir critério de diagnóstico de doença de VNO, a ausência de elevação analítica de parâmetros inflamatórios, nomeadamente leucócitos, PCR e VS, apoia esta hipótese.[6]
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O tratamento conservador, com terapêutica anti-inflamatória e repouso, é o mais recomendado, estando associado à evolução clínica favorável e ao desaparecimento das queixas em cerca de 2 a 3 semanas.[3]
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[8] A resolução imagiológica é mais prolongada, podendo levar de meses a 1 ano.[3] Quando se completa a ossificação, a deformidade desaparece da junção isquiopúbica. É importante salientar que achados radiológicos com atraso da fusão da SIP em crianças assintomáticas não levam ao diagnóstico de osteocondrite isquiopúbica, constituindo um processo fisiológico normal.[5]
Por outro lado, o conhecimento e diagnóstico da doença de Van Neck-Odelburg, de natureza benigna e auto-limitada, permitem uma abordagem direcionada e sem a carga emocional para o doente e seus familiares que outras patologias poderiam transmitir.