Palavras-chave
artroplastia de quadril - injeções intra-articulares - analgesia - reabilitação
Introdução
A artroplastia total do quadril (ATQ) consiste no tratamento cirúrgico de pacientes com coxartrose avançada que apresentam dor crônica e limitação funcional importante sem melhora com tratamento conservador,[1] levando à melhoria importante na dor, qualidade de vida e quadro psicossocial dos mesmos.[2]
A ATQ também é considerada o tratamento de escolha das fraturas de colo femoral desviadas em pacientes com idade acima de 60 anos, ativos, hígidos e com boa expectativa de vida.[3]
Contudo, muitos pacientes sofrem dor moderada a grave após o procedimento, acarretando numa hospitalização prolongada e consequente aumento das complicações no pós-operatório.[4] Um regime ideal de analgesia no pós-operatório de ATQ deve preservar a mobilidade precoce do joelho e quadril, permitir fisioterapia precoce, acelerar a recuperação, diminuir o tempo de hospitalização, reduzir o risco de complicações no pós-operatório e elevar a satisfação do paciente.[5]
A técnica de infiltração periarticular anestésica (IPA) medicamentosa foi desenvolvida por Kerr e Kohan[6] em 2008, e consiste na injeção intra-operatória intra-articular de uma mistura de ropivacaína, cetorolaco e epinefrina, com a finalidade de se obter uma analgesia pós-operatória com menores índices de efeitos colaterais e complicações, em comparação com outras técnicas analgésicas.[7]
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No entanto, em muitos estudos, não foi observada diferença significativa entre os grupos, e ainda há controvérsias se a infiltração periarticular oferece maior analgesia e recuperação precoce no pós-operatório de ATQ.[13]
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Os detalhes técnicos da infiltração periarticular variam significativamente entre os cirurgiões, com pouca padronização da prática. O local de infiltração deve ser preferencialmente definido pela localização dos nociceptores no quadril, que se distribuem em altas concentrações na base do labrum e na porção central do ligamento redondo (em conjunto com estruturas vasculares), e difusamente em moderadas concentrações na cápsula articular.[16]
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Muitas modalidades de analgesia foram descritas no pós-operatório de ATQ, incluindo analgesia epidural, administração de opioides e bloqueios nervosos periféricos. Apesar de amplamente utilizadas, cada técnica possui efeitos colaterais locais e sistêmicos: a analgesia epidural está associada a prurido e isquemia da medula espinhal; o uso de opioides, a náuseas, episódios eméticos, depressão respiratória e retenção urinária; e bloqueios periféricos estão associados à lesão neurovascular. Além disso, uma maior intensidade de dor articular na data da cirurgia consiste em fator de risco para o uso crônico de opioides. Dos pacientes submetidos a ATQ, 4,3% dos que nunca fizeram uso prévio de opioides e 34,7% dos que faziam persistem com seu uso após 6 meses da cirurgia.[18]
Metodologia
Trata-se de um estudo clínico quantitativo (analítico) primário, experimental, randômico, duplo-cego, controlado, realizado nos pacientes com diagnóstico de fratura de colo femoral ou osteoartrose de quadril, submetidos ao procedimento cirúrgico de ATQ em nossa instituição. Para o desenvolvimento deste estudo, foi aplicado o método de amostragem não probabilístico por conveniência. Os pacientes foram selecionados entre os grupos de uma forma randomizada, com ordem definida através de um processo de randomização permutada com auxílio de um software. Foram excluídos os pacientes com programação cirúrgica de procedimentos de reintervenção em um quadril já operado previamente e pacientes impossibilitados de serem submetidos a raquianestesia para o procedimento.
Os pacientes selecionados foram submetidos a raquianestesia. A infiltração periarticular pós-operatória no grupo experimental foi realizada com levobupivacaína (na concentração de 0,75%, volume de 20 ml) e dexametasona (4 mg/ml, ampola de 2,5 ml, totalizando 10 mg), diluídos em soro fisiológico (totalizando aproximadamente 60 ml de solução), e aplicada após a colocação dos implantes na cápsula articular remanescente do quadril (após a capsulorrafia), nos rotadores externos (após a sutura dos mesmos), na musculatura glútea periarticular, e no periósteo adjacente aos implantes. No grupo controle (placebo), foi realizada infiltração do mesmo volume de soro fisiológico 0,9% nos mesmos tecidos ([Figura 1]).
Fig. 1 Pontos de infiltração no quadril com a prótese inserida—cápsula articular e rotadores externos (setas brancas), musculatura glútea periarticular (setas amarelas), e periósteo adjacente aos implantes femoral e acetabular (setas azuis).
Resultados
Este estudo foi realizado em 35 pacientes com diagnóstico de fratura de colo femoral ou osteoartrose de quadril, entre outubro de 2018 e dezembro de 2020, submetidos ao procedimento cirúrgico de ATQ. Destes, um paciente evoluiu com complicações hemodinâmicas, não pôde ser avaliado, e foi retirado do estudo.
Os dois grupos foram avaliados com relação à dor (escala visual analógica [EVA]), amplitude dos movimentos do quadril e consumo de analgésicos, além do tempo de internação, deambulação e complicações pós-operatórias.
Para análise dos dados, foi utilizado o software estatístico Statistica versão 7.0 (StatSoft, Tulsa, OK, EUA). O nível de significância estabelecido foi de 5%.
Os pacientes avaliados tinham entre 44 e 82 anos, com média de 64,15 anos. Não houve diferença significativa entre os grupos com relação à idade (p = 0,29).
Não houve diferença significativa entre os grupos com relação à indicação (p = 0,45). A maioria dos casos, nos dois grupos, teve indicação de coxartrose ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Grupo
|
|
Indicação
|
Placebo
|
Experimental
|
Total
|
Coxartrose
|
11
|
13
|
24
|
%
|
64.71%
|
76.47%
|
|
Fratura de colo
|
6
|
4
|
10
|
%
|
35.29%
|
23.53%
|
|
Total
|
17
|
17
|
34
|
No grupo experimental, houve alteração significativa para o uso de opioide, entre as 24 e 48 horas. Um número significativo de pacientes não precisou mais fazer uso de opioides depois de 48 horas ([Tabela 2]).
Tabela 2
Placebo
|
48 h
|
|
Experimental
|
48 h
|
|
24 h
|
Não
|
Sim
|
Total
|
24 h
|
Não
|
Sim
|
Total
|
Não
|
5
|
0
|
5
|
Não
|
6
|
0
|
6
|
%
|
62.50%
|
0.00%
|
|
%
|
50.00%
|
0.00%
|
|
Sim
|
3
|
9
|
12
|
Sim
|
6
|
5
|
11
|
%
|
37.50%
|
100.00%
|
|
%
|
50.00%
|
100.00%
|
|
Total
|
8
|
9
|
17
|
Total
|
12
|
5
|
17
|
p
|
0,0248
|
|
p
|
0,041
|
|
No grupo placebo não houve alteração significativa entre o período de 24 e 48 horas ([Tabela 3]).
Tabela 3
Grupo
|
Média
|
n
|
DP
|
Mínimo
|
Máximo
|
Placebo
|
−2.80
|
15
|
1.93
|
−6
|
1
|
Experimental
|
−1.35
|
17
|
1.22
|
−3
|
2
|
Total
|
−2.03
|
32
|
1.73
|
−6
|
2
|
Houve diferença significativa entre os grupos com relação ao parâmetro dor (p = 0,033). No grupo placebo, houve uma redução maior dos pontos de dor ao compararmos os pacientes após 24 e 48 h no mesmo grupo.
Não houve diferença significativa entre os grupos com relação aos parâmetros de amplitude de movimentos, tais como flexão (p = 0,81), adução (p = 0,84), abdução (p = 0,61), rotação interna (p = 0,18), ou rotação externa (p = 0,54).
Também não houve diferença significativa entre os grupos com relação ao tempo de início de deambulação (p = 0,68), tempo de internação (p = 0,45), ou intercorrências no pós-operatório (p = 0,24).
Discussão
Há pouca padronização a respeito dos coquetéis medicamentosos utilizados na infiltração periarticular na literatura. Diversos estudos compararam diversas combinações de medicamentos, porém sem uma definição precisa do coquetel ideal. A análise da farmacologia das drogas utilizadas deve auxiliar a escolha ideal, e permitir que os cirurgiões utilizem as de sua preferência.[19]
A infiltração realizada nos tecidos moles ao redor da articulação do quadril, incluindo cápsula articular, cabeças direta e reflexa do reto femoral, tensor da fáscia lata e tecido subcutâneo também demonstra bons resultados na analgesia pós-operatória.[20] A infiltração nos rotadores externos e glúteos também é descrita na literatura, assim como na cápsula posterior e inserção do glúteo médio, porém sem resultados satisfatórios descritos nessas regiões.[21]
Neste estudo, apesar de haver uma redução evolucional maior (ao se comparar a dor com 24 e 48 h no mesmo grupo) da pontuação de dor no grupo placebo (em comparação ao grupo experimental), observou-se uma redução significativa no consumo dos opioides apenas no grupo experimental entre 24 e 48 h.
Não houve diferenças quanto à mobilidade do quadril entre os grupos, em relação ao arco de movimentos em todos os planos analisados, e também não observamos diferenças significativas quanto ao tempo de internação, mobilidade precoce (início da deambulação) ou quanto às intercorrências nos pacientes avaliados.
Conclusão
A infiltração periarticular anestésica como método de analgesia pós-operatória de ATQ, neste estudo, reduziu as taxas de consumo de opioides ao se comparar a evolução entre 24 e 48 h. Não houve benefícios quanto às taxas de dor, mobilidade, tempo de internação ou intercorrências com este método.