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DOI: 10.1055/s-0042-1744499
Necrose avascular pós-cirurgia de Dunn modificada no tratamento do escorregamento da epífise proximal do fêmur*
Article in several languages: português | EnglishResumo
Objetivo Analisar a incidência da necrose avascular da epífise no tratamento do escorregamento da epífise proximal do fêmur pela técnica de Dunn modificada, correlacionando-a com outras variáveis. Como objetivo secundário, descrevemos outras complicações encontradas.
Métodos Estudo retrospectivo com 20 pacientes tratados entre 2009 e 2019, com seguimento de 2 a 12 anos, tratados pela mesma equipe cirúrgica. A análise incluiu características gerais, tempo entre apresentação e procedimento cirúrgico, classificação, presença de perfusão sanguínea intraoperatória da epífise, avaliação das complicações e seus respectivos tratamentos.
Resultados Todos os casos eram graves, 65% crônicos agudizados e 55% dos escorregamentos eram instáveis. Nossa taxa de complicações foi de 45%, sendo 5 casos de necrose avascular, 2 de infecção profunda, uma falha do material e uma instabilidade articular. Pacientes operados com maior tempo após a internação e os sem perfusão intraoperatória da epífise tiveram maior risco de necrose na análise estatística. Considerando o tempo do estudo, tivemos 4 casos de necrose nos primeiros 5 anos e 1 caso nos últimos 5 anos.
Conclusão Nosso estudo demonstrou que a necrose foi a complicação mais comum e que o atraso para a realização da cirurgia e a ausência de perfusão da epífise no intraoperatório podem predispor à necrose avascular. Embora não estatisticamente significante, a instabilidade coxofemoral foi observada na forma de apresentação crônica e a fixação cirúrgica com fios rosqueados se mostrou menos eficaz que a fixação com parafuso canulado.
Este procedimento deve ser reservado para casos graves nos quais outras técnicas não sejam possíveis e realizado por equipe experiente, treinada e capacitada.
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Palavras-chave
escorregamento das epífises proximais do fêmur/complicações - necrose da cabeça do fêmur - osteotomiaIntrodução
O escorregamento da epífise proximal do fêmur (EEPF) é uma doença relativamente comum que acomete o quadril dos adolescentes,[1] apresentando uma incidência de 11/100.000 habitantes.[2] Seu tratamento permanece controverso, variando desde a tradicional fixação in situ para os casos leves a moderados e, para casos graves, as osteotomias, que podem ser realizadas na região intertrocantérica, na base do colo ou na região subcapital. A necrose avascular (NAV) da epífise, advinda principalmente das osteotomias intracapsulares, é a principal e mais temida complicação destes procedimentos. Alguns outros métodos foram descritos mais recentemente para os escorregamentos graves, tais como a técnica proposta por Parsch et al.,[3] que consiste na redução gentil cruenta monitorada pela palpação com a ponta do dedo indicador através de um pequeno acesso ântero-lateral (Watson Jones) com a drenagem do hematoma articular e a osteotomia subcapital para o realinhamento da epífise femoral através da luxação controlada do quadril (Dunn modificado).[4] [5]
A fixação in situ tem como objetivo estabilizar a epífise femoral proximal provocando fechamento fisário e com isto impedir a progressão da doença. Por outro lado, os procedimentos que visam a redução incruenta ou cruenta da epífise proporcionam a correção pelo alinhamento da deformidade e podem minimizar a progressão do quadril para a artrose coxofemoral.
O procedimento cirúrgico de Dunn modificado, descrito em Berna em 1998,[6] [7] tem como principal benefício a restauração da anatomia do fêmur proximal através de uma abordagem cirúrgica com a luxação, dita controlada, do quadril, ressecando na maioria das vezes o ligamento redondo. Nesta abordagem, cria-se um flap do retináculo do colo, com o intuito de preservar a vascularização da epífise femoral para que a osteotomia corretiva do colo femoral seja realizada com segurança.
Esta cirurgia proporciona uma excelente correção do deslizamento; contudo, é um procedimento complexo, necessitando, portanto, de maior experiência e treinamento adequado, sendo que complicações podem ser esperadas.[8]
Dentre as complicações descritas mais frequentemente estão:a NAV da epífise femoral, instabilidade do quadril, infecção, falha (quebra) do material de osteossíntese e a pseudartrose do trocânter maior.[9] [10]
O objetivo primário do nosso estudo foi analisar a incidência da NAV no tratamento da EEPF pela técnica de Dunn modificada, correlacionando esta complicação com outras variáveis. Como objetivo secundário descrevemos outras complicações encontradas em nossa amostra.
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Materiais e Métodos
Esse estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa sob o número CAAE:44899021.6.0000.5225.
Trata-se de um estudo retrospectivo realizado entre 2009 e 2019 em um hospital terciário, no qual foram revisados os prontuários de pacientes submetidos ao tratamento do EPPF pela técnica de Dunn modificada.
Os critérios de exclusão aplicados foram: pacientes com prontuário incompleto e aqueles com seguimento inferior a 2 anos.
Os dados epidemiológicos avaliados foram: o sexo, a idade no momento da doença e o lado acometido. O deslizamento foi classificado de acordo com a gravidade (leve, moderado ou grave) como proposto por Southwick,[11] de acordo com o tempo de apresentação (crônica, crônica agudizada e aguda) segundo Fahey e O'Brien[12] e ainda pela estabilidade como proposto por Loder et al.,[13] divididas em estável ou instável. Foi avaliado também o tempo entre o diagnóstico (admissão) no serviço, a realização do procedimento cirúrgico, bem como a perfusão intraoperatória da epífise femoral, esta realizada através da perfuração na epífise femoral com um fio de Kirschner de 1,5 mm.
Os pacientes que evoluíram para NAV foram comparados com aqueles sem necrose para tentar identificar os fatores que influenciaram sua ocorrência. Os dados usados para tal foram a idade da apresentação, separando em pacientes menores e maiores de 12 anos, sexo, lateralidade, tempo até a cirurgia (divididos em menos ou mais de 2 dias), característica da doença pelas classificações já citadas e a presença ou não de perfusão intraoperatória.
Outras complicações avaliadas foram: infecção superficial e profunda, falha do material de síntese, instabilidade (luxação do quadril) e pseudartrose do trocânter maior. Descrevemos também quais procedimentos posteriores foram realizados para tratar tais complicações.
Os resultados obtidos no estudo foram descritos por médias, desvios padrões, medianas, variáveis quantitativas ou variáveis categóricas. Para a comparação dos grupos definidos pela presença de necrose (sim ou não), em relação à idade, foi usado o teste t de Student para amostras independentes. Esta análise para tempo entre diagnóstico e a cirurgia foi feita usando-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Para a avaliação da associação entre variáveis categóricas e a probabilidade de ocorrência de necrose foi usado o teste exato de Fisher. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional Stata/SE v.14.1. (StataCorp LLC, College Station, TX, USA).
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Resultados
Nossa amostra constituiu-se de 20 pacientes com EEPF grave tratados pela mesma equipe cirúrgica com o procedimento de Dunn modificado no período de 2009 a 2019. Todos os pacientes tiveram acompanhamento pós-operatório variando de 2 a 12 anos. Tivemos 11 pacientes do sexo masculino, com uma idade média de 12,45 anos (8–14 anos). Doze procedimentos foram realizados no lado esquerdo, sendo que em 12 pacientes foi realizada a fixação in situ do lado contralateral, por apresentação bilateral ou por fixação profilática, mas em nenhum paciente tivemos o procedimento proposto realizado bilateralmente. Os pacientes foram operados com uma média de 3 dias de apresentação da doença (1–12 dias) ([Tabela 1] e [Figuras 1], [2], [3] e [4]).
Ano |
Sexo |
Idade |
Lateralidade |
Dias até a cirurgia |
Gravidade |
Classificação de Loder |
Classificação de Fahey O'Brien |
Complicação |
NAV |
Infecção |
Quebra do material |
Luxação |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2009 |
Feminino |
12 |
esquerdo |
2 |
grave |
instável |
aguda |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2010 |
Feminino |
13 |
direito |
2 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
SIM |
não |
sim |
não |
não |
2010 |
Masculino |
11 |
esquerdo |
3 |
grave |
instável |
aguda |
SIM |
sim |
não |
não |
não |
2010 |
Masculino |
14 |
esquerdo |
5 |
grave |
estável |
crônica |
SIM |
não |
não |
não |
sim |
2011 |
Masculino |
14 |
esquerdo |
12 |
grave |
estável |
crônica |
SIM |
sim |
não |
não |
não |
2012 |
Feminino |
11 |
esquerdo |
3 |
grave |
instável |
aguda |
SIM |
sim |
não |
não |
não |
2012 |
Feminino |
11 |
esquerdo |
1 |
grave |
instável |
aguda |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2012 |
Feminino |
11 |
direito |
1 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2013 |
Masculino |
14 |
esquerdo |
2 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2014 |
Feminino |
12 |
direito |
10 |
grave |
instável |
crônica agudizada |
SIM |
sim |
não |
não |
não |
2015 |
Masculino |
13 |
direito |
3 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2015 |
Masculino |
14 |
esquerdo |
2 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
SIM |
não |
não |
sim |
não |
2015 |
Feminino |
11 |
direito |
2 |
grave |
instável |
aguda |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2016 |
Masculino |
14 |
direito |
3 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
SIM |
sim |
não |
não |
não |
2016 |
Feminino |
13 |
direito |
2 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2016 |
Masculino |
14 |
direito |
4 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2017 |
Masculino |
13 |
esquerdo |
3 |
grave |
estável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2018 |
Masculino |
14 |
esquerdo |
1 |
grave |
instável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2018 |
Masculino |
12 |
esquerdo |
1 |
grave |
instável |
crônica agudizada |
NÃO |
não |
não |
não |
não |
2019 |
Feminino |
8 |
esquerdo |
1 |
grave |
instável |
crônica agudizada |
SIM |
não |
sim |
não |
não |
Pela classificação temporal de Fahey O'Brien, a maior parte dos casos—65% (13/20)— era do tipo crônica agudizada, seguido das agudas—25% (5/20), e 10% crônicas (2/20). Segundo a classificação proposta por Loder, 55% foram considerados instáveis (11/20), e o restante, 45, instáveis (9/20). Todos os casos eram de EEPF grave pela classificação de Southwick.
Encontramos 45% (9/20) de complicações, sendo 5 (25%) casos de necrose avascular, 2 (10%) casos de infecção profunda, 1 (5%) caso de luxação da articulação do quadril e 1 (5%) caso de falha do material de síntese ([Tabela 2]).
Complicação |
N |
Presença |
Frequência* |
---|---|---|---|
NAV |
20 |
Não Sim |
15 (75%) 5 (25%) |
Infecção |
20 |
Não Sim |
18 (90%) 2 (10%) |
Quebra do material |
20 |
Não Sim |
19 (95%) 1 (5%) |
Luxação |
20 |
Não Sim |
19 (95%) 1 (5%) |
Na avaliação dos fatores relacionados à ocorrência da necrose avascular, não houve diferença relacionada à idade, ao sexo e ao lado acometido. Também não houve diferença significativa relacionada ao tempo de apresentação e à estabilidade do deslizamento. Estatisticamente, os pacientes operados até o segundo dia de internação (p < 0,008) e aqueles com perfusão intraoperatória (p < 0,032) da epífise apresentaram menor risco de evolução para necrose. No que se refere ao tempo de apresentação, pela classificação de Fahey O'Brien, nenhum apresentou risco estatisticamente significativo de evolução para necrose, tendo sido comparadas as apresentações estáveis (crônicas) com as instáveis (crônica agudizada e aguda) e as duas apresentações instáveis entre si.
Os procedimentos posteriores para os cinco casos de NAV foram: duas osteotomias de suporte pélvico, uma retirada de material de síntese e observação clínica, uma retirada de material com osteocondroplastia do colo e uma osteotomia valgizante associada à osteocondroplastia ([Tabela 3] e [Figuras 5], [6] e [7]).
Variável |
Grupo |
N |
Necrose n (%) |
P* |
---|---|---|---|---|
Faixa etária(anos) |
11 ou 12 13 ou 14 |
9 11 |
3 (33,3%) 2 (18,2%) |
0,617 |
Sexo |
Feminino Masculino |
9 11 |
2 (22,2%) 3 (27,3%) |
1 |
Admissão até a cirurgia (dias) |
≤ 2 > 2 |
11 9 |
0 (0%) 5 (55,6%) |
0,0008 |
Lado acometido |
Esquerdo Direito |
12 8 |
3 (25%) 2(25%) |
1 |
Classificação de Loder |
Instável Estável |
9 11 |
3 (33,3%) 2 (18,2%) |
0,617 |
Classificação de Fahey O'Brien |
Aguda Crônica agudizada Crônica |
5 13 2 |
2 (40%) 2 (15,4%) 1 (50%) |
– |
Tempo apresentação |
Aguda/crônica agudizada Crônica |
18 2 |
4 (22,2%) 1 (50%) |
0,447 |
Tempo apresentação |
Aguda Crônica agudizada |
5 13 |
2 (40%) 2 (15,4%) |
0,533 |
Perfusão da epífise intraoperatória |
Não Sim |
4 16 |
3 (75%) 2 (12,5%) |
0,032 |
Considerando o tempo do estudo 2009 a 2019, 4 das 5 necroses ocorreram nos primeiros 5 anos do uso da técnica, sendo estes também os primeiros 10 pacientes operados, e apenas 1 necrose nos 5 anos mais recentes compreendendo os últimos 10 pacientes operados ([Tabela 4]).
Ano |
Dias até a cirurgia |
Perfusão intraoperatória |
Tratamento proposto |
---|---|---|---|
2010 |
3 |
sem perfusão |
Suporte pélvico |
2011 |
12 |
sem perfusão |
Osteotomia valgizante + osteocondroplastia |
2012 |
3 |
presente |
Retirada de material + osteocondroplastia |
2014 |
10 |
sem perfusão |
Suporte pélvico |
2016 |
3 |
presente |
Retirada de material |
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Discussão
O tratamento do EEPF permanece um desafio para os cirurgiões ortopédicos. A cirurgia de Dunn modificada ganhou popularidade como uma forma de tratamento nos casos moderados e graves. Este procedimento proporciona a correção da deformidade no local onde ela ocorre, prevenindo futura degeneração articular do quadril. Sabe-se, entretanto, que o procedimento é tecnicamente complexo requerendo uma curva de aprendizado longa por parte do cirurgião e equipe, sendo que complicações são relativamente comuns.
Dunn, em 1964,[14] descreveu a técnica de osteotomia subcapital realizada por uma abordagem cirúrgica posterior e apresentou uma taxa de apenas 4% de NAV. Em estudos posteriores, essa taxa não foi reprodutível, com relatos chegando a 54% de NAV,[15] [16] sendo que esses casos foram relacionados ao estiramento dos vasos retinaculares posteriores.[7]
A partir dos estudos de Gautier et al.[17] sobre vascularização do fêmur proximal e da descrição de Ganz et al.[18] da luxação cirúrgica controlada do quadril, o grupo de Berna apresentou os resultados do procedimento de Dunn, dito modificado, pois realizava esta via de abordagem para a realização da osteotomia subcapital com uma taxa surpreendente de 0% de NAV.[6] [19] Mais tarde, Lerch et al.,[20] do mesmo grupo de Berna, em 2019 analisaram os resultados a longo prazo de 40 casos de EEPF graves submetidos ao procedimento de Dunn modificado, com 2% de incidência de osteoartrose, 5% de NAV e 7% de falha de material.
A incidência de NAV descrita na literatura nos pacientes com EEFP crônica, quando não se realiza a redução do escorregamento, é próxima de 0%. Nos pacientes com escorregamentos agudos instáveis, essa incidência varia de 10 a 60%, independente do tratamento realizado.[21] [22] No estudo inicial de Zierbath et al.,[23] realizado em duas instituições e referente aos resultados da técnica de Dunn modificada, não foi encontrada necrose avascular, porém outras séries demonstraram variação dessa incidência de 5 a 47%.[8] [9] [21] [22] [24]
Em nossa amostra, foi observada uma incidência de NAV após procedimento de Dunn modificado de 25%, sendo este resultado condizente com a literatura publicada. Quando analisamos nossos casos de NAV da epífise, um paciente foi classificado inicialmente como crônico estável, um crônico agudizado estável, um crônico agudizado instável e dois agudos instáveis. Contudo, devido ao número baixo da amostra, não foi possível estabelecer uma correlação estatisticamente significativa entre tempo de apresentação, estabilidade (Loder) e NAV.
Dos 5 casos que evoluíram para NAV, 3 foram operados com 3 dias de internação e os outros com 10 e 13 dias, fato esse que se mostrou relevante estatisticamente na evolução para necrose, não sendo observada a mesma incidência nos pacientes operados no primeiro dia. Isto, atualmente, orienta a nossa conduta de realizar, se possível, o procedimento nas primeiras 24 horas. Esse dado é compatível com os trabalhos de Persinger et al.[25] e de Herrera-Soto et al.[26]
Outro dado que se mostrou estatisticamente significante foi a perfusão intraoperatória da epífise femoral. Dos cinco pacientes com NAV, três não apresentavam perfusão quando testados. Esta correlação não foi observada na série de Upasani et al;[9] entretanto, Novais et al.[27] e Aprato et al.[28] confirmaram a correlação.
Masquijo et al.[8] e Upasani et al.,[9] correlacionaram as complicações com a curva de aprendizado e a experiência do cirurgião. Em nossa série, tivemos 4 NAV nos primeiros 10 casos, operados nos primeiros 5 anos, e um paciente com NAV nos pacientes operados nos últimos 5 anos, dados estes que corroboram com estes trabalhos citados previamente.
Dois pacientes de nossa amostra evoluíram com infecção do sítio cirúrgico, ambos foram tratados com desbridamento cirúrgico e antibioticoterapia e apresentaram resolução adequada do quadro. Em nenhum deles foi observada NAV associada. Elmarhany et al.[29] tiveram 3% de infecção profunda que também não alterou o resultado final do procedimento.
Tivemos um paciente (5%) com falha do material de síntese (fios rosqueados entortaram), tendo sido realizada a troca dos fios rosqueados por dois parafusos canulados com boa evolução. Desde esta falha, nossa preferência é a fixação da epífise com 2 parafusos canulados de 7.0 mm. Na literatura, encontramos taxa de 7% desta complicação no artigo de Zierbath et al.[30] (3 casos em 40 acompanhados), ou até mais significativas, como a descrita por Sankar et al.,[21] de 15%.
Em uma revisão multicêntrica, Upasani e o grupo internacional de estudo da EEFP[10] descreveram uma taxa de 4% de instabilidade coxofemoral após procedimento de Dunn modificado; todos os casos eram de EEPF grave, crônica ou crônica agudizada. Destes casos de instabilidade, 47% necessitaram de nova cirurgia e 82% evoluíram com NAV, resultado semelhante ao estudo de Upasani et al.[9] em 2014, com 5% de instabilidade. Em nossa série, tivemos um paciente (5%) com luxação da articulação coxofemoral no pós-operatório imediato da EEFP (crônica grave), sendo este tratado com redução e imobilização com aparelho gessado pélvico-podálico, com resolução da instabilidade e sem NAV. A partir desta intercorrência, nos escorregamentos crônicos graves, quando o acetábulo está adaptado à deformidade da epífise femoral, preferimos a osteotomia flexora intertrocantérica associada à osteocondroplastia através da luxação cirúrgica controlada do quadril.
O procedimento de Dunn modificado é um procedimento complexo; entretanto, sua grande vantagem é restaurar a anatomia do quadril, proporcionando a preservação da função e prevenindo também o aparecimento da osteoartrose. Por outro lado, sua curva de aprendizado é longa e requer treinamento adequado para minimizar a ocorrência de complicações.
Atualmente, em nosso serviço, indicamos esse procedimento apenas para casos graves, crônico agudizados e para os instáveis, quando a técnica de Parsch et al.[3] não é mais aplicável, ou seja, casos acima de 48 horas de ocorrência do deslizamento.
Como limitações do nosso estudo, ressaltamos que este procedimento é utilizado em situações específicas de EEPF grave, necessitando de treinamento e experiência da equipe cirúrgica. Isto pode, em parte, explicar nossa amostra relativamente pequena de 20 casos em um período de 10 anos. Por outro lado, estudos randomizados duplo cegos comparados com outras opções cirúrgicas são necessários para melhor aferir a incidência de complicações correlacionando com fatores predisponentes.
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Conclusão
Nosso estudo demonstrou que, no procedimento de Dunn modificado, a necrose foi a complicação mais comum, apresentando uma íntima relação com o atraso na realização da cirurgia e a presença da perfusão da epífise no intraoperatório, sendo que estes fatores podem predispor o aparecimento da NAV. Embora sem desfechos estatisticamente significantes, a instabilidade coxofemoral foi observada na forma de apresentação crônica e a fixação cirúrgica da epífise com fios rosqueados se mostrou menos eficaz do que a fixação com parafuso canulado.
Este procedimento deve ser reservado para casos graves, nos quais outras técnicas não sejam possíveis, e realizado por equipe experiente, treinada e capacitada.
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* Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Trabalhador, Curitiba, PR, Brasil.
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Referências
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Received: 04 August 2021
Accepted: 20 January 2022
Article published online:
06 July 2022
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