Palavras-chave
placas ósseas - transplante ósseo - remoção de dispositivo - osteotomia - infecção da ferida cirúrgica - tíbia
Introdução
A osteotomia tibial alta com cunha de abertura medial (MOWHTO, do inglês medial open wedge high tibial osteotomy) é aceita como uma opção eficaz para tratamento da osteoartrite do compartimento medial do joelho em pacientes fisicamente ativos com desalinhamento em varo. A MOWHTO consiste em osteotomia da tíbia proximal, valgização do osso no sítio de osteotomia e fixação da osteotomia, geralmente por meio de um sistema de placa-parafuso. Os resultados clínicos da MOWHTO são promissores, com altas taxas de retorno ao trabalho e às atividades esportivas.[1]
Apesar dos resultados promissores relatados, a MOWHTO é associada a algumas complicações que podem comprometer os desfechos, como fratura da cortical lateral, lesões neurovasculares, pseudoartrose, consolidação tardia, perda de correção e irritação do implante.[2] As placas usadas na MOWHTO podem causar sintomas mecânicos e dor ao pressionarem as estruturas vizinhas, como os tendões dos músculos sartório, grácil, semitendinoso (pata de ganso) e isquiotibiais e o ligamento colateral medial, além do tecido adiposo e cutâneo sobrejacentes.[3]
Embora a MOWHTO alivie a dor na linha articular medial de forma significativa, alguns pacientes podem se queixar que a dor e a sensibilidade na região da tendões dos músculos sartório, grácil e semitendinoso e dos implantes, causadas pelos dispositivos, restringem as atividades diárias mesmo após um procedimento sem maiores complicações. Isso pode exigir a remoção do implante após a consolidação óssea para alívio da dor em alguns desses indivíduos. Este estudo definiu a taxa de remoção do implante sistema de osteotomia Tomofix (DePuy Synthes, Raynham, MA, EUA).
Materiais e métodos
O comitê de ética institucional aprovou este estudo em 22 de outubro de 2020 (n° 140).
Após a aprovação do conselho de revisão institucional, um total de 106 joelhos de 72 pacientes submetidos à MOWHTO pelo cirurgião sênior para tratamento da osteoartrite do compartimento medial do joelho entre maio de 2010 e fevereiro de 2018 e acompanhamento por pelo menos 24 meses foram incluídos no estudo. Em todos os joelhos, o sítio de osteotomia foi fixado com placa de compressão tibial medial alta de titânio e parafusos do sistema de osteotomia Tomofix. Nenhum paciente recebeu enxertos no sítio de osteotomia. Todos os indivíduos foram submetidos ao mesmo protocolo de fisioterapia após a MOWHTO. Os pacientes foram avaliados de acordo com a pontuação de desfecho de lesão no joelho e osteoartrite (KOOS, do inglês Knee Injury and Osteoarthritis Outcome Score), a pontuação de joelho de Oxford (OKS, do inglês Oxford Knee Score) e a escala visual analógica (EVA) de dor na articulação medial do joelho (EVA-MJ) antes da cirurgia. A EVA de dor nos músculos sartório, grácil e semitendinoso (EVA-PA) também foi avaliada, assim como todos os exames clínicos e funcionais, aos 12 meses após a cirurgia e, depois, anualmente. A remoção do implante foi recomendada a pacientes com EVA-PA ≥ 40 e consolidação óssea adequada após 12 meses.
A cirurgia de remoção do implante ocorreu pelo menos 12 meses depois do procedimento índice em pacientes com dor na região dos tendões dos músculos sartório, grácil e semitendinoso ou nos casos em que os dispositivos limitavam a vida diária e/ou as atividades esportivas e não responderam ao tratamento conservativo. A EVA-PA também foi analisada 3 meses após a remoção do implante.
Análise estatística
A análise estatística foi realizada em programa IBM SPSS Statistics for Windows, vers'ao 22.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). As variáveis quantitativas entre os dois grupos foram avaliadas com o teste t de Student. Os dados foram expressos como média +/− desvio padrão (DP). O teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher analisaram as variáveis categóricas quando apropriado. Um valor de p inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Resultados
A [Tabela 1] mostra as características dos pacientes. Em 6 (5,8%) dos 103 joelhos, a reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) e, em 1 (0,9%) caso, a revisão da reconstrução do LCA foram simultâneas à MOWHTO. Não houve registro de nenhuma falência do implante, pseudoartrose, fratura da cortical lateral, lesão neurovascular, perda de correção ou insuficiência do LCA. Três (2,9%) casos de consolidações tardias foram observados e excluídos. Não houve necessidade de conversão para artroplastia total do joelho em nenhum dos pacientes. Em 65 (63,1%) (com EVA-PA média de 53,5 ± 14,2) dos 103 joelhos, a remoção do implante foi necessária para alívio da dor. Não houve diferenças significativas em relação a KOOS (p = 0,134), OKS (p = 0,287) e EVA-MJ (p = 0,416) entre os com ou sem necessidade de remoção do implante. Nos pacientes submetidos à cirurgia de remoção do implante, a EVA-PA diminuiu para uma média de 4,5 ± 5,6 nos 3 meses subsequentes (p < 0,001) ([Tabela 2]). O tempo médio de remoção do implante foi de 16,2 ± 3,7 (intervalo, 12 a 22) meses após a MOWHTO.
Tabela 1
Sexo
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Homens (n = 33) 45,8%
Mulheres (n = 39) 54,2%
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Idade média (anos)
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49,4 ± 8,0
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IMC médio
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27,0 ± 2,9
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Ângulo médio de correção
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8,3° ± 1,8°
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Tabela 2
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Antes da cirurgia
(média ± DP)
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12 meses após a MOWHTO (média ± DP)
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3 meses após a remoção do implante (média ± DP)
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Valor de p
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KOOS
(todos os pacientes)
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49,4 ± 8,2
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77,5 ± 10,6
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−
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< 0,05
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OKS
(todos os pacientes)
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26,7 ± 5,2
|
43,1 ± 4,1
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−
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< 0,05
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EVA-MJ
(todos os pacientes)
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60,8 ± 12,2
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8,8 ± 9,8
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−
|
< 0,001
|
EVA-PA
(todos os pacientes)
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−
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38,3 ± 23,9
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−
|
−
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EVA-PA
(pacientes submetidos à remoção do implante)
(n = 65; 63,1%)
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−
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53,5 ± 14,2
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4,5 ± 5,6
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< 0,001
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Discussão
Este estudo mostra que a remoção do implante devido à dor foi recomendada em mais da metade (63%) dos joelhos submetidos à MOWHTO com placa de compressão tibial medial alta de titânio e parafusos do sistema de osteotomia Tomofix 1 a 2 anos após o procedimento.
A MOWHTO é um tratamento eficaz para a osteoartrite do compartimento medial em pacientes jovens, com baixas taxas de complicações maiores, bons desfechos e altas taxas de consolidação;[4] no entanto, há relatos de taxas relativamente altas de complicações menores (15,6–31%).[3] A dor em tecidos moles causada pela irritação e a necessidade de remoção dos dispositivos são complicações comuns[5] associadas à fixação com placa e parafuso.[4] Na literatura, porém, a verdadeira taxa de remoção do implante devido à dor é vaga e pouco clara. Embora o sistema Tomofix seja seguro na MOWHTO,[6] há uma alta incidência de dor por irritação dos tecidos moles, com consequente remoção do implante. Em 2010, Niemeyer et al.[7] relataram que 40,6% dos pacientes se queixavam de irritação local associada ao dispositivo após a MOWHTO com o sistema Tomofix. A taxa de necessidade de remoção do implante devido à dor, porém, não foi especificada porque os dispositivos foram retirados de todos os pacientes, exceto um (99%), que recusou o procedimento. Darees et al.[8] relataram uma taxa de remoção de dispositivo devido ao desconforto de 25% (12/48) ao longo de 10 anos de acompanhamento. No entanto, muitos estudos relataram taxas muito menores de irritação relacionada a dispositivos (0–23%), com taxa média de necessidade de remoção do sistema Tomofix para alívio da dor de 7,2%.[3] Brouwer relatou uma taxa de remoção da placa Puddu (Arthrex; Naples, FL, EUA) em decorrência de dor de 60%.[5] Outros dois estudos compararam a taxa de remoção de implantes metálicos e sistemas compostos apenas por poli(éter-éter-cetona) (PEEK) após a MOWHTO. Hevesi et al.[4] relataram que a sobrevida livre de remoção de implantes metálicos (Puddu, DynaFix, [Biomet, Warsaw, IN, USA], e TomoFix) foi de 80% em 2 anos e 73% em 5 anos, respectivamente. A sobrevida livre de remoção do implante de PEEK (iBalance [Arthrex]) foi significativamente maior, sendo de 94% em 2 e 5 anos. Roberson et al. compararam o implante de PEEK iBalance aos sistemas tradicionais de placa e parafuso (ContourLock HTO Plate [Arthrex] e VS Osteotomy Plate [EBI, Parsippany, NJ, EUA]).[2] Este estudo não demonstrou a necessidade de remoção do implante de PEEK e a taxa de retirada dos implantes metálicos foi de 20% em um período de acompanhamento de 2 anos. Nos dois estudos, as taxas de complicações, falência e conversão em artroplastia, bem como os resultados clínicos e radiológicos, foram semelhantes nos grupos tratados com implantes metálicos e PEEK. Recentemente, outra pesquisa investigou as taxas de complicações e remoção de implantes Tomofix após a MOWHTO. Esses autores relataram uma baixa taxa de complicações (6,5%), mas uma alta taxa de remoção do implante por irritação dos tecidos moles (52%).[9] Em nosso estudo, não tivemos como objetivo relatar as taxas de complicações, apenas a taxa de remoção do implante devido à irritação causada pelo dispositivo. Em 2 anos de acompanhamento, a taxa de remoção do implante devido à dor pela irritação causada pelo dispositivo após a MOWHTO com o sistema de osteotomia Tomofix foi de 63,1%. Essa taxa de irritação e consequente remoção do implante é maior do que em qualquer estudo na literatura.
Embora a placa Tomofix proporcione alta estabilidade no sítio da osteotomia e evite fraturas da dobradiça lateral, ela provoca irritação local nos tecidos moles de mais da metade dos casos. Este fato pode ser decorrente do espaço livre limitado e à ausência de tecido mole abundante entre o osso e a pele na face anteromedial da tíbia proximal para aceitação e cobertura do implante. Considerando que mais de 60% dos pacientes submetidos à MOWHTO necessitariam de uma segunda intervenção cirúrgica para a remoção dos implantes, recomendamos e preferimos informar os pacientes sobre a probabilidade de um novo procedimento a em nossa rotina diária.
As principais limitações do nosso estudo são sua natureza retrospectiva, estrutura de série de casos e a ausência de um grupo controle. Além disso, com um acompanhamento de 24 meses, nosso estudo representa desfechos e taxas de remoção de implantes em curto prazo. No entanto, mostramos que a irritação causada pelos dispositivos e consequente taxa de remoção do implante após a MOWHTO são maiores do que aquelas relatadas na literatura.
Conclusão
Mais de 60% dos pacientes podem precisar de remoção do implante para alívio da dor sobre tendões dos músculos sartório, grácil e semitendinoso após a MOWHTO. Os candidatos à MOWHTO devem ser informados sobre esta complicação e sua resolução.