CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(02): 279-283
DOI: 10.1055/s-0042-1751022
Artigo Original
Ombro e Cotovelo

Lesão de ombro relacionada à administração de vacina: Série de casos

Artikel in mehreren Sprachen: português | English
1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Escola de Medicina Icahn de Monte Sinai, Nova York, Nova York, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Escola de Medicina Icahn de Monte Sinai, Nova York, Nova York, Estados Unidos
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1   Departamento de Cirurgia Ortopédica, Escola de Medicina Icahn de Monte Sinai, Nova York, Nova York, Estados Unidos
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Suporte Financeiro Esta pesquisa não recebeu nenhuma bolsa específica de agências de fomento dos setores públicos, comerciais ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

Objetivo A dor no ombro é um quadro comum na atenção primária e há cada vez mais relatos acerca de sua ocorrência após a vacinação. Este estudo buscou entender como um protocolo de tratamento padronizado ajudaria pacientes com lesão no ombro relacionada à administração de vacina (SIRVA).

Métodos Os pacientes com SIRVA foram recrutados de forma retrospectiva entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2021. Todos os pacientes foram submetidos à fisioterapia e receberam uma prescrição de cortisona injetável. A amplitude de movimento pós-tratamento (ou seja, elevação anterior, rotação externa, rotação interna) e os desfechos relatados pelo paciente foram analisados a partir das pontuações da escala visual análoga (EVA), da American Shoulder and Elbow Surgeons (ASES), do teste simples do ombro (SST) e da avaliação numérica única (SANE).

Resultados No total, 9 pacientes foram examinados de maneira retrospectiva. Entre eles, 6 pacientes foram atendidos no primeiro mês após a vacinação e os outros três, depois de 67, 87 e 120 dias. Ademais, 8 dos pacientes fizeram todo o tratamento fisioterápico e 6 receberam uma injeção de cortisona. O período médio de acompanhamento foi de 8 meses. À última consulta, a rotação externa média foi de 61° (desvio padrão, DP ± 3°) e a elevação anterior média foi de 179° (DP ± 45°). A rotação interna variou entre L3 e T10. As pontuações de dor à EVA foram de 3,5/10,0 (DP ± 2,4) e o escore médio ASES foi de 63,5/100,0 (DP ± 26,3); as pontuações de SST foram 8,5/12,0 (DP ± 3,9). Por fim, os escores de SANE foram de 75,7/100,0 (DP ± 24,7) e 95,7/100,0 (DP ± 6,1) nos ombros lesionados e contralaterais, respectivamente.

Conclusão A dor no ombro após a vacinação tratada com fisioterapia e injeção de cortisona melhorou a amplitude de movimento e os escores funcionais.

Nível de Evidência IV.


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Introdução

A prevalência de dor geral no ombro na atenção primária varia de 6 a 26%.[1] [2] A lesão no ombro relacionada à administração de vacina (SIRVA, do inglês shoulder injury related to vaccine administration) foi descrita por Bodor em 2007, mas o número de relatos da doença cresceu rapidamente desde então.[3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21] Acredita-se que o principal mecanismo etiológico da SIRVA é a superpenetração da agulha de vacinação no músculo deltoide. Assim, as lesões são causadas por trauma mecânico pela agulha e/ou uma resposta imune estimulada pela vacina ou seus adjuvantes.[3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21] Embora o mecanismo exato não tenha sido comprovado, há relatos de que a SIRVA acomete o manguito rotador, bursa, labrum (lábio) e cápsula do ombro. As sequelas mais comuns são bursite, capsulite adesiva, ruptura do manguito rotador, e lesões condrais e neurológicas.[3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21]

Nos Estados Unidos, as lesões no ombro relacionadas a eventos vacinais são registradas e documentadas pelo Vaccine Adverse Event Reporting System, que é monitorado pelos Centers for Disease Control, desde 1990.[22] O Instituto de Medicina atualizou a Tabela de Lesões Vacinais somente em 2011. Esta tabela agora indica vários critérios que devem ser atendidos para que uma lesão no ombro após a vacinação seja considerada SIRVA. Esses critérios incluem dor nas primeiras 48 horas após a vacinação, sem histórico prévio de dor ou disfunção no ombro, dor e redução da amplitude de movimento do ombro e nenhuma outra alteração que possa explicar os sintomas.[23] [24] [25]

Apesar da importância agora atribuída a esses tipos de lesões e do aumento mundial das vacinações, há poucos dados acerca da evolução do paciente com dor no ombro após a imunização. Além disso, até o momento, não houve coorte submetida a um plano terapêutico padronizado. Assim, o desfecho primário desta análise é o relato de uma série de indivíduos com dor aguda no ombro após uma vacinação, todos tratados de forma padronizada.


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Materiais e Métodos

Este estudo foi aprovado por nosso comitê de revisão institucional. É um estudo retrospectivo de pacientes com dor após a vacinação entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2021. Os pacientes foram tratados conforme o quadro clínico e os achados às radiografias do ombro; uma ressonância magnética foi solicitada nos casos com sintomas refratários. O critério de inclusão foi dor no ombro após a vacinação e os critérios de exclusão foram detentos e menores de 18 anos. A função e a amplitude de movimento (ou seja, elevação anterior, rotação externa, rotação interna) do ombro foram avaliadas em uma última consulta de acompanhamento por um cirurgião ortopédico treinado e com uso de goniômetro. Informações demográficas, como idade, gênero, índice de massa corporal (IMC) e tabagismo, foram registradas. A função foi avaliada por meio do teste simples do ombro (SST, do inglês ‘simple shoulder test’) e pontuações da American Shoulder and Elbow Surgeons (ASES). A satisfação foi determinada pela avaliação numérica única (SANE, do inglês ‘single assessment numeric evaluation’). A dor foi avaliada por meio da escala visual análoga (EVA). A rotação interna foi medida de acordo com os níveis vertebrais. Todos os pacientes foram encaminhados para fisioterapia ou já a haviam realizado. Além disso, uma injeção de corticosteroide foi prescrita a todos os pacientes.


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Resultados

População do Estudo

O estudo identificou 14 pacientes com dor no ombro após a vacinação. Entretanto, 5 pacientes foram excluídos por perda ao acompanhamento. As vacinas que precederam os sintomas foram influenza (n = 5), herpes zoster (n = 2), doença por coronavírus de 2019 (COVID-19, n = 1) e papilomavírus humano (HPV, n = 1). Os pacientes apresentavam bursite (n = 9), tendinite do bíceps (n = 6), flebite intramuscular (n = 1) e lesão do labrum glenoidal superior (n = 1).

Um total de 9 pacientes foram inclusos, todos apresentando dor no ombro após a vacinação; o ombro acometido era o esquerdo em 3 e o direito em 6 indivíduos. A média de idade foi de 58,7 anos (DP ± 14,0; intervalo, 33–82), com 1 paciente do gênero masculino e 8 pacientes do feminino. O tempo médio entre a vacinação e o início da dor foi de 15 horas; 8 pacientes relataram o início da dor e dos sintomas em 24 horas, enquanto 1 relatou o início da dor nas primeiras 48 horas após a vacinação. O tempo médio desde o início da dor até a primeira consulta foi de 43 dias (DP ± 6,2; intervalo, 7–120). O tempo médio desde o início da dor até a última consulta de acompanhamento foi de 8 meses (DP ± 13,0; intervalo 1–42). O IMC médio foi de 25,1 (DP ± 4,6; intervalo 19–33). Em relação ao tabagismo, 5 pacientes nunca fumaram, 1 paciente era fumante e 3 pacientes, ex-fumantes. Os ex-fumantes pararam de fumar em média 29 anos (DP ± 10,6; intervalo 21–41) antes da consulta. Além disso, 5 pacientes receberam injeções de corticosteroide e 8 fizeram fisioterapia. Por fim, 1 paciente foi submetido a reparo artroscópico do labrum superior e descompressão subacromial por artroscopia após o insucesso da fisioterapia e administração de cortisona para resolução dos sintomas.


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Desfechos Clínicos

À primeira consulta, a rotação externa média foi de 60° (DP ± 0°). A elevação anterior média foi de 180° (DP ± 0°). A rotação interna variou de L3 a L1 e foi semelhante ao lado contralateral em todos os casos. Na última consulta de acompanhamento, a rotação externa média foi de 61° (DP ± 3°). A elevação anterior média foi de 180° (DP ± 0°). A rotação interna variou entre L3 e T10 e foi semelhante ao lado contralateral em todos os casos. A EVA média de dor foi de 3,5 (DP ± 2,4), o escore ASES médio foi de 63,5 (DP ± 26,3) e as pontuações de SST foram 8,5 (DP ± 3,9). Os escores médios de SANE no ombro acometido foram de 75,7 (DP ± 24,7) e, no ombro contralateral, 95,7 (DP ± 6,1). O paciente submetido ao reparo do labrum superior e descompressão subacromial relatou ausência de dor e resolução funcional.


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Discussão

Os problemas mais comuns no ombro após a vacinação são dor e perda de amplitude de movimento.[3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21] Neste estudo, essas duas sequelas comuns foram tratadas com fisioterapia e, na maioria dos casos, corticosteroide injetável. Esse plano terapêutico foi baseado na ideia de melhorar ou prevenir a perda de movimento do ombro com um protocolo fisioterápico disciplinado. O corticosteroide injetável foi adicionado para resolver a inflamação que pode ter sido causada por uma resposta imune à vacina ou seus adjuvantes.

Esse tratamento foi oferecido a todos os pacientes, mas apenas 8 fizeram fisioterapia e 6 receberam a injeção de cortisona. Apesar da variação dessas duas modalidades, os resultados das avaliações finais da amplitude de movimento e da dor foram bons. Os valores de elevação anterior, rotação externa e rotação interna foram quase idênticos na maioria dos pacientes e estavam nos limites da normalidade. A EVA média de dor foi de 3,5 em 10 e o escore ASES médio foi de 63 em 100. As pontuações de SST foram, em média, de 8,5 em 12. Em um estudo anterior de várias especialidades, a EVA média de pacientes satisfeitos com a recuperação foi de 24 em 100 (DP ± 20); indivíduos insatisfeitos ou que não sabiam como avaliar sua recuperação apresentaram EVA de 45 em 100 (DP ± 27).[26] Em outro estudo, Sciascia et al.[27] observaram que a pontuação mínima de ASES e SANE em pacientes satisfeitos foi de 78 em 100 e 58 em 100, respectivamente. Um estudo de grande porte com 1.077 ombros observou que a pontuação média de SST em pacientes com menos de 60 anos foi de 7,1.[28] Com base nesses achados, nossos pacientes relataram satisfação acima da média (SANE), níveis moderados de dor e função do ombro média ou acima da média (ASES e SST, respectivamente).

A grande maioria dos pacientes com SIRVA foi documentada como relatos de casos ou pequenas séries de casos. Uma revisão sistemática recente demonstrou que apenas três publicações incluíam mais de três pacientes.[29] O maior desses três estudos foi conduzido por Anasoff et al.,[4] que descreve os desfechos de 13 pacientes; os resultados foram derivados do Banco de Dados do Programa de Compensação de Lesões por Vacina (do inglês ‘Vaccine Injury Compensation Program Database’) dos Estados Unidos. Assim, é muito provável que esses dados tenham sido obtidos de diversos serviços de saúde. O tempo entre a vacinação e o quadro clínico, que representa o tempo entre a lesão e o tratamento, não foi determinado e os pacientes foram tratados com analgésicos anti-inflamatórios não esteroidais, fisioterapia, injeções de corticosteroides e cirurgia. Assim, não havia um plano terapêutico padronizado e o momento de início do tratamento não pode ser determinado.

Em um estudo um pouco menor, Martín Arias et al.[13] relataram 8 pacientes tratados por uma lesão no ombro após a vacinação. Como no artigo de Anasoff et al.,[4] Martín Arias et al.[13] analisaram informações de um banco de dados, dessa vez do Sistema Espanhol de Farmacovigilância. Novamente, o tempo entre a vacinação e o início do tratamento não era conhecido e, neste caso, os tratamentos não foram relatados. Em outro estudo, Okur et al. Relataram os desfechos de 4 pacientes de 5 meses a 2,5 anos após a vacinação.[15] O foco principal deste estudo foram os achados de ressonância magnética; os tratamentos e os tempos de acompanhamento não foram controlados.

Portanto, nosso estudo representa um dos maiores conjuntos de dados de pacientes com dor após uma vacinação e, mais importante, o maior conjunto de dados composto por pacientes tratados com um protocolo uniforme.

Embora nossos dados sugiram que a fisioterapia e a injeção de cortisona possam melhorar os desfechos clínicos e prevenir a rigidez do ombro, este estudo tem várias limitações. Primeiro, embora fisioterapia e a injeção de cortisona tenham sido oferecidas a todos os pacientes, a adesão não foi perfeita. No entanto, como 8 dos 9 pacientes fizeram a fisioterapia, acreditamos que a adesão foi adequada a uma associação. Por ser um estudo retrospectivo, não há grupo para comparação prospectiva. Outro grupo randomizado, submetido a uma modalidade terapêutica diferente ou à simples observação aumentaria a validade das associações detectadas. Por fim, embora esta represente uma das maiores compilações de pacientes com dor no ombro após a vacinação, o tamanho de nossa amostra ainda é pequeno e, portanto, pode haver viés de amostragem.


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Conclusões

Em conclusão, nossos dados representam a maior coleção, até o momento, de pacientes tratados por um único provedor com um algoritmo terapêutico uniforme. Nossos dados sugerem que uma intervenção com fisioterapia e a possível adição de uma injeção de corticosteroide é correlacionada à boa amplitude de movimento do ombro, prevenção de sua perda e manutenção da função articular por, em média, 8 meses de acompanhamento. Mais dados randomizados em larga escala ainda são necessários para entender a melhor forma de tratar os pacientes com dor no ombro após a vacinação.


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Trabalho desenvolvido no Departamento de Cirurgia Ortopédica, Escola de Medicina Icahn de Monte Sinai, Nova York, NY.


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Endereço para correspondência

Paul J. Cagle, MD
425 Oeste 59º Rua, Nova York, NY, 10019
Estados Unidos   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 24. November 2021

Angenommen: 16. Mai 2022

Artikel online veröffentlicht:
11. Juli 2022

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