Palavras-chave
curvaturas da coluna vertebral - fraturas da coluna vertebral - traumatismos da coluna vertebral
Introdução
A fratura toracolombar do tipo explosão (FTE) é caracterizada por cominuição do corpo vertebral, cifose toracolombar (CTL) e fragmento ósseo projetado para o interior do canal vertebral.[1]
De todas as fraturas envolvendo a coluna vertebral, 17% são FTEs.[2] Tal incidência deve-se à anatomia de transição entre a coluna dorsal rígida pelo aporte das costelas e a orientação coronal das facetas para a coluna lombar móvel com orientação facetaria sagital.[3]
Os objetivos do tratamento de FTEs são fornecer estabilidade, evitar deformidade e otimizar a recuperação neurológica.[4] A intervenção cirúrgica é mandatória nos casos com comprometimento neural; contudo, naqueles de padrão neurológico normal, ainda existe dúvida sobre a melhor opção de tratamento.[5]
Defensores do tratamento operatório afirmam que a correção da CTL gerada pela fratura é fundamental para garantir melhores resultados clínicos e funcionais.[6] Já os autores que preconizam tratamento não operatório sugerem que este evita complicações cirúrgicas, tem menor custo e, a longo prazo, apresenta desfechos clínicos e funcionais semelhantes.[7]
O paciente com FTE pode evoluir com aumento gradativo da CTL, criando deformidades no plano sagital com ativação de mecanismos de compensação no tronco e nos membros inferiores na tentativa de manterem-se equilibrados. Alguns autores relacionaram deformidades graves no plano sagital com piores índices de função e qualidade de vida.[8]
A maioria das revisões sistemáticas e metanálises sobre fratura toracolombar relacionou o aumento da CTL com dor crônica, piora da função e qualidade de vida.[5]
[6]
[7]
[9]
[10]
[11] No entanto, poucos estudos analisaram parâmetros espinopélvicos globais dos pacientes com FTE.[12]
[13]
Nossa hipótese é que o alinhamento espinopélvico de indivíduos que tiveram FTE esteja alterado em relação à população assintomática em razão do aumento da CTL.
O objetivo do presente estudo foi avaliar o alinhamento espinopélvico em pacientes com FTE sem déficit neurológico tratados de forma não operatória e operatória em um hospital terciário de referência em trauma.
Materiais e Métodos
Foi realizado um estudo transversal aprovado pelo comitê de ética (CAAE: 30745118.5.0000.5479) durante consultas de rotina no ambulatório da Instituição entre março de 2017 e março de 2019. Todos os pacientes que participaram assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Os critérios de inclusão foram: pacientes com FTE conforme descrito por Denis,[14] de único nível, entre T11 e L2, idade entre 18 e 64 anos na época do trauma, acompanhados por pelo menos 12 meses após o início do tratamento, sem déficit neurológico, dos tipos A3 ou A4 pela classificação AOSpine. Os critérios de exclusão foram presença de metástase vertebral, presença de doença metabólica ou endócrina, operados com > 10 dias da fratura, fratura patológica, fratura por arma de fogo, déficit neurológico, cirurgia pregressa na coluna e doença psiquiátrica.
Foi feita coleta de dados clínicos sobre idade, gênero, nível de fratura, classificação AOSpine, mecanismo de trauma, tipo de tratamento e nível de dor lombar (escala visual analógica [EVA]) e foram aplicados questionários sobre a Escala de Dor de Denis, Escala de Trabalho de Denis e SF-36. Foram aferidos os parâmetros radiográficos sagitais e espinopélvicos. Foi feita a comparação dos resultados entre os grupos de tratamento operatório e não operatório e, além disso, os parâmetros radiográficos dos grupos foram comparados individualmente com a amostra-controle da população brasileira publicada por Pratali et al.[15] e considerada normal.
Os critérios para indicação cirúrgica do grupo foram CTL > 30°, perda de altura do corpo vertebral de 50% e comprometimento do canal vertebral > 50%.[16] A opção por fixação curta, longa ou associação de via anterior e o tipo de implante ficou a critério do cirurgião.
Foram realizadas radiografias panorâmicas laterais com chassi de 36 polegadas e o paciente foi posicionado em pe‘ com os membros superiores apoiados em um suporte, os ombros apoiados em 30° de flexa'o e os cotovelos ligeiramente fletidos.[17] Os parâmetros radiográficos foram medidos com o auxílio de ferramenta de aferição validada Surgimap Spine Software (Surgimap, Nova York, NY, EUA).
Pelo método de Cobb, aferimos os seguintes parâmetros sagitais: cifose toracolombar (CTL) cifose torácica (CT) e lordose lombar (LL).[18] Os parâmetros espinopélvicos foram: eixo vertical sagital (EVS), incidência pélvica (IP), versão pélvica (VP), inclinação sacral (IS) e a discrepância entre incidência pélvica e lordose lombar (IP-LL).[19]
Variáveis qualitativas foram descritas como número e porcentagem. A normalidade dos dados foi investigada por meio do teste de Shapiro-Wilk. As variáveis quantitativas foram resumidas por meio da média (desvio padrão [DP]) quando os dados se mostraram normalmente distribuídos; caso contrário, utilizou-se mediana (P50%), primeiro e terceiro quartis (P25% e P75%, respectivamente), além dos valores de mínimo e máximo.
Para avaliar a associação das variáveis qualitativas com tratamento, utilizou-se o teste de qui-quadrado ou o teste exato de Fisher quando uma ou mais células apresentaram valor esperado menor do que cinco. A comparação entre médias foi realizada através do teste t de Student; já para as medianas, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney.
Para a comparação dos achados radiográficos do presente estudo com os valores de referência para a população brasileira apresentados por Pratali et al.,[15] utilizou-se o teste t de Student porque os dados de tal estudo estavam expressos como média e desvio padrão.
Toda análise estatística foi realizada utilizando o software STATA/SE 15.1 for Windows (StataCorp, College Station, TX, EUA). Adotou-se um nível de significância de 5%, ou seja, valores de p < 0,05 foram considerados como estatisticamente significativos. Todos os testes foram bilaterais.
Resultados
O estudo contou com um total de 50 participantes, sendo que, destes, 39 (78%) eram homens. A média de idade dos participantes foi de ∼ 49,8 anos, variando de 20 a 81 anos (±15,2). Os mecanismos de trauma mais frequentes foram a queda de altura com 31 casos (62%), seguida de acidentes de trânsito, com 18 (38%). O nível de L1 foi o mais acometido, sendo observado em 21 (42%) dos pacientes, seguido de T12, com 14 (28%). O acompanhamento médio foi de 109 meses, com um mínimo de 19 e um máximo de 306 meses. Segundo a classificação AOSpine, 37 (74%) foram definidos como A3 e os outros 13 (26%) como A4. Tratamento operatório foi realizado em 26 dos participantes (52%) e 24 (48%) seguiram tratamento não operatório. A [Tabela 1] mostra a comparação dos dados demográficos e clínicos entre os dois tipos de tratamento.
Tabela 1
Tratamento
|
|
Total
(n = 50)
|
Operatório
(n = 26)
|
Não operatório
(n = 24)
|
Valor-p
|
Idade, média (DP)
|
49,8 (15,2)
|
49,2 (15,4)
|
50,4 (15,2)
|
0,848[a]
|
Gênero
|
Feminino
|
11 (22%)
|
6 (23,1%)
|
5 (20,8%)
|
0,800[b]
|
Masculino
|
39 (78%)
|
20 (76,9%)
|
19 (79,2%)
|
Mecanismo de trauma
|
Queda de altura
|
31 (62%)
|
17 (65,4%)
|
14 (58,3%)
|
0,608[b]
|
Acidente com veículo motorizado
|
19 (38%)
|
9 (34,6%)
|
10 (41,7%)
|
Nível da fratura
|
L1
|
21 (42,0%)
|
10 (38,5%)
|
11 (45,8%)
|
0,273c
|
L2
|
11 (22,0%)
|
8 (30,8%)
|
3 (12,5%)
|
T11
|
4 (8,0%)
|
1 (3,8%)
|
3 (12,5%)
|
T12
|
14 (28,0%)
|
7 (26,9%)
|
7 (29,2%)
|
Classificação AOSpine
|
A3
|
37 (74,0%)
|
15 (57,7%)
|
22 (91,7%)
|
0,006[b]
|
A4
|
13 (26,0%)
|
11 (42,3%)
|
2 (8,3%)
|
De acordo com a [Tabela 1], pode-se verificar que não houve diferença entre o tipo de tratamento nas médias de idade, gênero, mecanismo de trauma e nível da fratura (p > 0,05). Houve maior porcentagem de participantes com classificação A3 nos pacientes submetidos ao tratamento não operatório (91,7%), (p = 0,006). Em relação aos 26 participantes que realizaram tratamento operatório, 9 (34,6%) realizaram VPC, 13 participantes (50,0%) realizaram VPL, e os demais quatro participantes (15,4%) realizaram VP + VA. Os implantes posteriores encontrados foram PP em 18 (69,2%), parafusos pediculares com ganchos superiores (sistema híbrido) em 4 (15,3%) e sistema Cotrel-Doubosset em quatro (15,3%). A [Fig. 1] mostra a distribuição dos implantes.
Fig. 1 Distribuição dos implantes.
Em relação aos desfechos funcionais, de acordo com a [Tabela 2]
, pode-se observar que houve diferença significativa entre os tratamentos de acordo com a escala de Denis trabalho (p = 0,046): a mediana apresentada pelos participantes do tratamento operatório foi maior do que a do tratamento não operatório. Não houve diferença significativa entre os tratamentos para EVA dor lombar e Denis dor (p = 0,468 e p = 0,623, respectivamente).
Tabela 2
Tratamento
|
|
Operatório
(n = 26)
|
Não operatório
(n = 24)
|
Valor-p
[#]
|
EVA dor lombar
|
Mediana (P25–P75)
|
6 (3–7)
|
5 (3–7)
|
0,468
|
Mínimo–máximo
|
0–9
|
0–8
|
Denis dor
|
Mediana (P25–P75)
|
3 (2–4)
|
3 (2–3)
|
0,623
|
Mínimo–máximo
|
1–5
|
1–4
|
Denis trabalho
|
Mediana (P25–P75)
|
5 (3–5)
|
3 (3–4,5)
|
0,046
|
Mínimo–máximo
|
1–5
|
1–5
|
Em relação à qualidade de vida, a [Tabela 3] mostra que não houve diferença significativa entre os tratamentos em nenhum dos domínios avaliados (p > 0,05).
Tabela 3
Tratamento
|
|
Operatório
(n = 26)
|
Não operatório
(n = 24)
|
Valor-p
[#]
|
Capacidade funcional
|
Média
|
44,2
|
38,
|
0,853
|
Mediana (P25–P75)
|
37,5 (15–75)
|
35 (20–55)
|
Mínimo–máximo
|
0–100
|
5–100
|
Limitação física
|
Média
|
27
|
31
|
0,323
|
Mediana (P25–P75)
|
0 (0–25)
|
0 (0–12,5)
|
Mínimo–máximo
|
0–100
|
0–50
|
Dor
|
Média
|
50,3
|
50,7
|
0,830
|
Mediana (P25–P75)
|
45 (22,5–67,5)
|
43,5 (41–64,8)
|
Mínimo–máximo
|
0–100
|
0–100
|
Estado Geral de Saúde
|
Média
|
80
|
66,1
|
0,090
|
Mediana (P25–P75)
|
55 (30–75)
|
71 (48,5–82)
|
Mínimo–máximo
|
25–95
|
25–97
|
Vitalidade
|
Média
|
63,6
|
58,4
|
0,552
|
Mediana (P25–P75)
|
55 (50–75)
|
55 (40–75)
|
Mínimo–máximo
|
30–100
|
30–95
|
Aspectos sociais
|
Média
|
65,4
|
59,2
|
0,357
|
Mediana (P25–P75)
|
62 (38–75)
|
56 (37,5–75)
|
Mínimo–máximo
|
25–100
|
12–100
|
Limitações emocionais
|
Média
|
25,5
|
21,5
|
0,872
|
Mediana (P25–P75)
|
0 (0–33)
|
0 (0–33)
|
Mínimo–máximo
|
0–100
|
0–100
|
Saúde mental
|
Média
|
64,6
|
57,7
|
0,246
|
Mediana (P25–P75)
|
72 (52–80)
|
64,5 (48–78)
|
Mínimo–máximo
|
32–100
|
24–96
|
A [Tabela 4] indica que não houve diferença estatisticamente significativa entre os tratamentos em nenhum dos parâmetros radiográficos avaliados (p > 0,05).
Tabela 4
Tratamento
|
|
Operatório
(n = 26)
|
Não operatório
(n = 24)
|
Valor-p
[#]
|
Cifose toracolombar (°)
|
Mediana (P25–P75)
|
15,0 (11,8–22,9)
|
17,5 (12,2–28,2)
|
0,299
|
Mínimo–máximo
|
1,9–31,0
|
0,1–39,5
|
Cifose torácica (°)
|
Mediana (P25–P75)
|
41,6 (35,2–47,0)
|
38,3 (31,1–57,2)
|
0,861
|
Mínimo–máximo
|
24,9–70,1
|
12,2–66,8
|
Lordose lombar (°)
|
Mediana (P25–P75)
|
52,4 (40,3–57,6)
|
47,4 (40,0–56,0)
|
0,587
|
Mínimo–máximo
|
14,2–82,2
|
23,0–72,0
|
Eixo vertical sacral (mm)
|
Mediana (P25–P75)
|
19,5 (8,9– 34,5)
|
15,5 (- 4,2– 27,8)
|
0,207
|
Mínimo–máximo
|
- 12,0–101,1
|
- 36,0–104,2
|
Inclinação sacral (°)
|
Mediana (P25–P75)
|
31,1 (23,6–33,7)
|
31,7 (27,1–34,1)
|
0,771
|
Mínimo–máximo
|
14,6–52,2
|
19,7–45,5
|
Versão pélvica (°)
|
Mediana (P25–P75)
|
17,4 (8,8–23,1)
|
16,6 (13,6–24,0)
|
0,655
|
Mínimo–máximo
|
0,2–47,7
|
0,6–34,4
|
Incidência pélvica (°)
|
Mediana (P25–P75)
|
50,1 (39,7–63,1)
|
47,1 (43,0–58,7)
|
0,946
|
Mínimo–máximo
|
27,9–77,0
|
26,2–65,5
|
Discrepância entre lordose lombar e incidência pélvica (°)
|
Mediana (P25–P75)
|
10,1 (5,4–13,2)
|
10,5 (3,8–17,1)
|
0,946
|
Mínimo–máximo
|
2,3–43,7
|
0,0–33,3
|
De acordo com a [Tabela 5], pode-se verificar que todos os parâmetros radiográficos sagitais e espinopélvicos apresentaram uma diferença significativa entre o grupo submetido ao tratamento não operatório e a amostra de Pratali et al., com exceção da IP (p = 0,674).
Tabela 5
Estudo
|
|
Tratamento não operatório
(n = 26)
|
Pratali et al.[15]
(n = 130)
|
Valor-p
[#]
|
Lordose lombar (°)
|
Média (DP)
|
47,5 (12,4)
|
56,8 (8,0)
|
< 0,001
|
Eixo vertical sacral (mm)
|
Média (DP)
|
14,2 (30,2)
|
- 5,4 (27,0)
|
< 0,001
|
Inclinação sacral (°)
|
Média (DP)
|
30,9 (5,9)
|
37,2 (6,7)
|
< 0,001
|
Versão pélvica (°)
|
Média (DP)
|
18,6 (8,6)
|
12,4 (5,8)
|
< 0,001
|
Incidência pélvica (°)
|
Média (DP)
|
49,5 (10,2)
|
49,4 (8,2)
|
0,674
|
Discrepância entre lordose lombar e incidência pélvica (°)
|
Média (DP)
|
12,0 (10,1)
|
- 7,4 (7,7)
|
< 0,001
|
Para a LL, verificou-se que os participantes do estudo de Pratali et al. apresentaram, em média, 9,3° ± 2,0° a mais do que os participantes do grupo não operatório (p < 0,001). Os participantes do estudo atual (grupo não operatório) apresentaram, em média, 19,6 ± 6,1 mm a mais no eixo vertical sacral quando comparados àqueles do estudo de Pratali et al. (p < 0,001). Para a IS, observou-se que os participantes do estudo de Pratali et al. apresentaram, em média, 6,3° ± 1,5° graus a mais quando comparados com os participantes do grupo não operatório. Participantes do estudo atual (grupo não operatório) apresentaram maior média de VP e de IP-LL quando comparados com os valores apresentados pelo estudo de Pratali et al. (p < 0,001), sendo as diferenças médias estimadas em 6,2° ± 1,4° e 19,4° ± 1,8°, respectivamente.
De acordo com a [Tabela 6], pode-se observar que todos os parâmetros sagitais e espinopélvicos apresentaram uma diferença significativa entre o grupo submetido ao tratamento operatório e a amostra-controle da população normal brasileira publicada por Pratali et al.,[15] com exceção da IP, que não apresentou uma diferença significativa (p = 0,949).
Tabela 6
Estudo
|
|
Tratamento operatório
(n = 26)
|
Pratali et al.[15]
(n = 130)
|
Valor-p
[#]
|
Lordose lombar (°)
|
Média (DP)
|
48,8 (16,2)
|
56,8 (8,0)
|
< 0,001
|
Eixo vertical sacral (mm)
|
Média (DP)
|
23,5 (22,0)
|
- 5,4 (27,0)
|
< 0,001
|
Inclinação sacral (°)
|
Média (DP)
|
31,2 (9,0)
|
37,2 (6,7)
|
< 0,001
|
Versão pélvica (°)
|
Média (DP)
|
18,1 (11,8)
|
12,4 (5,8)
|
< 0,001
|
Incidência pélvica (°)
|
Média (DP)
|
50,2 (13,7)
|
49,4 (8,2)
|
0,949
|
Discrepância entre lordose lombar e incidência pélvica (°)
|
Média (DP)
|
11,2 (8,6)
|
- 7,4 (7,7)
|
< 0,001
|
Para a LL, verificou-se que os participantes do estudo de Pratali et al. apresentaram, em média, 8,0° ± 2,1° a mais do que os participantes do grupo operatório (p < 0,001). Os participantes do grupo operatório apresentaram, em média, 28,9 ± 5,6 mm a mais no eixo vertical sacral quando comparados com os do estudo de Pratali et al. (p < 0,001). Para a IS, observou-se que os participantes do estudo de Pratali et al. apresentaram, em média, 6,0° ± 1,5° graus a mais quando comparados com os participantes do grupo operatório. Os participantes do grupo operatório apresentaram uma maior média de VP e de IP-LL quando comparados aos valores apresentados pelo estudo de Pratali et al. (p < 0,001), sendo as diferenças médias estimadas em 5,7° ± 1,5° e 18,8° ± 1,7°, respectivamente.
Discussão
Conforme os trabalhos levantados,[2]
[6]
[9] obtivemos uma amostra de maioria masculina, com me‘dia de 49,8 anos de idade, que teve como mecanismo de trauma mais comum a queda de altura. Entretanto, apresentamos seguimento médio de 109 meses (mínimo de 19 e máximo de 306 meses), tempo de acompanhamento considerado de longo termo dentre os estudos sobre FTE.
Nosso estudo não mostrou diferenças entre a dor lombar medida pela EVA para os pacientes tratados de forma operatória e não operatória. Ao contrário, dados de Shen et al.[20] sugeriram que a cirurgia resultou em melhores pontuações de EVA na comparação com o tratamento não operatório no primeiro mês, embora não houvesse diferenças entre os grupos após 6 meses de lesão.
Pela escala de dor de Denis, a mediana do grupo operatório foi de 3 (2 a 4) e a do não operatório de 3 (2 a 3), sem diferença estatística significativa (p = 0,623) entre os grupos. Nos dois grupos, a maior prevalência foi de pacientes com dor moderada fazendo uso ocasional de medicação. Conforme a escala de trabalho de Denis, a mediana do grupo operatório foi significativamente pior (5 [3 a 5]; p = 0,046), com a maior prevalência de pacientes incapazes de trabalhar. A diferença estatística encontrada na escala de trabalho de Denis no presente estudo não necessariamente estabelece um melhor resultado com o uso de órtese toracolombar, pois as fraturas operadas tenderam a ser mais graves pelo critério cirúrgico do grupo. Além disso, o número de lesões do tipo A4, com maior cominuição, foi significativamente maior no grupo operado.
Em relação à qualidade de vida, não encontramos nenhum dos parâmetros do SF-36 com diferença significativa entre os grupos; porém, piores quando comparados com a amostra considerada normal da população brasileira do estudo de Laguardia et al.[21] Acreditamos que a FTE geralmente compromete pessoas previamente saudáveis que passam por trauma seguido de longo tratamento, muitas das quais exibem desfechos como dor crônica, limitações de movimento e deformidades pós-traumáticas. Tal situação pode alterar hábitos de vida e gerar incapacidade para as atividades de vida diária, piorando a qualidade de vida.
Em relação aos parâmetros radiográficos, não observamos diferença significativa em nenhuma das variáveis analisadas. A maioria dos estudos sobre FTE sem déficit neurológico relacionaram o aumento da CTL com desfechos como dor crônica e piora da função e da qualidade de vida.[5]
[6]
[7]
[9]
[10]
[11] No entanto, a relevância clínica do resultado radiológico é motivo de debate, não existindo nenhum estudo que demonstre uma associação inequívoca de resultados radiológicos e clínicos após FTE de Denis A3 e A4 AOSpine.
A metanálise feita por Rometsch et al.[11] não encontrou diferença nos resultados de incapacidade ou dor entre o tratamento operatório e não operatório, resultados semelhantes aos do nosso estudo. A análise radiográfica da revisão não foi realizada devido à grande variedade de diferentes técnicas de mensuração de CTL.
Com base nos conhecimentos atuais do alinhamento sagital da coluna vertebral, a análise apenas da CTL focal não é adequada. Analisar de forma global todo o alinhamento espinopélvico nos garante resultados mais fiéis da consequência do aumento da CTL causados pela lesão traumática. Porém, são poucos os estudos que realizaram análise global dos parâmetros espinopélvicos de pacientes com FTE.[12]
[13]
[22]
Koller et al.[12] analisaram retrospectivamente os parâmetros espinopélvicos de 21 pacientes, incluindo fraturas da região toracolombar e lombar do tipo explosão sem lesão neurológica (A3 AOSpine), tratados de forma não operatória com seguimento de 9 anos. Os autores constataram uma forte correlação entre idade e pior desfecho no que tange a EVA lombar nas FTEs. Os idosos estavam bem nos primeiros anos após a lesão; contudo, posteriormente, eles notaram um aumento da dor no nível da fratura. Possivelmente, entendemos, por perder o potencial de compensação do alinhamento sagital em razão da sarcopenia e das alterações degenerativas da coluna vertebral.
Mayer et al.[22] realizaram um estudo retrospectivo de 36 adultos com FTEs exclusivas tratados de forma operatória. Os resultados demonstraram a interdependência entre o alinhamento sagital e os desfechos clínicos. Eles também apoiam a suposição de que a restauração estável do alinhamento toracolombar para a normalidade e sua manutenção tem um impacto positivo no resultado clínico. Contudo, a análise estatística não atingiu o nível de significância para as diferenças entre os grupos tratados por via posterior e por via combinada posterior e anterior. A análise intergrupo não revelou diferenças significativas nas medidas radiográficas espinopélvicas globais sagitais ou nas medidas de resultados clínicos.
Em relação ao alinhamento sagital, observamos que os parâmetros estavam significativamente piores nestes pacientes, tanto nos operados como nos não operados, na comparação com o grupo controle da população brasileira assintomática.[15] Uma hipótese é que estes pacientes, apesar de alinhados de forma global, já apresentam algum fator inicial de compensação da versão pélvica em razão da cifose residual da transição toracolombossacral. Possivelmente, como nossa amostra foi de pacientes jovens (média de idade de 49,8 anos; DP ± 15,2 anos), houve maior capacidade de compensação do alinhamento global em função da musculatura estabilizadora lombar e pélvica mais eficientes do que nos idosos. Estudos futuros podem ser realizados para análise da capacidade de compensação pélvica nos pacientes idosos quando ocorre a perda da lordose fisiológica (aumento natural do EVS e da VP) e sarcopenia.
Atualmente, discute-se a influência muscular no desalinhamento sagital. Pesquisas em indivíduos sem deformidades da coluna vertebral demonstraram um aumento na infiltração de gordura de quase 15% com o envelhecimento.[23] Da mesma forma, alguns autores observaram diminuição do volume e aumento da infiltração de gordura dos eretores da coluna em pacientes com perda da lordose lombar.[24] Ferrero et al.,[25] em coorte prospectiva, relacionou a qualidade muscular com parâmetros espinopélvicos. O desalinhamento sagital foi associado ao aumento de infiltração gordurosa e à diminuição dos volumes musculares, com resultados clínicos ruins.
Na comparação com a literatura, nosso estudo apresenta um grupo homogêneo de pacientes (A3 e A4) e tempo mínimo de acompanhamento de 19 meses, considerado de longo prazo. Entretanto, o desenho do presente estudo transversal permite formular apenas hipóteses que podem ser confirmadas ou não com estudos prospectivos e com grupo controle em longo prazo. Ademais, os pacientes avaliados foram todos os que retornaram ao ambulatório. Sabemos que a perda de acompanhamento no contexto do Sistema Unificado de Saúde (SUS) é, em geral, relevante. Contudo, parece que estes pacientes utilizam mecanismos compensatórios para manter de forma global e local espinopélvicos a coluna vertebral alinhada. Sugerimos a realização de estudos prospectivos em longo prazo para melhorar o nível de evidência desta hipótese.
Conclusões
O alinhamento espinopélvico em pacientes com FTE sem déficit neurológico tratados de forma não operatória e operatória após acompanhamento mínimo de 19 meses foi normal; entretanto, os pacientes apresentaram médias maiores de VP e de IP-LL quando comparadas aos valores de referência da população brasileira.