Palavras-chave
criança - fixação interna de fraturas - fraturas da tíbia - lesão da artéria poplítea
Introdução
As fraturas por avulsão da tuberosidade tibial são geralmente observadas em atletas adolescentes do sexo masculino durante atividades de salto.[1]
[2] Essas lesões são causadas pela flexão violenta do joelho contra o quadríceps em forte contração, como ao aterrissar após um salto, ou por uma contração violenta do quadríceps contra o pé fixo, como ao saltar.3,4 A fise proximal da tíbia se fecha distalmente em direção à apófise da tuberosidade durante o desenvolvimento normal, o que cria um período de vulnerabilidade mecânica na adolescência que predispõe a tuberosidade a uma lesão por avulsão.[5]
Essas fraturas podem provocar deslocamento acentuado da apófise, com ou sem extensão intra-articular e lesão variável em partes moles.6 De modo geral, essa fratura requer redução aberta e fixação interna para o restauro do mecanismo extensor e da congruência da articulação do joelho. Isso é alcançado com a fixação anterior a posterior de um parafuso canulado ao longo da tuberosidade tibial.7 Várias publicações8–12 relataram excelentes resultados com essa técnica, independentemente do tipo de fratura. No entanto, o tratamento cirúrgico das fraturas da tuberosidade tibial não está isento de riscos. Há relatos de complicações, como infecções da ferida, artrofibrose, interrupção do crescimento fisário (deformidade angular/discrepância no comprimento do membro inferior), falência de dispositivo, refratura, síndrome compartimental e lesão vascular iatrogênica.5,8–19 Uma recente revisão sistemática20 da literatura relatou que a frequência de complicações é de 28,3%. A lesão de estruturas neurovasculares (ENVs) poplíteas durante a perfuração da tuberosidade da tíbia para a fixação de parafuso é bastante preocupante, pois pode ser uma complicação devastadora.
Embora haja alguns estudos acerca das relações entre as ENVs da região poplítea em adultos,21,22 não há, pelo que sabemos, estudos comparáveis em adolescentes. A compreensão da anatomia pode ajudar a orientar os cirurgiões durante os procedimentos para prevenir complicações evitáveis. Portanto, o objetivo deste estudo foi revisar as ressonâncias magnéticas (RMs) do joelho para a análise da localização das ENVs e a definição do risco de fixação bicortical.
Métodos
Delineamento Experimental e População
O conselho de revisão institucional permitiu a revisão dos estudos de imagem dos pacientes. Realizamos uma revisão retrospectiva do banco de dados de um hospital terciário para identificar pacientes adolescentes submetidos a RM por diferentes indicações. Foram excluídos pacientes com histórico de fraturas, tumores, deformidades do joelho ou procedimentos cirúrgicos ortopédicos ou vasculares. Os dados demográficos dos pacientes no momento da RM foram obtidos a partir dos prontuários médicos.
Técnica e Medidas de Ressonância Magnética
A RM foi feita em equipamento Philips Healthcare (Andover, MA, Estados Unidos) de 1,5 T e 8 canais. Todas as imagens foram obtidas com o joelho em extensão completa. Os parâmetros para as RMs foram: sequência coronal axial ponderada em densidade protônica (DP) com supressão de gordura (fat saturation, FAT-SAT, em inglês) – espessura de corte: 3 mm; tempo de repetição (TR): 3.080 ms; tempo de eco (TE): 36 ms; DP sagital – espessura de corte: 3 mm; TR: 4.700 ms; TE: 71 ms; DP coronal – espessura de corte: 3 mm; TR: 2.730 ms; TE: 23 ms. Imagens sagitais ponderadas em T1 e T2–espessura de corte: 3 mm; TR: 540 ms; TE: 12 ms. Contraste não foi utilizado em nenhum caso.
As distâncias entre o córtex posterior e as ENVs poplíteas foram medidas em 3 níveis (C1: centro da epífise proximal da tíbia; C2: 10 mm distamente à fise; e C3: 20 mm distalmente à fise) ([Fig. 1]). Nas imagens axiais, traçamos em cada nível uma linha perpendicular à placa de crescimento da tuberosidade tibial anterior (TAT) até a cortical posterior. A seguir, determinamos a distância entre o ponto de saída no córtex tibial posterior e as ENVs (artéria, veia e nervo). Isso representaria o parafuso em uma posição que pode ser perpendicular ao plano de fratura. As ENVs entre 5 mm e 10 mm da incisão foram projetadas em zona de risco moderado de lesão, ao passo que se considerou que as ENVs a menos de 5 mm da incisão estavam na zona de alto risco de lesão, e as ENVs a mais de 10 mm da incisão, na zona de baixo risco de lesão.
Fig. 1 Técnica de medida em ressonância magnética axial. A distância entre o ponto de saída no córtex tibial posterior e as estruturas neurovasculares (artéria, veia e nervo) foi determinada em 3 níveis. C1: centro da epífise proximal da tíbia; C2: 10 mm distalmente à fise; e C3: 20 mm distalmente à fise.
Análise de Dados
O ponto de saída de cada trajetória simulada do parafuso foi medido e inicialmente categorizado como risco de lesão baixo, moderado ou alto de ENVs. Para análise do objetivo do estudo, o risco de lesão de ENVs foi dicotomizado em categorias de risco baixo ou moderado/alto por ponto de entrada do parafuso, e foram feitas três tabelas distintas de contingência 3 × 2. Estas tabelas foram submetidas ao teste padrão do qui quadrado e, depois, à análise post hoc de resíduos padronizados ajustados de categorias individuais com a correção de Bonferroni apropriada (α = 0,008). O valor de alfa foi ajustado para 0,005. Os dados apresentavam distribuição normal sem curtose significativa. As análises estatísticas foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics for Windows, IBM Corp., Armonk, NY, Estados Undidos), versão 22.0.
Resultados
Cinquenta RMs do joelho de 45 pacientes (28 do sexo masculino) foram incluídas na avaliação. A média de idade no momento da RM foi de 14,1 ± 2,2 anos. A [Tabela 1] mostra a distância média entre córtex posterior e as ENVs. O risco teórico de lesão da ENV segundo a posição do parafuso está resumido na [Tabela 2].
Tabela 1
|
Artéria
|
Veia
|
Nervo
|
Localização
|
1
|
2
|
3
|
1
|
2
|
3
|
1
|
2
|
3
|
Média (em mm)
|
4,3
|
9,7
|
11,1
|
6,1
|
10,9
|
12,2
|
10,9
|
13,1
|
14,1
|
Desvio padrão (em mm)
|
± 2,3
|
± 2,4
|
± 2,3
|
± 2,7
|
± 3
|
± 3,1
|
± 3,6
|
± 3,8
|
± 3,9
|
Tabela 2
Artéria
|
Risco
|
Baixo
|
Moderado/Alto
|
Significância (p)
|
Posição
|
C1
|
1 (2%)
|
49 (98%)
|
< 0,001
|
C2
|
20 (40%)
|
30 (60%)
|
0,782
|
C3
|
33 (66%)
|
17 (34%)
|
< 0,001
|
Veia
|
Risco
|
Baixo
|
Moderado/Alto
|
Significância (
p
)
|
Posição
|
C1
|
3 (6%)
|
47 (94%)
|
< 0,001
|
C2
|
29 (58%)
|
21 (42%)
|
0,056
|
C3
|
34 (68%)
|
16 (32%)
|
< 0,001
|
Nervo
|
Risco
|
Baixo
|
Moderado/Alto
|
Significância (
p
)
|
Posição
|
C1
|
28 (56%)
|
22 (44%)
|
0,056
|
C2
|
34 (68%)
|
16 (32%)
|
0,995
|
C3
|
41 (82%)
|
9 (18%)
|
0,044
|
A análise post hoc do teste do qui quadrado demonstrou que a trajetória do parafuso C1 esteve associada a um risco maior de lesão da artéria e da veia poplíteas em comparação às demais trajetórias (p < 0,001); de fato, a posição C3 apresentou o menor risco de lesão a essas estruturas (p < 0,001). Não houve diferenças significativas entre as frequências observadas e esperadas de risco de lesão do nervo tibial nas três trajetórias do parafuso.
Discussão
O achado mais importante deste estudo foi que a artéria poplítea apresenta alto risco de lesão durante a fixação do parafuso na tuberosidade tibial, principalmente durante a perfuração da epífise proximal da tíbia. Embora o risco de lesão da veia e do nervo poplíteo seja menor, a distância entre a cortical tibial posterior e as ENVs foi inferior a 15 mm nos 3 níveis analisados. Em estudos com adultos,23 distâncias de 10 mm entre o córtex tibial posterior e as ENVs constituíam um risco, e distâncias inferiores a 5 mm caracterizavam risco alto. Como as dimensões gerais de um joelho pediátrico ou adolescente são menores, a proximidade das ENVs pode colocá-las em maior risco durante a perfuração para colocação do parafuso.
Embora a lesão das ENVs adjacentes pareça rara,24 é uma complicação da cirurgia de joelho que pode ser devastadora. Estudos anteriores com adultos21,22 centraram-se principalmente no risco associado à artéria poplítea e em como prevenir sua lesão durante a osteotomia da tuberosidade proximal da tíbia. No entanto, a literatura sobre riscos neurovasculares na população pediátrica e adolescente é escassa. Um estudo biomecânico25 mostrou que a resistência da fixação unicortical parece ser inferior à obtida com parafusos bicorticais na fixação da osteotomia da tuberosidade tibial. Entretanto, um estudo clínico comparativo26 recente demonstrou que a fixação bicortical não confere vantagem mecânica significativa no tratamento das fraturas da tuberosidade tibial. Arkader et al.26 avaliaram uma série de 86 pacientes (90 fraturas) submetidos a fixação unicortical ou bicortical. Os resultados do tratamento foram excelentes em ambos os grupos, e todos os pacientes apresentaram consolidação radiográfica no último acompanhamento; além disso, as taxas de complicações foram baixas.
Diversas limitações devem ser consideradas na interpretação dos resultados deste estudo. Mais importante ainda, as RMs foram realizadas com o joelho em extensão, e a distância medida da cortical posterior às ENVs pode variar de acordo com os graus de flexão, como durante a cirurgia. Em segundo lugar, variações nos padrões de ramificação da artéria poplítea não são incomuns (ocorrem em 10% a 15% dos casos) e muitas foram relatadas.27,28 Isso pode ter sido sub-representado em nosso estudo devido ao tamanho da amostra, e justifica a realização de mais pesquisas para limitar o risco de lesão nesta população de pacientes. Outra limitação é a análise da direção do parafuso em uma única posição (perfeitamente perpendicular ao plano teórico de fratura). Como em um estudo recente29 que avaliou o risco de lesão neurovascular durante o reparo do menisco lateral, desejamos realizar um estudo com um cenário de “pior caso”; porém, se o direcionamento do parafuso for mais angulado e medial no plano transverso no sentido da porção medial da metáfise, isso provavelmente diminuiria o risco para as ENVs.
Conclusão
Em conclusão, este estudo esclarece que os vasos poplíteos correm risco de lesão durante a fixação da tuberosidade tibial com parafuso, principalmente durante a perfuração da epífise proximal da tíbia. Com base em nossos achados e em estudos clínicos anteriores, recomendamos a perfuração monocortical e a fixação com parafusos no tratamento cirúrgico de fraturas da tuberosidade tibial. Em caso de necessidade de fixação bicortical, a broca pode ser direcionada em sentido mais medial no plano transverso até o aspecto medial da metáfise, o que pode minimizar o risco de lesão vascular.