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DOI: 10.1055/s-0043-1770972
Impacto econômico e profissional da pandemia de COVID-19 e prevalência de depressão e ansiedade nos cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil
Article in several languages: português | EnglishResumo
Objetivo Avaliar o impacto econômico e profissional (incluindo ensino e treinamento) durante a pandemia de covid-19, bem como a prevalência de episódio depressivo maior e de transtorno de ansiedade generalizada, nos cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil.
Métodos Estudo transversal realizado com os cirurgiões membros titulares da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Ombro e Cotovelo (SBCOC). A amostragem foi não probabilística por conveniência. As informações foram obtidas por meio de questionário online autoaplicado, através de divulgação pelo e-mail cadastrado dos membros da SBCOC, utilizando questões estruturadas e os instrumentos Patient Health Questionnaire (PHQ-9) e Generalized Anxiety Disorder-7 (GAD-7) para rastreio de episódio depressivo maior e transtorno de ansiedade generalizada, respectivamente.
Resultados Foram avaliados 119 participantes. O comprometimento no ensino foi afirmado por 87,7% dos cirurgiões, houve redução acima de 50% do volume cirúrgico para cerca de 4 em cada 10 cirurgiões e redução da renda acima de 50% para cerca de 17,3%, sendo que 55,5% dos profissionais não apresentavam estabilidade profissional. O episódio depressivo maior apresentou uma prevalência de 26,7% na amostra, e o transtorno de ansiedade generalizada foi apresentado por 20% dos cirurgiões.
Conclusão A combinação do impacto negativo sobre fatores profissionais e financeiros pode ter afetado os cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil, gerando elevados índices de ansiedade e depressão.
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Introdução
Casos de pneumonia viral causada por um patógeno até então desconhecido foram relatados em Wuhan, na República Popular da China, em dezembro de 2019. Um novo coronavírus foi identificado, referido como coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2). A doença causada pelo SARS-CoV-2, chamada de covid-19 (coronavirus disease 2019), se espalhou pelo mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia em 11 de março de 2020, criando um desafio global, com necessidade de atenção plena de todos os governos, instituições, organizações internacionais, profissionais da saúde e sociedade civil.[1] [2]
O isolamento social e o “lockdown” preconizados pelas autoridades sanitárias mundiais foram adotados, mudando a dinâmica dos atendimentos nas unidades de emergência.[3] A instituição das "Zonas Vermelhas", além do medo de contrair a doença, causou limitação das atividades e na circulação das pessoas, amenizando a incidência de traumas ortopédicos. Essas mudanças epidemiológicas afetaram economicamente as instituições, os profissionais e o ensino da especialidade.[4] [5] [6] [7] [8] Mesmo não fazendo parte da linha de frente da pandemia, os cirurgiões ortopédicos foram gravemente afetados pela diminuição da jornada de trabalho, adaptação funcional, atendimento virtual e redução do número de atendimentos e cirurgias.[9] [10] [11] Sem precedentes, esta classe presenciou a redução de seus rendimentos.[12] [13] As atividades de ensino necessárias para ter-se ortopedistas de excelência também foram afetadas, sofrendo adaptações emergenciais para o plano virtual, redução do volume de cirurgias e atendimentos, além de dificuldades para realização de pesquisas. Um aumento nos níveis de depressão e ansiedade desta geração de profissionais foi observado.[14] [15]
Os profissionais da saúde não estão imunes a distúrbios mentais decorrentes do impacto psicológico causado por uma série de fatores que afetaram a sua saúde e o sistema de atendimento.[16] Apesar das altas prevalências de doenças mentais na população em geral durante a pandemia, há relatos de taxas ainda maiores nas equipes de saúde.[17] Semelhante à pandemia de síndrome respiratória aguda grave em 2003, o psicológico das equipes médicas foi afetado e exacerbou a prevalência de tais enfermidades.[18] [19] [20] [21] Seguindo esta tendência, médicos cirurgiões apresentaram elevadas taxas de depressão e ansiedade em todo o mundo.[22] Tal repercussão foi relatada no Reino Unido, comparando os cirurgiões ortopedistas com a população em geral.[23] Estes índices têm seguido uma tendência mundial.[2]
No Brasil, danos profissionais e nos rendimentos durante a pandemia de covid-19, bem como a ocorrência de transtornos mentais, não foram relatados em ortopedistas, tampouco dentro de uma subespecialidade. O objetivo do presente estudo foi descrever o impacto econômico e profissional (incluindo ensino e treinamento) durante a pandemia da covid-19 e avaliar as prevalências de episódio depressivo maior (EDM) e de transtorno de ansiedade generalizada (TAG) nos cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil. Tal descrição dará visibilidade para o tema, sem descrição prévia na literatura nacional, possibilitando o dimensionamento dessas variáveis na classe de cirurgiões de ombro e cotovelo do nosso país.
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Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo transversal onde o processo de amostragem foi não-probabilístico por conveniência. Foram avaliados os cirurgiões especialistas de ombro e cotovelo membros titulares da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Ombro e Cotovelo (SBCOC). Esta sociedade foi oriunda do Comitê de Ombro e Cotovelo da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia em 1988, sendo responsável por avaliar os cirurgiões de ombro e cotovelo através de critérios rigorosos e conceder o título aos seus membros associados. Foi realizado cálculo de poder (a posteriori) no OpenEpi (https://www.openepi.com/Power/PowerCross.htm) para verificar o poder do tamanho amostral para estudos transversais. Verificou-se, com base nos dados descritivos sobre episódio depressivo maior e transtorno de ansiedade generalizada nos cirurgiões avaliados, poder superior a 99% para ambos os transtornos, baseado em aproximação normal.
Os dados foram coletados entre outubro e novembro de 2021, por meio de questionários anônimos autoaplicados online, utilizando a plataforma Google Forms. Os questionários foram enviados pela SBCOC para o e-mail institucional de todos os membros titulares da sociedade, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade. Foram realizadas duas abordagens consecutivas num intervalo de 15 dias via e-mail. O questionário ficou disponível para os participantes pelo período de 30 dias.
No presente estudo, foram avaliadas como variáveis econômicas e profissionais o tempo de atuação profissional como especialista em ombro e cotovelo em anos completos, o volume cirúrgico (piorou muito, piorou, não alterou, melhorou e melhorou muito), redução do volume cirúrgico (reduziu menos de 25%, reduziu 26-50%, reduziu 51-75% e reduziu 76-100%), renda média mensal (piorou muito, piorou, não alterou, melhorou e melhorou muito), redução da renda média mensal (reduziu menos de 25%, reduziu 26-50%, reduziu 51-75% e reduziu 76-100%), estabilidade de trabalho (com vínculo e sem vínculo), atividades de atualização profissional (mais frequente, igual e menos frequente) e comprometimento das atividades de ensino (não/sim).
A presença de EDM foi avaliada por meio do Patient Health Questionnaire (PHQ-9). O instrumento reúne nove sintomas apresentados no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV). A frequência de cada sintoma é pontuada em uma escala Likert de quatro pontos de 0 (nenhum dia) a 3 (quase todos os dias). O escore final é obtido por uma somatória, variando de 0 a 27 pontos. No presente estudo, foi utilizada versão em português modificada e validada por Santos e cols. em estudo brasileiro de base populacional para uso do PHQ-9 no rastreio de EDM. A presença de EDM foi identificada através do ponto de corte ≥ 9, proposto em tal estudo de validação, que apresentou sensibilidade e especificidade máximas de 77,5% e 86,7%, respectivamente.[24]
A ocorrência do TAG foi estimada pelo Generalized Anxiety Disorder-7 (GAD-7), instrumento que visa a triagem e monitoramento de pacientes com ansiedade e foi elaborado por Spitzer e validado por Kroenke, Spitzer, Williams, Monahan e Löwe, composto por sete itens correspondentes aos sintomas de ansiedade de acordo com os critérios do DSM-IV. Os itens estão dispostos em uma escala Likert de quatro pontos de 0 (nenhuma vez) a 3 (quase todos os dias), com pontuação que varia de 0 a 21. A tradução para a língua portuguesa foi disponibilizada por Pfizer (Copyright © 2005 Pfizer Inc., New York, NY), com registro de evidência de validade no Brasil (MAPI RESEARCH INSTITUTE, 2006). A presença de TAG foi identificada através do ponto de corte ≥ 10.
Também foram obtidas informações demográficas, como a região de atuação (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul), sexo biológico (masculino e feminino), idade (anos completos) e cor da pele (branca, preta, parda, amarela, indígena).
Foi realizada análise univariada descrevendo as características demográficas, as variáveis referentes ao impacto econômico e profissional da pandemia de covid-19 e a ocorrência de depressão e de ansiedade. Para as variáveis numéricas foram apresentadas medidas de tendência central e de dispersão, enquanto para variáveis categóricas foram obtidas proporções, junto dos intervalos de confiança. Os dados foram exportados para o programa STATA v.17 (StataCorp, College Station, TX, EUA), no qual as análises foram efetuadas.
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Resultados
Foram avaliados 119 cirurgiões. A distribuição regional demonstrou uma maior concentração na região sudeste, com 61 participantes (51,2%). A maior parte dos cirurgiões era do sexo masculino (94,1%) e declarou cor da pele branca (80,7%). Com relação a faixa etária, 42,8% tinham entre 40-49 anos e a média de idade foi 43,9 anos. A média de tempo de atuação como especialista de ombro e cotovelo foi 13 anos, e em torno de 43% apresentavam menos de 10 anos de atuação ([Tabela 1]).
Variáveis |
N |
(%) |
---|---|---|
Sexo |
||
Masculino |
112 |
(94,1) |
Feminino |
7 |
(5,9) |
Idade (anos completos) |
||
Menos de 40 |
41 |
(34,5) |
40 a 49 |
51 |
(42,8) |
50 ou mais |
27 |
(22,7) |
Cor da pele ou raça |
||
Branca |
96 |
(80,7) |
Parda |
20 |
(16,8) |
Indígena/Amarela |
3 |
(2,5) |
Região |
||
Centro-oeste |
9 |
(7,6) |
Nordeste |
26 |
(21,8) |
Norte |
2 |
(1,7) |
Sudeste |
61 |
(51,2) |
Sul |
21 |
(17,7) |
Tempo de atuação profissional* |
||
5 ou menos |
22 |
(18,6) |
6 a 10 |
29 |
(24,6) |
11 a 15 |
25 |
(21,2) |
16 a 20 |
22 |
(18,6) |
21 ou mais |
20 |
(17,0) |
Em relação ao impacto profissional e econômico durante a pandemia covid-19, a [Tabela 2] mostra que 48,2% dos cirurgiões especialistas em ombro e cotovelo revelaram que o volume cirúrgico piorou quando comparado ao período pré-pandemia, enquanto para 38,2% o volume piorou muito. Cerca de 35,4% dos cirurgiões apontaram redução entre 51 e 75% no volume de cirurgias e 7,3% relataram redução de 76 a 100%. A respeito da renda individual média mensal, 60% e 20% dos participantes alegaram que a renda piorou e piorou muito, respectivamente, em relação ao período anterior à pandemia. A redução na renda média mensal acima de 50% foi percebida por cerca de 17% dos cirurgiões. Além disso, 55,5% dos cirurgiões de ombro e cotovelo não apresentavam emprego formal ou cargo/emprego público e 61,3% afirmaram que suas participações em eventos ou cursos de atualização foram menos frequentes no último ano. Dos cirurgiões que desempenham atividades acadêmicas de ensino, 87,7% alegaram que estas foram comprometidas durante a pandemia ([Tabela 2]).
Variáveis |
N |
% |
(IC95%) |
---|---|---|---|
Volume cirúrgico |
|||
Piorou muito |
42 |
38,2 |
(29,5-47,6) |
Piorou |
53 |
48,2 |
(38,9-57,5) |
Igual |
11 |
10 |
(5,6-17,2) |
Melhorou |
4 |
3,6 |
(1,3-9,4) |
Redução no volume cirúrgico |
|||
Não reduziu |
15 |
13,6 |
(8,3-21,4) |
Até 25% |
10 |
9,1 |
(4,9-16,1) |
26 a 50% |
38 |
34,6 |
(26,1-43,9) |
51 a 75% |
39 |
35,4 |
(27,0-44,9) |
76 a 100% |
8 |
7,3 |
(3,6-13,9) |
Renda individual |
|||
Piorou muito |
22 |
20,0 |
(13,4-28,6) |
Piorou |
66 |
60,0 |
(50,4-68,8) |
Igual |
12 |
10,9 |
(6,2-18,3) |
Melhorou |
10 |
9,1 |
(4,9-16,1) |
Redução na renda |
|||
Não reduziu |
22 |
20,0 |
(13,4-28,6) |
Até 25% |
28 |
25,5 |
(18,1-34,5) |
26 a 50% |
41 |
37,2 |
(28,6-46,7) |
51 a 75% |
18 |
16,4 |
(10,5-24,5) |
76 a 100% |
1 |
0,9 |
(0,1-6,2) |
Emprego formal/emprego público |
|||
Não |
66 |
55,5 |
(46,4-64,2) |
Sim |
53 |
44,5 |
(35,8-53,6) |
Participação em eventos |
|||
Menos frequente |
73 |
61,3 |
(52,2-69,7) |
Igual |
22 |
18,5 |
(12,4-26,5) |
Mais frequente |
24 |
20,2 |
(13,8-28,4) |
Comprometimento no ensino |
|||
Não |
10 |
12,3 |
(6,7-21,6) |
Sim |
71 |
87,7 |
(78,4-93,2) |
A [Tabela 3] mostra que a prevalência de EDM nos cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil durante a pandemia covid-19 foi de 26,7%, enquanto o TAG foi encontrado em 20% dos cirurgiões. A presença concomitante de ambos os transtornos mentais foi observada em 16,5% da amostra ([Fig. 1]).
Variáveis |
N |
% |
(IC95%) |
---|---|---|---|
Episódio depressivo maior |
|||
Não |
85 |
73,3 |
(64,4-80,6) |
Sim |
31 |
26,7 |
(19,4-35,6) |
Transtorno de ansiedade generalizada |
|||
Não |
92 |
80,0 |
(71,6-86,4) |
Sim |
23 |
20,0 |
(13,6-28,4) |
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Discussão
Níveis elevados de depressão e ansiedade têm sido encontrados nos cirurgiões ortopédicos britânicos, italianos, franceses e latinos.[10] [15] [25] No presente estudo, as prevalências de depressão e ansiedade nos cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil foram superiores ao encontrado na classe de ortopedistas britânicos,[23] onde a estabilidade financeira é mais marcante. O nível de ansiedade semelhante ao encontrado por Sharma et al.[2] nos ortopedistas indianos demonstra que em países de condições semelhantes, os valores de ansiedade se aproximaram. Ainda, níveis de depressão encontrados nos cirurgiões brasileiros foram superiores aos encontrados em cirurgiões da coluna vertebral na América Latina.[26]
O impacto financeiro e profissional está sendo discutido em todo o mundo e foi possível percebê-lo através dos resultados encontrados. Os cirurgiões ortopédicos sofreram uma redução na carga de trabalho cotidiana, com cancelamento de cirurgias eletivas e consultas ambulatoriais, redução na incidência de trauma agudo em todo o mundo pela redução da circulação de pessoas e deslocamentos para atividades clínicas e/ou administrativas não corriqueiras.[5] [6] [10] [23] Em nosso estudo, 9 em cada 10 profissionais alegaram que o volume cirúrgico piorou ou piorou muito dentro da especialidade de ombro e cotovelo. A mesma proporção dos profissionais apresentou alguma redução do volume cirúrgico médio no último ano. Tais achados condizem com as características eletivas de uma subespecialidade ortopédica.
A redução no volume cirúrgico foi acima de 50% para metade dos profissionais desta pesquisa. Kale et al.[9] demonstraram queda da renda e/ou volume cirúrgico ainda maior. No estado americano de Alabama, Paul et al.[27] encontraram redução pela metade da receita de 1 a cada 2 ortopedistas, aproximadamente 3 vezes mais do que a presente pesquisa encontrou. Especialmente neste estado americano, as condições sociais divergem do restante dos EUA podendo justificar tal discrepância. Redução significativa do volume cirúrgico de um serviço de ortopedia-traumatologia do Brasil foi documentado, também comprovando a realidade nacional.[25]
Inúmeros outros trabalhos citaram quedas dos volumes cirúrgicos ortopédicos pelo mundo,[3] [11] porém não há relatos sobre a redução do volume cirúrgico ou impacto financeiro dentro da especialidade de cirurgia de ombro e cotovelo. Em estudo de abrangência continental com ortopedistas da América Latina, Giordano et al.[10] afirmaram que 91,8% apresentavam alguma preocupação financeira, sendo que 62,7% possuíam sua maior fonte de renda de forma autônoma. A presente pesquisa demonstrou que 55,5% dos cirurgiões especialistas de ombro e cotovelo tinham como única fonte de renda o trabalho autônomo, sem estabilidade profissional e/ou emprego público, o que, provavelmente, impactou neste resultado. Porém, não atingimos o número de amostra ideal para demonstrarmos uma associação entre as variáveis estabilidade profissional, diminuição da renda, diminuição do volume cirúrgico e prevalência de distúrbios mentais.
A redução na participação em eventos de atualização profissional demonstrou que ainda há fatores impactando a atuação dos cirurgiões nestes eventos. Com a diminuição do volume de trabalho pelos fatores citados anteriormente, era de se esperar que houvesse um aumento das participações em eventos de atualização profissional de forma virtual, já que a limitação das atividades presenciais se prorrogaram por muitos meses. A presente pesquisa demonstrou que 61,3% frequentaram menos atividades de atualização profissional durante o período questionado, possivelmente motivados pelos cancelamentos dos eventos presenciais ou pelos distúrbios mentais, que podem ter relação com o comportamento desmotivado desta classe durante o período do estudo. Somente 20,2% aumentaram suas participações. A mudança para as atividades online foi uma realidade súbita e necessária para que tais atividades se mantivessem,[6] [28] todavia, parece que muitos profissionais ainda apresentam algum fator limitante para sua participação neste novo formato, inclusive, na classe dos médicos residentes em formação.[29]
A grande maioria dos cirurgiões que atuam com alguma participação educacional declararam que a formação dos novos profissionais na área de ortopedia/traumatologia e/ou cirurgia de ombro e cotovelo foi comprometida. Upadhyaya et al.[14] encontraram valores semelhantes na Índia, sendo que 94% dos residentes deste país tiveram sua formação clínica e cirúrgica afetadas, e 71,6% apresentaram dificuldades em encerrar seus trabalhos de conclusão.
A reestruturação acadêmica regida pela suplementação didática virtual para uma formação efetiva destes profissionais foi algo praticado mundialmente. Mas suas limitações fizeram com que fosse cogitada a necessidade de um ano adicional para completar a pós-graduação, algo que em nenhum momento foi discutido em nosso país.[6] [30] É inegável que o advento da internet e suas plataformas educacionais que surgiram e foram aprimoradas rapidamente diante da situação vivenciada, foram fundamentais para a “aproximação” virtual entre alunos e professores, permitindo a manutenção do ensino com segurança. Mas as limitações práticas impostas pela ausência do treinamento cirúrgico tipo “hands on” foi inevitável.
A classe médica merece atenção decorrente dos elevados índices de transtornos mentais que apresenta. O contexto no qual foram inseridos na pandemia foi certamente algo favorecedor para doença mental.[22] Durante o período de pandemia covid-19, em virtude da gravidade desta enfermidade, as atenções foram direcionadas ao adoecimento físico, deixando de lado condições importantes como a saúde mental, gravemente afetada em decorrência das mudanças dos sistemas de saúde e rotinas de atendimentos previamente descritas.[23] Por conseguinte, a demora no diagnóstico da ansiedade e depressão, por exemplo, em cirurgiões de ombro e cotovelo pode ser uma circunstância facilitadora para a queda da qualidade dos serviços prestados nesta área, afetando cirurgiões e pacientes.
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Conclusão
Diante de uma crise de saúde sem precedentes surge uma grande oportunidade de aprendizado para qualificação e organização da gestão. O impacto da pandemia por covid-19 nos sistemas de saúde causou repercussões inquestionáveis na saúde profissional, financeira e mental dos cirurgiões ortopédicos em todo o mundo. A combinação destes fatores pode ter afetado os cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil, gerando elevados índices de ansiedade e depressão. O impacto na saúde mental nos profissionais de saúde durante a pandemia é complexo e deve ser rastreado e tratado de forma sustentada e interdisciplinar pelos governos e sistemas de saúde, projetando estratégias de prevenção.
Em virtude do delineamento adotado nesta pesquisa e do reduzido tamanho amostral, sugere-se a realização de estudos futuros com maior poder de causalidade. A virtualização do cuidado e do treinamento dos novos cirurgiões tornou-se rapidamente realidade, mas sem a certeza de que estas práticas serão incorporadas definitivamente na vida pós-pandemia. A persistência em educar sem praticar ainda parece ter um futuro incerto, mas a esperança do crescimento pessoal e profissional decorrente das adaptações necessárias para se manter o ensino e as atividades profissionais parece ser a única grande certeza.
A grande maioria dos cirurgiões de ombro e cotovelo do Brasil alegaram alguma piora do volume cirúrgico (86,4%), sendo que 42,7% deles sofreram reduções acima dos 50%. A redução de renda mensal afetou 80% dos cirurgiões, sendo que 17% da amostra sofreu redução acima dos 50% de sua renda. A prevalência de transtornos mentais (EDM e TAG) foi acima da média para classe diante dos ortopedistas gerais e demais profissionais da saúde encontradas na literatura (26,7% e 20%, respectivamente).
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Trabalho desenvolvido no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
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Publication History
Received: 01 May 2022
Accepted: 27 October 2022
Article published online:
30 October 2023
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