Palavras-chave
adolescente - escoliose - força muscular - teste de esforço
Introdução
A escoliose é uma deformidade patológica da coluna caracterizada por curvatura coronal marcante e rotação vertebral.[1] Pode ser causada por fatores congênitos, ser secundária a uma doença neuromuscular ou não ter etiologia óbvia.[2] A escoliose idiopática do adolescente (EIA) é o tipo mais prevalente de escoliose,[2] acometendo 0,6 a 2,0% e 2,2 a 4,6% dos meninos e meninas entre 12 e 14 anos de idade,[3]
[4] respectivamente. No Brasil, a prevalência estimada é de 1,8 a 4,8% na faixa etária entre 10 e 16 anos.[5]
[6] A alta incidência da EIA faz com que seja importante entender melhor os efeitos prejudiciais dessa doença.
A EIA pode ter impacto significativo em vários aspectos da vida de um paciente, inclusive em sua função pulmonar e habilidades físicas. Existem inúmeros relatos que documentam a diminuição da capacidade vital forçada e da pressão inspiratória em pacientes com EIA.[7]
[8]
[9]
[10] Além disso, sua capacidade de deambulação também é afetada,[7]
[9] e os pacientes tipicamente apresentam menor comprimento da passada,[11] diminuição do movimento pélvico e aumento da ativação dos músculos eretor da coluna e glúteo médio.[12] Além dessas limitações físicas, os pacientes com EIA também tendem a ter um estilo de vida mais sedentário, praticando atividade física regular por apenas metade do tempo em comparação a seus colegas saudáveis.[7]
O movimento humano depende do tecido muscular e de sua capacidade de produzir força muscular. Apesar das limitações de movimento enfrentadas por indivíduos com EIA, pouco se sabe sobre esta última. Pesquisas mostraram que os músculos paravertebrais desses pacientes são menores[13] e têm maior teor de tecido adiposo e fibroso,[14] o que pode contribuir para os déficits de força de rotação do tronco[5] e força respiratória que foram observados.[8]
[10] O único estudo a analisar a força muscular dos membros relatou reduções na preensão manual e na extensão do joelho em comparação a um grupo controle da mesma idade.[16] Curiosamente, as duas medidas de força foram correlacionadas à força respiratória no grupo de pacientes com EIA. Apesar do possível valor da força dos membros no fornecimento de informações sobre a condição do paciente e percepção de seus problemas de movimentação, o tópico recebeu pouca atenção nos últimos anos.
Para neutralizar os efeitos limitantes da EIA na função física, os pacientes são geralmente submetidos à cirurgia de correção da coluna vertebral por meio de artrodese vertebral.[17] Esta intervenção cirúrgica restringe a mobilidade da coluna, mas demonstrou melhorar a mecânica da marcha,[18]
[19] a função pulmonar[20] e outros aspectos das características físicas do paciente. Apesar dessas melhoras, os efeitos da cirurgia em outros elementos da função física do paciente, como capacidade de deambulação e força muscular dos membros, ainda são obscuros. Para esclarecer esse tópico e entender melhor a relação entre esses fatores, objetivamos avaliar a força máxima de membros inferiores em pacientes com EIA submetidos ou não à cirurgia e examinar sua correlação com a distância percorrida em um teste de caminhada de seis minutos (6MWT).
Métodos
Participantes
Sessenta pacientes com EIA previamente incluídos em nosso grupo de estudo[10] participaram desta pesquisa. Esses pacientes estão na lista de espera para a cirurgia (n = 30) ou foram submetidos à artrodese vertebral posterior com acompanhamento pós-operatório mínimo de 1 ano (n = 30). Os dados demográficos dos pacientes pré e pós-operatórios foram relatados em uma publicação anterior.10 Resumidamente, os pacientes pré-operatórios apresentavam idade de 18,5 ± 2,4 anos, massa total de 54,1 ± 11,0 kg e altura de 162,3 ± 7,6 cm, enquanto os pacientes pós-operatórios apresentavam idade de 24,5 ± 4,5 anos, massa total de 59,4 ± 14,8 kg e altura de 165,0 ± 7,9 cm. Um grupo controle (n = 28, idade: 22,4 ± 4,9 anos, massa total: 61,9 ± 12,4 kg, altura: 164,0 ± 8,3 cm) foi convenientemente selecionado entre a equipe do hospital e seus parentes próximos. Os critérios de inclusão do grupo controle foram idade entre 15 e 25 anos e resultado negativo no teste de Adam para detecção de deformidade da coluna vertebral. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 98957118.8.0000.5273).
Procedimentos
Todos os procedimentos foram realizados em sessão única, com duração aproximada de 40 minutos. Os participantes foram submetidos primeiramente ao TC6 e, em seguida, à avaliação da força muscular de extensores e flexores de joelho.
Teste de Caminhada de Seis Minutos (TC6)
O participante foi encorajado a caminhar o mais rápido possível por 6 minutos ao longo de um corredor reto e nivelado de 30 metros com superfície dura, marcado em intervalos de 3 metros.[10]
Avaliação da Força Muscular
O pico de torque (PT) da extensão do joelho (EJ) e flexão do joelho (FJ) foi medido durante um teste isocinético a 60°/s (HUMAC NORM II, CSMI, Estados Unidos). Os participantes sentaram-se eretos com os quadris em um ângulo de 85° e a articulação do joelho alinhada com o eixo do dinamômetro. Cintas inelásticas foram usadas para proteção do tórax. Uma série de familiarização e aquecimento de cinco repetições progressivas (com variação de 50% ao esforço máximo percebido) foi realizada, seguida de um intervalo de descanso de 30 segundos. Os participantes, então, realizaram cinco repetições máximas. O PT foi definido como o maior torque registrado durante EJ e FJ e normalizado pelo peso corporal do participante. Os membros foram avaliados em ordem aleatória.
Análise Estatística
Todas as variáveis apresentaram distribuição normal ao teste de Shapiro-Wilk. As diferenças entre grupo das variáveis TC6 e força máxima foram analisadas usando ANOVA unicaudal. Quando necessário, testes post-hoc de Bonferroni foram realizados. A correlação foi analisada nos grupos combinados de pacientes com EIA (antes e após a cirurgia) usando o coeficiente de correlação de Pearson entre a força máxima e a distância do TC6. O nível de significância de 0,05 foi adotado em todos os testes. A análise foi realizada usando rotinas customizadas em Python 3.0.
Resultados
O grupo controle percorreu uma distância maior no TC6 em comparação aos grupos pré-operatório (534 ± 67 m) e pós-operatório (541 ± 69 m),[10] com distância de 612 ± 70 m (p< 0,001).
No entanto, não foram observadas diferenças em PT EJ (p = 0,67) e PT FJ (p = 0,46) ([Tabela 1]). Observamos uma correlação positiva moderada entre PT EJ e a distância do 6MWT (r = 0,53, p <0,001), bem como uma correlação positiva baixa entre PT FJ (r = 0,37, p = 0,003) e a distância do 6MWT ([Tabela 1]).
Tabela 1
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Pré-operatório
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Pós-operatório
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Controle
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PT EJ (Nm.kg−1)
PT FJ (Nm.kg−1)
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2,09 ± 0,63
0,97 ± 0,34
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2,09 ± 0,68
1,10 ± 0,34
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2,23 ± 0,70
1,05 ± 0,45
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Discussão
Este estudo teve como objetivo examinar o efeito do tratamento cirúrgico na força máxima de membros inferiores em pacientes com EIA. Além disso, também investigamos a correlação entre a força máxima de membros inferiores e a capacidade de deambulação. Os resultados mostraram que não houve diferença significativa na força máxima de EJ e FJ entre os pacientes com EIA submetidos ou não ao tratamento e o grupo controle. Além disso, houve correlação positiva entre a força de EJ e FJ e a distância de TC6 em pacientes com EIA.
Até o momento, poucos estudos compararam a força muscular de pacientes com EIA e indivíduos não escolióticos.[15]
[16] Esses estudos anteriores relataram déficits na rotação do tronco,[15] preensão manual e força isométrica de extensão do joelho.[16] Embora nossos achados sugiram que a EIA não reduz a força máxima de EJ e FJ, deve-se destacar que Martinez-Llorens et al.[16] mediram a força de forma isométrica e a relataram em termos absolutos (kgf), o que poderia levar a conclusões diferentes da presente pesquisa. Apesar de a correção cirúrgica da coluna ter melhorado a cinemática da marcha[18]
[19] e o equilíbrio em pé,[21] nossos resultados sugerem que a cirurgia, sozinha, não tem impacto significativo na força máxima de membros inferiores, como demonstrado pela ausência de diferenças entre os grupos pré-operatório e controle.
É interessante notar que nossos resultados sugerem que a força máxima de EJ e FJ estão positivamente associadas à capacidade de deambulação de pacientes com EIA. EJ mostrou uma relação mais forte com a distância percorrida no TC6 do que FJ, provavelmente devido à importância da extensão do joelho em vencer a gravidade e impulsionar o corpo para frente durante a caminhada. Isso destaca o papel crucial da força muscular nas habilidades funcionais desses pacientes. Esses achados são especialmente relevantes à luz de pesquisas anteriores que observaram apenas uma relação entre a força respiratória e a capacidade de caminhada em pacientes com EIA.[7] Com estas informações, programas de exercícios direcionados podem ser projetados para aumentar a força respiratória e dos membros inferiores, particularmente EJ, em pacientes com EIA e déficits de marcha.
Apesar dos achados valiosos deste estudo, é importante reconhecer suas limitações. Uma limitação significativa é a diferença de idade entre os grupos pré e pós-operatórios, que apresentaram alta variabilidade. Essa diferença é representativa de uma população do mundo real, onde os pacientes pós-operatórios muitas vezes passam por uma lista de espera e exames antes de serem operados, levando-os a apresentarem média de idade maior. Além disso, o estudo avaliou apenas a força de membros inferiores na articulação do joelho; é possível que outros grupos musculares, como tornozelo e quadril, tenham comportamento diferente. Outra limitação é o delineamento transversal do estudo, o que prejudica a capacidade de estabelecimento de causalidade. Futuros estudos com abordagem longitudinal podem ajudar a confirmar e aprimorar as observações obtidas aqui. Essas limitações devem ser consideradas ao interpretar os resultados e os próximos estudos devem ter como objetivo abordá-las para obter uma compreensão mais abrangente da relação entre a força dos membros inferiores e a capacidade de deambulação em pacientes com EIA.
Conclusão
Os resultados mostraram que o grupo controle percorreu uma distância significativamente maior no TC6 em comparação aos grupos pré-operatório e pós-operatório. No entanto, não foram observadas diferenças em PT EJ e PT FJ entre os grupos. Nossos achados revelaram uma correlação positiva moderada entre PT EJ e a distância do TC6, bem como uma correlação positiva baixa entre PT FJ e a distância do TC6. Esses resultados destacam a importância da força de membros inferiores na funcionalidade de pacientes com EIA e sugerem que programas de exercícios destinados a aumentar a força de membros inferiores podem melhorar a capacidade de caminhada desses indivíduos.