Palavras-chave articulação do cotovelo/lesões - músculo esquelético - ruptura - lesões dos tendões
Introdução
As lesões do tendão distal do bíceps braquial são consideradas infrequentes representando 3% de todas as rupturas do bíceps.[1 ]
[2 ] As rupturas ocorrem mais comumente devido a uma carga excêntrica, como uma queda na mão estendida, extensão do cotovelo durante levantamento de peso, ou ainda uma extensão abrupta do cotovelo com o braço em supinação.[3 ]
Idler et al.
[4 ] reportou rupturas tendíneas entre 204 N e 222 N[4 ] valores diferentes dos obtidos por Garcia Júnior et al.[5 ] que relatou lesão com força excêntrica superior a 400 N.[5 ] A tensão normal do tendão do bíceps com cotovelo fletido a 90° é de aproximadamente 50 N.[6 ]
O bíceps braquial é composto por duas cabeças. A longa (CL), origina-se no tubérculo supraglenoidal e a cabeça curta (CC) no processo coracóide e se insere na tuberosidade bicipital do rádio (TR).[7 ]
Os tendões podem se manter distintos em todo trajeto (90% dos espécimes),[8 ] com algum grau de interdigitação entre as cabeças ou ainda como único tendão.[9 ] O tendão roda externamente 90° (graus) em seu eixo, na direção ulnar para radial até sua inserção.[9 ] A CL apresenta-se de forma oval e sua inserção se dá na porção mais proximal da tuberosidade proporcionando uma maior força de supinação enquanto que a CC insere-se distalmente em forma de leque gerando maior força de flexão.[7 ] A inervação ocorre por um ramo do nervo musculocutâneo.[10 ]
A incidência destas lesões aumentou de 1,2 em 2002[1 ] para 2,55 por 100.000 pacientes/ano em 2015 com incremento anual de 2,5%.[11 ]
As teorias das rupturas são duas:
1) Vascular:
devido a uma zona de baixa irrigação entre as porções proximal e distal do tendão do bíceps ([Fig. 1 ]);
2) Mecânica:
na supinação completa o tendão ocupa 85% da área entre o rádio e ulna e na pronação completa ocorre diminuição de 50% deste espaço.[12 ]
Fig. 1 Avaliação macroscópico do tendão do bíceps distal Legenda: Aspecto macroscópico do tendão do bíceps distal roto (visualizada degeneração e espessamento de sua porção distal), *Zona hipovascular do tendão do bíceps distal com aproximadamente 2,14 cm de comprimento; b) Preparo tendíneo, sutura tipo Krakow, com fio de alta resistência.
Como fatores de risco estão o tabagismo, com aumento de 7,5 vezes a chance de ruptura tendínea,[1 ] o uso abusivo de esteróides anabolizantes[13 ], sobrepeso e/ou obesidade (IMC > 30kg/m2 ) com incidência de ruptura de 66,7%.[3 ]
Lesões bilaterais, não simultâneas, ocorrem em 8% dos pacientes, sugerindo que alterações prévias são fatores de risco para rupturas do lado não acometido[14 ] e as simultâneas são descritas como raras (relatos de casos).[15 ]
Aproximadamente 2/3 das rupturas traumáticas aconteceram em pacientes entre 35 e 54 anos (média 46,3 anos) sendo 95,7% do sexo masculino, sem predileção pelo lado dominante.[3 ] Nas mulheres, em mais de 50% dos casos, as pacientes relataram início insidioso e atraumático dos sintomas com 87% de lesões parciais.[16 ]
As lesões parciais são mais raras, tipicamente acometem a cabeça curta e ainda podem ocorrer na junção musculotendinosa.[3 ]
[11 ]
Clinicamente há dor, frequentemente associada a esforço físico, sem estalido audível, ascensão do ventre do bíceps, com possível presença do sinal “Popeye” Reverso,[17 ] seguido de diminuição de força para flexão do cotovelo (perda de 30%) e supinação do antebraço (perda 40%)[1 ]
[2 ]
[11 ] além de dificuldades para execução de atividades do dia a dia, maiores demandas físicas e/ou laborais.[1 ]
Avaliação Clínica
Devereaux e ElMaragh[3 ] relataram que 33% dos casos que apresentaram estalido doloroso tinham ruptura tendínea completa e a presença do sinal do “Popeye” reverso foi de 38% nas lesões totais e 33% nas parciais. Edema e equimose só são vistos nas lesões agudas, com menos de três semanas, porém, se a aponeurose bicipital permanecer íntegra o hematoma poderá não drenar permanecendo confinado aos planos profundos.[3 ]
As manobras semiológicas mais utilizadas são, o “Hook Test”, o teste da pronação passiva e o do intervalo bicipital que quando positivos para lesão apresentam 100% de sensibilidade e especificidade[3 ] ([Tabela 1 ]) além dos testes para avaliação da força de supinação e flexão resistidos.[2 ]
Tabela 1
Sensibilidade (S)
Especificidade (E)
"Hook Test"
[18 ]
81%
100%
"Hook Test" Atualização[20 ]
86%
89%
Teste Pronação Passiva
[26 ]
95%
100%
Teste do Intervalo Bicipital
[22 ]
88%
50%
O “Hook Test” descrito por O'Driscoll et al.
[18 ] apresenta isoladamente uma sensibilidade de 81% e especificidade de 100%. É realizado com o cotovelo fletido a 90° e supinação máxima, mantida por uma das mãos do examinador, e com o indicador da mão contralateral do examinador é realizado o movimento de gancho de lateral para medial. O teste é positivo caso não haja anteparo tendíneo que limite a excursão do dedo indicador. Se for realizado de medial para lateral poderá ocorrer um falso-negativo no caso de integridade da aponeurose bicipital.[18 ] Porém, se o teste não apresentar critérios para integridade ou lesão será necessário realizar o “Hook Test” resistido[19 ] ([Fig. 2 ]). Este consiste em se realizar resistência contra a pronação ativa do paciente associado ao “Hook Test”; se doloroso ou tendão ausente o teste será positivo para lesão.[19 ]
Fig. 2 “Hook Test” Resistido Legenda: Teste realizado com resistência a pronação ativa do paciente associado ao “Hook Test”; se doloroso ou tendão ausente o teste será positivo para lesão.
Em 2020, Luokkala et al.[20 ] realizaram uma atualização da sensibilidade do “Hook Test” comparando-o com os achados intra-operatórios em 202 pacientes. A sensibilidade geral do teste foi de 86% sendo de 92% nas lesões completas com retração do coto, de 78% nas sem retração, 45% nas completas com lacertus fibrosus íntegro e de 30% nas lesões parciais.[20 ]
Teste da pronação passiva, isoladamente, tem uma sensibilidade de 95% e especificidade de 100%. Ele é realizado com abdução ativa de 90° dos ombros e de 70° de flexão dos cotovelos associado ao movimento de prono-supinação do antebraço. O teste é positivo devido a incapacidade de realizar a supinação ativa do lado lesionado (pronação passiva).[21 ]
Teste do intervalo bicipital é quantificação em centímetros (cm) da migração proximal do ventre muscular do bíceps em referência à linha antecubital do cotovelo acometido. Esta é uma avaliação comparativa ao lado contralateral e apresenta sensibilidade de 88% e especificidade de 50% para lesão.[22 ]
Testes de força de supinação e flexão resistidos podem apresentar déficits de 40% e 30%, respectivamente, quando comparados ao lado contra-lateral.[2 ]
Exames Complementares
Radiografias
As radiografias tradicionais (AP- anteroposterior e perfil) podem ser úteis para identificar possíveis anormalidades ósseas da tuberosidade bicipital do rádio ou calcificações; que sugerem tendinopatia (inflamação crônica). É extremamente incomum a presença de fraturas-avulsões nas lesões do tendão distal do bíceps mesmo nas causas traumáticas.[23 ]
Ultrassonografia
O exame de ultrassonografia apresenta alguns achados característicos como: alterações morfológicas (espessamento, afilamento, descontinuidade tendínea); alterações estruturais (hiperecogenicidade, hipoecogenicidade e defeitos intrassubstanciais); presença de líquido ao redor do tendão; alongamento anormal das fibras, movimento anormal do tendão ou ausência do alongamento das fibras durante manobras dinâmicas[24 ]
[25 ] ([Fig. 3a ]).
Fig. 3 Avaliação por métodos de imagem do tendão do bíceps distal Legenda: a) Ressonância magnética em corte sagital ponderado em T2: lesão completa do tendão do bíceps distal e sua retração proximal (seta); b) Corte axial ponderado em T2: destacamento do tendão do bíceps de seu “footprint” na tuberosidade do rádio; c) Corte ultrassonográfico longitudinal identificando a lesão tendínea (área pontilhada) e retração do tendão ao nível da articulação umeroradial (asterisco); d) Ressonância Magnética em corte FABS (flexão, abdução e supinação) ponderado em T1 demonstrando todo comprimento do tendão do bíceps distal (desde transição miotendínea distal até sua inserção na tuberosidade do rádio - seta) no pós operatório de reinserção.
Quando comparado ao exame de ressonância magnética, apresenta uma acurácia de 45,5% no diagnóstico de lesões completas e de 66,7% nas parciais, com sensibilidade de 62.5% e especificidade 20%.[24 ]
Acurácia de 91%, sensibilidade de 95% e especificidade de 71% nas lesões completas e de 71,4% nas lesões parciais em relação aos achados cirúrgicos.[25 ]
Ressonância Magnética
A ressonância magnética (RM) é considerada o padrão-ouro no diagnóstico por imagem das afecções tendíneas.[26 ]
Nas lesões completas do tendão distal do bíceps a RM apresenta uma sensibilidade de 100%, especificidade de 82,8% com valores preditivos positivos (VPP) e negativos (VPN) de 81,44% e 100%, respectivamente.[26 ] Os achados característicos são: descontinuidade tendínea (100%), aumento da intensidade do sinal nos tecidos ao redor do tendão distal do bíceps braquial (75%) e sinal líquido peri-tendíneo (74,9%)[19 ] ([Fig. 3b, c ]).
Nas lesões parciais há uma baixa sensibilidade (59,1%), porém com alto valor preditivo positivo (100%), alta especificidade (100%) e valor preditivo negativo de 79,1%.[26 ]
Devido à baixa sensibilidade da RM para as lesões parciais, em 2004, Giuffrèe e Moss[27 ] sugeriram o posicionamento de flexão–abdução-supinação (FABS) para otimizar a visualização de toda a extensão do tendão do bíceps braquial desde sua inserção na tuberosidade bicipital do rádio até a junção miotendínea apresentando sensibilidade de 84%, especificidade 86%, VPP: 85% e VPN: 84%[28 ] ([Fig. 3d ]).
Os achados mais frequentes nas lesões parciais são: aumento da intensidade do sinal intratendíneo (63,7%), sinal líquido peri-tendíneo (61,4%), aumento da intensidade do sinal nos tecidos ao redor do tendão do bíceps braquial (32%) e edema na tuberosidade do rádio (22,7%).[26 ]
Estas lesões podem ser classificadas (posição FABS, corte axial e ponderação T1 e T2) quanto à porcentagem acometida do tendão junto à tuberosidade do rádio como proposto por Festa et al.[26 ]
Lesões de
Baixo Grau
: comprometem até 25% da espessura do tendão;
Moderado Grau
: de 26% a 75% e
Alto Grau
: 76% a 99%.[26 ] A correlação dos dados obtidos na RM (FABS) com os achados intraoperatórios foi de 85% a 100% nas lesões completas[17 ]
[26 ] e de 92% nas lesões parciais.[29 ]
Tratamento Não Cirúrgico
Lesões Parciais
As rupturas parciais, principalmente as que envolvem menos de 50% do diâmetro do tendão (baixo e moderado graus), são geralmente tratadas de forma não cirúrgica por um período mínimo de seis meses.[30 ] Elas apresentam padrões com envolvimento variável dos tendões cabeça longa (CL) e curta (CC).[31 ] O envolvimento do tendão da CL foi observado em 88,9% dos casos atraumáticos, enquanto o envolvimento do tendão da CC foi observado em 77,3% dos casos traumáticos.[32 ]
Nos casos em que a terapia incruenta falhar o reparo primário poderá ser a opção. Se a lesão parcial for maior que 50% (alto grau) o reparo cirúrgico é normalmente recomendado.[30 ]
Lesões Completas
Atualmente, o tratamento clínico, ainda é amplamente utilizado; especialmente em pacientes acima de 50 anos e idosos com baixa demanda funcional (devido integridade do músculo braquial e supinador).[23 ] Pacientes com severa restrição de amplitude de movimento passivo do cotovelo e antebraço; infecção ativa; comorbidades que elevem o risco cirúrgico e comprometimento marcante do envelope de partes moles não são elegíveis ao tratamento cirúrgico.[30 ] Dentre as comorbidades com altos índices de insucesso e/ou risco estão: diabetes, obesidade grau 2 (IMC >35kg/m2 ), doença pulomonar obstrutiva crônica (DPOC), insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica (dialíticos) e distúrbios de coagulação.[33 ]
O tratamento consiste em tipóia simples por 7 a 14 dias, seguido de reestabelecimento da mobilidade do cotovelo e fortalecimento muscular conforme tolerado.[2 ] Os pacientes devem ser informados dos resultados desta modalidade de tratamento que incluem: deformidade cosmética, déficit de força de flexão e supinação, aumento da fatigabilidade e cãimbras.[2 ]
Tratamento Cirúrgico
Vias de Acesso
A reinserção do tendão distal do bíceps pode ser realizada através de via única (anterior - VA) ou por dupla-via (anterior e posterior - DV). A VA pode ser realizada por uma única incisão de pele; transversal, vertical ou tipo “S”; tendo como referência a TR ou até com 2 “mini-vias” anteriores em casos com grande retração do coto tendíneo.[34 ]
É importante a supinação máxima na via anterior enquanto na via posterior o plano internervos é realizado entre o extensor ulnar do carpo (EUC) e o supinador com pronação máxima.[6 ]
A supinação máxima na via anterior tem 2 vantagens: (1) mobiliza o nervo interósseo posterior (NIP) para fora do sítio cirúrgico, (2) evita um ponto de reinserção anterior, o que pode limitar a força de supinação final e diminuição da resistência a fadiga.[6 ]
A VA cria um ponto de reinserção do tendão do bíceps mais dorsal na tuberosidade do rádio o que maximiza a força final de supinação enquanto a DV lesiona o músculo supinador, que é submetido a divulsão parcial de suas fibras durante a exposição da tuberosidade o que resulta em comprometimento da força de supinação.[35 ]
Castioni et al.[36 ] em metanálise de 13 estudos (2.622 pacientes) comparou a VA com a DV avaliando os desfechos de: amplitude de movimento (ADM) final, escore “Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand” (DASH) e complicações neurológicas e não-neurológicas. Apresentaram os seguintes resultados: a VA apresentou uma ADM final de flexão e pronação maior; menores taxas de ossificação heterotópica e de reoperações; maior risco de parestesia do nervo cutâneo lateral do antebraço (NCLA); todos resultados com significância estatística; sem diferença no DASH e lesão do NIP.[36 ]
Técnicas Cirúrgicas
A VA é realizada com o antebraço em supinação máxima realizando-se a dissecção inicial entre os músculos braquiorradial e pronador redondo.
A veia basílica e o NCLA são identificados e protegidos, o tendão roto é identificado e liberado das aderências. O coto do tendão é preparado com sutura tipo Krakow ([Fig. 1 ]), utilizando-se fios ultrarresistentes. A fixação poderá ser realizada com botão cortical (BC), 02 âncoras de sutura (AS) ou parafuso de interferência (PI), posicionado o mais ulnar possível no “footprint” da tuberosidade com supinação máxima; para diminuir o risco de lesão do NIP.
Saldua et al.[37 ] analisou a posição do túnel ósseo na tuberosidade do rádio (TR), na técnica com BC, e suas relações com o músculo supinador e o NIP, identificando a melhor posição e angulação para confecção do túnel que são: túnel centrado na tuberosidade, na posição de 30° em direção à ulna. Respeitando-se esses parâmetros, a distância ao NIP foi de 16,4 mm quando comparado com o túnel perpendicular (11,1 mm) com significância estatística (p= .001).[37 ]
Nas reinserções com AS, estas são posicionadas na TR, alinhadas (uma proximal e outra distal), com 1 cm de distância entre si. Duas suturas independentes foram passadas pelo tendão. Inicia-se a fixação pela âncora distal para estabelecer o comprimento, em seguida o da proximal, maximizando a área de contato tendão-osso.[38 ]
Otto et al.
[39 ] nas reinserções com âncoras, comparou a utilização das bioabsorvíveis (BIO) com as metálicas de titânio (MET) em 16 espécimes, todos com a densidade mineral óssea da tuberosidade do rádio semelhantes; e apresentou como resultados: pico de torque até falha de 293,53 ± 122,15N nas BIO e de 280,02 ± 69,34 N nas MET (p = .834). O afastamento do tendão do “footprint” foi de 19,78 ± 2,95 N/mm e 19,30 ± 4,98 N/mm, respectivamente (p= .834).[39 ]
Maciel et al.[38 ] no seguimento PO, apresentou 100% de satisfação com o aspecto estético da cirurgia, a ADM permaneceu inalterada em 95,4% dos casos, o Mayo Elbow Performance Score (MEPS) foi excelente e o retorno ao esporte (mesmo nível pré-lesão) ocorreu em todos pacientes; mesmo com 27,2% de complicações (neuropraxias e perda de ADM).[38 ] A recuperação média da força de supinação no PO foi de 98% e de 94% da de flexão quando comparado ao lado não afetado.[40 ]
Se optado pelo túnel transósseo (TO) será necessária a segunda incisão (DV) entre o extensor ulnar do carpo (EUC) e supinador, para exposição completa da tuberosidade; com o antebraço em pronação máxima.[6 ] A seguir é realizado orifício na tuberosidade do rádio com uma broca tipo “burr” de diâmetro semelhante ao do coto do tendão do bíceps.[6 ] Em seguida, são realizados três orifícios ósseos que permitirão a passagem dos quatro fios que serão tracionados e dessa forma o coto do tendão ficará em posição intraóssea.[41 ] Importante manter-se afastado da ulna para evitar lesão da membrana interóssea e por consequência ossificações heterotópicas ou sinostose rádio-ulnar.[6 ]
Na série de casos de Miyazaki et al. ,[42 ] tratados pela técnica com túneis transósseos, todos pacientes retornaram às atividades diárias, a ADM manteve-se inalterada e não foi observada alteração clínica da força muscular ou evidência de ossificação heterotópica e/ou sinostose rádio-ulnar (clínica ou radiograficamente).[42 ]
Lang et al.
[43 ] relatou o resultado funcional, o impacto das complicações e a relação custo-benefício em pacientes submetidos ao reparo primário das rupturas do tendão distal do bíceps por BC, TO ou AS. Concluíram que a fixação TO com fios de sutura para ruptura total do tendão, realizada por DV e cirurgião experiente, é um método simples, barato e com resultados clínicos satisfatórios.[43 ]
Barret et al.[44 ] também concluíram que a técnica de reparo utilizando a DV com mobilização pós-operatória imediata para rupturas agudas do tendão distal do bíceps é segura e oferece bons resultados após 2 anos em pacientes ativos. As modificações introduzidas por Morrey ao procedimento inicial associada à mobilização precoce está associada a um baixo índice de complicações e limitou a ocorrência de sinostose ou ossificações com resultados confiáveis.[44 ]
Mazzocca et al.[41 ] comparou os métodos de reinserção com túneis transósseos (TO), âncoras de sutura (AS), parafuso de interferência (PI) e botão cortical (BC) em 63 espécimes cadavéricos. Enquanto o TO e o BC ajustável apresentaram maior mobilidade tendínea no “footprint” de 3,55 e 3,42mm, respectivamente, o BC mostrou a maior resistência a falha (440N) comparado a AS (381N), TO (310N) e PI (232N).[41 ]
Reabilitação Pós-Operatória
Reabilitação Pós-Operatória
O maior risco de falha da reinserção tendínea ocorre nas duas primeiras semanas pós-operatórias. Nos reparos agudos os pacientes permanecem com imobilização do membro superior por este período de tempo, com o objetivo de evitar a extensão máxima do cotovelo utilizando órtese com limitação dos últimos 40° da extensão e a progressão no ganho final da extensão é de 10° por semana após a restrição inicial.[6 ] A reabilitação pós-operatória (PO) é dividida em quatro fases específicas: Fase 1 (0 a 6 semanas): objetiva o ganho completo da ADM do cotovelo respeitando a progressão semanal da extensão como descrito anteriormente; Fase 2 (6 a 12 semanas): manutenção da mecânica da articulação escapulo-torácica (exercícios de retração/ protração da escápula), início do fortalecimento do tríceps (isométrico e isotônico) e alongamentos dos flexores e extensores do punho; Fase 3 (12 a 16 semanas): isometria do bíceps e isotônico leve nas posições neutro, supinada e pronada; fortalecimento dos rotadores externos e peri-escapulares em cadeia cinética aberta e fechada; Fase 4 (mais de 16 semanas): manutenção e progressão do fortalecimento dos peri-escapulares, rotadores externos, bíceps e tríceps e início dos gestos esportivos específicos.[45 ]
Resultados Funcionais e Retorno ao Esporte
Resultados Funcionais e Retorno ao Esporte
Em geral, os pacientes podem esperar menos de 5° na limitação da extensão e flexão e perda de até 10° da rotação do antebraço.[46 ]
[47 ]
[48 ] A recuperaração da força de flexão e supinação será em média de 90% do lado não lesionado.[49 ]
Rubinger et al.
[49 ] em uma revisão sistemática com um total de 1.270 pacientes com 1.280 lesões do bíceps braquial, com média de idade de 45,38 anos, seguimento médio de 30 meses (6-84 meses) apresentou retorno completo ao trabalho, sem necessidade de adaptações em 89% dos pacientes (1.128) em um tempo médio de 14,37 ± 0,52 semanas.[49 ] Quando se avalia o retorno ao esporte em alto rendimento, as médias são animadoras no período inicial seguidas de piora progressiva nos anos subsequentes.[50 ]
Pagani et al.
[50 ] reportou em seu estudo com 25 atletas profissionais da National Football League (NFL) um retorno ao esporte em 84% dos casos, todas na temporada seguinte (tempo médio para retorno de 321 ± 45 dias). A sobrevida no esporte após um ano da reinserção do bíceps braquial foi de 76% e com dois anos foi de 56%.[50 ]
Os jogadores que foram submetidos a tratamento cirúrgico tiveram duração da carreira pós-lesão significativamente mais curta e jogaram menos jogos por temporada que os demais jogadores da mesma idade e posição (p .001). Não houve diferença significativa, por posição, nos escores de desempenho.[50 ]
No levantamento de peso olímpico o retorno ao esporte de 61 atletas foi de 93,4%, (independentemente do nível esportivo) porém apenas 65,6% voltaram ao nível pré-lesão e com tempo médio de afastamento de 6 ± 2,8 meses. A reinserção com AS e cirurgia do lado dominante foram associados a uma menor probabilidade de retorno ao esporte no mesmo nível.[51 ]
Complicações
A [Tabela 2 ] demonstra a avaliação comparativa das três revisões sistemáticas publicadas (Amarasooriya et al.
[52 ].; Ford et al.[53 ] e Dunphy et al.
[54 ]) com o maior número de pacientes, entre os anos de 2010 e 2020, em relação as complicações maiores e menores da reinserção do tendão distal do bíceps.
Tabela 2
Amarasooriya et al.
[52 ]
Ford et al.
[53 ]
Dunphy et al.
[54 ]
Número de pacientes (n)
3.091
970
784
Complicações Maiores (Total)
4,60%
7,50%
8,16%
Lesão NIP
1,60%
1,90%
1,30%
Re-Ruptura Tendínea
1,40%
1,50%
1,80%
Sinostose Rádio-Ulnar
0,10%
1%
n.i.
Complicações Menores
20,40%
21,50%
25,20%
Lesão NCLA
9,20%
13%
21%
Lesão NRS
2,40%
4,90%
4,20%
O momento da cirurgia desempenha um papel importante na ocorrência de complicações.[53 ]
[54 ]
[55 ] Diversos autores como: Cain et al.
[55 ], Bisson et al.[56 ] e Kelly et al.
[57 ] apresentaram em suas séries de casos, taxas de complicações no tratamento precoce (até 2 semanas) entre 20 e 30% e a partir deste intervalo de tempo, de até 41%.[56 ]
[57 ]
[58 ]
[59 ]
Para evitar as complicações; a remoção de resíduos ósseos, lavagem da ferida e hemostasia poderá diminuir a taxa de ossificação heterotópica. Uso cuidadoso de afastadores, evitando a sua colocação cega, ou seja, posterior ao rádio, podem diminuir a incidência de paralisia do NIP, especialmente na técnica da VA.[58 ]
As re-rupturas são raras com uma taxa de cerca de 1 a 2%.[53 ]
[54 ]
[55 ]
[56 ]
[57 ] Uma taxa de re-ruptura mais alta, de 5%, foi publicado em pacientes tratados com fixação por AS.[45 ]
Limitações
Os estudos das lesões do tendão distal do bíceps são centrados, em sua maioria, nas vias de acesso, técnicas cirúrgicas e complicações. Os resultados finais são expressos por escores funcionais principalmente o MEPS que não necessariamente reproduzem a realidade da população acometida por esta lesão (adultos de 35-54 anos) além do tempo de seguimento insuficiente. Avaliações e testes funcionais e de força, dinamometria isocinética, são necessários em trabalhos futuros, pois o retorno ao esporte é longo, aproximadamente 1 ano, e em atletas profissionais a durabilidade da carreira pós-lesão é de 56% nos 2 anos subsequentes ao tratamento cirúrgico.
Comentários Finais
A ruptura do tendão distal do bíceps braquial é uma lesão infrequente. Ocorre principalmente em homens de meia-idade envolvidos em trabalhos pesados ou esportes. O reparo cirúrgico precoce produz os melhores resultados com diminuição da incidência de complicações e retorno da função de forma consistente.