Palavras-chave
articulação sacroilíaca - gestação - instabilidade articular - ossos pélvicos - período
pós-parto - sínfise pubiana
Introdução
Na gestação, ocorre o fenômeno de hipermobilidade osteoligamentar, em especial da
pelve, para permitir o parto vaginal. O espaço da sínfise púbica aumenta fisiologicamente
cerca de 3 mm a 5 mm.[1] Se a diástase atingir mais de 10 mm, pode desencadear instabilidade pélvica e dor,
e se torna uma condição patológica denominada disjunção da sínfise púbica periparto
(DSPP).[2]
Trata-se de uma lesão incomum[3] e, pelo fato de geralmente ser assintomática, é difícil o cálculo exato dos pacientes
acometidos.[4] A maioria dos casos é tratada de maneira conservadora;[2] no entanto, neste artigo, relatamos o caso de uma paciente diagnosticada com DSPP
grave para a qual se indicou o tratamento cirúrgico, uma situação rara.
Relato de Caso
Este relato de caso foi aprovado pelo Comitê de Ética de nossa instituição sob o número
CAAE: 55515122.3.0000.5505.
Uma paciente do sexo feminino, de 38 anos, na 38ª semana de sua quarta gestação, foi
admitida no Setor de Obstetrícia em trabalho de parto espontâneo. Ela já havia sido
submetida a parto por cesárea, negava outros procedimentos cirúrgicos, comorbidades
ou antecedentes familiares, e apresentava altura uterina de 37 cm, dilatação de 7 cm,
e feto em apresentação cefálica. A paciente evoluiu para trabalho de parto vaginal,
sem necessidade de episiotomia ou fórceps, e deu à luz um neonato vivo, do sexo masculino,
que pesava 3,455 g, e tinha pontuação de 8/9 na escala de Aparência, Pulso, Gesticulação,
Atividade, Respiração (Apgar).
No pós-parto imediato, a paciente evoluiu com dor em região lombar e pélvica, pior
à deambulação, irradiada para o quadril e o joelho direito, associada a perda de força
nos membros inferiores, sem alteração de sensibilidade. Foi solicitada avaliação da
clínica médica, que descartou hipótese de trombose venosa profunda (TVP), e da neurocirurgia,
que levantou as hipóteses de síndrome radicular e polirradiculoneurite. Prescreveu-se
dexametasona 4 mg de 8/8h e solicitou-se tomografia computadorizada de coluna lombar.
Dois dias após o parto, a paciente manteve o quadro álgico, e observou-se equimose
na região vulvar. Uma radiografia de pelve evidenciou disjunção da sínfise púbica
de 7 cm ([Fig. 1]). A equipe ortopédica orientou repouso, profilaxia para TVP e acompanhamento radiográfico
para verificar redução espontânea da sínfise no puerpério. Quatro dias após o parto,
a paciente mantinha-se estável hemodinamicamente, com disjunção palpável na sínfise
púbica e sem melhora radiográfica. Devido à manutenção do quadro álgico, principalmente
à deambulação, e à disjunção importante da sínfise púbica e ao acometimento da articulação
sacroilíaca, verificados na tomografia ([Fig. 2]), optou-se pelo tratamento cirúrgico. Realizou-se redução da sínfise púbica e fixação
com duas placas de reconstrução ortogonais, além da fixação da articulação sacroilíaca
com parafuso canulado de 7.0 mm de fixação percutânea ([Fig. 3]). O procedimento foi realizado sem intercorrências, e a paciente teve alta hospitalar
no dia seguinte, com analgésicos, antibiótico, profilaxia para TVP e orientação de
deambulação com auxílio de andador e carga parcial no membro inferior direito.
Fig. 1 Radiografia anteroposterior da pelve que evidencia disjunção da sínfise púbica com
7 cm de diástase.
Fig. 2 Tomografia computadorizada que evidencia acomentimento da articulação sacroilíaca
direita, com espaço articular de 9,7 mm em comparação a 6,2 mm do lado oposto. (A) Corte axial. (B) Corte coronal.
Fig. 3 Radiografias pós-operatórias da redução e fixação da sínfise púbica e da articulação
sacroilíaca direita. (A) Incidência anteroposterior. (B) Incidência inlet. (C) Incidência outlet.
Na segunda semana de pós-operatório, a paciente apresentava-se com ferida operatória
cicatrizada, queixa álgica, com pontuação de 4 na Escala Visual Analógica (EVA) de
dor ao andar e, em repouso, pontuação de 2. Ela iniciou tratamento fisioterápico e
apresentou boa evolução. Carga total foi liberada na sexta semana e, no sexto mês
de pós-operatório, a paciente já havia retornado ao trabalho (faxineira), assintomática
quando em repouso e mencionava queixa álgica discreta (EVA = 2) apenas ao subir escadas
e ao se agachar. Ao final do tratamento, a paciente afirmou estar satisfeita (satisfação
8 de 10).
Discussão
A DSPP é uma condição incomum no cotidiano ortopédico e obstétrico, com incidência
que varia de 1/30.000 a 1/300 gestações.[3] A investigação deve excluir ciatalgia, infecção geniturinária, TVP e inflamação
da sínfise púbica.[5] No caso aqui relatado, o diagnóstico de DSPP só foi realizado depois da avaliação
de outras três especialidades médicas.
A paciente apresentava sintomas clássicos para DSPP: dor púbica e sacral irradiada
para os membros inferiores, pior à deambulação, iniciada após o parto.[5] Apresentou também sinal de Destot (hematoma na região dos grandes lábios),[6] o que levou à realização da radiografia que evidenciou a lesão.
Idade materna avançada e multiparidade são dois fatores de risco para DSPP presentes
neste caso.[7] Estudos demonstraram que nuliparidade, parto cirúrgico, trauma pélvico prévio e
anestesia peridural também são fatores de risco.[2]
[3]
[7] No estudo de Sung et al.[2] a incidência de DSPP tendeu a aumentar com o aumento da idade materna, mas não foi
estatisticamente significativa. Pelve pequena e feto grande são considerados fatores
de risco, mas alguns estudos demonstraram não haver correlação.[2]
[8]
[9]
A maioria dos casos de DSPP é tratada conservadoramente com analgésicos, repouso e
colete pélvico, e apresenta melhora em seis semanas, mas os sintomas podem perdurar
por até seis meses. A redução estável da sínfise é observada na radiografia ou na
ultrassonografia dentro de três meses.[5] No estudo de caso-controle de Sung et al.,[2] todos os 33 casos identificados foram tratados de forma conservadora com colete
pélvico. Destes, 5 apresentaram diástase da sínfise maior do que 4 cm, sendo que 4
mantiveram dor pélvica por pelo menos 1 ano.
Alguns estudos discutem que diástases maiores do que 4 cm são candidatas à fixação
cirúrgica.[4] Além disso, quando a diástase da sínfise é maior do que 2 cm, o acometimento da
articulação sacroilíaca é frequente.[2] Nossa paciente apresentava diástase da sínfise de 7 cm, além de lesão da articulação
sacroilíaca visível na tomografia computadorizada. Por esses motivos, optou-se pelo
tratamento cirúrgico, para tratar a lesão, prevenir a instabilidade pélvica e diminuir
a chance de dor crônica.
São indicações formais de tratamento cirúrgico para DSPP: dor crônica, falha de fechamento
da sínfise, recorrência da diástase após retirada do cinto pélvico e instabilidade
sacroilíaca.[5] Atualmente, há uma tendência ao tratamento cirúrgico devido à possibilidade de marcha
e reabilitação precoce, recuperação mais rápida e melhor desfecho funcional. Além
disso, com o tratamento conservador, um terço das mulheres tem chance de recorrência
de DSPP nos partos vaginais subsequentes.[10]
Destaca-se no relato de caso a dificuldade para o diagnóstico da DSPP. É essencial
que haja a suspeita dessa condição em quadros de dor pélvica pós-parto e que seja
realizada investigação. O tratamento conservador é o de escolha na maioria dos casos,
porém, quando há indícios de lesão da articulação sacroilíaca e instabilidade pélvica,
o tratamento cirúrgico pode ser indicado, com bons resultados em termos de melhora
da dor e da função, além de boa satisfação com o tratamento.