CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(06): e854-e861
DOI: 10.1055/s-0043-1776771
Artigo Original | Original Article

Matriz de competências em ortopedia e traumatologia para abordagem do sistema musculoesquelético para graduação médica

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1   Médico Ortopedista e Traumatologista, Curso de Medicina e Mestrado em Ensino em Saúde – Universidade José do Rosário Vellano, Alfenas, MG, Brasil
,
2   Médico Psiquiatra – Doutor em Medicina. Departamento de Medicina da Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS, Alfenas, MG, Brasil
,
3   Médico – Clínico, Residente de Ortopedia e traumatologia do Hospital Municipal de Governador Valadares, Governador Valadares, MG, Brasil
› Author Affiliations
Suporte Financeiro A presente pesquisa não recebeu nenhum financiamento específico de agências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

Objetivo Construir uma matriz de competências em ortopedia e traumatologia, com enfoque no sistema musculoesquelético, necessárias ao egresso do curso de medicina no Brasil.

Método Utilizou-se a metodologia e-Delphi, visando captar a opinião de participantes de forma anônima. A primeira proposta contou com 42 itens, frutos de revisão bibliográfica e relevância epidemiológica, disponibilizados para os painelistas pelo Google Forms e enviados através do aplicativo de mensagens instantâneas Whatsapp. Constituiu-se um painel de 26 especialistas agrupados em três categorias: docentes de Ortopedia e Traumatologia, médicos da Atenção Primária e Emergencistas. O consenso foi obtido após a realização de 3 rodadas, com pelo menos 75% de concordância entre os itens inicialmente apresentados. Foram também considerados quatro indicadores: competências pré-requisito, essenciais, desejáveis e avançadas.

Resultados obteve-se uma matriz com 34 competências relativas à abordagem do sistema musculoesquelético, que contempla ações de diagnóstico e conduta de todas as faixas etárias.

Conclusão Foi construída uma matriz de competências em Ortopedia e Traumatologia para graduação médica com possibilidades de ser utilizada na sua íntegra ou de forma parcial, de acordo com o perfil do currículo institucional.


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Introdução

A ortopedia e traumatologia é uma das especialidades médica que se dedica ao estudo, diagnóstico e tratamento das patologias traumáticas e não traumáticas que acometem o sistema musculoesquelético (SME). Porém, até 25% das consultas de clínica geral estão relacionadas a esse sistema. A Organização Mundial da Saúde designou 2000–2010 como a “Década do Tecido Ósseo e Conjuntivo” para indicar a importância das condições musculoesqueléticas na prestação global de cuidados de saúde.[1] [2] [3]

As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina[4] incentivam a formação generalista de médicos e expõem a necessidade de que o médico generalista aborde os problemas mais comuns da prática médica diária, utilizando recursos, conhecimento, habilidades e atitudes, sob diferentes condições, promovendo uma medicina de qualidade, especialmente para os usuários do Sistema Único de Saúde.[4]

Muitas regiões do Brasil não possuem um serviço especializado para atender as demandas do SME, contando com um médico generalista, que deve gerenciar esses casos com poucos recursos. O primeiro atendimento, o reconhecimento da urgência/emergência e a correta condução desses casos determinam o resultado para o paciente.[5] [6]

Nesse cenário, verifica-se que conhecimentos básicos para abordagem do SME são necessários a todos os profissionais médicos.[7] Até o momento, no Brasil, não foi publicada nenhuma proposta para o estabelecimento de um currículo mínimo baseado em competências para o ensino da ortopedia na graduação em medicina.

Nesse escopo, a construção de um consenso sobre as competências do ensino de ortopedia e traumatologia na graduação pode contribuir para o melhor entendimento dos problemas do SME ao futuro médico generalista. Além disso, contribui também para a formação de profissionais com conhecimento e segurança na tomada de decisões e consequente melhoria na qualidade de assistência para a população.[3] [8]

Nesse sentido, a técnica de Delphi pode ser utilizada para se definir este consenso. Essa técnica visa obter uma concordância entre experts separados geograficamente, chamados painelistas, que são convidados a responder rounds sucessivos de perguntas. Foi desenvolvida na década de 50 e assim denominada devido ao Oráculo da Ilha de Delphos.[9] Parte-se da premissa de que a construção coletiva do conhecimento é mais profícua do que sua contribuição individual.[9] [10]

O método tem como características básicas: o anonimato, que permite ao indivíduo expor sua opinião sem o risco de constrangimento; o feedback para compartilhamento de opiniões e a possibilidade de alteração de posicionamento ao longo do processo.[11] com a popularização da internet, pelo e-Delphi, é possível aumentar a abrangência do estudo e envio de questionários online.[12] [13]

Diante disso, o objetivo do estudo foi construir uma matriz de competências em ortopedia e traumatologia, com enfoque no sistema musculoesquelético, necessárias ao egresso do curso de medicina no Brasil, utilizando a metodologia e-Delphi.


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Materias e Métodos

Trata-se de um estudo primário que utiliza uma abordagem qualitativa, a partir do método E-Delphi, em busca de um consenso sobre o tema pesquisado, por meio do qual se definiu quais seriam os painelistas, a quantidade de rodadas, o nível de concordância e a formatação das perguntas, que seriam enviadas. Para esta pesquisa, definiu-se o WhatsApp como recurso para comunicação com os painelistas.

Na literatura, a maioria dos artigos define como consenso a concordância em torno de 75% sobre um determinado assunto em cada round. Portanto, utilizou-se esse valor neste estudo.[7] [11] [13]

Somado a isso, recomenda-se que o painel deve ter a participação de especialistas de áreas diferentes debatendo sobre o mesmo assunto. O tamanho da amostra, pode variar entre 10 e 30 participantes. Um número maior pode ocasionar dificuldades para gerenciamento e feedback das respostas. Um número menor pode determinar uma perspectiva limitada do assunto. Ademais, é comum haver baixa taxa de resposta em determinadas rodadas e a perda de alguns painelistas durante o processo.[7] [11]

A amostra foi selecionada de forma não probabilística, por conveniência, por meio de indicações de contatos pessoais. Para atingir os objetivos, convidou-se, 30 painelistas atuantes no território brasileiro, dentre os quais ⅓ são ortopedistas, ⅓ médicos atuantes na Medicina de Família e Comunidade (MFC) e ⅓ médicos emergencistas.[12] [13]

Os critérios de inclusão foram: ortopedistas que estivessem atuando na docência na graduação em Medicina ou de residência medica, médicos da Estratégia de Saúde da Família e médicos da Medicina de Emergência. Todos os participantes têm título de especialista pelo MEC ou sociedade da especialidade. Foram excluídos os médicos que abandonaram o estudo em alguma de suas rodadas.

O instrumento de coleta de dados aplicado neste estudo foi estruturado, utilizando-se a plataforma Google Forms e os links de resposta enviados aos participantes através de mensagens no WhatsApp.

O questionário foi organizado em quatro partes: a) Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido (TCLE), b) dados sociodemográficos, c) 41 afirmações pré-definidas sobre conteúdos de traumatologia e ortopedia relacionadas ao currículo de graduação médica, classificadas em níveis de concordância pela Escala de seis pontos, de Likert, significando: 1 - discordo plenamente, 2 - discordo parcialmente, 3 - discordo, 4 - concordo, 5 - concordo parcialmente e 6 - concordo plenamente, para registrar a opinião sobre cada uma; d) espaço para comentários livres sobre a rodada de perguntas-respostas, sugerir mudanças no nivelamento e adicionar competências que não tenham sido contempladas. Após leitura e compilação das respostas, realizou-se um feedback para compartilhamento das opiniões, de forma anônima, entre os participantes.[13]

As afirmações construídas foram baseadas no cruzamento de dados sobre as principais causas de internações em ortopedia e traumatologia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2020, causas de afastamento do trabalho pela Previdência Social no mesmo ano, artigos de ortopedia baseados em uma revisão integrativa da literatura, utilizando as bases da Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e do PUBMED. Realizou-se o nivelamento das competências conforme ([Quadro 1]).[8] [14] [15] [16] [17] [18] [19]

Quadro 1

Nivelamento da competência

Descrição

Pré-requisito

O que se espera em termos de competência de um graduando ao final do ciclo básico

Essencial

O que se espera de competências para o graduando ao fim de seu processo de graduação

Desejável

O que se espera de um médico generalista diferenciado que consiga avançar para além das competências essenciais

Avançada

O que se espera de um profissional que tenha adquirido uma proficiência em habilidades mais complexas, adquiridas por treinamento adicional

A partir da segunda rodada, o questionário passou a ser estruturado com temas selecionados pelas respostas do anterior. A partir dessa fase, não foi permitido acrescentar competências, somente modificar o texto e o nível, que foram baseados no maior percentual de opiniões.

Empregou-se a Escala de Likert para apurar a convergência de posicionamento. De modo similar ao primeiro round, realizou-se a verificação das repostas e feedback para compartilhamento das opiniões, de forma anônima, entre os participantes, com denominação aleatória.[9] [13]

O processo repetiu-se na terceira rodada. A análise dos dados incluiu a observação das recorrências e percentagens das afirmações em cada round. Definiu-se o critério de inclusão da proposição quando a convergência das respostas nos números 5 e 6 foi igual ou superior a 75%; e de exclusão da proposição quando a convergência das respostas foi igual ou superior a 75% nos números 1 e 2. As afirmações que não preencheram os critérios de inclusão e nem de exclusão foram reelaboradas pelo primeiro pesquisador e validadas por outro pesquisador, levando em consideração os comentários e respostas dos especialistas a respeito da apresentação e nivelamento das competências, para retornar em seguida, para aguardar os 75% para aprovação.[9] [11]


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Resultados

Participaram respondedores de todas as regiões do país, com maior distribuição na ortopedia e predomínio do Sudeste ([Fig. 1]).

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Fig. 1 Distribuição da frequência da variável gênero por especialidade dos participantes da pesquisa (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.

A representação das especialidades foi equivalente, com ligeira predominância da ortopedia e Estratégia Saúde da Família (ESF) 34,6%, em relação aos emergencistas 30,8% ([Figs. 2] e [3]).

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Fig. 2 Distribuição da frequência da variável gênero por especialidade entre os participantes da pesquisa (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.
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Fig. 3 Distribuição da frequência da variável especialidade (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.

A primeira rodada de questionário deste estudo contou com a participação de 26 painelistas (86,6%): um ortopedista, um médico da ESF, e dois emergencistas não responderam.

O consenso foi alcançado em 20 afirmações (48,7%). A taxa de concordância foi maior nas competências categorizadas em pré-requisito e essencial. Entre essas afirmações, três se destacaram por alcançar 100% de convergência ([Quadro 2]). Não houve exclusão, pois, o percentual de posicionamento 1 e 2 foi insuficiente.

Quadro 2

AFIRMAÇÕES

CONSENSO

PRÉ-REQUISITO

Aplicar a anatomia básica do sistema osteomioarticular na prática médica

96,1%

Aplicar a anatomia vascular e neurológica básica dos membros superiores e inferiores na prática médica

92,3%

Aplicar a fisiologia básica do tecido ósseo na prática médica

84,7%

Aplicar a fisiologia básica do sistema muscular na prática médica

92,4%

NÍVEL ESSENCIAL

Realizar anamnese e exame físico focados na semiologia geral do sistema musculoesquelético, de acordo com as queixas dos pacientes

96,2%

Solicitar corretamente as incidências radiológicas para o local a ser estudado, bem como diferenciar o que seja anatomia radiológica normal das possíveis alterações encontradas

80,7%

Solicitar e interpretar os principais exames laboratoriais em Ortopedia e Traumatologia

92,3%

Reconhecer uma fratura exposta e dar o seu correto encaminhamento, tomando as medidas iniciais necessárias

96,2%

Compreender o conceito de luxação, bem como reconhecê-la como urgência

100%

Reconhecer os sinais e sintomas de uma síndrome compartimental, encaminhando o paciente como urgência

100%

Diagnosticar uma fratura-luxação em livro aberto (BACIA), tomando as medidas necessárias para suporte das funções vitais e transporte do paciente

96,2%

Detectar os sinais e sintomas dos quadros de infecções osteoarticulares (osteomielite e artrite séptica), encaminhando o paciente como urgência

100%

Fazer uso judicioso dos principais fármacos prescritos na ortopedia e traumatologia

96,1%

Conhecer opções de tratamento não farmacológico para tratamento da dor crônica, incluindo abordagens psicossociais

80,7%

Orientar medidas ergonômicas para prevenção de problemas ortopédicos

76,9%

Diagnosticar e orientar o paciente em casos de osteoartrose, principalmente joelho, quadril e coluna vertebral

77%

NÍVEL DESEJÁVEL

Diagnosticar e conduzir provisoriamente fraturas do úmero proximal e do rádio distal em idosos

76,9%

Diagnosticar e encaminhar casos de fratura transtrocanteriana e do colo do fêmur

84,6%

Reconhecer e avaliar os pacientes com sintomas compatíveis com Síndrome do Túnel do Carpo

76,9%

NÍVEL AVANÇADO

Realizar uma punção articular em joelho

76,9%

A segunda rodada da pesquisa teve retorno de 25 painelistas (96%): um médico da ESF escolheu sair do estudo. Constituiu-se um total de 28 afirmações, pois houve fragmentação e retorno de uma já aprovada, e acrescentaram-se cinco sugestões ([Quadro 3]).

Quadro 3

Afirmações

Consenso

NÍVEL ESSENCIAL

Solicitar corretamente as incidências radiológicas para o local a ser estudado.

84%

Avaliar corretamente os casos de dor lombar, fazendo o diagnóstico diferencial entre as possíveis causas e indicar o seguimento adequado

92%

Realizar o tratamento inicial das feridas nos membros superiores e inferiores e dar o correto encaminhamento diante de quadros suspeitos de lesões tendinosas e nervos periféricos

84%

NÍVEL DESEJÁVEL

Imobilizar provisoriamente o membro traumatizado para controle da dor, conforto e transporte do paciente; indicando, confeccionando e aplicando corretamente as imobilizações (talas)

84%

Avaliar exames radiográficos e diferenciar o que seja anatomia radiológica normal das possíveis alterações encontradas, ou seja, suspeitar de alterações radiográficas mesmo sem definir o diagnóstico precisamente

84%

Orientar o paciente nos casos de osteoporose

80%

NÍVEL AVANÇADO

Realizar o atendimento inicial do politraumatizado.

84%

Realizar o diagnostico diferencial entre as principais artropatias inflamatórias

76%

Identificar lesões características em casos de suspeita de maus-tratos

78%

Orientar crianças e adolescentes quanto às deformidades da coluna vertebral: hipercifose, hiperlordose e escoliose

76%

Suspeitar de fraturas nos ossos mais acometidos em recém-nascidos (tocotraumatismos): clavícula, úmero e fêmur

84%

Reconhecer o padrão das fraturas supracondilianas do úmero, diafisárias dos ossos do antebraço e do punho em crianças e adolescentes e realizar o atendimento inicial

80%

Reconhecer o padrão das fraturas da diáfise da tíbia e epifisiólise do tornozelo em crianças e adolescentes e realizar o atendimento inicial

80%

Alcançaram consenso 13 competências (46%), que foram acrescidas das modificações indicadas. A mudança de nivelamento para desejáveis e avançadas não favoreceu a convergência. Não houve concordância de 100%, e nenhuma foi excluída ([Quadro 3]).

Na terceira rodada o painel foi reduzido para 24 participantes: um ortopedista optou por não responder. Assim, a amostra se equilibrou, com oito experts em cada área. Entretanto, o estudo foi interrompido devido à percepção de persistência das respostas em relação a determinadas proposições. A convergência mínima de 75% ocorreu somente em duas afirmações.

As 15 afirmações foram avaliadas e somente duas (1 e 13) alcançaram consenso, com sugestão de mudança da 13 para nível “desejável” ([Quadro 4]).

Quadro 4

Afirmações

Consenso

NÍVEL ESSENCIAL

Atuar primariamente em casos de amputação (cuidados como local do trauma, conservação e acondicionamento correto do membro amputado) e encaminhar o paciente

79,2%

NÍVEL AVANÇADO

Atuar primariamente em casos de fratura da diáfise do úmero, diáfise dos ossos do antebraço, rádio distal e escafoide em adultos

78,8

Ao final de três rodadas de questionários, obteve-se uma matriz de 34 competências em Ortopedia e Traumatologia, a serem capacitadas durante a graduação médica ([Quadros 2], [3 e] 4). As competências que não alcançaram consenso estão apresentados no [Quadro 5].

Quadro 5

Competências

Avançadas

Realizar a abordagem inicial do paciente em caso de queixa de torcicolo

Realizar a abordagem inicial do paciente em caso de entorse de joelho

Realizar a abordagem inicial das dores miofasciais mais prevalentes

Realizar a abordagem inicial do paciente em caso de entorse de tornozelo

Suspeitar de casos de tumores ósseos benignos, malignos e metastáticos, diante de alterações radiográficas

Realizar o atendimento inicial casos de fratura da patela, platô tibial e metatarsos em adultos

Conhecer as manobras de exame físico para detecção de doença displásica do desenvolvimento do quadril pediátrico

Conhecer as patologias que necessitam de eletroneuromiografia como exame complementar

Diferenciar as principais deformidades congênitas do pé da criança

Diferenciar as principais deformidades no joelho de crianças e adolescentes

Abordar primariamente em pacientes adultos com queixa de dor no ombro

Reconhecer os casos de Pronação Dolorosa, orientar os pais e encaminhar o paciente

Indicar corretamente fisioterapia e\ou exercícios para prevenção e reabilitação dos principais problemas musculoesqueléticos


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Discussão

A estruturação da pesquisa, de forma a convergir opinião de painelistas das três áreas diferentes sobre o mesmo tema, atingiu o objetivo proposto. A matriz de competências em Ortopedia e Traumatologia para a graduação que foi produzida é estruturada e abrangente. A tendência de identificação com a especialidade direcionou cada painelista a emitir um parecer circunscrito a sua expertise; e os pontos em comum constituíram o consenso.[11] [12]

A perda amostral apresentada na primeira rodada foi abaixo dos relatos da literatura, que estimam perda de aproximadamente 20% no primeiro round.

Martins et al.[3] aplicaram um teste para avaliação de competências musculoesqueléticas em alunos do primeiro ao quinto ano de um curso de graduação em medicina. Os alunos do terceiro ano tiveram o melhor resultado em questões básicas de anatomia, com diminuição do desempenho nas turmas seguintes.

Um outro estudo realizado por Fialho et al.[20] para avaliar a prevalência dos sintomas musculoesqueléticos em uma unidade de emergência e a frequência de descrição do exame físico musculoesquelético nesses casos, apontou que as queixas musculoesqueléticas são frequentes na unidade de emergência avaliada, porém os sintomas musculoesqueléticos são insuficientemente avaliados. Os autores ressaltam que este resultado pode estar relacionado a uma formação médica insuficiente, sendo necessário que as escolas médicas deem mais ênfase nas formações de maneira que jovens médicos estejam mais preparados para lidar com essas doenças comuns.

Ainda sobre avaliações e conhecimentos do sistema musculoesquelético por parte dos alunos do curso de medicina, Bockbrader et al.[21] ressaltam que além da avaliação física do paciente, é necessário que os profissionais da área tenham experiência para avaliar a ultrassonografia musculoesquelética. Porém, um estudo realizado por estes mesmos autores revelou a falta de experiência destes profissionais para esta avaliação.

As competências niveladas em “pré-requisito” compõem o grupo pelo qual se devem iniciar os estudos em ortopedia, pois abrem espaço para os discentes resgatarem o conhecimento do ciclo básico e aplicação na prática médica.[3] [7]

Nesse sentido, é esperado que o generalista aumente o índice de suspeição diagnóstica desses traumatismos a partir do reconhecimento de padrões característicos, de forma simplificada. Foram incluídas por estarem entre as mais frequentes na carga global de doenças musculoesqueléticas. Obtém-se um ganho adicional porque, partindo desse pressuposto, mesmo as competências excluídas, referentes ao padrão de fraturas, podem ser desenvolvidas no curso da carreira médica, o que leva a um questionamento: todos esses itens, necessariamente, deveriam estar presentes? A resposta é sim, porque estão niveladas em “desejáveis e avançadas” e, portanto, não são prioridades. Mas, em caso de tempo hábil para treinamento, possivelmente, promovem substancial melhoria na prestação dos serviços de saúde.[1] [3] [14] [22] [23]

As 13 competências que não alcançaram consenso estão niveladas em “avançadas” e, em sua maioria, relacionadas a patologias não traumáticas. Os painelistas podem ter entendido tratar-se de temas mais específicos e da competência da ortopedia e suas subespecialidades ([Quadro 5]).[24]

O volume de conteúdo é um dos limitadores deste estudo porque demandou maior tempo para avaliação dos painelistas e pode se traduzir em adversidade para implementação da matriz. Apesar de se referir a uso racional do tempo, não indica em qual momento da graduação deve ser aplicada.

Novos estudos poderiam abordar a aplicabilidade prática da matriz proposta e sua efetividade, bem como descrever a experiência de professores e alunos durante o processo e os resultados gerados após sua efetivação.


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Conclusão

Foi construída uma matriz competências em Ortopedia e Traumatologia com possibilidades de ser utilizada na sua íntegra ou de forma parcial, de acordo com o perfil do currículo médico.


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Conflito De Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Comitê De Ética

Este tipo de estudo não envolve seres humanos, por isso dispensa a aprovação do comitê de ética.


Estudo desenvolvido na Universidade José do Rosário Vellano, Alfenas, MG, Brasil


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Endereço para correspondência

Alexandre de Araújo Pereira
Rua Professor Moraes, 562–805, Savassi, 30150-370, Belo Horizonte, MG
Brasil   

Publication History

Received: 13 February 2023

Accepted: 05 May 2023

Article published online:
08 December 2023

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Fig. 1 Distribuição da frequência da variável gênero por especialidade dos participantes da pesquisa (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.
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Fig. 2 Distribuição da frequência da variável gênero por especialidade entre os participantes da pesquisa (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.
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Fig. 3 Distribuição da frequência da variável especialidade (n = 26). Fonte: Elaborado pelo autor.
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Fig. 1 Frequency distribution of the gender variable by specialty of research participants (n = 26). Source: Prepared by the authors.
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Fig. 2 Frequency distribution of the gender variable by specialty among research participants (n = 26). FHS, Family Health Strategy. Source: Prepared by the authors.
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Fig. 3 Frequency distribution of the specialty variable (n = 26). FHS, Family Health Strategy. Source: Prepared by the authors.